sábado, 31 de dezembro de 2011

ADEUS PLANETA TERRA


A leitura dos hieróglifos maias revelou que um fenômeno abrupto na rota do planeta Terra mudaria o curso da história da humanidade. No equinócio do outono, no hemisfério sul e da primavera, no  hemisfério norte, uma inesperada atração magnética do Sol inclinaria o eixo da Terra, produzindo-se uma freada brusca do nosso planeta que gira a 107 mil km/h. Pela lei da inércia, tudo irá ao chão. Os oceanos cobrirão todos os continentes. O ventre da Terra cuspirá fogo pela boca de todos os vulcões. A catástrofe não será lamentada por sobreviventes nem os departamentos de prevenção de desastres seriam acusados de inoperância ou de desvio de dinheiro.
Estou ainda em 2011 e posso imaginar, se um único brasileiro sobrevivesse ao acontecimento final, que teria ele a lamentar.
Aquela dinheirama toda do pré-sal misturada com lavas.
O ganhador da loteria de fim de ano que mal começara a comprar fazendas e o carro importado.
O PIB do ministro da fazenda que levaria o Brasil para a posição de quarta potência mundial.
A frustração da Copa do Mundo de futebol que consagraria o Brasil como hexacampeão, e todos os estádios em ruínas irreconhecíveis.
Os bilionários e seus aviões a jato mergulhados em profundidades oceânicas inalcançáveis.
O Prêmio Nobel de literatura, ciências e artes, não contaria com o aparecimento de um escritor de ficção científica ou pintor de natureza morta.
Os milhões de brasileiros que acabaram de sair da extrema pobreza para comprar sua casa, seu computador, uma cama decente, um celular pré-pago, um carro de segunda mão, um panetone para o Natal e conhecer outras delícias da classe média.
Esse único brasileiro, privilegiado e honesto, lamentaria que os indiciados do mensalão, os acusados de peculato e prevaricação, os assaltantes do Erário público, os anistiados de ficha suja tivessem morrido antes das devidas condenações.
Lastimaria a universal injustiça que milhões de miseráveis e famintos tivessem perdido a oportunidade de sentar num bar de esquina e comprar um refrigerante de cupuaçu aos filhos com o dinheirinho ganho como assistentes de pedreiro de uma construtora de Brasília do único bairro ecológico da América Latina.
Como não estarei aqui no equinócio do outono, apresso-me em publicar esta crônica, antecipadamente, com risco de não ter leitores depois da catástrofe.
Deixo, neste finzinho de 2011, meu adeus ao planeta Terra, sabendo que ele continuará, sem nós, sua rota interplanetária cheia de surpresas astrais nas celebrações do zodíaco.

Não poupe seus comentários. Envie-os pelo e-mail:
eugeniogiovenardi@gmail.com


quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

POÇO ARTESIANO



Mais um poço artesiando é furado, às vesperas do Natal, no km 17,5 da BR 060, que de Brasília vai a Goiânia, dentro do perímetro do Distrito Federal, nas cabeceiras do Ribeirão das Lajes.
Nestes últimos meses, já somam 15 esses crimes ambientais ao longo dessa rodovia, entre o km 12 e o km 23.'
Quem fiscaliza? Ibama, Chico Mendes, Adasa, Ibram, Secretaria de Recursos Hídricos, Ministério do Meio Ambiente, ANA?
Órgãos públicos não faltam.
Algum deles deu autorizaçáo para a abertura indiscriminada e criminosa de poços artesianos?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

PORQUE ME UFANO DE MEU PAÍS



(O livro de Affonso Celso foi publicado em 1900)

Para Affonso Celso, o primeiro motivo de superioridade do Brasil era a possibilidade de alcançar, com a mesma densidade populacional de Portugal, à época, 400 milhões de habitantes, ou um bilhão se alcançasse a das ilhas britânicas. Ali, está desvendado o mistério do Salário Mínimo. O mínimo multiplicado por bilhões resulta em trilhões.
Neste fim de ano, o Brasil acordou com o badalar do sino de sexta potência econômica mundial com um PIB de 2,5 trilhões de dólares. No PIB patriótico de Affonso Celso, uma das razões de superioridade do Brasil, no desfile das nações, era sua beleza. Citava a inigualável Amazônia, as cachoeiras, as florestas virgens, os rios, as deliciosas praias.
Hoje, o PIB patriótico reduziu-se a um mero índice econômico no qual se somam automóveis, usinas atômicas, aparelhos eletrônicos, hidrelétricas, viadutos inacabados, pontes que a água das chuvas derruba e centenas de outras obras orçadas, mas não concluídas ou sequer começadas. E o mais glorioso motivo deste novo ufanismo é a ciranda financeira que roda o crédito fácil e os juros escorchantes para incentivar o consumo. Nesse PIB econômico está também metade das dívidas dos consumidores a serem pagas em prestações carregadas de agiotagem e usura. É um PIB endividado, mas que sustenta o ufanismo dos novos tempos brasileiros.
Assim, confiantes na facilidade de agregar riquezas às tantas que Affonso Celso via no antigo país, dá-se valor ao número de consumidores em razão do que podem proporcionar em aumento do PIB. O salário mínimo de 2,8 reais por hora trabalhada é um réplica da escravidão. Mas, no entender dos economistas submissos ao PIB, não há que se olhar para o exíguo valor da hora trabalhada e, sim, para os milhões de trabalhadores que o transformam em bilhões nos caixas dos supermercados.
“Temos, pois, o estado mais propício ao progresso da riqueza pública. No Brasil, o trabalho anda à procura do homem e não o homem à procura do trabalho. Ninguém, querendo trabalhar, morrerá de fome. Parece país de milionários, tão  largamente se gasta”, escreveu Affonso Celso.
Portanto, a sobrevivência da população está garantida e, com ela, o crescimento do PIB. E assegurada por ambos a superioridade do Brasil que se ufana de ser a sexta potência pibeana do planeta. A superioridade do Brasil que, antes, estava nos pés de alguns jogadores geniais passou às mãos de banqueiros que se ufanam de não ter país.
E nossa superioridade educacional, literária, musical, artística e cultural em que posição está nas listas internacionais do planeta?

 Não poupe seus comentários. Envie-os pelo e-mail:
eugeniogiovenardi@gmail.com

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

SE VOCÊ QUISER

Se você é brasiliense ou adotou esta cidade para viver, há motivos de sobra para orgulhar-se de tamanho privilégio. Aqui você pode se admirar, se indignar, se chocar, se emocionar, rir às gargalhadas, se entristecer, exercitar a paciência, se isolar sem precisar ir a Bagdá, a Teerã, a Istambul ou a Miami.
Ofereço pistas e trajetos, situações e cenários brasilienses para sentir, num só dia, essas emoções que vão do engraçado ao trágico e passam suavemente pelo dramático.
Não se irrite se sua diarista que saiu de Valparaíso com o ônibus das 6h da manhã e não chegou ao trabalho às 8h.
Use as confortáveis e acolhedoras passagens subterrâneas para ir das quadras duzentos às cem se for adepto de caminhadas.
Ouça pela CBN, ou pela TV/Senado ou TV/Câmara os extraordinários prestidigitadores Jucás, Vaccarezas, Sarneys, Bulhões, Bolsonaros.
Vá à posse do senador Jader Barbalho e surpreenda-se com os aplausos da democracia eleitoral.
Não perca as sessões, ali mesmo, na Casa do Povo, em que suas excelências defendem o ajuste e o aumento dos seus magros proventos.
Pare diante do Museu Nacional e procure cuidadosamente uma sombra para descansar de sua caminhada.
Passe, em velocidade reduzida, pelas pistas da BR 060, entre a Samambaia e Recanto das Emas e reflita, diante das montanhas de lixo e entulho, sobre o apreço explícito do brasiliense para com a natureza.
Vá aos bares da moda, num final de qualquer tarde, tente fazer-se entender ou ouvir a frase inteira de seu amigo ou amiga, embaixo de quatro aparelhos de TV em quatro canais diferentes.
Caminhe pela Esplanada dos Ministérios, onde provavelmente não haja nenhum ministro, e admire, durante um dia, os monumentos que se podem ver nos dez quilômetros de extensão, levando a providencial garrafa de água.
Tente estacionar seu carro no Setor Comercial Sul às 11h da manhã.
Durante o período escolar, dirija-se à porta das escolas públicas dos bairros de Brasília, à hora da saída e compreenderá o mistério por que o Brasil está entre os últimos colocados na “lista educação”.
Acredite, se quiser, quando os administradores do GDF dizem que vão resolver o “problema”ou a “questão” do transporte público por meio de ciclovias de passeio.
Para sua tranquilidade emocional, em Brasília se juntaram todas as verdades e as mentiras do Brasil. Aqui, uma coisa pode ser verdade e mentira ao mesmo tempo. Brasília é, por isso, fascinante.
Relaxe. Brasília é uma cidade linda, moderna e engraçada. Ela nos tornou igualmente lindos, monumentais, gregários, bucólicos, modernos e engraçados.

 Não poupe seus comentários. Envie-os pelo e-mail:

sábado, 24 de dezembro de 2011

COMENTÁRIO AO SUICÍDIO COLETIVO


Valeu o alerta, Eugênio!!!
Esperemos que os 1.308.463 carros de ontem + os de hoje, tenham condutores que
possam ler o que escreveste e evitar que  os mortos deste fim-de-semana, não
estejam no além, junto aos 40 mil de 2011!.

Aldo

SUICÍDIO COLETIVO

 A insistência e a repetição de graves acidentes de trânsito no Distrito Federal e outros estados do país revelam o inconsciente coletivo de uma tendência ao suicídio generalizado.
O Correio Braziliense, os jornais de outros estados e a TV mostram diariamente corpos feridos, mutilados, estraçalhados, carbonizados. As polícias rodoviárias alertam, fiscalizam, multam. Milhares de placas, semáforos, controles eletrônicos de velocidade, câmeras fotográficas, nada disso, nenhuma dessas restrições impede o desejo incontido do suicídio.
Os condutores de automotores, automóveis, motos possantes, ônibus e caminhões “pegam estrada” para morrer. Em nome de que causa gloriosa querem se suicidar?
O governo, representante e porta-voz de bancos e montadoras, está oferecendo, irresponsavelmente, todas as facilidades para incentivar o suicídio coletivo em nome da causa suprema: crescimento econômico do PIB.
O carro, transformado em sonho de sucesso é também o caixão mortuário da corrida desenfreada ao cemitério. O fascínio do velório como coroação do sonho. Por que 40 mil sonhadores, anualmente, escolhem as estradas para se suicidar? Eles não sonharam com o carro zero?
Qual é a razão verdadeira de transformar o sonho em paralisia, em morte, em funerais e lágrimas? Que sonho é esse?
A sociedade brasileira precisa urgentemente de um divã!

Não poupe seus comentários. Envie-os pelo e-mail:

DESEJOS DISFARÇADOS


Minha filha Aino está decepcionada com as comemorações anuais deste festival de desejos e compras. Suas filhas não foram educadas para o supérfluo e se satisfazem com o que necessitam para o básico e o conforto suficiente.
Tenho os mesmos sentimentos e atitudes. Meninos sem lar e sem hospitais para nascer existem aos milhões em Belém de Israel, em Belém do Pará e em todos os beléns do mundo. O piá que nasceu em Belém da Palestina teve estrelas e cometas e se tornou um guru universal.
Há meninos e meninas que nascem para iluminar caminhos e guiar os outros em noites sombrias. Gandhi, Luther King, João XXIII, Hannah Arendt, Sócrates, Cícero, Verdi poderiam ter seus dias de nascimento festejados cada um a sua maneira, sem presentes nem corridas frenéticas aos shoppings. Bastaria lembrar apenas que foram pessoas.
Olhar para as pessoas mais que se extasiar diante de vitrinas, abraçar amigos, conhecidos e desconhecidos é o melhor presente que se dá e que se recebe sem precisar ir aos shoppings.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Comentários ao PEUGEOT RCZ

O Prof. Aldo Paviani comentou CULTURA PERVERSA:

Tens, como sempre, toda a razão, Eugênio.
Além de por em relevo a cidadania e a humanidade dos homens/mulheres,
tu vais pesquisar.
Cumprimentos pela apropriada crítica à turma do carro potente e desrespeitoso
por seus condutores, mais do que pelo seu motor.
DESEDUCAR É PRECISO!
Abraço
Aldo

CULTURA PERVERSA




– Cuidado! gritou Pedro de Montemor, puxando-me pelo braço.
O sinal verde da faixa de pedestre acabava de abrir e um carro preto passou em disparada.
– Esse carro de 150 mil reais que desrespeitou o sinal e os pedestres é um Peugeot RCZ, disse Montemor.
– E, por causa do preço, o carro não precisa parar no sinal vermelho?
– Não, não precisa. Faz parte da cultura perversa disseminada pela publicidade da montadora e das agências de automóveis.
Ao voltar para casa, folheei a revista Veja onde, entre páginas de acidentes de trânsito e número de 40 mil mortos, em 2011, estava o anúncio da Peugeot RCZ:
NÃO É VOCÊ QUE TEM ELE
É ELE QUE TEM VOCÊ
E, para ironizar os pedestres, no pé da página, em letras miúdas, dizia: Respeite a sinalização do trânsito.
A mensagem da cultura perversa e desumana, apesar das 40 mil mortes anuais, inculca no cérebro do condutor a ideia de que ele é um mero robô irresponsável manejado pela poderosa máquina solta na avenida.
Quanto custa à Peugeot RCZ a publicidade para incentivar a irresponsabilidade em acidentes de trânsito?
Como responsabilizar um condutor que aprendeu e se convenceu de que é um Zé Ninguém escondido numa reluzente caixa preta sobre rodas?
É preciso deseducar o proprietário da Peugeot RCZ.
Senhor Peugeot, inverta a mensagem. Aconselhe-se com seu compatriota Victor Hugo e mude a ordem de importância dessa equação:
É VOCÊ QUE TEM ELE
NÃO É ELE QUE TEM VOCÊ!

Não poupe seus comentários. Envie-os pelo e-mail:
eugeniogiovenardi@gmail.com

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

DIREITO DE MORAR


Quem ande pelo quadrilátero do Distrito Federal, e para além de seus limites imprecisos, terá dúvidas quanto à existência da desconhecida ou ignorada LUOS – Lei de Uso e Ocupação do Solo. O direito de morar é uma decorrência lógica do direito de nascer. Nasce-se de qualquer jeito e mora-se como se pode.
Para o delegado à Conferência Distrital das Cidades, representando a Região Administrativa do Gama, morar é um direito humano. Disse ele: “Queremos apontar o que o governo deve entender como prioridade. O tema é complexo e o tempo é curto, mas precisamos discutir o problema de habitação no DF como direito humano”. O delegado popular à conferência, Antônio José Ferreira, admite que o tema é complexo. Ele não explicou, mas deixou subentendida a complexidade e passou por cima dela apelando para o direito humano porque o tempo é curto.
O tema é complexo porque existe a tal Lei de Uso e Ocupação do Solo. É fato conhecido no DF que o direito humano de ocupar um pedaço de chão para morar nunca foi tão densamente exercido como aqui. À beira de córregos, às margens do Lago Paranoá ou do Descoberto, em sítios de proteção ambiental, sobre nascentes, em áreas públicas invadidas por grileiros está explícito o direito humano de moral. E o governo tem que entendê-lo como prioridade, não importa a LUOS. Não importa onde esteja o “problema de habitação” do DF. Não importa que desapareçam as nascentes de água, as espécies vegetais e animais do Cerrado, que a biodiversidade deste bioma seja enterrada no deserto. Importa o direito humano de morar em qualquer lugar.
Quando nasce uma criança, ela já traz consigo uma imensa e pesada carga de direitos. Tão imensa e pesada que no “tempo curto” não consegue exercê-los. Ao nascer, ela tem direito a 200 litros de água por dia, a um berço, a meia dúzia de cueiros, a uma dezena de fraldas, ao leite materno, à creche, ao ensino fundamental, a um lugar no ônibus escolar e terá que dividir todos esses direitos com o ir e vir de milhões de outras crianças.
O tema é complexo e o tempo é curto para fazer valer todos os direitos humanos, sacrificando a natureza e destruindo o ambiente cada dia mais inabitável.

Não poupe seus comentários. Envie-os pelo e-mail:

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

ÀS COMPRAS

Às vésperas da celebração máxima do consumo, três forças se conjugam para saciar o desejo de comprar, de ter, de presentear e mostrar o poder de gastar. Além do prazer e do “gosto de gastar”, a propaganda intensa assessorada pela mídia sustentada pela publicidade, do credito favorecido e da obsessão do governo pelo crescimento econômico, a compreensão universal das ruas é endividar-se nos centros comerciais.
São raríssimos os repórteres que entram em livrarias para estimular a leitura e proclamar com o mesmo entusiasmo que um livro de 25 reais pode ser um belo, eterno e pacífico presente.
Brinquedos, Ipads, Iphones, tênis de grife, geladeiras, máquinas de lavar, celulares, televisões, roupa e calçados estão no foco das câmeras e na boca de repórteres.
Todos os demais ramos da cultura estão fora das listas: pinturas, livros, músicas ou um simples cartão de passagem de ano escrito a mão. Um desejo amigo manifestado é um dos melhores presentes que se possa oferecer.
Fora isto, é dar carinho aos desamparados, pão aos famintos, abrigo ao desnudo, abraço ao enfermo, um copo de água ao sedento. Os gestos simples tendem a desaparecer. A hipocrisia geral prefere a exibição da suntuosidade fútil.
Há mais coisas no universo além da intriga humana. Há mais belezas no universo do que as promessas de crescimento do PIB.
2012 é logo ali.
A dura realidade continua presente
E as ilusões vão conosco a frente. 

Não poupe seus comentários. Envie-os pelo e-mail:

sábado, 17 de dezembro de 2011

BRASÍLIA POR DENTRO


(Estas reflexões são apenas um olhar paisagístico e não acadêmico sobre a construção da cultura que poderia identificar o povo brasiliense nos primeiros cinquenta anos de sua existência.)

Geógrafos, arquitetos, engenheiros, urbanistas de várias especialidades observam, analisam, apontam virtudes, indicam falhas e propõem soluções aos problemas enfrentados pela metrópole física de Brasília e a possível lógica de seu ordenamento territorial. A ocupação urbana ordenada ou desordenada dos espaços pela população, o desenho das quadras habitacionais e comerciais, os desvios ao projeto original, a conservação do patrimônio tombado, a mobilização e o deslocamento dos cidadãos em busca de serviços e do local de trabalho são objeto de constantes debates e embates entre as diferentes forças políticas, empresariais, intelectuais e de organizações populares.

Especialistas de distintas profissões relacionam a ocupação urbana com os efeitos sobre a natureza, os fluxos de água, a vegetação, os riscos da desertificação, o adensamento e a mobilidade dos cidadãos como aspectos que interferem na qualidade da vida das pessoas. Numa das pontas, estão a oferta de habitação e a formação de novos assentamentos para atender ao afluxo da população e ao crescimento demográfico. Na outra ponta, está a preocupação pela batalha perdida do trânsito em razão da deficiência do transporte coletivo. A pressão da demanda dos principais serviços básicos concentrados no coração do Plano Piloto, com a presença agravante. ali, da Rodoviária, leva às soluções tradicionais de abrir novas vias, duplicá-las, expandi-las, levantar viadutos e pontes. Todos esses canais convergem para o ponto central formando-se o círculo de soluções inócuas.
São aspectos importantes, mas todos relacionados à estrutura física da cidade, embelezada com arquitetura moderna, monumentos geniais, alguns, pesados e massivos, outros, justificados ou não pela concepção estética e artística de seus criadores. A vida urbana, porém, não se esgota no aspecto físico, embora nele moureje e sobreviva o cidadão.

Que relação plural de causa e efeito tem a ocupação e o uso múltiplo do espaço físico urbano com os termos de convivência na cidade como expressão e consolidação da cultura, da preservação de valores fundamentais que favoreçam a interdependência pacífica dos seres humanos entre si e com a natureza? Que relação tem os modernos monumentos arquitetônicos e sua distribuição estética no espaço urbano com os comportamentos dos cidadãos como possíveis artífices da cultura urbana de Brasília?
Esse arcabouço arquitetônico pertence ao conceito da cidade projetada ou aos ditames da cultura de seus cidadãos? O projeto pretendia revolucionar a cultura urbana ou a arquitetura urbana tradicional? Parece-me que aspectos fundamentais na construção cultural, seja no vilarejo, na metrópole ou no país, residem na conservação e preservação de um “status quo”. Seja ele qual for, determinado pela convivência de grupos, da célula familiar ao corpo semidisforme da sociedade global incluindo-se a tentacular organização governamental.
As intenções, os projetos, as decisões, todas as energias dos indivíduos e grupos se destinam a preservar o poder originado da própria existência do ser, isto é, o poder pessoal, e a defender esse direito essencial. Esse poder original de ser e existir se transfere para todas as manifestações de poder que incluem a preservação da autoridade constituída, segundo diferentes formas de organização, hereditária ou eleita, a governança, o patrimônio privado e público, material e imaterial.
Posto isto como fundamental, a pergunta é: o que preservar? Esta parece constituir a enigmática pergunta para a preservação do projeto que deu origem a Brasília, hoje Patrimônio Cultural da Humanidade. A comunidade cultural de Brasília, à semelhança de sua estrutura urbana – monumental, residencial, bucólica, gregária – para a organização e comunicação das distintas, múltiplas e futuras funções de cidade-capital e metrópole, cujos limites vão além do perímetro do Distrito Federal, agrega uma sinfonia de comportamentos individuais, familiares, grupais e governamentais.
A pergunta que surge do “o que preservar” se transmuda para “como e onde preservar”. É nesse embate de distintas energias, atitudes, comportamentos e decisões manifestadas pelo indivíduo, pela família, por grupos múltiplos e pela ação do governo que se constrói, no dia a dia, a cultura urbana de Brasília. A cidade, no entanto, é muito nova para se falar em cultura de Brasília. Metade da população trouxe culturas externas e o jogo do poder incentiva a presença de uma população flutuante que pouco contribui para a consolidação e preservação de uma nova cultura e muito menos da cidade. Atravessamos o período em que Brasília é uma grande oficina de ensaios onde “o que proteger” conflita com o “como e onde proteger”. Isto é, como adaptar o projeto da cidade moderna, da arquitetura monumental ao projeto dos hábitos e necessidades tradicionais, artificiais, dos interesses políticos e econômicos. Qual poder, qual patrimônio, qual cultura, qual “status quo” se impõe à preservação, conservação e defesa?

Suspeito que respostas a essas perguntas tenham que ser buscadas no conjunto de valores que são estimulados, veiculados e inculcados explicita ou subliminarmente nas escolas públicas e privadas, nos meios de comunicação que, em grande escala, estão em sintonia com os grupos econômicos, empresas de serviços e com as elites do poder político. É nesse cruzamento de interesses, de conveniências, de poderes privados e públicos que se define a atual cultura da cidade. A explosão imobiliária, o traçado rodoviário para milhares de carros, o espaço físico ocupado deveriam ser corolários auxiliares, mas, no momento, se impõem como núcleo essencial de decisões, atitudes e comportamentos de todos os segmentos da população.
O que e como se ensina, por exemplo, no Centro de Ensino Fundamental da Agrovila Engenho das Lajes, a 50 quilômetros do Palácio do Planalto, no Cnec ou Sigma, sobre Brasília, cidade e capital? Como essas duas categorias de escolas se apresentam como canais de recepção e elaboração da cultura brasiliense? A diferença é tão gritante entre essas escolas que não só parecem pertencer a cidades diferentes, como a países distintos. A criança de sete anos que inicia sua carreira escolar no Engenho das Lajes está a anos-luz de distância da que entra no ensino fundamental numa das escolas acima citadas. Nessa idade, os desníveis da cultura brasiliense já estão a caminho determinando, se não a exclusão, pelo menos a separação impiedosa entre os habitantes do Plano Piloto e os de bairros de Brasília (cidades satélites).
Na construção da cultura urbana de Brasília, qual a contribuição dada pelas grandes escolas-empresas de transmissão de conhecimentos para o futuro profissional da clientela que lhes adquire os produtos? Que sintonia existe entre essas escolas-empresas e as escolas públicas na construção e preservação de valores comuns de uma cultura que vive a mesma cidade, sua expressão arquitetônica, sua grandeza estética e artística? Que sentido de pertencimento a Brasília, ao conjunto arquitetônico e urbanístico e à construção de uma cultura distintiva possuem e demonstram as escolas publicas e as escolas-empresas que interferem na expressão cultural dos cidadãos? Quais são os vetores culturais comuns que atravessam com igual intensidade e constância todos os grupos representativos da comunidade brasiliense?
Outra indagação lógica sobre a construção cultural de uma cidade como Brasília é a quem cabe a iniciativa de propor as condições físicas e sociais para que ela se consolide no curso de sua história. Serão os planejadores urbanos ou os habitantes da cidade? Quem ouve a quem? Os criadores de Brasília tiraram do nada, isto é, de suas concepções arquitetônicas, um traçado e a consequente distribuição de espaços para específicas e futuras funções a serem cumpridas por futuros cidadãos na futura cidade.
A ousadia que surpreendeu o mundo arquitetônico se concretizou em trazer o futuro para o moderno espacial destinado a funções tradicionais a serem desempenhadas por cidadãos tradicionais que viriam de cidades tradicionais. O arcabouço moderno antecipando o futuro, impondo formas e espaços excepcionais e incomuns no planejamento urbano, manteve o conteúdo tradicional da burocracia governamental e o das iniciativas empresariais vindas de outros quadrantes do país.
O barão Georges Haussmann (1809-1891) modernizou e transformou Paris para os parisienses. Os arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemayer projetaram a modernidade para cidadãos não identificados que transportariam de seus locais de origem os costumes tradicionais de belas cidades tradicionais. Viriam readaptar-se ao traçado urbano e ocupar os prédios monumentais para executar as mesmas funções exercidas antes em ruelas estreitas e edifícios bolorentos. Como o país, Brasília foi habitada e construída por estrangeiros e, em certa medida, continuam estrangeiros nela.
A distância entre o moderno e o tradicional, entre o futuro e o presente, foi e está sendo percorrida a passos lentos, cansados, com avanços e recuos exigidos pelo esgotamento do esforço de adaptação. Neste percurso, perde-se parte da carga cultural trazida pelos imigrantes e substitui-se por outra que permita a sobrevivência dentro de uma nova circunstância social. Não é de estranhar que o presente e o moderno tenham feições velhas e destoantes do futuro proposto como imagem de uma nova cidade e de um novo tempo.
Na futura Brasília, Lúcio Costa imaginou e definiu como e onde deveriam localizar-se cada um dos elementos urbanos: vias, parques, jardins, blocos residenciais, escolas, igrejas, clubes, áreas de lazer, comércio e indústria. E, nesses locais, sem combinar com ele, o “elemento” essencial da cidade deveria buscar como e onde situar-se e adaptar-se. No imenso tabuleiro do planalto, o cidadão tornou-se uma peça do xadrez urbano. O soldado será sempre soldado mesmo quando atrevidamente come a rainha. A função das peças foi determinada previamente e seus movimentos estão previstos. Mas, como se trata de peças vivas, a adaptação ao tabuleiro põe em jogo a diversidade de circunstâncias, de formas de pensar, de experiências vividas e novas, de interesses e necessidades, de aspectos culturais de distinta origem. Esses novos elementos são imprevisíveis no seu processo de execução e em seus resultados, a ponto de se tornarem mais importantes do que o tabuleiro sobre o qual foram convocados a jogar.
Como e onde se expressam os cidadãos nem sempre coincidem com um plano urbanístico imaginado como modelo de cidade. As formas de expressão dos cidadãos, embora não tenham um lugar especifico para revelarem as múltiplas nuances da cultura, se demonstram, em geral, nas edificações públicas, parques, igrejas, escolas, arenas de esportes. Nesses espaços, se adquirem e se comunicam conhecimentos, valores, costumes, lendas, mitos, leis, códigos, por meio da palavra e da música. O aparecimento de Brasília está atrelado ao “sonho de Dom Bosco”, um sacerdote estrangeiro, única lenda a pairar sobre o imaginário popular.
Onde se encontram esses espaços, em Brasília, abertos à feira cultural dos quase três milhões de habitantes do Distrito Federal? Onde residem os cidadãos vis a vis desses espaços? Que grupos frequentam quais espaços culturais onde possam alimentar ou expor sua criatividade? Ou essa imensa e flexível criatividade está pré-determinada e sutilmente direcionada para a funcionalidade imposta pela autoridade arquitetônica e estética dos espaços?
A localização desses espaços, no mapa da cidade, indica o autoritarismo estético que domina o estilo e o método de distribuição de possibilidades de manifestação cultural do cidadão brasiliense. O Teatro Nacional, onde se concentra a apresentação de valores musicais clássicos nacionais e internacionais, está no centro do Plano Piloto, a distâncias de todos os bairros entre 25 e 30 quilômetros. Igualmente, o Cine Brasília, palco dos festivais de cinema, o Centro Cultural do Banco do Brasil, o teatro da Caixa Econômica Federal, o Pier 21, a Casa Park (e a antiga Academia de Tênis) locais em que se oferece produção teatral e exibição de filmes temáticos, são acessados por clientes que, em sua maioria, possuem transporte individual. Os que compõem a ordem dominante gozam da múltipla oferta de benefícios culturais a eles adequada em qualquer ponto da cidade onde se realizam.
O princípio não escrito, mas aceito sem contestação, da exclusão dos “estrangeiros “ que habitam os guetos da periferia de Brasília, é expresso na prática da desintegração social exibida pelos usuários privilegiados, pelos empresários da cultura e pela lógica imposta à administração pública. Consolida-se, assim, a deformidade social da população brasiliense com a ajuda do projeto urbano rigorosamente estético.
A reação popular dos “estrangeiros” que vieram ocupar os espaços de Brasília e contribuir para que o projeto urbano se cumprisse dentro das normas concebidas a priori se manifesta na preservação do status quo cultural que eles trouxeram na carroceria do pau-de-arara. Se não se consolidou a proposta dos Clubes de Vizinhança, incapazes de receber os vários grupos de estrangeiros ocupantes das superquadras, a alternativa agregadora se estabeleceu nos clubes sociais de categorias funcionais, na Casa do Ceará, nos CTGs gaúchos, ou na tentativa de estabelecer um sambódromo na Ceilândia e outras iniciativas salvadoras da diversidade cultural das populações radicadas em Brasília.
Milhares de brasilienses, diariamente, percorrem o traçado planejado da cidade e passam insensíveis diante de monumentos que, em 1987, se constituíram como principais responsáveis para seu tombamento. É também provável que desconheçam os nomes dos criadores de Brasília e da maior parte das obras de arte que enfeitam a cidade. Por que se sentiriam eles mais brasilienses que cearenses, piauienses ou gaúchos?
As vias de acesso rodoviário, ferroviário e, agora o VLP ou T são soluções que favorecem e consolidam a dependência dos bairros ao Plano Piloto. Destinam-se a relacionar os bairros ao centro e não a descentralizar as oportunidades de trabalho, educação, saúde, cultura.
Na retrospectiva dos 50 anos da inauguração de Brasília, pontuo alguns marcos ou eras (etapas, fases). A primeira (1892/94-1970), a era da construção e execução do projeto físico da cidade-capital, começa com as missões exploratórias, se estende até a inauguração e transferência da sede do governo e se prolonga por alguns anos. Os dez anos após a inauguração recebem os novos habitantes oficiais que se mudariam para a nova capital a fim de pôr em funcionamento a máquina administrativa.
Segue-se, não de forma compartimentada no tempo, a era do povoamento básico (1970-1985), que atraiu cidadãos de todos os estados da Federação, com maior intensidade de imigrantes vindos do Nordeste e do Norte do país. Em vinte anos, Brasília já contava com um milhão de habitantes que se estabeleceram em bairros (cidades satélites), a 25 ou 30 quilômetros do Plano Piloto.
A terceira (1985-1995), a era política se sobrepõe às duas anteriores, com a instituição de um governador designado pelo Presidente da República e a eleição de deputados para a Câmara Legislativa do Distrito Federal. O olhar sobre a capital e suas funções se voltou para o processo eleitoral clientelista e a formação de alianças políticas, econômicas, empresariais. Intensifica-se, a partir desta era, a ocupação do solo por meio de grilagem de terras e formação de condomínios horizontais sobre áreas de proteção ambiental causando graves danos à natureza e à própria população.
A quarta era (1995-2011), vivida atualmente, iniciada, sem muito rigor de tempos, há 15 anos, é a da explosão e exploração empresarial imobiliária associada a “eixos de crescimento da cidade (....), definidos por sistemas viários” (Governo Arruda) capazes de suportar 1,3 milhão de automóveis, linhas de metrô, VLT, mantendo o precário transporte público rodoviário. Nesta era, é favorecido o adensamento urbano pela construção vertical, formando bairros atípicos diante do projeto urbanístico do Plano Piloto.
É interessante e sugestivo examinar e identificar a trajetória da formação cultural de Brasília, em cada uma dessas eras, seus vetores de expressão, seus inibidores, processos de regressão e os aspectos que a diferenciam de outras cidades. O importante é detectar o que e como a população de Brasília está disposta a preservar, conservar e defender como cultura brasiliense. Qual será o status quo necessário, conveniente, de interesse comum que as escolas públicas e privadas, a mídia e o governo pretendem construir e preservar com a contribuição plural da população.
Na era em que vivemos, há pelo menos um indício ou um traço cultural que perpassa, de maneira especial, a nova geração borboleta de Brasília: a frequência aos shoppings e aos bares da moda, em seus carros novos, munidos de celulares, Ipades e Iphones.

Não poupe seus comentários. Envie-os pelo e-mail:





sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

DESEDUCAR

Não estranhe o título desta crônica. Também me assustei quando ele me apareceu ao refletir sobre nossos comportamentos cotidianos. Desconstruir a educação é expressão mais adequada. Mas, a palavra que me ocorreu, ao observar os fatos que produzimos diariamente, foi deseducação. E deve ser imediata e progressiva.
Trata-se de mudar os valores que a educação consagrada na reprodução da cultura inculca nas mentes, na busca de emoções e na prática de ações. Atenho-me a dois fenômenos do dia a dia.
No Brasil, as quarenta e cinco mil mortes anuais no trânsito rodoviário são o reflexo da importância essencial que se dá ao carro, um objeto material ao qual se atribui um status de sonho a ser realizado a qualquer custo. O tamanho, a potência, a marca, a velocidade, a pressa febril, a necessidade implícita de exibir-se pela força do valor do carro e não do condutor, obrigam-no a se expor ao risco e à morte. Recupera-se o carro. Enterra-se o proprietário.
Os valores em voga na educação cultural proclamam que não basta ter um carro para auxiliar seu usuário a locomover-se. É preciso, sobretudo, mostrar a diferença do objeto e ocupar um espaço de poder inquestionável na rua, na autoestrada, no estacionamento. Está definido por esses valores que, possuindo um Cherokee, um Honda, um Yundai, um Citroën ou Toyota, significa ter dinheiro e ser aquela figura folclórica: “você não sabe com quem está falando”.
Por isso, esses condutores sentem-se na obrigação intransigente de estar acima das “ultrapassadas leis do trânsito” que não acompanham a modernidade da máquina superpoderosa. Milhares de placas de sinalização e advertência, semáforos, passagens de pedestre, câmeras de controle de velocidade nada têm a ver com eles.
Vamos ao lixo. Se observarmos o grau de limpeza e higiene das ruas, vias e estradas, o descalabro começa pela incúria do governo e se consolida pela ação do cidadão. Joga-se lixo pela janela da casa, do ônibus, do carro. Nas lixeiras, a confusão é fenomenal. Ainda não se aprendeu a distinguir lixo orgânico de garrafas, plásticos e metal. O elemento básico da educação que sobressai, neste campo, é que existem lixeiros, garis e varredores de rua. Lixo é com eles.
É hora de deseducar as pessoas, os cidadãos. É um apelo ao grupo familiar, às escolas, às igrejas, à mídia. A tarefa é pesada e longa. A desconstrução da educação terá que remover pedra por pedra. Gastou-se demais para obter esses efeitos pernósticos da educação. É preciso inverter os sinais da equação educativa do ter, do possuir. Agora, o trabalho é deseducar, isto é, retomar o conjunto de valores que propiciem a convivência humana do ser.

CRESCIMENTO ZERO

Vejam como é possível chegar ao crescimento zero, conforme anunciam os dados oficiais do governo brasileiro. Menos investimentos desnecessários, menos consumo de itens supérfluos, mais poupança, eis a receita que se realizou sem as assessorias milionárias de sábios economistas e suas redes de empresas suspeitas.
A arrecadação fiscal de impostos foi das mais elevadas dos últimos meses e anos. Ufana-se certa mídia de que o crescimento econômico faz centenas de milionários a cada dia. Os centros comerciais, na sequência de festas e feriados, dizem-se contentes com o afluxo de clientes em todas as lojas. Os aeroportos colapsam repletos de aviões e passageiros. As malas desembarcam do exterior carregadas de compras.
Não há uma só notícia de que algum brasileiro tenha morrido de fome nesses meses de crescimento zero. Será que as pessoas, os cidadãos, os contribuintes, os consumidores perceberam que não precisam obedecer cegamente aos comandos da mídia e do governo para correr aos “shoppings”? Que não precisam trocar a geladeira que funciona por uma nova? Que não é necessário modernizar os apartamentos por sugestão de decoradores improvisados e derrubar paredes que testemunharam tantas histórias familiares? Que é ridículo substituir os móveis antigos pela nova quinquilharia? Ou encher-se de aparelhos eletrônicos de cozinha, celulares, Iphones, Ipods e Ipedantes que entopem o ar e infernizam a vida? Ou serem obrigados pela competição social a pôr no estacionamento do edifício o carro do ano e, se possível, importado?
Será que as pessoas, etc..., compreenderam que é possível distrair-se, divertir-se e viver comodamente sem deixar-se iludir pelas mentiras do marketing, pelo bombardeio da TV e por promessas imobiliárias? Terão percebido que os magos da economia querem transformá-las em eternas devedoras escravas do consumo e do cartão de credito?
Que alívio! Chegamos ao crescimento zero!
O crescimento zero estimula a criatividade, a diversidade de oferta, a procura de formas e produtos diferentes, alternativas e novas prioridades. Trocar o caro pelo barato. O supérfluo pelo conforto. Por exemplo, um livro custa menos do que um jantar no restaurante Alice ou qualquer outro da moda social. Ler também faz bem à saúde. Ajude a consolidar o crescimento zero. Consuma o necessário. Leia mais. Caminhe mais. Redescubra a rua de sua casa.
 Ser feliz ainda é possível. Seja feliz, em 2012, com crescimento zero!




quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A CIDADE QUE HABITO


A cidade que habito, adotou-me há quarenta anos. Brasília nasceu da cabeça, da prancheta e da régua do Dr. Lúcio Costa. Plantada na vastidão de um planalto, se tornou uma formosa ilha verde cercada de casas inacabadas por todos os lados. Uma galeria de monumentos desenhados pelo arquiteto Oscar Niemeyer brotam do chão árido e apontam para cima perdidos no ar.
 Presidente da República, uma pilha de 37 Ministros de Estado, não sei quantos outros ministros de Supremas Cortes, de Tribunais civis e militares, de Conselhos, Autarquias, Controladorias e uma centena de embaixadores do mundo se abrigam aqui. Em edifícios de alta rotatividade, se alojam 80 senadores, 513 deputados federais e 15 mil agregados da produção de leis.
A cidade que habito é cortada por artérias, ruas, ruelas, calçadas, avenidas, eixos, eixinhos, eixões que desembocam na Esplanada dos Ministérios ociosos. A cidade que habito é uma enorme rodoviária atopetada de automóveis, ônibus e motos. Imenso estacionamento onde se guarda o sonho brasileiro e o máximo valor da nova moral do consumo. Nele mourejam centenas de cuidadores e lavadores de sonhos e valores.
A cidade que habito é tetraplégica. Anda em cadeira de rodas. Para uso de pedestres diaristas, domésticas, vigilantes e vagabundos, de olhares medrosos  e passos apressados, há passagens subterrâneas à meia-luz que cheiram a cloacas e vômitos.
A cidade que habito, ainda jovem, modelo arquitetônico nas passarelas do mundo, é submetida a implantes, próteses, vasectomias, plásticas e puxadinhos.
Na cidade que habito, à noite, passam todos os astros do universo, grandes e pequenos, conhecidos e desconhecidos para se mirarem nas águas do Lago Paranoá.
Sou feliz na cidade que habito e saio à noite para ver estrelas.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

RAZÕES DO OTIMISMO OFICIAL

Vez por outra, ocasiões raras, reúnem-se amigos para conversar. Nos últimos anos, as circunstâncias do mundo e do país mudaram drasticamente e já não se sabe quem está do lado do colonizado ou do colonizador, descontados os arroubos da retórica de circunstância.
Há comentários ditos por críticos da situação e outros proferidos por privilegiados do sistema em vigor. O crítico, com ou sem alternativa possível ao regime vigente, vê o lado fraco dos acontecimentos políticos, como a corrupção ou obras gigantescas, antiecológicas e pseudoprioritárias, e se expressa, por vezes, em tom duro e negativo. As opiniões do privilegiado, que usufrui do bom e do melhor que o governo estabelecido lhe oferece, tendem a ser positivas, otimistas e mostram os avanços na forma de tomar decisões políticas.
O privilegiado crê que os administradores temporários do poder precisam ser tolerantes em graus flexíveis com os aliados para manter-se na cadeira e decidir o melhor para o país. Não importa a quem se deva tolerar, mesmo que o passado dos aliados seja cronicamente torpe e reprovável. O grito “tolerância zero” não se aplica com rigor à política, segundo o privilegiado. Sim, são intoleráveis o roubo de bens particulares, o sequestro de pessoas, o assalto a bancos, o latrocínio, a infração de trânsito contra a lei seca que causa mortes, o uso e comércio de drogas, o contrabando, a grilagem de terras, a invasão de áreas públicas urbanas, a prostituição de menores, as agressões contra a mulher, o trabalho escravo, os juros extorsivos, os altos impostos e outros crimes mais. A ética do privilegiado aceita a aplicação da “tolerância zero” em qualquer um dos fatos cotidianos desse grupo de contravenções.
Já o desvio de verbas para atender a projetos pessoais, indenizações milionárias por supostos danos morais, concessões de contratos de obras sem licitação, favorecimentos de empresas ou ONGs para fortalecer partidos políticos e garantir suporte à dita governabilidade, alianças com personalidades condenadas pelos tribunais ou processadas por ilícitos gritantes, nomeação de ministros publicamente conhecidos por sua duvidosa conduta ética ou por arrombamento dos cofres do Erário, são tratados com flexibilidade jurídica e panos quentes.
Essa corrupção oficial entra no jargão dos analistas políticos ligados ao poder com justificativas tais como: “a corrupção não é de hoje, existe em todos os países, nunca se prenderam tantos suspeitos (provisoriamente) e se demitiram tantos ministros e funcionários acusados de peculato e improbidade administrativa, mas democracia é tolerância ao voto popular”.
Dos milhares de prisões provisórias efetuadas, contam-se nos dedos das mãos os criminosos de gravata e colarinho branco que foram punidos ou que tivessem devolvido o produto do roubo. Ao contrário, voltam ao poder como deputados, senadores, ministros, altos funcionários de empresas públicas. Este estado mole, flexível, usa os artifícios da máquina administrativa e a ignorância democrática da população para garantir o êxito eleitoral com forte alienação política. Consolida-se, assim, administração do privilégio.
Em matéria de ética política é preciso ser radical sem perder a ternura. Num partido político, não há apenas ladrões, aproveitadores, arrivistas insubstituíveis. O amadurecimento político de governantes supõe que negociações, concertações e alianças se façam com as partes sadias dos agrupamentos representativos das opiniões ecumênicas e diversificadas da sociedade.

sábado, 3 de dezembro de 2011

CAPTAÇÃO DE ÁGUAS (COMENTÁRIOS)

Para alegria minha e estímulo aos que pensam possíveis as soluções inteligentes, incluo comentários sobre CAPTAÇÃO DE ÁGUAS DA CHUVA do Prof. Frederico Flósculo, um dos mais brilhantes arquitetos da Universidade de Brasília e um planejador urbano que trata de prioridades humanas acima de quaisquer outras.

"Que Beleza, Eugênio, que boa contribuição.
Ah, se nossos grandes dirigentes te ouvissem.
O imediatismo político, no entanto, enche de cera ruim os ouvidos dessas pessoas.
São tão cobiçosas de seu precário, transitoríssimo poder, que sacrificam o futuro por seus poucos meses de farra.
Quando se vê o exemplo dos japoneses, pensa-se que, em comparação aos brasilienses, eles são super-humanos e extra-terrestres.
Mas nossa mentalidade é que parece ser sub-humana, infra-terrestre.
Obrigado pelo envio - viva sua rara lucidez!"
Frederico.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O VOO DA CLASSE MÉDIA EMERGENTE



Milhares de passageiros, da noite para o dia, enchem os estacionamentos e os aeroportos. Eesperam buliçosos em longas filas nos guichês de atendimento.
A passageira que está à minha frente é nova. O conjunto de malas amarelas é novo, limpo, impecável. A roupa e os tênis são novos. O nervosismo e a alegria incontida também são de primeira viagem.
Chegam as amigas, companheiras de viagem. Explosão de ôis, abraços, beijos. Todas de malas novas, em cores, roupa e tênis novos. A festa, presumo, começou no shopping. A indústria aérea do turismo pensou na classe média emergente e preparou linha completa de artigos para os mínimos e máximos detalhes: malas com rodinhas deslizantes, bolsões, bolsas, bolsinhas, carteiras para cartões de crédito, dólares, euros e bilhetes eletrônicos. Não há lugar para o livro.
No avião, as câmeras, Iphones, celulares de última geração registram esses momentos mágicos. Paris, Miami, Roma via Lisboa, Nova Iorque. Quinze dias depois, volta a Classe Média à casa. As malas, repletas de lembranças, perdem-se nas conexões ou desaparecem nos aeroportos. As doze prestações da passagem aguardam na agência de viagem. As cotas do cartão de crédito engordam o banco.
A nova Classe Média surpreendeu os planejadores do tráfego aéreo e os administradores públicos que a tiraram da pobreza. Esqueceram dos aeroportos, dos aviões e dos estacionamentos.
Ainda faltam chegar aos aeroportos cem milhões de brasileiros. Malas coloridas sobre rodas há em larga escala nos centros comerciais. Só faltam aviões, aeroportos e espaços urbanos para assentá-los.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

ADENDO AO CRESCIMENTO ZERO

(Estas flores desapareceriam, em 2050, com o ritmo de crescimento econômico em vigor.)

Para os que acompanham meus comentários sobre a tendência inevitável de a humanidade caminhar para o crescimento zero, agrego alguns dados de economistas australianos sobre o tema.
Há três pilares que sustentam o crescimento zero: mudança gradual dos hábitos de consumo freando o consumismo, investimentos em prioridades humanas: alimentação, vestuário, moradia adequada segundo as necessidades universalizadas e planejamento familiar democrático atingindo imediatamente todos os países do planeta.
Os pontos abaixo mencionados ilustram a magnitude da redução do atual crescimento baseado no PIB e no acúmulo crescente de riquezas em mãos privilegiadas se o ritmo atual de crescimento demográfico se mantém, mesmo em declínio.
* Se os 9 bilhões de pessoas que habitarão a Terra em quarenta anos utilizarem os recursos ao ritmo per capita dos países ricos, a produção anual de bens de consumo teria que ser oito vezes maior do que é hoje.
* Se os 9 bilhões consumirem uma dieta norte-americana, necessitaríamos de 4, 5 bilhões de hectares de cultivo, mas só dispomos de 1,4 bilhões de hectares de terra cultivada no planeta. A desertificação do planeta seria o suicídio.
* A disponibilidade hídrica é escassa e minguante. Qual será a situação se 9 bilhões queiram utilizar água como se faz nos países ricos e nas regiões privilegiadas de países emergentes, enquanto o problema dos gases estufa reduz a oferta de água? Hoje, 2 bilhões de pessoas não dispõem de água para beber e suprir necessidades mínimas.
* As zonas de pesca do mundo se encontram, hoje, em sérios problemas. A maioria com superexploração da pesca e redução de espécies. Que aconteceria se os 9 bilhões tentassem consumir peixe ao ritmo atual dos australianos?
* É provável que diversos tipos de minerais e de outro gênero escasseiem muito em breve, entre eles o gálio, o índio e o hélio. E há preocupação quanto ao cobre, zinco, prata e fósforo.
* É provável que comece a escassear o petróleo e o gás e que, em boa medida, não se possa dispor deles na segunda metade deste século. Se os 9 bilhões consumirem petróleo ao ritmo per capita australiano, a demanda mundial seria cinco vezes maior da que é atualmente. A gravidade disto é extrema, dada a onerosa dependência de nossa sociedade aos combustíveis líquidos. A exploração de outras energias além de cara é ainda incipiente.
* Análises recentes da “pegada ecológica” mostram que se necessitam oito hectares de terra produtiva a fim de proporcionar água, energia, terreno para assentamento humano e alimentos para uma pessoa que vive na Austrália (World Wildlife Fund, 2009). De maneira que se 9 bilhões vivessem como australianos, seriam necessários ao redor de 72 bilhões de hectares de terra produtiva. Porém, isso equivale a cerca de dez vezes toda a terra produtiva disponível no planeta. O planeta é um só.
      * O argumento mais inquietante é o que se refere a gases estufa. É muito provável que, com a finalidade de impedir que o conteúdo de carbono na atmosfera se eleve a níveis perigosos, se tenha que eliminar por completo as emissões de Co2 até o ano 2050 (Hansen, 2009, Meinschausen et al. 2009). Mas esta possibilidade é remota.
Os economistas que trabalham novas formas de produção e consumo diferentes das capitalistas, cujo modelo os países emergentes tentam a todo custo seguir em nome do PIB, se estribam no bom senso humano para a sobrevivência de todas as espécies vivas do planeta Terra.
Basear a economia no consumo obsessivo de bens úteis e inúteis, necessários e supérfluos com o fim de mostrar o crescimento do PIB e estar entre os quatro países que governam o mundo é trilhar o caminho certo do abismo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

CAPTAÇÃO DE ÁGUAS PLUVIAIS

ÁREA RURAL

O Planalto Central é um divisor de águas. Não é um pântano. As nascentes daqui levam águas para o Norte, Nordeste e Sul. Há cinquenta anos, com o povoamento do Planalto Central, um duro golpe foi desferido contra os mananciais e as nascentes de “águas cristalinas” como as definiram os exploradores da Missão Cruls.
Na opinião do Prof. Henrique Chaves, Professor da Universidade de Brasília (UnB), “Em pouco tempo, os mananciais de água que servem à população de Brasília poderão estar esgotados.” A situação para o brasiliense já chegou ao ponto crítico. Segundo recomendação da ONU, quando a disponibilidade de água bruta é de 1.750 metros cúbicos por habitante/ano a realidade hídrica já pode ser considerada preocupante. A disponibilidade de água na capital do país é de 500 metros cúbicos habitante/ano. Menos de um terço do que é recomendado. (Correio Braziliense, 29.10.2011) A escassez de água está encaminhando erroneamente moradores da cidade e do campo a buscar nas reservas subterrâneas, por meio de poços artesianos, as águas que abastecem as nascentes em detrimento dos cursos fluviais. Secam-se os mananciais. Secam-se os córregos. Desertifica-se o ambiente.
Além do superpovoamento da área em relação à capacidade de suporte hídrico, a grande plantação de eucaliptos para produção de celulose e a agricultura irrigada de soja e de milho para exportação, nas áreas circunvizinhas, tornam ainda mais crítica a disponibilidade de água no DF.
A ineficiente fiscalização dos órgãos ambientais e a ênfase dada ao crescimento da produção de commodities, em detrimento dos cuidados exigidos pela natureza frágil do cerrado, aceleram o processo de extinção de olhos d’água e a poluição de mananciais, rios e lagos. O que pode minorar essa situação crítica é a captação das águas da chuva. Nas cidades, o uso das águas captadas da chuva é alternativa para irrigação urbana, lavagem de ruas, alimentação de chafarizes e alívio da secura estival.
No meio rural, na agricultura e em áreas de preservação e recuperação vegetal, a captação se destina a melhorar os índices de umidade, deter por mais tempo a água no solo, facilitar a recarga dos aquíferos e fortalecer as nascentes superficiais. Com essa finalidade construo, em meu Sítio das Neves (DF), – Área de Proteção Permanente –, pequenas barragens de pedra ou barragens-castor desde 1996. A área do Sítio (70 hectares) é de 700 mil metros quadrados com vegetação típica de cerrado. A precipitação média anual sobre a área mencionada é de 875 milhões de litros ou 875 mil metros cúbicos, quantidade nada desprezível. Em circunstâncias normais, isto é, sem queimadas eventuais, a vegetação nativa guarda um quarto da precipitação.
Quase duas centenas de barragens captam e detêm milhares de metros cúbicos de água durante o período chuvoso, permitindo infiltração mais profunda e percolação da água repondo a recarga dos aquíferos do subsolo. A comunicação subterrânea das águas por efeito das barragens e do prolongamento do período de umidade, após a chuva, incrementa o reflorestamento nativo e consolida a recuperação de áreas degradadas pela agricultura irracional e queimadas anuais.
Um plano de captação das águas da chuva no meio rural deveria interessar ao Ministério da Agricultura, ao Ministério do Desenvolvimento Rural, ao Ministério do Meio Ambiente, à Confederação Nacional da Agricultura, aos sindicatos rurais e suas federações e confederações, cooperativas agropecuárias e empresas públicas de pesquisa e extensão rural.
Existem, em alguns estados do Brasil, estímulos financeiros para agricultores que se prontificam a recuperar áreas esgotadas por processos de produção inadequados, compensando as perdas de renda pela interrupção temporária e parcial da exploração agrícola.


ÁREA URBANA

Os mananciais no DF são constituídos por milhares de nascentes, também denominadas minas ou olhos d’água que formam pequenos córregos, ribeirões e rios de estatura média. Eles alimentam bacias hidrográficas de grande porte: Araguaia, Paranaíba e São Francisco. O primeiro se lança ao mar pelo curso do Amazonas; o segundo conforma a bacia do Paraná e deságua no Mar del Plata. O Velho Chico, depois de um percurso patriótico, ziguezagueando de Minas Gerais a Alagoas, despeja diretamente no Atlântico.
O interesse na captação de águas pluviais se manifesta em razão dos períodos bem determinados de chuva e estiagem.  A captação de águas pluviais se destina a compensar a escassez de água durante os meses secos aliviando a pressão sobre os aquíferos subterrâneos e mananciais. O estudo e mapeamento das  áreas sobre as quais cai o líquido gratuitamente das nuvens indicarão o volume possível e necessário a ser captado como reserva para o período de estiagem que, no Centro-Oeste, é de seis meses, entre abril e setembro.
A área geográfica do Distrito Federal (DF) é de 5.822 km2, correspondendo a 582.200 hectares ou 5,822 bilhões de metros quadrados. Os habitantes de Brasília dispõem de 100 m2 de área verde per capita. Plantam-se 70.000 árvores por ano, com critérios seletivos e discriminatórios, pois se concentram em parques e no Plano Piloto, deixando os bairros de Brasília quase desertos, mas as plantas são alternativa eficaz para captação e detenção de águas da chuva.
A precipitação média anual, no quadrilátero do Distrito Federal é de 1250 litros por metro quadrado, despejando aproximadamente 7,3 trilhões de litros sobre a área durante o período chuvoso de outubro a março. É a soma da precipitação ocorrida sobre toda a área.
O Lago Paranoá que circunda a parte sul e leste de Brasília se estende sobre uma área de 48 km2 ou uma extensão de 48 milhões de m2. Estima-se que 60 bilhões de litros são derramados pela chuva sobre a superfície do Lago Paranoá durante o período mencionado. A captação de água da chuva, portanto, é feita diretamente pela superfície do Lago, além de recolher águas que derivam de pequenos córregos que o formam. Grande parte dessas águas levadas pelos córregos ao Lago pode ser captada em vários pontos estratégicos do DF, no Plano Piloto e bairros de Brasília, sem prejuízo do Lago, da flora circundante e da fauna aquática e terrestre.
Permito-me um exercício matemático para demonstrar o volume de água que a chuva despeja sobre uma Superquadra da cidade de Brasília, assim denominadas os quarteirões da cidade. As superquadras têm uma área média de 82.000m2. Uma SQ recebe, em média, durante o período pluvial, 95,5 milhões de litros de água.
A superfície verde de uma SQ representa 40% ou 32 mil m2 de sua área total. Admitindo-se que, para irrigá-la uma vez por semana, se necessitem 5 litros por m2, o volume necessário de água para as 24 semanas de estiagem é de, aproximadamente, 3,6 milhões de litros. O volume de água necessária para irrigação durante o período seco representa menos de 4% da precipitação ocorrida sobre a SQ. Reservatórios subterrâneos de água, em forma de galerias, construídos em distintos pontos da SQ, captariam esse volume e sua distribuição a todas as partes da SQ seria operada por meio de bombas hidráulicas instaladas neles. Há outros pontos em que a captação das águas pode ser feita diretamente de reservatórios naturais, como o Parque Água Mineral e o Parque Olhos d’Água, para os quais se necessita apenas uma rede tubular para distribuição.
Na Asa Sul de Brasília, com 64 SQ, se poderiam acumular 230,4 milhões de litros de água durante a estação de chuvas, volume que corresponde a menos de 4% da precipitação nessa área (6,1 bilhões). Em consequência, pouparia água durante o período seco, não afetaria os aquíferos subterrâneos e aliviaria a sensação de clima desértico nesse perímetro urbanizado DF.
Dadas as características do clima do Planalto Central e as mudanças climáticas ocasionadas pela intensa e desordenada urbanização, superpovoamento, devastação da flora original, destruição impiedosa de mananciais, circulação diária de um milhão de automóveis, Brasília apresenta demanda crescente e diversificada de água. A demanda atual da cidade se iguala à oferta dos mananciais existentes provedores de água. Além da provisão do líquido para quase quatro milhões de habitantes, limpeza urbana, manutenção de jardins, proteção das áreas verdes e produção de hortifrutigranjeiros, há um acréscimo, ano a ano, da demanda de água, no período seco, impulsionada pelo aquecimento gradativo da região e pelo aumento da população.
Os 650 canteiros de flores que embelezam a cidade absorvem um milhão de litros de água por dia, ou 180 milhões de litros, durante os seis meses secos, retirados do Lago Paranoá e outras reservas naturais. Brasília abriga 150 milhões de m2 de grama. Essa superfície não recebe irrigação durante a estiagem e é anualmente vítima de queimadas. Se a aspersão usasse apenas um litro diário por m2, durante 150 dias, o volume necessário de captação seria de 12,5 bilhões de litros o que corresponde a menos de 7% da precipitação sobre os gramados urbanos. A localização dos reservatórios é determinada pelas próprias áreas cobertas de grama, entre as superquadras, vias de trânsito e na Esplanada dos Ministérios. Há, em Brasília e bairros adjacentes, muitos pontos favoráveis à captação de águas da chuva. Existem, nos órgãos públicos e instituições privadas, informações suficientes para traçar um mapa de planejamento de captação hídrica.
A população, premida pela intensa urbanização, cercada de prédios e avenidas asfaltadas, sufocada pelo mormaço e pela secura se sentiria melhor. As árvores abrigariam mais pássaros, a grama não se esturricaria e haveria menos perigo de queimadas dentro da cidade. Aliviar-se-iam também os pontos de alagamento de ruas, avenidas, tesourinhas e viadutos.
A necessidade de captação de águas da chuva para compensar o déficit per capita/dia, se manifesta pela situação crítica de disponibilidade de água para o habitante do DF. O brasiliense dispõe de 1,4 m3 por dia, três vezes menos do que é aceito como ideal (4,8 m3) pela ONU. Apesar desse déficit, centenas de cidades são anualmente inundadas por abundantes águas que transbordam de córregos e rios que as atravessam, causando mortes, desalojamentos de famílias e devastação ambiental. Só este fato deveria ser razão suficientemente forte para convencer os administradores da coisa pública a tomar decisões imediatas sobre a captação racional de águas da chuva.
A tecnologia de captação de águas pluviais é praticada, em algumas cidades brasileiras, em pequena escala e para uso restrito. Essa mesma tecnologia pode ser estendida à captação em grande escala utilizando os conhecimentos, o maquinário e os engenheiros que abrem túneis, vias subterrâneas de metrô, estacionamentos no subsolo.
Não existe problema insolúvel! Basta querer enfrentá-lo. Com a tecnologia disponível e a capacidade técnica de nossas universidades e engenheiros qualificados é possível pôr em execução um sistema de captação e aproveitamento das águas pluviais abundantes no país, eliminando grande parte dos desastres provocados pela incúria e falta quase absoluta de planejamento urbano.
Nos últimos cinquenta anos, um número cada vez maior de cidades, inclusive Brasília e seus bairros, são atingidos por inundações, algumas delas de tamanho trágico em vidas perdidas e destruição de monumentos e equipamentos. Apesar de tudo, nossas dificuldades são menores do que as de outros países e podem ser superadas com a tecnologia existente no país e com a capacidade inventiva de engenheiros e planejadores urbanos.
A arena esportiva, denominada Estádio Nacional de Brasília, segundo consta de seu projeto (Correio Braziliense, 29.10.20110), a água da chuva será captada e armazenada em tanques embaixo do campo de futebol, utilizando-se de tecnologia comprovada. A água será usada para irrigar a grama e lavar o estádio. Existe, portanto, tecnologia. Definitivamente importante é a decisão de executar medidas adequadas para a captação e aproveitamento das águas pluviais. Estacionamentos, túneis de metrô, pouco diferem de galerias para captação de águas pluviais. Com as devidas mudanças, os procedimentos, a tecnologia, as máquinas e o dinheiro podem fazer diferentes obras para fins nobres.
A execução dessa importante, essencial e necessária obra de captação de águas pluviais esbarra numa dificuldade política de estabelecer prioridades inteligentes que tenham sentido humano. Há que se transpor esse obstáculo com uma atuação firme e constante de órgãos de representação dos interesses coletivos junto a instituições públicas e ao Congresso Nacional, com o fim de estabelecer orçamentos plurianuais adequados a executar projetos de captação de águas da chuva.
Em tempos em que a geração de emprego e consequente distribuição inteligente dos impostos parecem determinantes para enfrentar a crise na economia mundial da qual o Brasil participa, projetos desse gênero, além de atender às emergências econômicas, resolvem também as emergências em que anualmente nossas cidades se veem condenadas.
A título de ilustração, a experiência japonesa no trato com fenômenos naturais de grande envergadura pode ser um estímulo para vencermos dificuldades geometricamente menores do que as enfrentadas naquele país.
O Japão é provavelmente um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo. Sua população tem acesso à melhor educação, a um eficiente sistema de saúde e onde investimentos em tecnologias avançadas são feitos. Assolado por terremotos, tufões e tsunamis, o Japão utiliza sua impressionante tecnologia para se proteger dos efeitos arrasadores dos fenômenos naturais. A intensa urbanização de Tóquio se assemelha à de São Paulo e a de centenas de cidades brasileiras.
Anualmente, uns 25 tufões assolam o território japonês. Desses, dois ou três atingem Tóquio em cheio, com chuvas fortíssimas durante várias horas ou até um dia inteiro. Mas nem por isso ocorrem enchentes ou alagamentos na cidade.
Observem-se os subterrâneos construídos para entender porque Tóquio não se alaga. (Informações disponíveis na Internet. Blog de Carol Daemon)



O subsolo de Tóquio alberga uma fantástica infraestrutura cujo aspecto se assemelha ao cenário de um jogo de computador ou a um templo de uma civilização remota. Cinco poços de 32m de diâmetro por 65m de profundidade, interligados por 64 km de túneis, formam um colossal sistema de drenagem de águas pluviais destinado a impedir a inundação da cidade durante a época das chuvas.



A dimensão deste complexo subterrâneo desafia toda a imaginação. É uma obra de engenharia sofisticadíssima realizada em betão, situada 50m abaixo do solo, fato extraordinário num país constantemente sujeito a abalos sísmicos e onde quase todas as infraestruturas são aéreas. A sua função é não apenas acumular as águas pluviais como também evacuá-las em direção a um rio, caso seja necessário. Para isso, dispõe de 14.000 HP de turbinas capazes de bombear para o exterior cerca de 200 mil litros de água por segundo.



quarta-feira, 23 de novembro de 2011


EIS A INTERDEPENDÊNCIA DAS ESPÉCIES VIVAS.
UMA JIBÓIA ENLAÇOU UM PATINHO, O SUFOCOU E O ENGOLIU.
A NATUREZA SEGUE AS LEIS DA VIDA E, NO ESTRITO CUMPRIMENTO DELAS, HÁ SOFRIMENTO DE UMA PARTE E SATISFAÇÃO INDIVIDUAL DE OUTRA.
Posted by Picasa

EDUCAÇÃO E LIBERDADE


Qualquer tipo de educação, seja pontual ou continuado, restringe a liberdade pessoal e coletiva. A educação é ministrada, induzida, inculcada na mente e no coração da pessoa e põe sobre a identidade original uma camada de estereótipos, de regras, de leis particulares ou constitucionais. Torna-se obrigatória. Toma a forma de receitas para moldar a pessoa, adaptá-la a um modelo arquitetônico indefinido a fim de mais facilmente dominá-la. Educa-se para obter dois efeitos visíveis e contraditórios: cooperar e competir, construir e destruir, pacificar e guerrear.
Subliminarmente, educar é estabelecer as condições ideais de esquizofrenia ao balançar o educando entre a liberdade social condicionada e a promessa de segurança dos movimentos permitidos. Nos três ambitos em que a educação é inculcada, paralisam-se energias cerebrais e desvirtua-se a natural expressão da dúvida, da curiosidade, da espontaneidade diante da beleza e da sedução do universo. O objetivo não declarado da educação nos três ambitos é desestimular a capacidade de pensar e querer fora dos parâmetros estabelecidos pelos costumes, pela moral e pela ética em uso.
Na família, primeiro cenário da educação, ganha-se o DNA e herda-se o idioma próprio da clã restrito, do grupo de vizinhança, da tribo moldada. Na escola, conhecem-se direitos legais que subjugam os individuais, socializam-se as dissonâncias, ressaltam-se as diferenças, consolidam-se os preconceitos e, sob algumas promessas de prêmios e ameaças, enumeram-se os deveres coletivos para com a pátria. O conhecimento metódico e mecânico minimiza as emoções. Nas igrejas, educa-se a pessoa para sobrepor a tudo e a todos um poder sobrenatural, oculto, indevassável. A pessoa aprende a ser nada e impotente. Só alcança benefícios ou recebe castigos gratuitos se o humor de um Ser superior assim dispuser.
Constrangido por essa educação tridimensional a pessoa renuncia inconscientemente à liberdade essencial do espírito para acatar os princípios da segurança social, fictícia, a ser mantida por meio de armas mortais. A educação operada em três dimensões é obrigação de lei e obsessão generalizada e universalizada. O núcleo vital da educação foi afetado pelo mesmo vírus que destrói sorrateiramente as células da liberdade. Produz metástase emocional, aliena a consciência e substitui a felicidade vital em prazer mecânico de manipular aparelhos. Os lares, as escolas, as igrejas estão mobiliadas com aparatos eletrônicos os mais variados que dão eficiência e rapidez à transmissão de conhecimentos e certezas. Conhecimentos e certezas que serão úteis para operar outros mecanismos, na progressão da chamada educação permanente, rumo a uma profissão no “mercado de trabalho”, ou para certificar-se de que o céu é o limite a ser transposto.
A felicidade vital do espírito inteligente é substituída pela felicidade conquistada com a operação de aparelhos relativamente obedientes. Eles trocam a presença das pessoas e por meio deles tornam impessoais e distantes os relacionamentos. Estamos todos convidados, convocados e obrigados à comunicação de conhecimentos e comportamentos sob a forma de educação mecânica. A família, as escolas, as igrejas, auxiliadas pela mídia insinuosa e por todos os truques tecnológicos da Internet nos fazem assumir inconscientemente o papel de educadores. Educar é preciso. Todos a educar a todos na crescente multiplicidade de “demandas” a ponto de não fazermos mais nada, a qualquer momento, em qualquer situação a não ser educar. A educação em três ou cinco dimensões transformou-se no mais eficiente meio de alienação da consciência.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

FOGO E LIXO




OLHE, PENSE, CALCULE O DESASTRE DA SOMA DE ATOS VIOLENTOS CONTRA A NATUREZA: FOGO E LIXO À BEIRA DA RODOVIA BR 060. LOGO ALI EMBAIXO CORRE O RIBEIRÃO DAS LAJES
HÁ CIDADÃOS CEGOS, SURDOS E IGNORANTES DA PRÓPRIA VIDA.

DEGRADAÇÃO E DISPLICÊNCIA






A BR 060 é a rodovia que liga Brasília a Goiânia, passando por Alexânia, Abadiânia e Anápolis. Por essa via pode-se ir a Pirenópolis e Corumbá. No meio do caminho, a represa Corumbá IV atrai turistas, proprietários de chácaras à beira do lago e centenas de pescadores de fim de semana.
Milhares de carros transitam por essa autoestrada por motivos de negócios ou por lazer. A fiscalização do tráfego é feita pela Polícia Rodoviária e agentes do Posto Fiscal, com intervenções esporádicas da Polícia Civil. A BR 060 é canal de transporte comercial intenso e rota de drogas procedentes de Goiás e Mato Grosso do Sul.
Às margens da rodovia, nos últimos dez anos, algumas antigas fazendas como Engenho das Lajes, Tição, Riacho Fundo se transformaram em assentamentos urbanos e condomínios rurais. A rodovia foi traçada sobre o espigão do Planalto Central e de ambos lados brotam mananciais cujas águas correm para o Sul, nascidas na bacia hidrográfica do Descoberto constituída pelo rio Santo Antônio, Ribeirão das Lajes e outros córregos formando a bacia do Paranaíba, rumo ao Paraná e Mar del Plata.
Essa região, como todos sabem, é frágil e delicada, pois é o berço das águas. Todo berço contém uma criatura tenra. No entanto, os usuários da rodovia não sentem nenhum desconforto cidadão em depositar todo tipo de entulho de demolições, ferragens, restos de móveis e cerâmicas no trecho em frente à Samambaia e Recanto das Emas. Em vários pontos da rodovia, com mais frequência do lado esquerdo, direção Goiânia/Brasília, toneladas de lixo orgânico são descarregadas por usuários que retornam de suas casas de fim de semana ou de pescarias na represa Corumbá IV. Tive curiosidade de examinar o conteúdo do lixo depositado junto à cerca de uma Área de Proteção Permanente que possuo no km 26. Pelos itens ali encontrados trata-se de pessoas que, além de dirigir carros do ano, certamente possuem 2 a 3 aparelhos de TV, 150 canais da NET, computador e Internet que lhes dão acesso a todas as informações referentes à ecologia e aos decretos que protegem a natureza, além de programas educativos quase que diariamente transmitidos.
Em razão do crescente volume de lixo depositado à beira da rodovia, próximo às nascentes e córregos da região, enviei sugestões ao Ibram, repetidas vezes, no início de cada nova administração do GDF, para que instalasse, de cinco em cinco quilômetros, placas com orientação e advertência de proteção à natureza. Nada foi feito. Sugeri, como se faz em outros países, que se construíssem galpões simples, em pontos estratégicos da rodovia, para entrega e posterior recolhimento do lixo. Resposta: “Não há orçamento para pequenas obras”. A Caesb instalou meia dúzia de placas tímidas, com letras miúdas, em alguns pontos do acostamento, recomendando proteção às nascentes. Nenhum efeito visível diante dos 15 poços artesianos que se observam entre o km 0 e o km 30 da BR 060. Há planos completos de gestão ambiental aprovados nas instâncias legais e burocráticas. O que falta é pôr o plano em ações práticas, eficazes e eficientes. É para isso que se cobram impostos.
Renato Russo gritava pelos ermos de Brasília “Que país é esse”? Diante de tanto lixo, em maior volume a cada semana, às margens da rodovia BR 060, é de se indignar e perguntar “Que gente é essa”?
Não pretendo inculcar na psique do cidadão brasiliense o complexo de ecoculpabilidade. Mas, por vivermos num país profundamente religioso onde se praticam com igual fervor o candomblé, a magia, a reza do terço, a santa missa, a cura do câncer pela fé em Jesus contra o INSS, a caída do Espírito Santo, a meditação budista, a leitura da Bíblia, proponho que todas as igrejas e religiões do Brasil adotem o 11º. Mandamento:
NÃO JOGAR LIXO FORA DAS LIXEIRAS SOB PENA DE CONDENAÇÃO ETERNA.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CEGA, SURDA E IGNORANTE

Não consegui, no Google, números estatísticos sobre cegueira, surdez e ignorância de brasileiras e brasileiros, mais especificamente, da espécie brasiliense. Tenho me guiado, ultimamente, pelo óbvio evidente e ululante. Posso afirmar que o número é magno. Há milhares, se não milhões, de brasileiras e brasileiros cegos, surdos e ignorantes. Cegos ou analfabetos. Surdos ou mentalmente incapazes. Ignorantes ou espertos atentos às vantagens imediatas.
Para não cansar um possível leitor com estas considerações, restrinjo-me à atitude da espécie brasiliense (homo cerratensis) com relação ao lixo depositado nos contêineres espalhados pelas Superquadras do Plano Piloto, bairros circunvizinhos ou simplesmente jogado à beira das rodovias.
Estou em frente aos dois contêineres do Bloco T da SQS 406. Um se destina ao lixo orgânico para ser transformado em adubo. Mas o que vejo, ali, é mistura de roupa, plásticos, restos de comida, cacos de vidro, e objetos invisíveis dentro de sacos pretos ou azuis. O outro é para o denominado lixo seco. Ali, o absurdo é impressionante. Empilhados, estão isopores que envolviam eletrodomésticos, caixas de papelão, garrafas de vidro, garrafas plásticas, latas, jornais e revistas, partes de mobília, cacos de cerâmica, baldes rotos e, para completar, restos de comida.
Entre os pouco mais de 70 moradores do Bloco T há bancários, oficiais de justiça, engenheiros, professores. Quase todos os carros que servem aos moradores são novíssimos, asiáticos ou franceses. O descaso, a indiferença, a displicência da atitude dos moradores diante dos efeitos do lixo sobre o belo e frágil bioma cerrado, misturado nos contêineres e ao longo das rodovias, só podem ter um atenuante: ausência total de informação, de leis, de avisos e de consciência ambiental. A desculpa, com certeza, recai sobre diaristas, faxineiras e empregadas domésticas. Quem as orienta? A espécie brasiliense atingiu a marca de dois milhões e seiscentos mil habitantes com direito a produzir o mesmo volume em quilos de lixo por dia.
Ao ver a confusão e a mistura de lixo nos contêineres e ao longo das rodovias, obrigo-me a concluir que a espécie brasiliense, em número alarmante, está atacada de cegueira, surdez e ignorância. Incluo, nesse número, os administradores de uma dezena de órgãos públicos criados para orientar, fiscalizar, controlar, impedir e sancionar os criminosos ambientais.
A alternativa é, com extrema urgência, curar a cegueira, a surdez e a ignorância da espécie brasiliense.