(Nota: Diante das dificuldades dos economistas em administrar a própria pobreza criativa, republico o texto a seguir, corrigido e ampliado.)
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Apesar da obsessão incontida do consumo, estimulada por
todos os meios de divulgação, incluindo-se subsídios governamentais, muitas
pessoas sentem que algo está errado na descontrolada volúpia de comprar.
Intuem, mas são intimidadas pelo próprio conformismo de expressar seu
sentimento sobre o abismo que se anuncia.
O delírio do crescimento econômico que incita a produzir
mais para consumir mais, está nos levando para o impasse, a frustração e o
desastre. Há que deter a expansão econômica impulsionada a qualquer custo, pois
a mina de ouro – a natureza – é limitada. A tendência inteligente aponta para o
decrescimento gradativo rumo ao estágio do crescimento econômico zero,
equilibrado, sensato a fim de chegar ao ponto ômega do equilíbrio do planeta para
que a lei inercial biológica da reprodução da espécie humana não solape a
sobrevivência de todas as espécies vivas.
Uma nova atitude diante das ameaças à vida no planeta
poderá encontrar formas eficazes e mesmo radicais de contenção do crescimento
econômico sem perder a ternura. Deverá ser possível buscar o caminho do
decrescimento inteligente ou a inteligência capaz de alcançar o estágio do
crescimento zero. Um dos passos é planejar e programar o crescimento zero da
população. Menos gente, menos agressão à natureza, menos tudo. A economia pode
mudar seu enfoque para se desligar dos sentimentalismos religiosos e do
assistencialismo político da opção pelos pobres e declarar corajosamente sua opção
pela riqueza socializada. Ironicamente, uma opção pelos ricos. Eles são minoria
no mundo. Isto significa drenar em profundidade a riqueza acumulada em poucas
mãos para aplicá-la na contenção demográfica com enfoque ambiental e incentivos
públicos à redução da expansão da população. Trata-se de inverter os papéis
estratégicos das funções do Estado: administrar a riqueza e não a pobreza. Isto
poderá ser possível com o equilíbrio entre administração da população e
administração da escassez.
Por outro lado, expande-se cada dia mais, entre as
mulheres, a sensação benéfica de que a felicidade feminina não precisa de cinco
gravidezes para consolidar a maternidade. Há, portanto, condições favoráveis
para o crescimento zero da população e, consequentemente, o crescimento zero da
economia. Há que se caminhar na direção de prover a sociedade humana de bens
socializáveis e reduzir inteligentemente o consumo de bens materiais
individualizáveis. A tecnologia eletrônica de comunicação mundial é um dos
exemplos de bens socializáveis. Ou o transporte público eficiente, eficaz e
confortável. Dá-se, dessa forma, mais amplo espaço às pessoas para desfrutarem
o essencial da existência que é a própria vida, um bem intransferível.
O controle do crescimento da população
humana é resultado de um processo que depende de formas as mais diversas. Assim
como o controle de velocidade é um efeito da câmera fotográfica com o fim de
evitar acidentes de trânsito. Onde está o principal? Na velocidade, na câmera
fotográfica ou no acidente de trânsito? Ou nas leis de trânsito?
Há, a meu ver, uma distorção filosófica
ao se mencionar direito humano reprodutivo. A reprodução dos seres vivos
obedece a leis biológicas evolutivas que regem sua adaptação às mudanças e
transformações climáticas. É muito mais que um direito humano reprodutivo. A
inteligência do organismo humano é um artifício de adaptação ao meio capaz de
comunicar-se pela palavra, comportamento e cultura transmissíveis às cópias
futuras. Seus truques e avanços tecnológicos lhe dão boas razões de que possa
ilusoriamente dominar e subjugar os demais seres vivos do planeta.
Por que essa mesma inteligência não pode
evoluir para construir novas formas de adaptação às mudanças gerais do planeta,
dada a limitação dos elementos essenciais de sobrevivência e reprodução da
imensa variedade de seres vivos dos quais somos uma pequena parcela?
Considero que a sobrevivência e
reprodução da espécie humana, que depende de milhares de outras espécies vivas,
devem ser vistas com abrangência universal. A questão não está em quem consome
mais ou em quem consome menos. A questão está em encontrar um grau de
desenvolvimento da inteligência do organismo humano no qual uma população
mundial, relativamente estável, alcance o mesmo nível de satisfação que lhe produz
o compartilhar de todos os bens necessários a sua sobrevivência, reprodução e
transmissão de sua cultura indefinidamente. Esta circunstância está na base do
conceito de crescimento zero da população. O papel dos governos, das mulheres,
dos homens, das crianças é buscar no diálogo democrático, civilizado, as
medidas, as fórmulas, os meios e as decisões a serem tomadas nos próximos
milênios.
Não existem propostas pré-fabricadas, cabais
e completas com o fim de a espécie humana evoluir sem percalços para um
determinado alvo. As pegadas ecológicas são deixadas no planeta pelos pés de
todos os seres humanos em sua trajetória de adaptação às mudanças climáticas,
de sobrevivência e reprodução. Cada árvore derrubada, cada nascente destruída,
cada casa construída, cada carro manobrado, cada avião voando é uma pegada de
sérias consequências para ricos e pobres. Afirmar que o tamanho absoluto da
população não é questão central arrisca-se de minimizar, se não debilitar, o
exame do tema. Hiperconsumo pode existir também com população menor no planeta.
São dois aspectos que não podem ser tratados separadamente. Atitude inteligente
é propor-se, com a urgência necessária, a caminhar para o crescimento zero da
economia e da população.
I – O ENGODO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O bom senso da
humanidade aponta para a redução do crescimento econômico e a busca do
equilíbrio das relações entre os seres vivos e a natureza, além de conquistar
importante espaço na consciência mundial. Um dos gritos de alerta anunciando os
perigos da exploração exaustiva do planeta foi o da insustentabilidade dos
processos de produção que esgotam as riquezas disponíveis aos seres vivos. O
desenvolvimento, apregoa-se agora, precisa ser sustentável.
Sustentável,
sustentabilidade, tantas vezes usados e abusados na forma de adjetivo ou
substantivo, esses termos se enfraqueceram com discursos confusos e práticas
contraditórias. Mas fica bem dizê-los em qualquer tempo, situação ou
circunstância. Candidatos a qualquer posto os empregam. De vereador de
minúsculo município ao secretário geral da ONU, ministros, deputados, altos
funcionários públicos, executivos bem pagos, donos de empreiteiras e
construtoras, grandes proprietários rurais e líderes de movimentos sociais de
diferentes orientações e propósitos, todos se dizem preocupados com a
sustentabilidade.
As boas
intenções originais brotadas de gabinetes ou escritórios climatizados do Banco
Mundial, iluminados com energia atômica, diante do crescente esgotamento de
áreas agrícolas em todos os países, frente à poluição generalizada e uso maciço
de agrotóxicos, perderam-se no emaranhado da retórica ambientalista. O alerta
original apontava para os efeitos de longo prazo se a natureza continuasse
maltratada com queimadas, exploração intensiva e extensiva da terra, utilização
de agrotóxicos mais e mais eficazes. Que efeitos? Redução relativa da
quantidade e qualidade de produtos alimentícios e catástrofe ambiental com o
sacrifício de vastas e irrecuperáveis regiões do planeta.
Que tem a ver
queimadas na Amazônia com sustentabilidade? Ou a transformação de milhares de
hectares de florestas e de cerrado em campos de soja ou cana-de-açúcar? Que tem
a ver o crescente estímulo do governo brasileiro à produção e venda de
automóveis com o conceito original de sustentabilidade? Que tem a ver com
sustentabilidade o inchaço descontrolado de nossas cidades inundadas a cada
ano, cortadas por avenidas, viadutos, estacionamentos, trânsito caótico e
criminoso? Nada vezes nada.
O termo se
tornou ridículo na boca de presidentes e ministros e chegou ao cúmulo da
zombaria conceitual ao associá-lo ao desenvolvimento. Frases como a de um
ministro do meio ambiente soam à irresponsabilidade: “O Brasil tem todas as
condições para ser líder em sustentabilidade”. O novo código florestal, como
quer que se aprove, é garantia da insustentabilidade.
O conceito de
sustentabilidade foi sequestrado pelo autoritarismo econômico do mercado e pela
ditadura administrativa que gera decisões econômicas para fins políticos de
poder. Tomam-se todas as precauções para colocar os mecanismos da máquina de
produção de bens como créditos bancários, juros suportáveis, subsídios e
redução de impostos com dinheiro público para favorecer o consumo intenso de
milhões de consumidores com os artifícios de políticas públicas. A guerra
contra a miséria e a pobreza não visa diretamente às pessoas no que têm de mais
nobre: liberdade e participação democrática nas decisões políticas. Essa ofensiva
cega objetiva levar multidões de consumidores aos supermercados e centros
comerciais, às empresas de construção, aos bancos, às agências de automóveis,
aos aeroportos para apaziguar a fome do PIB. A sustentabilidade se reflete e se
resume no PIB. Se o PIB cresce, a sustentabilidade do lucro econômico está garantida.
E se não cresce, também. Até quando?
Por fora desta
raia correm os ambientalistas com voz rouca e pernas cansadas. Por quê? Nesses
debates, nas propostas que põem a sustentabilidade em jogo, raramente se aponta
o cerne da questão: crescimento da população.
Parte dos ambientalistas, por medo de ofender a humanidade, se alinha aos
comportamentos estimulados por instituições ideologicamente conservadoras que
se opõem ao planejamento familiar democrático e, consequentemente, à diminuição
dos nascimentos. O sistema econômico, ao contrário, por estratégia intrínseca
de sobrevivência, precisa de grande população, propositalmente diversificada e
a transforma em peça de mercado.
Em qualquer
parte do mundo e em qualquer nível de capacidade de atender e suprir suas
necessidades de sobrevivência, o crescimento da população humana é o maior
desafio da sustentabilidade no que respeita à reprodução das riquezas naturais
disponíveis a todos os demais seres vivos. A população humana cresce em ritmo
maior do que a capacidade humana de administrá-la eficaz e equitativamente. Ao
mencionar população, o termo deve estender-se a todos os seres vivos, todos
eles implicados na sustentabilidade dessas riquezas disponíveis, dada a
interdependência mútua. População humana, população animal, população vegetal.
A sobrevivência dessas três categorias de seres vivos depende de um elemento
básico: água. Para sobreviver, essas
populações competem entre si no consumo de água.
A
interdependência dessas populações – a cadeia trófica – depende do equilíbrio
do consumo de água e da proporcionalidade de tamanho de cada um dos grupos de
seres vivos. Um bovino consome 15 mil litros de água para ganhar um quilo de
peso. Soma-se nesse volume a água que bebe diariamente e a que é necessária para
manter e recuperar os pastos (30 mil m2 por cabeça) e os demais
ingredientes de alimentação e cuidados sanitários. Ao alcançar 300 kg, ao cabo
de dois a quatro anos, um bovino consumiu direta e indiretamente 18 milhões de
litros de água. Uma pessoa consome, em média, 200 litros diários em seu
ambiente, o que representa ao final de 70 anos, pouco mais de cinco milhões de
litros de água. Só o rebanho bovino, no Brasil, é estimado em 198 milhões de
cabeças, maior do que a população brasileira, com um consumo de água três vezes
superior a que é necessária para os cidadãos.
São essas as
questões fundamentais da sustentabilidade. Como imaginar o desenvolvimento
sustentável devastando florestas e destruindo esses laboratórios de produção de
oxigênio? Como imaginar o desenvolvimento sustentável arrasando a Amazônia e o
Cerrado, comprometendo e extinguindo nascentes? Como imaginar o desenvolvimento
sustentável abrindo poços artesianos no campo e nas cidades, esvaziando as
reservas subterrâneas, como está acontecendo com o Aquífero Guarani, nas áreas
de fronteira entre Paraguai, Argentina e Brasil? Como imaginar o
desenvolvimento sustentável com 16 milhões de miseráveis no Brasil e mais de 2
bilhões no mundo que ainda não alcançaram ver um prato de comida decente?
Parece evidente
que o bom senso das gerações futuras optará pela redução do consumo predador e
pela diminuição mais eficaz de populações humanas e não humanas que
desertificam o planeta. Há de se alcançar, de forma equilibrada, o fornecimento
de bens essenciais, materiais e não materiais, necessários à sobrevivência de
todos os seres vivos. Salvar árvores, poupar e produzir água serão os lemas do
futuro. Hoje, se gasta um real para exaurir a terra e investem-se cinco reais
para recuperá-la. O futuro inverterá a tendência insana do crescimento
econômico baseado no PIB e nas esdrúxulas leis do mercado. Investirá sabiamente
na proteção preventiva da natureza e dos seres vivos e desfrutará as riquezas
do planeta com os benefícios de tecnologias limpas.
II – A ilusão do consumo
O consumismo é
o reino da ilusão. Os desejos mais profundos de felicidade e gozo da existência
são satisfeitos com a apropriação de bens úteis e inúteis. As frustrações
procuram, no consumo, um analgésico eficaz. Penso que a maioria das pessoas
adultas, à luz do bom senso, percebe que é preciso parar, olhar e pensar com o
corpo e com a alma.
Governar é
administrar populações. Uma criança, antes de nascer, já movimentou
equipamentos médicos e centros de consumo. Sua presença requer o aumento de 200
litros de água, consumo de energia, vaga em creche e escola, vacinas e todo o
aparato hospitalar. Parque infantil, transporte especial. Alimentação adequada.
As duzentas mil crianças que se incorporam à população do Distrito Federal, no
correr do ano, pedem passagem para todos os serviços dignos de sua presença. A
administração pública não está preparada para atender a todas ao mesmo tempo e,
em consequência, as que moram nas periferias esperarão na fila a senha do
atendimento.
Com a irrigação
inteligente da riqueza pode-se multiplicar a construção de escolas, teatros,
parques, centros esportivos para todas as idades e em todas as regiões. Há que
se pensar, na linha da administração da riqueza, em tornar mais severas as leis
que orientam a constituição de empresas de produção e distribuição de bens,
construção imobiliária, exploração agropecuária, fabricação de automóveis,
entre outras, para coordenar a distribuição mais equitativa dos bens públicos.
Abrem-se, para a população, avenidas de acesso aos bens socializados,
circunstância que distende a sociedade e amplia o espaço de convivência. O
confronto dialogante entre liberdade criativa e liberalismo explorador ganhará
as escolas, as universidades e as ruas.
Temos diante
dos olhos uma bomba demográfica instalada no Distrito Federal e no Brasil.
Registram-se, há tempos, perigosas explosões dessa bomba cujos estilhaços
rompem a organização das cidades e tumultuam severamente a administração da
coisa pública. Explosões no edifício educativo deixam professores mutilados,
sem ânimo, afetando a capacidade e a virtude do pensar das crianças. Além de
lhes ministrar conhecimentos inadequados e muitas vezes inúteis. As crianças
saem das escolas meio cegas, pois o analfabetismo não é de todo substituído
pela compreensão da leitura e do exercício aritmético. Outras explosões
constantes se ouvem no edifício da saúde, do trabalho, da cultura, do
transporte e até das prisões.
Quem administra
essa bomba demográfica? Quem está preparado para desmontá-la? A prática tem demonstrado
que a velocidade pela qual a população se multiplica e gera necessidades é
geometricamente maior do que a capacidade dos governos e da própria sociedade
em administrá-la. Eis o ponto crucial do problema. Os que se apresentam para
manipular a bomba demográfica são políticos, grande parte deles aventureira e
arrivista, sem conhecimento, sem tecnologia nem experiência. Administradores
funcionais se repartem em departamentos de finanças, secretarias burocráticas,
exercendo cargos e funções sem poder de decisão. A capacidade administrativa
para gerir demandas massivas de grandes populações está atomizada e pouco
desenvolvida. A população é tratada por partes, esquartejada por medidas de
urgência. As decisões tomadas no campo da educação aparecem desvinculadas das
do trabalho, do transporte e da saúde. Constroem-se escolas, postos de saúde
sem provê-los de professores ou médicos ou sem merenda escolar e medicamentos.
Agrupamentos
com 100 mil pessoas constituem para os administradores tarefa quase impossível
de executar. Samambaia ou Recanto das Emas (DF), como similares em outros
estados da federação, são exemplos dessa incapacidade de lançar um olhar
sistêmico sobre sua população. A concentração desses agrupamentos foi
improvisada, apressada, pressionada por migrações, impedindo a execução de
medidas humanistas e comprometendo os requisitos primordiais do planejamento
urbano. As demandas da população se cruzam e se amontoam a ponto de não
permitirem soluções sistêmicas. O abastecimento de água, o fornecimento de
energia, o fluxo do transporte humano e de carga se sobrepõem e se entrelaçam
com outros serviços públicos. A administração torna-se confusa. Decisões
parciais e seccionadas só retardam soluções sensatas de curto e longo prazo. Os
administradores, geralmente, esquecem a relação fundamental das pessoas com a natureza.
As decisões parecem orientar-se a transformar a natureza em inimiga das
pessoas, levantando muros de proteção contra a invasão de árvores e pássaros,
outrora seu habitat original. A arborização é negligenciada ou postergada para
outros tempos. Lixo é visto com indiferença, jogado ao chão ou à beira de
rodovias. A contaminação ambiental pouco tem a ver com a duplicação de vias ou
fiscalização do trânsito e da poluição por emissão de gases tóxicos.
Administrar
populações é cuidar, nutrir e proteger vidas ao longo de sua existência desde o
nascimento. Todos os seres vivos, por sua interdependência, devem estar incluídos
nos amplos mecanismos e circunstâncias da administração de um país. A interdependência
dos seres vivos requer um olhar generoso e sistêmico sobre as mútuas energias
que se intercomunicam. Administrar uma população humana agredindo o complexo
natural dos demais seres vivos, sejam animais ou árvores, trará consequências
sérias à inter-relação das dependências e à convivência humana. Estimular a
população humana a crescer para explorar a rede de outros seres vivos a ponto
de extingui-los é trair os princípios da interdependência. O excesso de
população humana, que induz o aumento de fontes de proteína animal, força, na
mesma intensidade, a exploração agressiva dos bens de sobrevivência, com risco
de dizimar seres da cadeia de interdependência ou cadeia trófica, empobrecendo
a natureza em seu conjunto.
A espécie
humana depende de todas as demais espécies para sobreviver, a começar pelo
elemento vital que é a água, repositório das essências necessárias aos seres
vivos. Transformar a população humana em meros consumidores é diminuir sua
importância na cadeia da interdependência. As árvores precisam da mão do homem
para subsistir. E o homem precisa delas.
O mais delicado
e perigoso atentado à dignidade do ser humano é declará-lo contribuinte do
orçamento através do fisco. Sua criatividade, seu papel, sua função na cadeia
da interdependência se reduz a um repassador de valores monetários para
alimentar um sistema de administração que pretende dominar ciclos de vida e
impor comportamentos irracionais. Quanto mais cresce a população contribuinte
mais perigosa e ineficaz se torna a administração. Já não é a vida das pessoas
que está em primeiro plano e, sim, a gerência do orçamento conduzido por
inúmeras mãos, honestas e desonestas, eficientes e ineficientes. As obras
levantadas com placas de publicidade não visam diretamente à população, mas à manutenção
do poder sobre ela. A catástrofe é iminente. Torna-se uma população escrava do
poder. Sua liberdade de ser e pensar se vê manietada por sistemas verticais de
decisão que lhe impõem fatos consumados.
O crescimento
econômico tende a ser linear e a ultrapassar todas as barreiras rumo, se não ao
infinito, ao indefinido. Em economia, as medidas propostas não gozam de precisão,
tudo são experimentos. Deixa vidas sobre escombros no rastro de sua passagem.
Aponta para o novo, o perfeito e o luxo. Mas, pelo retrovisor, veem-se os
atropelados, os mutilados, os maltrapilhos envoltos na poeira da riqueza veloz.
O ruído do
crescimento envolve a todos. Ouvem-se milhares de gritos da multidão arrastada
pela fúria das comissões de frente e já não se escuta a voz dos vizinhos e dos
que vêm atrás. O delírio toma conta da sociedade até que o cansaço da corrida
derruba a todos. As vozes sensatas que pediam para frear a marcha e diminuir o
tamanho do passo são ignoradas e desprezadas. Tudo é conduzido em nome da felicidade,
do bem-estar, do conforto imediato, do privilégio de ter, da ambição do poder.
A ambição do crescimento econômico baseado na abundância põe a felicidade do
ser humano num alvo equivocado.
O caminho rumo
ao crescimento zero requer respeito
aos limites dos bens naturais disponíveis para a sobrevivência e reprodução da
espécie humana e de todos os demais seres
vivos do planeta. Educação, discussão e debate sobre vantagens comparativas
para todos os seres da espécie humana e de todas as outras espécies vivas com o
fim de se encontrar o equilíbrio entre bens disponíveis no planeta e consumo
saudável para a sobrevivência e reprodução. Os quatro bilhões de anos que
proporcionaram o aparecimento do organismo humano e o desabrochamento de sua
inteligência peculiar se estenderão por mais alguns bilhões de anos, propícios
a mudanças de rumo, a adaptações às transformações climáticas e ambientais fora
de nosso campo de visão.