quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ECOLOGIA III PARTE

III PARTE: – dificuldades e expectativas

(Aos que leram a I e II parte, peço paciência pela leitura da III parte que é mais longa) 

Uma nova forma de prosperidade é possível se a comunidade humana atacar alguns pontos difíceis de equacionar, mas necessários para estabelecer novos termos de relação com a natureza, proteger a biodiversidade, garantir uma harmonia desejável entre todas as formas de vida e propiciar qualidade e felicidade à espécie humana universal. Tempo e persistência são requisitos para que a inteligência, a sabedoria e a solidariedade do homo sapiens alcancem estágios progressivos de felicidade para todos os seres humanos.
Uma das dificuldades estratégicas é mudar a direção do enfoque até hoje dado às riquezas naturais disponíveis a todos os seres vivos e rever a ênfase dos comportamentos humanos em relação ao uso e usufruto delas como se elas se destinassem prioritária e exclusivamente à espécie humana. Atitude também dita antropocentrismo, isto é, tudo foi pensado e realizado para benefício exclusivo do ser humano.
Quais pontos podem ser analisados de forma diferente e que outras medidas devem ser adotadas para aperfeiçoar as relações da espécie humana com a natureza, com todas as formas de vida nela existentes como parte da biodiversidade universal?
A questão central para compreender a natureza das coisas e agir em consonância à sabedoria que dela emana é a interdependência de todos os seres vivos na percepção de que todos são iguais perante a vida e que a vida se alimenta de vidas. A interdependência supõe um ponto de equilíbrio para que a cadeia trófica se mantenha em movimento com o fim de nutrir e favorecer a reprodução de todas as espécies vivas. Não há, portanto, privilégios biológicos para conferir prerrogativas exclusivas a qualquer espécie viva. Todas as espécies são regidas por leis biológicas e tendem à manutenção do equilíbrio necessário à reprodução da vida. A que pode se opor à lei do equilíbrio, por ser a única a ter consciência da reprodução da própria vida, é a espécie a humana. A espécie humana passa grande parte da vida a restabelecer o equilíbrio rompido. Graças a essa mesma consciência é possível à espécie humana encontrar um novo comportamento inteligente para controlar o ponto de equilíbrio.

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Parece evidente que o fator primeiro que pode desencadear o desequilíbrio das relações de interdependência dos seres vivos e que, a prazo longo, pode ser prejudicial à reprodução da vida no planeta Terra é o crescimento sem controle da população humana. Quando uma única espécie domina grandes extensões, a variedade da biodiversidade se reduz. No caso de superpopulação humana, regiões férteis se tornaram desérticas, tanto pela intensidade do uso do solo para produção de alimentos, quanto pela urbanização. A espécie humana encontra meios de sobreviver e se reproduzir em qualquer parte do planeta colhendo frutos gratuitos na prateleira da natureza ou produzindo o alimento necessário à sobrevivência.
 Desde que se estabeleceu definitivamente sobre o chão, a espécie humana empregou todos os artifícios da mobilidade em busca de outros espaços físicos, da rudeza de seus pés ao lombo do cavalo, da piroga ao navio, do automóvel ao avião. Descobriu, ao longo de milênios, que a cooperação era necessária para sobreviver mesmo empurrado pela força imanente da competição social com o fim de garantir sua reprodução.
O desequilíbrio entre cooperação grupal e competição social não só afeta as relações humanas como pode perturbar a manutenção da ampla e necessária biodiversidade. A cooperação se desenvolve mais facilmente com um pequeno grupo de pessoas (As tribos em nossa civilização têm aproximadamente 120 membros). Entre povos e nações a competição social é mais evidente. Entra em jogo o sentimento de solidariedade na ocorrência de cataclismos ou dificuldades de cooperação quando as relações entre os grupos não são pacíficas.
A organização social, política, cultural, jurídica ou religiosa pode gerar leis, normas, programas de governo de qualquer regime (autoritário, democrático, monárquico, imperial) que estimulam e exacerbam a competição social e dificultam a cooperação entre diferentes grupos.

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O aspecto do crescimento demográfico, então, deve ser visto como o de maior importância. Dele deriva o maior risco para o desequilíbrio biológico na reprodução da biodiversidade, nesta incluída a espécie humana. A matéria consciente, o homo sapiens, é a parte mais responsável, ou deveria ser, para assegurar o equilíbrio da natureza. Só a espécie humana, por sua equivocada ação e por desvio de sua compreensão do lugar que ocupa no universo pode perturbar o equilíbrio da interdependência dos seres vivos com respeito à sobrevivência e reprodução. O desequilíbrio provocado na natureza afeta as relações entre as pessoas. A felicidade individual e social entra em convulsão cujos efeitos se disseminam e contaminam o organismo humano universal.
É evidente que o número de componentes de uma comunidade, ao longo do tempo e envolto em circunstâncias ambientais específicas (água, alimentos, espaço físico), sugere uma forma de organização que vai do tipo simples ao complexo. O que se observa, em grandes populações, é a lenta evolução da capacidade de organização por parte dos estamentos que se julgam aptos a tomar o poder de comandar os súditos. A experiência histórica tem demonstrado, na maioria dos países com grandes populações, que o crescimento demográfico é mais rápido do que a expansão de sua capacidade de organização e administração de grupos humanos. Só os países com pequenas populações (países nórdicos) conseguiram, com algumas restrições, estabelecer um sistema de organização social e política que inclui a universalidade dos cidadãos. Civilizações, como incas, maias e astecas, levaram séculos para se consolidarem (e se dissolverem).
O nascimento de novas nações e a expansão da população com o povoamento de extensos continentes, nos últimos quinhentos anos, se orientaram à formulação de regras, leis, decretos e à administração pela força burocrática, submetendo as pessoas a simples executores chegando-se à impessoalidade quase absoluta. O eu da convivência transforma-se numa engrenagem autômata que produz atos sociais sem saber para que ou para quem servem. Chega-se, hoje, ao ponto ômega da organização impessoal, sem face, sem liberdade, oprimindo teclas e botões eletrônicos. A espécie humana já não se percebe ligada pela linha de transmissão do eu para o outro eu – linha da eudade ou alteridade – mas pela fibra ótica que mantém os dialogantes invisíveis e a uma prudente distância.
A manipulação exacerbada pelos detentores do poder, dentro de uma organização, subestima a imensa quantidade de neurônios cerebrais em permanente funcionamento na variedade de grupos humanos numa grande e incontrolável comunidade. Nesta se mesclam subordinação, contestação, apatia, protestos, anarquia, cooperação, competição. Esquece-se facilmente que administrar leis, regras, ordens, programas não se confunde com tratamento de pessoas cujo cérebro está configurado para o diálogo cooperativo e competitivo.

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O controle da evolução humana, seja como seja, deve conter alguma medida de controle da reprodução humana, tanto em quantidade quanto em qualidade. (George Gaylord Simpson, This View of Life. The World of an Evolutionist (1963)

Controle do crescimento demográfico não significa ódio à humanidade nem insensibilidade ao sorriso de uma criança de dois meses. Não se propõe uma atitude de favorecimento ao aborto indiscriminado, embora seja mais frequente e mais amplo do que os números conhecidos em todas as espécies vivas. O controle demográfico pela via do planejamento populacional, não atrelado a um programa dirigido de cima para baixo, não se dirige a classes sociais específicas ou a países de economias primitivas. É uma conduta racional e mesmo natural diante das condições essenciais da sobrevivência e reprodução tanto em aspectos físicos – água, alimento, abrigo, espaço – quanto em aspectos sociais e culturais – educação, organização, saúde, lazer.
É um assunto a ser ampla e abertamente debatido por todos os meios de informação e divulgação para atingir todos os grupos, todos os países, todas as idades independentemente de sexo ou condição econômica. Uma proposta ampla e democrática de alcançar uma sociedade humana mais livre, mais justa, mais responsável em sua atuação no planeta, para que possam viver felizes nele também as gerações futuras, se afigura digna de ser pensada e incluída na Declaração Universal dos Direitos Humanos. É interesse e quiçá obrigação de todos os indivíduos decidirem sobre o controle da reprodução para o bem universal da espécie humana.
As estatísticas demográficas apontam para um índice de fertilidade, hoje menor, em muitos países, do que era na década de 50 ou 60. Mas um índice médio global apenas não é tranquilizante. Se em algum país, ou em alguma região do país, a população cresce geometricamente, acima da reposição familiar, os efeitos são sistêmicos sobre toda a natureza. Cada ser humano, para mencionar apenas uma espécie viva, precisa de água, comida, espaço. Todos esses elementos, além de escassos, são finitos.
O fato de a humanidade estar envelhecendo mais demoradamente compensa o baixo índice de fertilidade. Uma população mais idosa, além de mais experiente em algumas áreas, terá que adaptar-se à evolução de outras. Ademais, sua idade necessita de apoios, de cuidados especializados, de dispositivos sociais adequados que pesarão sobre o ecossistema. Conclui-se que o controle da natalidade deveria alcançar o ponto de simples reposição, (um filho por casal?) até se chegar ao equilíbrio de uma população adequada à oferta natural também limitada de bens para a sobrevivência de todos os seres. É preciso lembrar que, quando se menciona o crescimento da população, estão implícitos os milhões de animais que lhe servem de comida e que com ele compartem o mesmo espaço do planeta e todos se somam para comprometer a capacidade de carga do ecossistema.
A mobilidade da atual superpopulação mundial, associada à incapacidade, à ineficácia e à inépcia dos mecanismos sociais e psicológicos, políticos e econômicos de sua administração, se manifesta de várias formas. Grupos de imigrantes fustigados pela fome, pela escassez de água, por falta de trabalho criativo em seus territórios de origem se dirigem a países ricos, muitos deles antigos colonizadores e exploradores de suas riquezas. Independentemente do conceito de justiça, o que se vem observando em países alvo de imigrações, é o comprometimento da capacidade de carga de ecossistemas já superexplorados.
Com frequência, ao redor de grandes cidades ou metrópoles, invasões e ocupações planejadas ou empurradas por alguma necessidade ou interesse degradam o ecossistema e seus autores se tornam vítimas de fenômenos naturais que também precisam de espaço para se manifestar. Há que se reconhecer que nem sempre a sociedade humana tem demonstrado disposição e propensão a construir mecanismos sociais e psicológicos eficientes, capazes de harmonizar cooperação grupal e competição social, para administrar o crescimento equilibrado da população. Esse desequilíbrio pode ser apontado como uma das causas da desigualdade entre os habitantes de um mesmo país e entre povos de diferentes regiões do planeta. A concentração de riqueza em poucas mãos e a desigualdade na repartição e acesso aos bens comuns da natureza são indicativos de injustiça distributiva e se agravam com a superpopulação global. A acumulação de bens e riquezas em setores privilegiados da economia tem, frequentemente, nos governos estabelecidos, um forte aliado que exacerba a desigualdade e contradiz a retórica da igualdade.

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Há que se mencionar, com critérios científicos, os limites da capacidade de carga dos ecossistemas. Dessa limitação se origina uma “corrida armamentista” entre todas as espécies. Há que convir, a espécie humana, entre todas as espécies, é a que mais explora as riquezas naturais. Chega um momento em que a biodiversidade alcança um ponto de saturação: já não cabem mais espécies. Este fenômeno não acontece todos os dias nem em todos os séculos ou milênios. “Grandes mudanças físicas, alheias à biosfera, fatores abióticos ou causas bióticas não previsíveis podem eliminar espécies ou criar novas condições para o surgimento de outras”. (J. L. Arsuaga & M. Martin-Loeches, El sello indeleble, Debate, Madrid, 2013)

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Reações ao controle do crescimento populacional têm surgido de fontes distintas: religiosas, políticas, econômicas, psicológicas. Propor ou defender o crescimento da população por razões econômicas é uma afronta moral à própria espécie humana. É compreensível o constrangimento ético ao dizer que não deveriam existir outros milhões ou bilhões de seres humanos. Inconscientemente, pensa-se em vidas a serem eliminadas e não vidas potenciais que ainda não existem. Há um respeito plausível para com os seres não existentes por temor ou má consciência a nos considerar superiores e recusar-lhes o direito de vir a existir. Fetichismo, superstição ou trans-humanismo.
Há quem considere obrigatória a reprodução e, por educação cultural ou religiosa, dá ao sexo apenas a função irrevogável da reprodução. Parece haver um complexo de culpa histórico que envolve amor, sexo e reprodução. Não se afigura nada de mal em controlar o crescimento demográfico desde que menor quantidade signifique melhor qualidade para todos na organização social e no espaço em que vivem. “Se não alterarmos drasticamente a organização de nossa própria reprodução, não há esperança de conseguir que a espécie humana seja muito mais inatamente altruísta do que é no presente”. (J. B. S. Haldane, The Causes of Evolution, 1926, Londres, cofundador da Genética populacional).
A espécie humana não pode ser vista apenas como produtora de soldados para bucha de canhão. Ou apenas fornecedora de força de trabalho ou vendedora ambulante de seu tempo. Ou consumidora insaciável de quinquilharias. Ou apática cumpridora de ordens, regras, leis, ritos quando não submetida a eles sem possibilidade de expressar seu pensamento ou privar de sua liberdade.
A expansão demográfica, estimulada pela evolução da espécie, é ordenada pela organização biológica da qual brota a organização social e a consequente convivência para a reprodução. Nessa cadeia evolutiva, há um ingrediente especifico e único da consciência do eu na espécie humana que reconhece no outro um eu independente, mas todas as pessoas e todos os grupos são movidos pelo processo de cooperação e competição social. A organização social dependerá de como o ser consciente, inteligente, racional compreende e administra esses dois eixos que dirigem a sociedade humana.
O ponto ômega de todo ser vivo é a plenitude de seu organismo biológico. Na espécie humana, a plenitude de seu organismo biológico é complementada pela felicidade consciente e livre. É na direção da felicidade consciente e livre que aponta o destino humano em sua caminhada existencial. Dar outra direção, submeter a caminhada humana aos requerimentos da mera organização política ou econômica sob a mística do crescimento e acumulação de riquezas para exaltação do poderio e da grandeza artificiosa do homo sapiens é um descaminho que pode levar ao precipício social. É erigir os meios de sobrevivência como um fim último em que o ter e o possuir substituem o ser e a liberdade. É uma forma de ditadura sutil e gozosa que veste o corpo, mas desnuda e desvirtua a consciência.




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A sobrevivência e reprodução da espécie humana, além de estar submetida às leis físicas e biológicas da interdependência dos seres vivos, dependem da eficácia de sua auto-organização. A organização da espécie humana, embora mais visível nos últimos dez mil anos, ela se forjou ao longo de pelo menos 200.000 anos. A coleta de alimentos, a caça e a pesca, a produção de sementes e a domesticação de animais, aliadas ao uso da madeira para a construção de moradias e móveis provocaram, ao longo de milênios, a devastação de imensas florestas na África, Ásia e Europa. Nos últimos quinhentos anos o planeta foi literalmente povoado, Milhões de hectares de florestas, nos novos continentes ocupados, foram transformados em campos de cereais e de criação de animais. A pressão sobre os elementos essenciais, especialmente o solo e a água, reduziu a biodiversidade. A expansão das cidades, a concentração da demanda por alimentos, o requerimento de serviços de limpeza e de esgotamento das águas da chuva, de educação, de cuidados para a saúde pública tornaram complexa a auto-organização da população, quando não caótica, diante do que se convencionou denominar explosão demográfica.
No início da década de 1970, o Clube de Roma alertava para o risco da superpopulação mundial e sugeria que em todos os países se pensassem mecanismos para o controle da natalidade por meio do livre e racional planejamento familiar. Sentia-se à época, com 3,7 bilhões de habitantes, que a capacidade de carga dos ecossistemas se aproximava dos limites e, em consequência, nas próximas décadas, milhões de pessoas teriam sérias dificuldades de acesso à água e comida suficiente, sem falar de escassez de escolas e hospitais. A população atual de 7 bilhões requer do solo mais alimento com um séquito de parafernália tecnológica em máquinas, laboratórios, fertilizantes, agrotóxicos, consumo de água, poluição de aquíferos, corte e queima de florestas. Dois bilhões de pessoas não tem acesso a volume diário de água suficiente e necessário e cerca de um bilhão não se alimenta todos os dias. (Relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultur – FAO, 2013)

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Os sistemas de produção e industrialização de alimentos, atividade econômica essencial, e todos os demais serviços que deles se originam, o avanço da tecnologia em transporte, energia e comunicação criaram na sociedade humana, representada pelos governos das nações, a mística do crescimento econômico ilimitado que transforma, na prática, os meios de sobrevivência em fim a ser alcançado. Os meios de sobrevivência são comandados por um ente invisível, autoritário, impassível, insensível, maquiavélico e tredo ao qual se atribui poder de ditar leis conhecido vulgarmente como mercado ao qual se dá status de ente decisório e ordenador.
Grande parte dos dispositivos e de equipamentos sociais (universidades, centros de tecnologia e pesquisa, institutos de incentivo à inovação, bancos públicos e privados, cursos de treinamento para a eficiência e o planejamento estratégico, e muitos etcéteras) se destina ao crescimento econômico e depende dele. A sociedade atual parece não subsistir sem o crescimento, e o elo social está baseado na produção de bens em série, úteis e supérfluos. O ciclo do crescimento inicia-se na produção de bens e serviços para o consumo intenso, estimulado por créditos bancários ou favores governamentais, que gera lucro e realimenta a produção. O crescimento econômico, hoje em processo, é garantido pela produção intensiva e multifária de itens que possam ser consumidos pelo indivíduo autônomo – individualização do consumo –  tais como celulares, computadores, tablets, automóveis, entre outros, que dão à pessoa um sentido de liberdade, de autogratificação e emancipação. Mesmo as populações de renda quase de sobrevivência, de nível de educação primária, buscam nesses itens um fator de equiparação social. A obsessão e a mística do crescimento converteram antigos promotores do socialismo e contaminaram todas as facções pragmáticas de esquerda para a conquista do poder político.
Como interromper esse desvio de comportamento nas relações de convivência social e alcançar um desejável equilíbrio entre a cooperação necessária e a competição biológica para a sobrevivência e a felicidade humana? Como romper o ciclo invasivo produção – consumo – lucro – produção? Por que é prudente e oportuno rompê-lo? Por que é necessária outra via, outra forma de satisfazer as necessidades da espécie humana: físicas, culturais, sociais e de tempo livre para o lazer? Esta outra via está intimamente relacionada com uma nova concepção do trabalho humano e de seu tempo disponível para que o homo sapiens construa o caminho de sua felicidade.
O crescimento econômico tal como se apresenta, sem perspectivas de mudanças a curto prazo, acentua a crise de valores humanos e a agressão ecológica com seu séquito de poluição, de ecossistemas degradados, de emissão de gás de efeito estufa capazes de provocar desregramentos climáticos maiores (Dominique Méda, socióloga, Universidade de Paris-Dauphine, in Libéracion). O Clube de Roma advertia, há quarenta anos, para os riscos de um crescimento econômico desatrelado dos cuidados com o ecossistema e com a capacidade de carga do planeta.
Frear o atual crescimento econômico, sob o comandado de empresas que concentram decisões em âmbito mundial, por práticas mais harmonizadas com os ecossistemas para atender às necessidades humanas, não implica em regressão, nem exige o sacrifício da prosperidade e do progresso evolutivo. Por exemplo, reduzindo de forma radical a queima de combustível fóssil. Formas alternativas de uso das riquezas naturais, não significam, igualmente, pedir aos pobres que reduzam o consumo de comida e bens essenciais como saúde, educação, trabalho e lazer. Nem se pedem sacrifícios a países menos desenvolvidos de reduzir o necessário e suficiente consumo de bens em nome de uma mudança climática que pode ocorrer em 2050. Reorientar o consumo não significa privar-se dele.

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Outra via para a humanidade, em consonância com a disponibilidade de riquezas naturais finitas, sugere elencar uma priorização racional de produtos e serviços e propiciar o acesso universal a eles. A título de ensaio, adaptável segundo as características de cada comunidade, as prioridades respondem essencialmente a uma escala de demandas da população: alimentos, saúde, educação, tecnologias relacionadas aos três primeiros itens, à comunicação e informação, transporte público de massa e mobilização solidária, estímulo aos pequenos negócios locais. Num mundo globalizado, com tendência à homogeneização das ideias, dos costumes e das formas artificiais para dar escala ao consumo, algumas indicações para contrabalançar a perda de identidade de populações indefesas são a descentralização de atividades econômicas, sociais e culturais, o reconhecimento ativo da importância da expressão das variedades e diversidades locais e regionais e o intercâmbio das diferentes manifestações regionais da população.
Por que não unir programas de transferência de renda à criação de postos de trabalho? O tempo e o trabalho de milhares de cidadãos podem ser empregados na recuperação de áreas degradadas, na proteção de mananciais, florestas e animais selvagens, em sistemas de captação de águas pluviais para a produção agrícola, na educação ambiental aos agricultores contra o uso de agrotóxicos e a prática do fogo, na humanização e arborização das rodovias, na observância da regulamentação da coleta do lixo. Serão milhares de agentes ambientais protetores do ecossistema e estimuladores da reprodução da biodiversidade.
Há que se reconhecer, mesmo aceitando o valor da denominada “iniciativa privada” e da liberdade quase anárquica de apropriação das riquezas naturais, a responsabilidade inalienável do Estado como representante jurídico dos interesses maiores e essenciais da população que o integra. Governar é administrar as necessidades de uma população na escala de prioridades sociais e culturais que delas emanam. Trata-se, então, de melhorar gradativamente a eficiência dos servidores do Estado para que toda a população alcance um alto grau de igualdade de oportunidades que favoreçam a construção da comunidade de forma participativa. Não se preconiza o cerceamento de iniciativas particulares que, à margem do Estado, mas não contra ele, busquem com a mesma eficiência contribuir para a cooperação grupal e a competição social sem restrição das liberdades e diferenças existentes na população.
Os recursos financeiros do Estado, como há séculos a humanidade conhece, provirão de impostos e taxas de serviços prestados à população (água, energia, transporte...) e sobre fortunas amealhadas com a participação do trabalho e do tempo de milhões de cidadãos para benefício comum.


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Trata-se de uma causa comum: a sobrevivência da vida no planeta fundamentada na interdependência de todas as formas de vida. Maior responsabilidade cabe ao ser consciente, ao homo sapiens. São tantos os aspectos modificados pela obsessão e pela mística do crescimento que, hoje, não se pode reabilitá-los todos ao mesmo tempo. A contaminação é tão profunda e dominadora que a maioria da população está por ela afetada. Quiçá, pode-se contar com um quinto ou um sexto da população, entre crianças atraídas pela natureza, trabalhadores que se orientem a valorizar mais suas condições de trabalho do que a repartir o lucro empresarial a qualquer preço, jovens que podem ver um mundo diferente e possível à sua frente, organizações independentes e cientistas de universidades, empresas de boa vontade para com o ecossistema e governos que desejem promover o bem-estar da população sem pôr no crescimento das quantidades de bens e serviços o alfa e o ômega de seu desempenho e ambição política. Esse conjunto de pessoas e instituições parece permeável a uma nova via de uso da riqueza natural em benefício de todos os seres vivos do planeta. Mudar a direção e restabelecer o alvo da vida humana em duas palavras pode ser um ponto de partida: ser feliz! Infelizmente, o PIB do crescimento econômico não inclui indicadores fiáveis para medir as aproximações do ser humano à felicidade.
A maneira como as oportunidades de educação, do trabalho humano, da remuneração sejam permanentemente redistribuídas e ajustadas será um componente maior de saúde da sociedade e de sua capacidade de resistir à explosão e à anomia.


sábado, 26 de outubro de 2013

Evolução urbana e problemas ambientais em Brasília

       Com prazer publico artigo do geógrafo Dr. Aldo Paviani em meu blog para 
ilustração dos leitores.

                                                                       Aldo Paviani
                                               Professor Emérito, pesquisador associado da UnB e
                                               geógrafo da CODEPLAN/DF

            A transferência da Capital do Rio de Janeiro para Brasília, não ocasionou apenas mudanças de órgãos públicos e empresas. Os desbravadores acompanharam os pioneiros. Desnecessário se torna descrever o esforço dos construtores que, em outubro de 1956, ergueram o ‘palácio de tábuas’ – o Catetinho – a residência de JK. Passados 57 anos desse épico evento, por onde passaram os tratores, o ambiente foi modificado – como não poderia deixar de acontecer. O Catetinho é o exemplo de preservação com a exuberante mata e nascentes, ao fundo do terreno. Nas demais obras, primou o modelo, disseminado até hoje, de “terra arrasada”, que trará indesejadas consequências futuras. Portanto, algo a evitar com constância.
            Isso nos mostra que, havendo o primado civilizado da conservação, toda obra pode prosseguir sem acabar com o bioma Cerrado. As plantas nativas deveriam estar por toda a parte, pois elas mantém desejável bonança ambiental e águas subterrâneas. Por isso, as nascentes abafadas, o cerrado eliminado desde o início, por depredação até a última raiz de grama, deve cessar. O esforço de hoje é evitar a história repetitiva do que aconteceu com as sucessivas cidades-satélites, com povoamentos no estilo “um terreno, uma casa, uma família”, tal como aconteceu no Gama (1960), em Ceilândia (1971), Samambaia (1989), etc. e, mais recentemente, com o bairro Sudoeste e com o suposto “bairro ecológico” do Noroeste. No lugar dessa forma de povoar, um novo modelo deve ser introduzido com a preservação de plantas, animais, do ar e do lençol freático.

              O povoamento moderno, deve ensejar a guarda dos bilhões de litros de água vindas das nuvens para os mais diversos fins. Aliás, após os abafados e secos meses de estio, virá o período chuvoso com alagamentos e torrentes avassaladoras.  O que estiver no caminho correrá para o lago Paranoá. Assim, o lixo e os dejetos que a população joga nas ruas e avenidas é um problema ambiental enorme, que resulta não é apenas no atulhamento do lago, mas no desperdício de água por falta de infiltração no solo e as possibilidades de abertura de crateras (voçorocas) ocasionadas pelas enxurradas. Então, cada novo edifício erguido se obrigará a plantar árvores do Cerrado, construirá tanques para estocar milhares de litros de água da chuva, captadas no telhado e superfícies cimentadas – como em estacionamentos. Todo o DF será beneficiado. É o que desejamos.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

PETROBRÁS


 
Há indícios, se não evidências, de que os administradores do país (Dilma, Lobão, Mantega) fizeram, ontem (21/11/2013), um negócio atrasado. Faltou competência para decidir, no tempo devido, se a transação era necessária e útil para dar à população melhores condições de vida.
Os ganhadores do leilão vão oferecer, em dez ou quinze anos, um volume de 8 a 14 bilhões de barris de petróleo para ser queimado no Brasil, na China, na França e nos Estados Unidos da América.
Quanto desses bilhões de dólares será aplicado na educação para libertação psicológica das pessoas? Quantos serão investidos, obrigatoriamente, para aliviar, contrabalançar ou curar as doenças incrementadas pelo carbono e efeito estufa?
Em quinze anos, supõe-se que o conhecimento tecnológico tenha avançado para usar energias que produzam menos desgaste sobre a casa em que habitamos. Quem, daqui a quinze anos, quererá queimar petróleo em seus carros contra todas as leis de proteção ambiental e riscos de novas ameaças à saúde pública?
Ou temos que supor tratar-se de uma estratégia de negligência maliciosa em retardar o emprego de mecanismos protetores da biosfera para justificar a abertura de poços de petróleo nas profundezas de oceanos tranquilos?
Há olhos míopes que só veem cifrões apontando para o infinito obsecados pela mística do crescimento. O leilão da Petrobrax soa um negócio de náufragos que veio tarde ou é mais uma mentira econômica e cósmica.

Ou é apenas mais um negócio para futuras estatísticas.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

ECOLOGIA: CATECISMO DA AUSTERIDADE OU NOVA FORMA DE PROSPERIDADE – II PARTE

Nota: Aos frequentadores desta página, apresento a segunda parte do texto com o mesmo título. A terceira parte: UMA NOVA FORMA DE PROSPERIDADE, completará o texto.


Os defensores do equilíbrio natural das coisas (Lucrécio, De rerum natura, séc. I a.C.), os promotores de uma ecologia inteligente e compreensiva não só têm a árdua tarefa de disseminar informações científicas, ideias e propostas para a sociedade indiferente ou voltada francamente para extorquir da natureza o que lhe aprouver, como ainda defender-se das acusações e inverdades contra eles lançadas.
Nesta segunda parte, serão incluídas informações que não constam dos relatórios divulgados pelo IPCC ( Sigla em inglês – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) por não serem de interesse imediato dos Estados e Nações que contribuem financeiramente para a realização dos estudos e pesquisas sobre o aquecimento global do planeta.
Em primeiro lugar, a ecologia deve ser considerada como um todo unitário e complexo. A ecologia compreende o exame cuidadoso da casa (oikos,Gr.) na qual habitam todos os seres vivos. Esta casa denomina-se Natureza. Nela estão os seres inanimados ou a matéria inanimada, os seres animados ou matéria viva e, entre os seres animados, a espécie humana ou matéria consciente. Todos os seres vivos são compostos dos mesmos elementos: hidrogênio e carbono. A espécie humana, em milhões de anos de evolução, foi a única que desenvolveu, no músculo cerebral, a consciência do eu. Além de reconhecer-se como ser vivo e distinguir milhares de outros seres vivos, é capaz de reconhecer exemplares da mesma espécie e comunicar-se com eles. Não há que esquecer, a espécie humana traz, em seu organismo, o DNA humilde da primeira molécula do pântano original.
Os seres vivos são dotados das mesmas características evolutivas de sobrevivência e reprodução. O elo que une a todos é a vida. A continuidade da vida depende das condições climáticas e ambientais favoráveis à sobrevivência e à reprodução de espécies vivas. Este é o ponto mais delicado e frágil de nossa casa, de nosso habitat comum. Nenhum ser vivo é privilegiado a ponto de reclamar prioridade na sobrevivência e reprodução. O clima é ao mesmo tempo doador e receptor de vidas e estabelece uma corrente de interdependência de todos os seres. Quando um fenômeno natural, como vulcão ou terremoto, destrói parte dos seres vivos de uma região, suas consequências se alastram a todo o sistema natural. Há uma diminuição temporária da biodiversidade e um encolhimento da biocomunidade local de consequências sistêmicas. Sua recuperação pode demorar séculos ou milênios.
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Os seres vivos de uma mesma espécie, em sua expansão e dominação espacial, em uma determinada região, podem provocar consequências semelhantes a fenômenos naturais de grandes dimensões. A biodiversidade das regiões nórdicas, com a incidência massiva de coníferas, é bem menor do que a do Cerrado brasileiro ou da Cordilheira Andina. E apenas sobrevivem nelas as que se adaptaram a frios prolongados, a dias curtos compensados com alguns meses de dias longos, durante os quais elas recuperam as energias gastas durante o inverno. A espécie humana participa da sobriedade da oferta de alimentos desse clima e faz, como as plantas, suas provisões durante o curto verão.
A biodiversidade, pouco conhecida, nas profundezas dos oceanos é infinitamente maior do que a de nossos rios devastados pela poluição urbana e rural. É dos oceanos que nos vem a chuva e a oferta de alimentos.

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Há, pela natureza das coisas, relações estruturais, isto é, de composição orgânica, entre os seres vivos e entre eles e as condições favoráveis ou desfavoráveis do clima e suas modificações submissas às leis físicas. Existem, ao mesmo tempo, forças de atração que propiciam cooperação entre os seres vivos e competição existencial, por vezes cruel, para garantir a sobrevivência de uns em detrimento de outros. As vidas se alimentam de vidas. É a lei da natureza. Mas o equilíbrio entre a cooperação e a competição, com exceção dos efeitos do desencadeamento dos fenômenos naturais incontroláveis, pode ser rompido pela matéria consciente, pela espécie humana, pelo homo sapiens que se dá a si o direito de dominação sobre outras vidas, quando lhe cabe apenas o uso complementar dos bens da natureza para a continuidade da vida.
Os seres que têm mais aptidão para cooperar e competir resistem às condições climáticas adversas e se impõem sobre os demais. Neste ponto é que reside o perigo e entram as discussões sobre se é verdade que o crescimento numérico da população humana do planeta ameaça o equilíbrio da natureza. Há, pelo menos, 70 mil anos que a espécie humana encetou sua migração do continente africano para todas as regiões do planeta. E, com altos e baixos, se deu bem em todas elas. Criou idiomas, construiu culturas e civilizações, adaptou-se a diferentes biomas e climas, selecionou os alimentos necessários e suficientes para sua sobrevivência, domesticou animais que o auxiliam em alguns serviços e lhe dão comida, inventou utensílios, canalizou águas, dominou o fogo e se aventura em equipamentos tecnológicos, cada dia mais surpreendentes, mas sempre subordinados às leis físicas inalteráveis que lhe ditam os limites.

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Quem pode resistir ao homo sapiens senão o homo sapiens? Quais são os limites da espécie humana? Os limites são dados pelas leis físicas e pelas leis biológicas que regem a vida de todos os seres. Aqui se dividem as interpretações. Uma, que o ser humano, com sua capacidade e desenvolvimento cerebral, é capaz de solucionar todos os problemas e dificuldades que ele mesmo cria. Portanto, não importa o que faz, como faz, quando faz e quanto faz. Outra, que o ser humano é limitado em sua criatividade cerebral e, embora possa usar e dispor dos elementos da natureza que lhe garantem a vida, não pode criar o ar, a água, a terra e o fogo. Esses elementos lhe são dados. Portanto, a sobrevivência e a reprodução da espécie humana e a de todas as formas de vida vinculam-se à interdependência de todos os seres vivos e dos elementos naturais essenciais à vida.
Os que se alinham à limitação do agir e do fazer da espécie humana e que propõem medidas inteligentes e conscientes de preservação da biodiversidade ampla e irrestrita, de defesa de todas as formas de vida e da necessidade de manter o equilíbrio para assegurar a existência de todas as energias vitais do planeta, são os ecologistas recrutados em todas as profissões. Implícito está, no conceito de interdependência, o limite de crescimento da população da espécie humana pelo fato de que ela é a única a pôr em risco o equilíbrio da natureza.
Os partidários do homem todo-poderoso, do homem empreendedor, desbravador e conquistador, apostam suas fichas na tecnologia sem limites, que conduz ao uso ilimitado das riquezas naturais, à devastação de florestas, esgotamento de reservas aquáticas, com a justificativa de que só o crescimento econômico infinito e a acumulação de riquezas podem satisfazer os desejos de felicidade humana. É a mística do crescimento praticada pelos adoradores do PIB.
A ecologia e os ecologistas são agraciados com qualificativos até zombeteiros: catastróficos, mercadores do medo, sectários de tendência totalitária, grupelho de fanáticos que pretendem criar um gulag verde. Os estudos do IPCC apontam, com 95% de certeza, que a mão humana é responsável por mudanças climáticas nas últimas décadas. Um estudo não é uma ameaça. Dizer que o aquecimento climático é uma realidade não significa apresentá-lo à consciência humana como uma arma para punir a espécie do homo sapiens.

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Para melhor despertar a consciência ecológica sobre a realidade climática presente e suas implicações para o futuro, será conveniente estabelecer o que pode afetar os seres vivos a curto prazo, próximos 20 ou 30 anos, e as possíveis circunstâncias que envolverão o planeta daqui a 100 anos. Nesse momento do tempo, nossos bisnetos ainda estarão vivos.
No curto prazo, a população mundial enfrenta frequentes fenômenos naturais exacerbados como furacões, tornados, tempestades, nevascas, secas, inundações. Nas áreas mais povoadas, à beira-mar, em zonas montanhosas, em urbanizações não protegidas contra essas grandes intempéries, as populações mais pobres são as mais atingidas. A desigualdade social, econômica e política mantém quase metade da população mundial em permanente situação de risco: escassez de água, de comida, de moradia, de mobilidade, de escolaridade, de lazer, de trabalho e de ócio criativos, de bem-estar e de outras facilidades (PatriciaVendramin, Réinventer le travail).
A desigualdade não só separa a população mundial em duas partes, a quem tem o supérfluo e a que não tem o suficiente, como cria dois cenários de consciência sobre as mudanças e as dificuldades climáticas para a sobrevivência, reprodução e usufruto dos bens da natureza. As nações ricas e os ricos dessas nações têm dificuldades de ou não se dispõem a aceitar a possibilidade de limitar o consumo de bens e serviços, pois podem comprá-los a qualquer custo. Os pobres das nações pobres ou potencialmente ricas são empurrados pela necessidade de obter, a qualquer custo ecológico e ambiental, os bens cada vez mais escassos e difíceis. Os ricos, porém, das nações pobres, ditas emergentes, habituados ao consumo obsessivo e esbanjador, aceitam com descaso medidas de proteção ambiental desde que não interfiram em sua forma de tratar a natureza como propriedade privada. “Ciência sem consciência é a ruína da alma”, dizia Rabelais. A ignorância e a negligência parecem ainda comandar os comportamentos não só da maioria da população rica ou pobre, mas especialmente dos governos, dos políticos, dos investidores que dirigem seus programas para maximizar lucros ou obter índices estatísticos que garantam sua permanência no poder.
Na espoliação da natureza essas duas forças antagônicas se unem para destruir florestas, esgotar mananciais aquíferos, poluir rios e mares. O crescimento da população mundial está prevista em 9 bilhões, para 2030. Mantidos os índices de poluição geral de 2013, cuja tendência não é de serem alterados no curto prazo, aumentará o grau de dificuldades a serem enfrentadas nas próximas décadas. Há que voltar aos anos 1970 quando já se propunha o princípio da precaução.
Se o aumento da temperatura média do planeta (hoje, ao redor de escasso 1ºC), propicia, a algumas regiões, condições favoráveis para produzir alimentos, há que tomá-las como situação transitória, pois ninguém assegura que ela se mantenha estável.

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Os relatórios do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), embora importantes e sérios por representarem um progressivo avanço no conhecimento das mudanças climáticas, nem sempre mostram tudo e é possível que escondam muito, pois a redação final inclui decisões de diferentes governos e países. Nos prazos mencionados não se introduzem situações que se vêm produzindo ou que se tornaram extremamente perigosas para a continuidade da vida no planeta.
Uma dessas exclusões dos relatórios, e que tem um peso enorme na emissão de gases de efeito estufa, se refere à crescente perfuração de poços pelo método de fragmentação hidráulica da rocha para produção de xisto betuminoso (gás e óleo). As consequências observadas revelam contaminação dos aquíferos, emprego de abundantes volumes de água, uso de produtos químicos que ajudam a esfrangalhar as rochas e causar a poluição do solo por escoamento de águas tóxicas.
Para ilustrar este perigo em andamento, em 2012, existiam 450.000 poços perfurados nos EEUU, 14 mil deles, em Nova Iorque. Nos EEUU, se perfuram anualmente, em média, 25 mil poços e, para 2020, se estima que o xisto betuminoso significará 20% do gás produzido. ("El efecto Dominó. El destino del agua en el siglo XXI, Alex Proud'Homme, 2012)
O derretimento dos gelos do Ártico, devido às mudanças climáticas naturais associadas à ação humana, libertará tal quantidade de gás metano que poderá pôr em cheque a vida na Terra. Segundo um comunicado de imprensa da NASA, ao longo de milhões de anos, o solo das geleiras (permafrost) do Ártico acumularam grandes reservas de carbono orgânico, volume estimado em 1.400 a 1.850 bilhão de toneladas métricas. Comparativamente, cerca de 350 bilhões de toneladas métricas de carbono foram emitidas a partir de toda a queima de combustíveis fósseis e das atividades humanas desde 1850. “As geleiras do Ártico são um gigante adormecido da mudança climática, o aquecimento das emissões de carbono já está disparando depósitos árticos de gás metano de superefeito estufa. Uma força incrível e verdadeiramente aterradora que ameaça iniciar uma reação em cadeia que, uma vez iniciada, poderia ser irrefreável. A humanidade está de pé à beira de um precipício e, se cair, será uma passagem de ida ao inferno”, conclui o informe da NASA. (Fonte: A geleira do Ártico – “O gigante adormecido da mudança climática”, NASA)
Não são poucos os motivos de preocupação para a sobrevivência dos seres vivos no planeta. As investigações do IPCC, os textos divulgados pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), pesquisadores de vários países membros de universidades de prestígio e instituições similares têm como responsabilidade a divulgação da ciência e do conhecimento. A ciência e o conhecimento devem levar a espécie humana a ter comportamentos que garantam a própria sobrevivência e reprodução e a de todas as formas de vida.
A ecologia não tem como finalidade punir, mas libertar a vida. Há que aumentar de maneira eficaz e eficiente o número de pessoas no mundo que saibam “ligar a justiça social à justiça ambiental e considerar que a ecologia é um dos instrumentos mais democráticos para melhorar a vida da espécie humana” (Noël Mamère, deputado verde, França). Nem é permitido esquecer que a vida da espécie humana depende de todas as formas de vida que se movem a seu redor.

(Colaboração informativa: Licenciado Eng. Agrônomo, Jaime Llosa Larrabure, peruano).

terça-feira, 8 de outubro de 2013

ÚTIL E DOLOROSA

Foto: Jiboia abraçando filhote de pato.(Sítio da Neves, DF)

A interdependência dos seres vivos é necessária à preservação da vida. É também útil e, muitas vezes, cruel e dolorosa.
Um predador faminto comeu, nessa noite passada, os quatro patinhos que nasceram há poucos dias. Essa violência resultante da fome tem origem na devastação do cerrado praticada pela mão humana. Não há, nos arredores de meu Sítio das Neves, comida suficiente para determinadas espécies de carnívoros e onívoros.
Os galinheiros e pateiros têm que ser protegidos para salvar parte da criação. Uma das soluções práticas é fazer creches e gaiolas confortáveis para proteger os pequenos. Os grandes, bem ou mal se safam.
Damos pouca atenção ao fato de que os bichos e as árvores sabem, têm bússola precisa e memória acurada. As árvores sabem quando é tempo de desfolhar-se para poupar energias; quando é tempo de revestir-se de folhas para transformar carbono em oxigênio; quando é tempo de florescer para dar frutos e produzir sementes não só para reproduzir-se como para alimentar outras vidas; quando dirigem suas raízes para os veios de água e esparramam os galhos para os quatro pontos cardeais com o fim de obter todos os ângulos da luz do sol.
Há bichos que têm memória exata de onde possam achar a comida fácil se uma vez lá a encontraram. O local preferido pelas patas para pôr e chocar seus ovos foi descoberto há anos por raposas e lagartos.
Ontem, lembrei-me da possibilidade de uma pata choca ser levada para a toca da raposa. Bem cedo, fui constatar se os patinhos já estavam rompendo a casca dos ovos para verem a luz. A pata não estava mais no ninho. Na madrugada, a raposa levou a pata e deixou os ovos para seu amigo lagarto. Penas soltas davam o rastro da direção para onde foi arrastada.
Estamos rodeados de sabedoria vegetal e animal.


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

NOVO BAIRRO DO DF!


Li a matéria no CB, relacionada com a DF-140 e os 900 mil habitantes que serão instalados ali, em dez anos, dizem. Não acredito em datas dadas pelo governo. É uma área grande, 17 mil há, que foge à capacidade de planejamento dessa turma congregada em torno de interesses econômicos e políticos públicos e privados, nada democráticos. Penso até que o projeto já está pronto e esse seminário convocado é apenas para legitimar o que se chama de participação da sociedade civil.
O que me embaraça é a mediocridade desse pau-mandado que dirige a Sedhab. Palavras dele: "O que estamos fazendo no DF é inédito. Estamos planejando uma região toda, por isso o seminário é importante para estabelecer as diretrizes de ocupação".
Dos 17 mil ha, 12,5 mil ha são edificáveis.
Como é que a Sedhab vai planejar a região toda se existem na área 350 proprietários, Luiz Estevão com 2,6 mil ha e a Terracap com 20% da área?
Se colhessem a experiência do projeto La Villette (Norte de Paris) com 25 ha, primeiro: fariam a desapropriação global da área; segundo: definição de 60% de área verde para oxigenação do espaço, lazer e proteção ambiental; terceiro: demarcação dos cursos de água, nascentes, matas ciliares, etc. quarto: urbanização do espaço com todos os serviços necessários, principalmente o que permite a mobilidade da população para todas as direções, próximas e distantes.
Como é que o Instituto Chico Mendes pode se pronunciar sobre as terras de Luiz Estevão se paga aluguel de um imóvel que pertence ao senador cassado?
"A sua opinião é muito importante para nós!"
Os nomes que figuram na lista de autoridades do seminário em questão me desanimaram.
São os mesmos de Águas Claras e Noroeste.

É de arrepiar o cidadão. O projeto é um fato consumado. Vivemos numa ditadura democrática, administrativa e econômica.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

MOBILIZAR


 
A linguagem oficial dos governos estabelecidos, seja qual for a modalidade, precisa ser decodificada em todas as possíveis significações como se fora um hieróglifo. Ela é, por sua natureza e origem, derivada do poder de ligar e desligar. É sibelina. Pode significar uma coisa e outra. Quer dizer sim e não ao mesmo tempo, ou apenas gerar uma expectativa positiva ou negativa para justificar uma ou outra em algum momento posterior.
Em geral, as informações oficiais, especialmente as estatísticas, não podem ser tomadas ao pé dos números. As margens de aproximação da realidade são muito mais amplas do que as propostas pela fórmula e metodologia usadas. Os governos tratam as populações pela média dos números coletados. Decidem pela média. Às vezes, cortam a realidade por cima. Outras, por baixo. É a maneira de conduzir o cérebro da população a aceitar o que dizem, graças à ampla repetição que todos os meios de informação fazem desses números e às múltiplas interpretações que agregam aos percentuais, hoje, obrigatórios.
É tanta a variação e tantas as probabilidades de que os números atinjam este ou aquele grupo da população, esta ou aquela área da economia e da cultura que fica a dúvida sobre que ou de qual região ou país se está falando. Ou de qual realidade se trata.

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Por exemplo, o preço do tomate na localidade de Engenho das Lajes (DF) estava a dois reais o quilo e, na mesma época no Pão de Açúcar, a sete reais. Esses números eram reais ao comprador de um e outro lugar. Mas, no Pão de Açúcar, comprava-se, antes, a três reais quando, no Engenho das Lajes, adquiria-se o tomate a dois reais o quilo.
O aumento da inflação, no país, assustou todos os compradores de tomate. Todas as especulações, explicações e justificativas foram dadas e repetidas por todos os meios de informação. Criou-se a paranoia da inflação do preço do tomate. Era e é comum ouvir-se “tudo aumentou” e, ao mesmo tempo, as autoridades que detêm os cálculos estatísticos dizem que o ímpeto inflacionário se enfraqueceu. De repente, o preço do tomate baixou.
Foram, assim, plantados no cérebro da população os critérios que dirigem o pensar político e econômico. O tomate serviu de eixo condutor de decisões do consumidor. Enquanto isso e ao mesmo tempo, o preço do material escolar e das anuidades do ensino privado aumentou mais do dobro da inflação anunciada pelo governo. Mas os pais não podem trocar anualmente de colégio como se troca de legume ou se deixa de o comprar. A deseducação começa na ambiguidade nunca esclarecida: lei da oferta e da procura (também dita “mercado”) ou lucro do negócio rentável do ensino privado. Aceita-se o aumento do preço do tomate e da anuidade escolar sem saber quais os critérios e as razões que justifiquem um e outro. Cria-se um sentimento de impotência, de apatia, de indignação.
É um processo deliberado de deseducação e desorientação que afeta todos os critérios de decisão, de participação e de comportamento da população. Há que se rebelar contra isso!


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Outro exemplo de perversão da pedagogia é a informação sobre custos de socorro e atendimento hospitalar de acidentados do trânsito. Os 42 mil mortos no trânsito, anualmente, estão computados nos 211 milhões de reais que o governo diz gastar com atendimento hospitalar ou se referem apenas aos feridos? É só o governo que põe dinheiro para atendimento das vítimas? Supõe-se que os familiares também arquem com despesas de hospital, fisioterapia, psicólogos, psicoterapias, e até psicanalistas. Os custos desse desastre da mobilidade são muito maiores dos anunciados. Trata-se, então, de mobilizar a sociedade organizada, a sociedade civil para compreender esse desatino que beira ao suicídio coletivo. Quem pertence à sociedade civil organizada? O governo faz parte da sociedade civil? Se faz, tem que ser mobilizado e sair da letargia. Destacar uma quantia de dinheiro para tal ou qual serviço não significa mobilizar-se. A mobilização implica pensar. E esta atividade cerebral parece quase inexistente na administração pública.
Se o governo favorece a compra de automóveis, se contenta com o bom desempenho da indústria automotora e permite velocidades de 120 km/h, está sendo conivente com os acidentes de trânsito. Não é, portanto, nenhum favor conceder 211 milhões de reais para socorrer vítimas de acidentes.
Os motoristas de automóveis, que não obedecem às leis de trânsito, que deixam mortos e feridos, pertencem à sociedade civil organizada? Como mobilizá-los ou mobilizar-se contra eles?
Devemos aceitar o processo deseducativo do governo e da sociedade civil organizada ou mobilizar os espíritos livres e independentes para protestarem contra a desordem estimulada pelos governos e pela desídia da sociedade organizada?

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Parece que os ingredientes da educação oferecidos pela receita dos governos se restringem a emprego – renda – consumo, cuja meta finalística é a chamada cidadania ou autoestima. Todos seremos iguais perante o consumo de bens: carros, casa, telefone celular, água, energia, viagem aérea. Os outros itens da igualdade – cultura, educação básica universal, capacidade de pensar, criticar, julgar, decidir, participar, saúde, transporte público democrático, lazer – ficam ao sabor da retórica partidária e da cooptação das pessoas para aprovar tão somente a igualdade do consumo de bens materiais.
Chega-se, então, ao pico da igualdade quando toda a população sabe discutir as vantagens e desvantagens de comprar esta ou aquela marca de automóvel movido a combustível fóssil extraído dos poços de Libra nos fundos do pré-sal. Teremos uma sociedade organizada sobre rodas em alta velocidade e funerais subsidiados pelos impostos democraticamente pagos.
As consequências se manifestam no contumaz índice de analfabetismo, no abandono às aulas, na busca de qualquer emprego ou bico que dê ao jovem a chave de entrada no consumo. Uma grande massa de trabalhadores se manifesta pela via do inconsciente coletivo comandado por sindicatos, por políticos populistas, pela imprensa difusa que lhes dá as pautas dos direitos legais. Na prática não sabem como funciona esse processo burocrático em que se misturam uma complexa legislação, mudança de regras, decretos governamentais, escritórios de advogados e de contabilidade, múltiplos órgãos públicos, bancos arrecadadores e empresas contratantes.

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Surpreendeu-me a ignorância de trabalhador que contratei para auxiliar-me na defesa da Área de Proteção Permanente de meu Sítio. A família de cinco pessoas possui 4 telefones celulares, moto, carro e bicicleta. Manipulam os rudimentos dessas tecnologias e não têm a mínima ideia de como funciona o processo de contratação de sua força de trabalho no que tange à lei. Sabem da existência e dos efeitos práticos do INSS e do FGTS, mas ignoram como isso se processa e se controla. Cada vez que visitam esses órgãos para consulta é como entrar um quarto escuro. Quando precisar receber os benefícios da proteção do Estado, estará só e perdido numa fila de banco oficial. Não se trata apenas desse trabalhador. Contam-se aos milhares se não milhões.
Essas circunstâncias e situações não aparecem nas estatísticas oficiais. Elas nos dizem apenas que tantos por cento dizem que frequentam a escola, mas pouco se sabe o que aprendem ali. Os critérios de igualdade são impostos ao cérebro do inconsciente coletivo para que se restrinja à felicidade de comprar e consumir até o último dos produtos inúteis, desnecessários e prejudiciais à saúde individual e à convivência social.

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A opinião pública é dominada por políticos medíocres, tidos como sinalizadores dos rumos do pensamento democrático, ético, moral e, ao mesmo tempo, são acusados de corrupção, de leniência administrativa e enriquecimento não explicado.
É deprimente observar e sentir que outros cidadãos com ideias e propostas alternativas à sadia construção da civilização são barrados por mecanismos cartoriais, truques dos tribunais de justiça que também estão a serviço de espertos, de raposas do zoo político e dos falastrões desenfreados.

Concluo que o Estado ou o conceito de Estado não conseguiu, nesses 500 anos de infância nacional, congregar educadores para a administração pública. Por isso, a educação nunca foi levada a sério e seremos por muitas décadas o país do mais ou menos com um povo alegre e cordial.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

ECOLOGIA: CATECISMO DA AUSTERIDADE OU NOVA FORMA DE PROSPERIDADE


I PARTE

A revista Nature publicou, em julho de 2012, um artigo assinado por 22 pesquisadores no qual alerta que os ecossistemas do planeta poderiam sofrer um colapso total até o final deste século (2100). Em fins de setembro de 2013, novo relatório do IPCC, confirma com 95% de certeza de que as condições climáticas estão sendo afetadas pela população humana, especialmente a que utiliza tecnologias movidas ao uso de combustível fóssil. O aumento de CO2, na proporção atual, pode levar à extinção de formas de vida reduzindo a biodiversidade e ameaçando a própria existência da espécie humana.
As tímidas medidas assumidas pela sociedade humana em todas as regiões do globo para obter resultados satisfatórios e comprovados merecem reflexões permanentes.
Múltiplas causas se associam a esse possível desfecho alarmante: pressão demográfica, perda da biodiversidade, elevada taxa de extinção de espécies, aumento das emissões de CO2. Esse conjunto de causas altera substancialmente as condições de existência, de sobrevivência e reprodução dos seres vivos.

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Esse grito estridente da possibilidade de uma catástrofe ecológica suficiente para exterminar bilhões de vidas, em tão pouco tempo, suscitou, entre especialistas de diferente orientação política e econômica, reações de incredulidade, de menosprezo e até de zombaria. A ecologia que defende o uso racional e igualitário de todas as riquezas do planeta foi interpretada como “o novo catecismo da austeridade”.
O fato de os ecologistas não apresentarem uma única saída para evitar o desfecho fatal e apelarem para o bom senso da humanidade com o fim de encontrar, em cada região e em cada situação medidas que levem a resultados universais, é tido como a maior fraqueza de seus argumentos. Daí uma ladainha de questões a eles proposta identificando-os como apóstolos do apocalipse, apologistas de uma nova religião orientada pela fé na eficácia de hábitos comedidos. O catecismo desses homens virtuosos – alegam – condena o consumo de combustíveis poluentes, o uso de energias sujas e destruidoras de florestas, prega ascetismo, privações e até prefere a fome e a pobreza dos países subdesenvolvidos para salvar a deusa Natureza.
Num tema tão complexo, há lugar para todos os argumentos, para todos os interesses, para todas as tendências. Aí vêm algumas perguntas provocativas que tendem a humilhar os proponentes de uma nova forma de prosperidade que propicie a convivência humana e integre a espécie humana na biocomunidade do planeta.

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Como persuadir, perguntam, as nações subdesenvolvidas ou emergentes a reduzir drasticamente sua população? Como alinhar o nível de vida dos mais ricos sobre os mais pobres? Como convencer os países pobres a permanecer em tal situação e os países ricos a renunciar à abundância? Qual elite ditatorial será capaz de impor suas vontades a 7 bilhões de seres humanos?
Para enfatizar essas perguntas aparentemente incontestáveis, os críticos da ecologia prudente e precavida enumeram vantagens do aumento das temperaturas que podem ajudar a combater a fome, a pobreza, a doença e os crimes em massa considerados os quatro flagelos mais agudos da humanidade. Mencionam a cultura de vinhedos no sul da Inglaterra, graças às melhores condições atmosféricas; o cultivo de frutas e legumes em terras antes congeladas da Groenlândia, bem como a imigração de focas a suas águas territoriais que lhe dão carne e peles para o comércio internacional. Quantos países do Hemisfério Norte submetidos a rigorosos frios não se rejubilariam com invernos mais curtos e verões mais clementes?

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Ressaltando essas vantagens imediatas, reais e de efeitos comprováveis a curto prazo, os ecologistas são acusados de fazer das mudanças climáticas uma arma para punir o gênero humano e levá-lo a fazer penitência. Uma volta à Idade Média, quando se interpretavam os cataclismos, furacões e inundações como castigo de Deus ao orgulho da criatura humana culpada de atos desmedidos.
Nomes atuais como lord Stern, Al Gore, James Hansen, Nicolas Hulot, sir Martin Rees, Hans Jonas (A festa industrial acabou) são ridicularizados por sua ingenuidade diante de possibilidades remotas e de difícil comprovação.
O novo catecismo da austeridade, segundo os místicos do crescimento, preconiza a “sobriedade feliz”, o despojamento material com entusiasmo e aconselha transformar o abatimento da escassez em alegria espiritual. É preciso acostumar-se à raridade das coisas, convencer os afortunados a se empobrecer e assegurar aos pobres que eles têm o necessário e o suficiente. Os partidos verdes pregam a ideologia da nova austeridade ditada pela saúde do planeta e desprezam as leis do mercado. São contrários a todos os avanços tecnológicos. Não só recusam a queima de carvão, como também do gás natural, do petróleo. Investem contra as usinas nucleares, os trens de alta velocidade, as nanotecnologias, os aeroportos e se concentram na energia eólica e solar.

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Em contrapartida, os opositores da chamada religião ecológica lançam os deuses do progresso contra os atrasos da fé ambiental. Se os países ricos tivessem seguido o princípio da precaução dos anos 50, jamais teriam chegado à indústria aeronáutica ou agroalimentar, ao complexo atômico ou químico, às autoestradas e aos trens de alta velocidade.
Que é desejável um desenvolvimento compatível com o respeito ao ambiente, dizem, todo o mundo está de acordo. Mas que, em nome da mãe Terra, seja necessário abraçar a regressão voluntária, idolatrar a privação, mergulhar na religião do medo, suspeitar de toda inovação tecnológica demonstra obscurantismo puro e simples. Conclusão: não é o cuidado do planeta que domina, é o ódio contra a humanidade dissimulado sob as vestes do culto da Natureza.
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Apesar dessas reações que beiram à ecofobia,  ao fanatismo e à intolerância a respeito de propostas alternativas apresentadas nos últimos 200 anos por geógrafos, arquitetos, filósofos, escritores, antropólogos, sociólogos, biólogos, há que se insistir no diálogo, na conversação, na análise dos fenômenos físicos, na crítica aos comportamentos humanos e no exame dos efeitos do uso irracional e desmedido das riquezas naturais e de sua apropriação por minorias em detrimento de maiorias.
O cérebro humano é dotado de mecanismos capazes de descobrir os melhores caminhos que garantem a sobrevivência e a reprodução de todas as formas de vida, quando se adquire a consciência de que pertencemos à mesma natureza e que é necessário assegurar a interdependência de todos os seres vivos.
Um mundo diferente é possível tanto quanto foi possível edificar o que hoje temos.
“Contrariamente ao que pensam os opositores das teses ecológicas, a ecologia apela para uma nova revolução que traz consigo miríades de inovações e que demandam, ao mesmo tempo, inteligência e ciência”. (Pascal Canfin, Ministro do Desenvolvimento, França, 2013)