sexta-feira, 27 de novembro de 2009

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

CAUSAS E SINTOMAS

Numa época de pensamento único, cuja essência é o consumismo desvairado e compulsivo, excitado pelos títeres do poder político e econômico, a palavra é usada na contramão da razão.
É preciso, pois, compreender a nova lógica do raciocínio e voltar aos peripatéticos da antiga Grécia ou aos sarcásticos sofistas para quem um bípede implume poderia ser eventualmente um homem. Mais comum é a mentira se transmudar em ordem.
Eis alguns resultados do exercício intelectual da razão de alguns políticos, economistas e estatísticos atuais em que os meios se transformam em causas e os sintomas produzem remédios.
− o casamento é a causa do divórcio.
− o orçamento é a causa da corrupção.
− a água é a causa da sede.
− o banco é a causa do assalto.
− o sexo é a causa do crescimento populacional.
− a arma é a causa do assassinato.
− a uva é a causa da bebedeira.
− o sapato é a causa do calo.
− a vida é a causa da morte.
− a corda é a causa do suicídio.
− o policial é a causa da prisão.
− o político é a causa do voto.
− a lei é a causa da transgressão.
− o rio é a causa do afogamento.
Essa lógica invertida sustenta grande parte das soluções propostas a resolver dificuldades que o cidadão enfrenta no trânsito, no emprego, na fila do hospital, no convívio social e nas relações com ambiente que o rodeia.
Não é de estranhar que aumentem e se intensifiquem os surtos de esquizofrenia administrativa de nossos governantes, submetendo a sociedade a decisões equivocadas na ânsia de comprovar a lógica utilizada.

TRÂNSITO DE BÁRBAROS

Estamos à beira da avenida, Montemor e eu, tentando atravessar para o outro lado.
No volante do automóvel, a pessoa – homem ou mulher, jovem ou idoso – está prestes a liberar o saco de maldades, frustrações, decepções, ambições, desejos inconscientes de dominação, atitudes insolentes e instintos assassinos.
A limitação do espaço, a vontade de ser o primeiro da fila por ter sido preterido em casa ou no trabalho, a necessidade compulsiva de chegar antes de outro qualquer, a ânsia de assegurar para si o estreito campo da faixa, a pressão do tempo que o acicata, tudo concorre para que o irracional se sobreponha ao bom senso. A afoiteza sobrepuja a prudência, o egoísmo se impõe à educação solidária.
O acesso a uma avenida de alta velocidade é como experimentar a sensação de cair num rio coalhado de piranhas e jacarés. A fúria está no ar, no fluxo de flechas que ameaçam o incauto e estraçalham o ânimo do transeunte.
A rua se transforma num campo de batalha. O condutor é invisível. A importância visível está no carro, intermediário do poder. Os tanques velozes avançam contra o inimigo putativo que se dirige na mesma direção. Guerra do trânsito que deixa mais de 40 mil mortes no curso fugidio do ano. Mutilados saem dos hospitais em cadeira de rodas. Mutilada, plégica e tetraplégica está a alma das pessoas no fim do dia. Entram na própria casa de muletas, estilhaçadas pelo ruído dos motores, pelo chiado dos pneus, cobertos pela fuligem da fumaça. Irreconhecíveis.
Potência do motor é orgulho do condutor que se lança em velocidade louca, expõe a prepotência do espírito. A máquina esconde sob a lataria as fragilidades e as impotências invencíveis do condutor fora do carro.
A barbárie humana sobre rodas.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

AS PEDRAS DE ROMA

Está em Brasília o novo romance deste blogueiro.
Pode ser encontrado na Livraria Cultura, na Livraria Cotidiano ou pelo e-mail
eugeniogiovenardi@gmail.com


O ROMANCE

A eleição dos papas, à época do Renascimento, era um negócio de famílias. Comprava-se, apostava-se e ganhava-se. Preservava-se a fortuna familiar que se consolidaria com parte da riqueza acumulada pelo Estado do Vaticano. Era um dos requisitos para manter-se no poder.
O florentino Giovanni de Medici (1475-1521) assume o poder no Vaticano. Agnóstico, humanista, interessa-se mais pela arte e literatura do que pela prática da religião. Convive com Rafael, Michelangelo, Machiavelli. Condena Lutero por razões de Estado
A compilação da teologia, a proclamação de verdades inquestionáveis em forma de dogmas, o código canônico que determina condutas e sanções, a moral que vacila ao sabor das épocas, conservadora ou liberal, são ações que exigem organização, burocracia, dinheiro, estratégias, governo.
Pela primeira vez, na literatura ficcional brasileira, se revela o código de pagamento de fianças para obter a absolvição antecipada de crimes, conhecido como venda de indulgências. Parte do dinheiro foi empregado na construção da Catedral de São Pedro, em Roma. Entre outros:
Art. I − O eclesiástico que incorrer em pecado carnal, seja com monjas, primas, sobrinhas, afilhadas, ou com outra mulher qualquer, será absolvido, mediante pagamento às arcas papais, de 67 libras ouro e 12 soldos.
Art. V − .Os sacerdotes que quiserem viver em concubinato com suas parentas pagarão 76 libras e 1 soldo.
Art. XXXIII − Os eunucos que quiserem entrar para as Ordens sacras pagarão a quantidade de 310 libras e 15 soldos.
As pedras (de Roma) simbolizam a perenidade, a resistência, a dureza sobre as quais repousam edifícios. Que pedras são essas que suportam o peso das ambições humanas políticas e religiosas? Entre a astúcia, a sorte, a força, a autoridade, a firmeza da ambição, o fascínio do poder e da riqueza, a vaidade, o prazer da mesa e da cama, a arte das cores e a da guerra, a animalidade cruel do homem-lobo, qual dessas pedras é mais consistente para manter o poder de um papa? Sobre quais colunas de mármore se sustenta a sociedade humana e o poder que a dirige e domina?

O AUTOR

EUGÊNIO GIOVENARDI – Nasceu no município de Casca, no Rio Grande do Sul, em 28 de junho de 1934 e reside em Brasília desde 1972. É sociólogo, filósofo e escritor. Licenciado em Ciências Sociais, pós-graduado pela Universidade de Paris, Ecole Pratique de Hautes Etudes; na França (1969) e, na Inglaterra, pela Loughborough University of Technology (1972).

Escreveu, até o momento, as seguintes obras:

AS PEDRAS DE ROMA (romance histórico) maisQnada editora, Porto Alegre, 2009.

O HOMEM PROIBIDO (romance) Editora Movimento, Porto Alegre, 2009. 2ª. Edição revista do primeiro romance Os Filhos do Cardeal, de 1997;

A SAGA DE UM SÍTIO (novela) Editora LGE, Brasília, 2007;

O RETORNO DAS ÁGUAS (ensaio ecológico) edição bilíngüe (português/espanhol), Editora SER, Brasília, 2005;

SOLITÁRIOS NO PARAÍSO (poesia e prosa) Editora Movimento, Porto Alegre, 2004;

VENTOS DA ALMA (poesia) Editora SER, Brasília, 2003;

OS POBRES DO CAMPO (ensaio) Editora Tomo, Porto Alegre, 2003;

EM NOME DO SANGUE (romance) Editora Movimento, Porto Alegre, 2002. Ganhador do Prêmio Açorianos de Literatura 2003. Traduzido para o finlandês, Editora LIKE, Helsinque, Finlândia, 2005 e livro de bolso em 2006.

POEMAS IRREGULARES (poesia) Paralelo 15, Brasília, 1998;

RAIO DA MENTIRA

O raio da mentira ou a mentira do raio?
O presidente não sabia de nada. Estava dividindo com alguns executivos o futuro dinheiro do pré-sal. Alguém entrou na sala e o avisou que 18 estados do Brasil estavam no escuro.
- Lobão, gritou o Lula, vá lá e diga que um raio caiu em cima de duas ou três torres no Paraná.
Lobão, que é Ministro de Minas e Energia, afilhado político do Sarney, que é quem governa o Brasil com o pseudônimo de Luiz Inácio, inventou de supetão que “causas atmosféricas de alto nível, fortes ventos e chuvas, precedidas de raios fulminantes cortaram o fluxo da energia elétrica”.
Doutoradas em astúcia, velhacaria e malandragem política, algumas autoridades levam a sério e com absoluta competência o uso do cinismo e da mentira para pisotear a inteligência de 190 milhões de brasileiros.
No dia seguinte, ficaram discutindo a intensidade do negrume dos apagões nacionais e patrióticos operados em nome da oitava potência econômica. Um dos apagões foi tão vulgar a ponto de ser classificado pela dama-de-peruca como “barbeiragem”. E prometeu que o próximo apagão, dada a malha quilométrica de redes de distribuição, atingirá todos os estados do país e, de quebra, o Paraguai.
É preciso informar ao Lobão e à dama-de-peruca que quando cai um raio numa árvore, numa torre de energia elétrica ou na cabeça de uma pessoa é possível constatar o efeito de seu alto nível de potência.
Depois de os meteorologistas terem afirmado que os raios da mentira não caíram em nenhuma torre, o Lobão concluiu inteligentemente:
− Mas podiam ter caído. Não se fala mais nisso. O apagão é página virada.
Mas o que o Lobão quis nos fazer crer é que as 18 turbinas de Itaipu são dotadas de um potentíssimo radar e de uma inteligência atmosférica capaz de prever a incidência de raios, ventos e tempestades e desligar-se antes mesmo que eles se precipitem contra as torres gêmeas do Paraná e São Paulo. Desligaram-se preventivamente.
Lobão e toda a camarilha que governa este imenso Brasil sabem que nossa memória é curta e somos dados a curtir no bar da esquina a felicidade de esquecer a mentira, a astúcia, a velhacaria e o cinismo por eles praticados no dia anterior.