sexta-feira, 24 de julho de 2009

BIOGRAFIA DO INVESTIGADO

Em sua afoiteza de discursar à nação como se convencesse um grupo de sindicalistas a reivindicar aumento de salários aos donos do capital, o senhor Lula escorrega na casca da banana. Nada mais constrangedor para uma vaidosa senhora do que escorregar numa casca de banana na calçada cheia de populares e mostrar a roupa íntima descomposta.
Um desses escorregões do senhor Lula foi na posse de ministro de um dos tribunais da república. Com ar grave de madame que passeia na calçada, afirmou que o investigador não deve olhar apenas para sua biografia. “Nesse país, o investigador tem a obrigação de olhar para a biografia do investigado”.
Os ouvintes que lotavam o anfiteatro e os milhões de telespectadores que o escutavam perceberam os bigodes do senador Sarney nas dobras das roupas íntimas do presidente iluminadas pelos holofotes.
A Polícia Federal, há 40 anos, sabe que o senador Sarney não é nenhum ladrão de banana e não vai procurá-lo na feira do Guará. Sarney não é arrombador de carro em estacionamentos para roubar aparelhos de som. Sarney é acadêmico imortal e não pichador de paredes.
O que impressiona e fascina o senhor Lula, lendo a biografia de seu amigo Sarney, é que o senador ainda está em liberdade mesmo depois de tê-lo acusado de corrupto, rodeado por trezentos picaretas. O que o empolga é constatar que o Sarney foi um fâmulo da ditadura militar que ajudou a prender o sindicalista Lula e chegou à Presidência da República como defensor do estado democrático de direita. Mas a paixão maior do senhor Lula pelo senador não é porque Sarney se apropriou do Maranhão e do Amapá, desempossou um governador eleito e empossou a filha derrotada nas eleições ou porque nomeou secretamente toda a família para cargos públicos e empregou o namorado de sua netinha para uma função inexistente no senado.
O fato político determinante de sua incondicional admiração pelo senador é que Sarney conseguiu de forma indolor transformar o PT em apêndice submisso do PMDB e governar o Brasil com o pseudônimo de Lula da Silva.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

MEIA-ENTRADA

− Duas meias, por favor, para o filme A partida.
Somos um casal preferencial. Atrás de mim, um jovem casal também pede duas meias-entradas para outro filme. Dou uma olhada para a fila que se estende por alguns metros. A noite é fria. Mulheres jovens de bota de pelica, casacos de lã, cachecol. Homens de casaco de couro. Ouço um senhor, alto, cabelo branco a pedir em voz alta:
− Duas meias. A mulher invisível.
Depois dele, dois estudantes com roupas de grife, também pediram duas meias.
A meia-entrada é um privilégio para estudantes com a finalidade educativa de ter mais oportunidades de aprender. Estudante pobre é uma expressão do passado, quando o Estado tinha obrigação de atender a toda a população jovem sem recursos para frequentar colégios. Hoje, estudantes de escolas caríssimas, filhos de famílias abastadas, enchem os estacionamentos das universidades com seus carros, gozam da meia-entrada de cinema. Pedirão amanhã meia-entrada para restaurante?
Para muitos idosos se justifica o benefício da meia-entrada. A razão é simples. Os avós estão, hoje, ameaçados de insolvência. Pagaram sua própria sobrevivência e, com frequência, sustentam filhos, netos, genros e noras. Não falo da classe idosa que pode instalar telões em suas mansões.
Num país em que os pobres e carentes, no discurso político e nos programas de governo, parecem inevitáveis e eternos, para quem se dá casa, pão e leite, bolsa família e renda minha, por que não se dá a eles o benefício da meia-entrada para o cinema e teatro?
Será suficiente encher a barriga dos pobres e carentes e deixá-los com a alma vazia para melhor dominá-los ou melhor enganá-los?

quarta-feira, 8 de julho de 2009

GOVERNABILIDADE

Há dias não falava com meu amigo Pedro de Montemor. Nossa conversa foi dominada pelo affaire Sarney, um impoluto cidadão, nada comum que se apropriou do Maranhão e do Amapá. Salvou o país do comunismo, entrando nas fileiras patrióticas dos golpistas do glorioso exército nacional.
Governou o Brasil redemocratizado com a inesperada herança recebida de Tancredo Neves. Dirige atualmente e pela terceira vez o vetusto senado da República e desconhece o que se passa nos porões secretos. Elegeu seu filho à deputação federal e contratou parte da família para administrar o patrimônio senatorial. Sonegou informações ao fisco omitindo valiosos bens imobiliários.
Pedro de Montemor cansou de desfiar a sequência de mistérios gloriosos que envolvem esse homem público que, no dizer do senhor Lula, não é uma pessoa ordinária como é o beneficiário do Bolsa Família. Sou emotivo, também sou avô, e compreendo bem o Sr. Sarney ao contratar um netinho para função importante na administração dos destinos do país. Montemor é mais cáustico do que eu. Lembrou-me as definições, as expressões duras do atual Presidente quando era deputado federal, sobre o amigo de hoje: ladrão, corrupto, eram vocábulos ditos com provas e convicção.
− Hoje, disse Montemor, essas palavras foram substituídas por governabilidade. Sarney é a garantia da governabilidade. Essa palavra é rica em significados implícitos e explícitos. No discurso dos defensores do governo, ela quer dizer continuidade do poder nas mãos do senhor Lula, dos corrompidos do PT e das quadrilhas organizadas da aceleração da imoralidade política travestida de miraculosas estatísticas sobre o comportamento do deus PIB. Sarney é um homem nada comum, um senador extraordinário, com poderes sobrenaturais. Não pode abandonar a presidência do Senado da República pela simples razão de que o Brasil se tornaria ingovernável. Sem ele o senhor Lula não saberia a qual aeroporto do globo terrestre levar seu avião. Com Sarney na presidência do Senado, o senhor Lula governa o Brasil a distância, hospedado em Paris ou no Cazaquistão, na Líbia ou em Moçambique.
É bom conversar, de tempos em tempos, com Pedro de Montemor. Ele não se deixa enganar pela governabilidade abstrata.

sábado, 4 de julho de 2009

IGREJINHA, CRÍTICOS DE ARTE

Levei minha irmã, que estava de visita em Brasília, e minhas netas a ver a pintura de Galeno na Igrejinha da 108 Sul. Alguns anos atrás, um frade autoritário mandou cobrir com cal uma obra de arte de Volpi. Os novos quadros de Galeno pintados nas paredes levantaram controvérsias e manifestações ruidosas na imprensa e nas ruas. Gosto, não gosto. Respeito, desrespeito. Nessa altura, apareceram muitos críticos de arte. Condenaram, defenderam.
A suposta aparição da Virgem, em Fátima, Portugal, a três crianças que pastoravam ovelhas entre azinheiras, foi vista por Galeno com olhos de pintor. Ele imaginou uma forma de reproduzir a história que lhe contaram.
Uns, os mais piedosos, queriam ver na parede a figura viva da santa mulher, falar com ela e até convidá-la para o chá das cinco. No mínimo, desejavam ter ali um retrato fiel da esposa de José, a mãe do menino Jesus. Galeno não conheceu a senhora Maria e, para não mentir, deixou-a sem rosto. Objetivamente, as crianças pastoras não podem ter visto o rosto de uma aparição porque espírito não tem face. É possível que cada um dos três tenha visto um rosto diferente sob a luz intensa do sol que ofuscava seus olhos, em plena hora do meio-dia: o da mãe, o da tia ou da avó. Galeno então decidiu: nada de retratos falados.
Outros queriam que Galeno copiasse uma das iluminuras que decoram as biografias piedosas dos pastorinhos. Esses livros contam com detalhes e ao pé da letra o que as crianças disseram aos curas, aos bispos e ao papa sobre os traços do rosto, as mãos e a linha da moda do vestido que ela trouxe do céu.
Galeno fez o que a arte lhe inspirou: um fantasma branco, luminoso, suspenso no ar; três retângulos coloridos imobilizados pela surpreendente aparição; pipas, bandeirolas festivas esvoaçando no céu, possíveis brinquedos da infância.
Indaguei a minhas netas, que não têm educação religiosa especifica, qual das três paredes prefeririam se tivessem que escolher. Não dei nenhum critério de escolha.
Luiza (11 anos) manifestou com segurança: prefiro a parede das pipas e bandeirolas porque tem menos objetos, está menos cheia.
Laura (7 anos) disse: fico com essa, apontando com os olhos para o muro da Virgem.
− Por que?, insisti.
− Porque é mais eclesiástica (depois corrigiu a palavra para igrejiástica).
− Como assim?, perguntei.
Com um gesto de leve tolerância com as mãos, disse:
− É uma santa!
Galeno, meus parabéns.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

O HOMEM PROIBIDO

· Obra: O homem proibido
· Autor: Eugênio Giovenardi
· Coleção: Rio Grande, vol. 164
· Nº de páginas: 192
· ISBN: 978-85-7195-132-7
· Tamanho: 15 x 22 cm
· Preço da capa: 35,00

O romance O homem proibido, de Eugênio Giovenardi, foi traduzido para o espanhol e publicado pela editora Arte y Literatura, Havana, Cuba, em 2000. Em 2001, foi publicado em finlandês pela editora LIKE, Helsinque, Finlândia.
O homem proibido é relato romanceado de um tempo crucial na vida do autor. Conta as vicissitudes e as peripécias de um jovem em busca da liberdade de pensar e querer sem o monitoramento de uma instituição. O destino levara Juliano ao seminário, para tornar-se sacerdote da Igreja católica. À educação recebida na infância, em família religiosa, somou-se o disciplinado exercício de orações diárias, entremeadas de estudos filosóficos, morais e teológicos.
Traduzido para o espanhol e o finlandês, assim diz Annikki Laaksi, teatróloga finlandesa: “O livro de Eugênio Giovenardi (O homem proibido) é mesmo fantasticamente bom. Um clássico. Não se parece a nenhum outro livro. Digo isto com plena lucidez.”.
Eugênio Giovenardi, ensaísta, poeta e ficcionista, recebeu o Prêmio Açorianos pelo romance Em nome do sangue, editado pela Movimento em 2003.