domingo, 29 de dezembro de 2013

IRRESPONSABILIDADE CRIMINOSA




O Espírito Santo e Minas Gerais continuam (dezembro, 2013) com imensas áreas cobertas pelas águas que o Rio Doce não conseguiu escoar. Informam os repórteres, como de costume, que estas foram as maiores chuvas dos últimos trinta anos. E alagamentos e transbordamentos houve em todos os anos.
Quer dizer, em 1993, a natureza já havia dado avisos para que se tomassem as precauções devidas. Em trinta anos, florestas poderiam ter crescido.
Imprudentes, as populações urbanas estimuladas por empreiteiras da construção e por incentivos governamentais tomaram os espaços às margens de rios enquanto os agricultores devastavam os morros e encostas e retiravam do solo as barreiras naturais de contenção e retenção das águas.
Nessa região, existiam árvores que podiam reter até dois mil litros de água da chuva (2m3). O corte de mil árvores significa a liberação de um milhão de litros que escorrem em alta velocidade morro abaixo. Mas foram milhões de árvores arrancadas. A simples aritmética poderia ter sido um instrumento útil na mão de agrônomos.
A essas funções extintas das árvores, conter e reter água, some-se o papel das raízes dessas mil plantas arrancadas do solo deixando-o desprotegido. A trama das raízes, que se entrelaçavam, mantinham a coesão do solo e impediam o desmoronamento e o deslizamento de grandes e pesados volumes de terra e pedras.
Milhares de árvores foram substituídas por cafezais e pastagens cujo tipo de vegetação é inadequado para cumprir a função das matas ciliares, dos morros e encostas.
São falhas graves dos agentes econômicos do Ministério da Agricultura, da Embrapa, das Emateres, das cooperativas agrícolas, da Confederação Nacional da Agricultura, das associações de pecuaristas e cafeicultores.
É sempre tempo de debelar a ignorância ambiental e a irresponsabilidade criminosa dos promotores do crescimento econômico a altos custos ecológicos e ambientais se pensarem em seus netos e bisnetos.
Há que se impor, não apenas pela lei da prudência, pelo princípio da precaução e da racionalidade, mas e principalmente pelas leis na natureza, o plantio imediato de árvores nativas para formar barreiras e cortinas vegetais protetoras do solo.
As medidas pós-catástrofes serão paliativas e repetitivas, não adequadas como solução. Vidas, culturas, casas, bens de uso humano continuarão indo águas abaixo.

Talvez, daqui a trinta anos, se voltarem as árvores, os repórteres terão outra mensagem a dar diante de chuvas torrenciais.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

É HORA DE ACORDAR


Espero que a população e os governos compreendam que as enchentes atuais do Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro são um aviso estridente de que as mudanças climáticas bateram às nossas portas.
As perdas de vidas humanas e de milhares de outros seres vivos são frutos da irresponsabilidade de todos. Os ataques ao ambiente, nesses últimos cem anos, exauriram as forças do bioma local que se tornou impotente para assimilar o desgaste sofrido e o volume de águas das chuvas abundantes.
A cegueira ambiental tem cura, mas é preciso reconhecê-la com humildade. Se não, continuaremos a perder a riqueza material na qual ilusoriamente se fundamenta o bem-estar, a qualidade de vida e a abundância.
Falta perceber que essa riqueza material roubou à natureza os meios de dar a todos os seres vivos a oportunidade da sobrevivência que é a base da felicidade humana. Matamos indiscriminadamente as fontes de nossa vida e de nossa felicidade. As imagens mostraram imensas áreas devastadas. Onde está a vegetação protetora do solo? Onde estão as árvores?
É hora de os grandes mentores da economia, dos administradores da coisa pública e da população acordarem e desvendarem os olhos.
O precipício anunciado está a poucos metros e muitos já caíram nele.
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Nota: Sou ecossociólogo, naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).

domingo, 22 de dezembro de 2013

SOMOS TODOS RESPONSÁVEIS




As chuvas, mais abundantes neste ano, especialmente no Sudeste, pelas consequências desastrosas que afetam as pessoas, indicam nossa ignorância sobre os fenômenos da natureza.
Tratamos o ambiente em que vivemos como se tudo estivesse sob nosso comando. Fatal equívoco.
As mudanças climáticas se produzem diante de nossos olhos e continuamos cegos. Só vemos as águas depois que arrastaram pessoas e seus pertences. Não sabemos prever e nem nos preparar para enfrentar fenômenos que a natureza produz há milhões de anos.
A experiência que acumulei com a preservação de uma área de cerrado (70 hectares, DF) ensinou-me que, antes de qualquer ação humana sobre o ambiente, é necessário compreender o comportamento e as consequências dos fenômenos naturais.
Quarenta anos de observação e cuidados nessa área reduziram à mínima expressão a possibilidade de erosão ou de catástrofes que possam afetar o equilíbrio natural do ambiente.
Os erros da urbanização e da agricultura estão na devastação irracional das barreiras verdes e da vegetação nativa, no desenraizamento protetor do solo e no desvio múltiplo dos cursos de água.
Somos todos responsáveis. Os que devastam e os que permitem a devastação. É afirmação antiga e nunca levada a sério: um real gasto em destruir ou modificar o ambiente exige cinco para recuperá-lo apenas em parte.

Essa atitude da população e das administrações públicas demonstra ignorância e irracionalidade ecológica e ambiental. Estamos todos condenados a pagar, sem direito a recurso aos tribunais superiores, os débitos atrasados devidos à natureza inerme.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

LÓGICA INVERTIDA




As medidas econômicas, especialmente as que se relacionam com o item sonho e símbolo do sucesso social – o automóvel – inverteram a lógica da segurança pessoal física e psicológica.
Um episódio relatado por um amigo mostra a inversão da lógica de segurança pessoal ameaçada por sequestradores e ladrões. Encontrou-se ele com amiga que havia trocado seu carro novo por um Hyundai Tucson de quase 18m3, com vidros escuros intransponíveis e blindados. Indagada a razão da troca, ela respondeu: por segurança.
Inverteu-se a lógica. A segurança é oferecida ilusoriamente pelo automóvel e não pelas racionais e emocionais atitudes de convivência entre seres inteligentes, por processos educativos de respeito e definição social de limites da liberdade.
A nova lógica de segurança é a de proteção seletiva, reforçando a desigualdade social. A maioria fica exposta à saga da insegurança que tem parte de suas raízes na garantia de privilégios. Nem de airbag e freios ABS precisam os que foram enquadrados artificialmente na categoria de salários acima da linha de pobreza, também dita classe média ou D e E, estimulados a adquirir o troféu do sucesso social.
Atravessamos a era mesozóica da cegueira social, da surdez econômica e da gagueira política.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

OURIÇO SUSTENTÁVEL




(Foto: ouriço ou porco espinho)

À noite o ouriço nos divertiu roendo mangas verdes em busca da amêndoa seu quitute preferido. Deixou a frente da casa coalhada de pedaços de manga cuspidos lá de cima. Depois de comer a amêndoa, joga o resto no chão. É muito hábil. Cospe como gente.
Ele se satisfaz ou contenta com as amêndoas de apenas meia dúzia de mangas. Diferentemente dos humanos, ele conhece o limite da comida disponível. A mangueira deste lugar onde ele nasceu, se criou e vive só dá frutos uma vez ao ano. Na falta de mangas, sai à procura de outras frutas e brotos.
Os promotores do crescimento econômico ainda não querem acreditar que as riquezas de nosso planeta têm limites e são finitas. Os ouriços já descobriram essa realidade há milhares de anos e vivem felizes. Enquanto os humanos não substituírem mangueiras por eucaliptos ou milhares de árvores frutíferas do cerrado por soja não sossegam. Pensam que sem devastar a natureza a felicidade não seja possível.

É bom aprender a sustentabilidade com os ouriços e tomar nota desde já que as riquezas do planeta são limitadas. É bom também lembrar que depois de nós ainda virão bilhões de seres vivos que desejam sobreviver e se reproduzir neste paraíso terráqueo.

sábado, 14 de dezembro de 2013

ÁGUAS DE NOVEMBRO 2013/2012




Foto: As águas não têm para onde ir.

A leitura da precipitação pluviométrica começou a ser feita no Sítio das Neves no mês de novembro de 2012 com a instalação do pluviômetro pela Agência Nacional de Águas.
No mês de novembro, 2012, no Sítio das Neves, a precipitação foi de 228,3 mm, ou seja, 228,3 litros por metro quadrado. Esse volume dá uma média diária de 7,61 litros por metro quadrado. O volume  diário ou total deve-se multiplicar pela área do Sítio que é de 700.000 metros quadrados.
No mês de novembro, 2013, a precipitação foi de 304,44mm, ou seja, 304,44 litros por metro quadrado. Esse volume dá uma média diária de 10,14 litros por metro quadrado.
O volume total de água, no mês de novembro, 2013, foi de 213,108 milhões de litros (213, 1 metros cúbicos) na área do Sítio das Neves. Neste ano, o mês de novembro trouxe 76mm a mais do que em 2012. As enchentes por toda parte do país têm explicações. E não foi por falta de avisos e previsões.

COMPARATIVO 2012/2013 (em mm) no Sítio das Neves
NOVEMBRO 2012
NOVEMBRO 2013

TOTAL
228,3m
304,44



SEQUÊNCIA DE CHUVAS EM 2013
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro

TOTAL
3,1mm
42,3mm
179,55mm
304,44mm


529,39








De agosto até o fim de novembro, o Sítio foi favorecido com 370.573.000 litros de água (370.570m3)proporcionando boa recarga dos aquíferos graças à vegetação intensa e o sistema de barragens para contenção, captação e retenção das águas.


Nota: Sou ecossociólogo, naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O MESTE E MARGARIDA

O LIVRO DE MIKHAIL BULGÁKOV (RUSSO) - O MESTRE E MARGARIDA - É ANÁRQUICO, IRÔNICO, HUMORISTA, ZOMBETEIRO, GALHOFEIRO, IRREVERENTE, SURPREENDENTE, COM PERSONAGENS DESEQUILIBRADOS, LOUCOS, BÊBADOS, BRIGUENTOS, CORRUPTOS, NUM CENÁRIO CANDIDAMENTE RUSSO.
PARECE QUE O VELHO DE PENEDO E ARNALDO BRANDÃO BEBERAM DA MESMA FONTE SALUTAR.

VALE A LEITURA POR PRAZER.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O ADVÉRBIO COMO



As propostas, as discussões e a prática sobre a preservação da ideia essencial do Projeto do Dr. Lúcio Costa para a construção da nova capital dividem as opiniões de especialistas confrontadas com as dos administradores da cidade de Brasília que se esparrama por 5.822 km2.
O Dr. Lúcio Costa, ao traçar as linhas do Plano Piloto, provavelmente descurou de como esse projeto sustentaria a ideia genial nele contida. Até onde vai a responsabilidade do eminente arquiteto?
O conceito de país continental deve ter influenciado os traços do desenho monumental das obras de Oscar Niemayer. Acostumados ao pequeno e ao pobre, a imensidão dos espaços bucólicos que dão o caráter de grandiosidade do Plano Piloto soa, aos ouvidos da burocracia apática, dominada por interesses privados, como um desperdício a ser evitado.
Espaço livre, liberto da ação individualista do cidadão não é o mesmo que espaço desocupado ou degradado. Estranhamente, os administradores da cidade ignoram o sentido de bucólico e são atraídos por espaços desocupados. Ignoram o sentido de espaço livre e liberto no conjunto urbanístico. Trata-se de zonas liberadas que representam a ação grandiosa da natureza para dar solidez à relação do cidadão com todos os demais seres vivos vegetais e animais que integram o mesmo espaço.
As distintas instâncias do concurso que aprovaram a grandiosidade simples do projeto do Dr. Lúcio Costa talvez tenham dado pouca atenção ao advérbio modal para a preservação futura da ideia expressa no desenho arquitetônico. Como se sustentaria a magnificência do projeto da nova capital e por quem?
Para onde e para quem se dirige o como? Por que, de tempos em tempos, surgem propostas para adaptar a preservação do conjunto urbanístico de Brasília reconhecido como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura? Por que esse reconhecimento mundial não é suficiente para garantir a preservação das características principais da capital?
O PPCUB está propondo um como amplo, geral e irrestrito. Está sendo proposto por oficiais de gabinete, unindo burocracia, política e interesses econômicos privados. É uma iniciativa capciosa e ardilosa acenando para a “melhoria da qualidade de vida dos brasilienses”. Essa afirmação do porta-voz da Seduma faz supor que “ocupar a orla do Lago e democratizar o espaço” melhora a qualidade de vida dos moradores de Samambaia, da Estrutural e do Sol Nascente.
Brasília, e especialmente o Plano Piloto, está virtualmente entregue a competentes arquitetos. Conheço mais de uma dezena de profissionais experientes que manifestaram suas opiniões e críticas em artigos, blogs e várias coleções de estudos e análises contidos em livros. São raros os artigos escritos por arquitetos e geógrafos em que uma das afirmações contundentes não seja a ausência de planejamento urbano em Brasília. Mas como? Quem é responsável pelo planejamento urbano? E, quando se fala em urbanismo, qualquer voz que não seja de arquiteto tem pouca chance de ser levada em consideração.
Quem mais poderia ser ouvido de forma ampla, geral e irrestrita além dos professores de faculdades de arquitetura, arquitetos do Iphan, do IAB, do IHG/DF, do Grupo de Urbanistas por Brasília no sentido de fazer valer a promessa de melhoria da qualidade de vida dos brasilienses sem descaracterizar as ideias básicas do projeto do Dr. Lúcio Costa?
Perguntei, hoje, à minha diarista, que enfrenta seis horas de ônibus, dos confins de Valparaíso ao Plano Piloto, para chegar ao trabalho e voltar a casa, se estava a par ou se ouvira mencionar PPCUB, PURP, AE, AP, UP, PDOT, LUOS. Não sei! – disse. E ninguém mais do que ela, suponho, está interessada na “melhoria da qualidade de vida”.
Um dos quesitos essenciais, se não o essencial, é a água que garante o verde que acumula água. Nas 118 páginas e nas 795 folhas, contendo 72 planilhas, nas quais se propõem intervenções cruciais, salvo distração de minha parte, ignora-se o quesito água.
Na prática, em todos os projetos urbanísticos mais recentes, desde Samambaia, Sudoeste, Noroeste e da orla do Lago, o item água foi ignorado na origem e acenado como característica distintiva e ecológica por meio de captação de parte de águas da chuva para uso público. Lembro que os recentes projetos de uso do solo em áreas degradadas, dentro de Paris – La Villette e Georges Bressans (Vaugirard) – tiveram como ponto de partida, e merecendo menção especial, a preservação e o tratamento de nascentes de água nessas áreas.
Os córregos que cortam ou cortavam o DF e as centenas de nascentes extintas são uma claríssima indicação de que os projetos urbanísticos ignoram o elemento água essencial para a sobrevivência humana. Ao impermeabilizar uma área significa impedir a infiltração de água no solo e a recarga dos aquíferos, implica em diminuir a umidade, reduzir a biodiversidade e degradar a saúde. Na precipitação anual média de 1.250mm, no DF, cada módulo impermeabilizado de 100m2 impede a infiltração de 125 mil litros de água (125m3). Calcule-se, então, a área impermeabilizada dos 112 milhões de metros quadrados que correspondem à área tombada pela Unesco e se compreenderá a extensão do desastre ecológico. As inundações, em qualquer canto de Brasília, são indicativas do descaso se não da ignorância do volume de águas da chuva e de sistemas de captação em grande escala para uso coletivo.
Resta, então, o advérbio modal: como preservar o conjunto urbanístico de Brasília? Só uma frente popular –  cidadãos de Brasília – reunida na Esplanada, no Eixo Monumental, na orla do Lago, na DF-140, no Sol Nascente, ampliando o corajoso Grupo Urbanistas por Brasília, Movimentos Nossa Brasília, Movimento em Defesa de Brasília, SOS Parque Olhos D'água poderá deter a ignorância administrativa e controlar o ímpeto, a ambição e a auri sacra fames da indústria imobiliária e dos apologistas do confuso sistema viário que conduz ao precipício social.



Nota: Sou ecossociólogo, naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

ELEIÇÕES 2014



Por que, dadas as circunstâncias atuais, nem Aécio Neves nem Eduardo Campos se elegerão em 2014? Porque Dilma será eleita. Com ou sem Lula. Lula será apenas o palhaço do circo. Mas por que Dilma será eleita? Ou por que os outros não serão eleitos?
Não serão eleitos os pretendentes candidatos porque não poderão ou não saberão contestar, entre outras decisões atuais, as concessões da administração dos aeroportos do Galeão e de Confins ou o poço de Libra a grandes empresas transnacionais ricas que se enriquecerão ainda mais aumentando a desigualdade entre os povos. Poderão eles até dizer que fariam melhor, que as entregariam a empresas nacionais, etc. Por coerência, tendo a ecologia e o aquecimento global como argumentos do futuro, eles deveriam explicar aos usuários de aeroportos e passageiros de aviões que a emissão de gases de efeito estufa é cada vez mais atribuída aos que queimam combustível fóssil, conforme relatório do IPCC, de 2013. No momento, poucos lhes darão ouvidos, como na recente COP 19, na Polônia.
Quem vai votar nesses alarmistas que dizem a verdade aos eleitores e querem deixar um planeta mais limpo para nossos bisnetos que ainda não nasceram?
Por coerência, os adversários de Dilma, diriam aos eleitores que a indústria automobilística, apoiada pelos estímulos do governo e incentivada por bancos públicos e privados, inunda nossas ruas de congestionamentos, de dióxido de carbono e que o carro não é solução para o transporte urbano.
Os adversários de Dilma não poderão prometer mais creches além das seis mil anunciadas. Não poderão projetar mais casas populares além dos dois milhões já orçados. Não poderão propor a abertura de mais 200 aeroportos, já definidos, de tamanho médio. Não poderão importar mais médicos além dos seis mil já contratados com Cuba.
A corrupção não é, no Brasil, motivo para não eleger este ou aquele candidato. Corrupção é assunto de tribunais superiores e de conversa no bar da esquina. Morre no último gole de cerveja. Corrupção não espanta urnas.
Saúde e educação não reprovam candidatos. Os que sofrem nas filas do INSS e os semianalfabetos são os mesmos milhões amparados pelo Bolsa Família, pelo Brasil Carinhoso e outros programas sociais indispensáveis e irrecusáveis da nova classe média. Os sindicatos prosseguirão, anualmente, em garantir melhores salários sem propor a democratização dos meios de produção.
A onda é consumir mais e mais toda a linha da nova oferta tecnológica, seja telefone, TV, computador, carro, minha casa, minha casa melhor, eletrodomésticos, jogos eletrônicos, motos e bikes garantindo a igualdade patrimonial sem diferenças de classes, de religião ou cor da pele.
Nesse concerto, a orquestra está afinada: o governo como diretor da sinfônica, os bancos públicos e privados como solistas, as grandes empresas, as universidades, as escolas públicas e privadas, as rádios e TV’s como trombeteiros de qualquer produto dentro ou fora do automóvel. Contam-se nos dedos da mão os que escapam dessas armadilhas. Por isso, poucos querem mudar o que parece estar muito bem. Teremos algumas eleições sem mudanças por mais alguns períodos.
Em 2030, quando todos os limites forem atingidos, quando a carga e sobrecarga ambientais já tenham sido ultrapassadas, quando nossas cidades estarão congestionadas e o trânsito engarrafado soará o alarme para despertar. Mas, por enquanto, as concessões continuarão a lógica da expansão dos aeroportos e do crescimento econômico dito sustentável. Haverá maior número de voos, de aviões, de queima de combustível fóssil, de emissão de gás de efeito estufa, de passageiros, de serviços auxiliares, de consumo de energia, hotéis, restaurantes, taxis, ônibus, estacionamentos. Vamos rumo à terceira potência mundial.
A expectativa do crescimento na pauta atual é eliminar todo preconceito, toda a discriminação de classes e garantir aviões e carros a 200 milhões de brasileiros.
O adensamento das cidades com o sacrifício das áreas verdes, com a poluição do ar, com o aquecimento dos espaços impermeabilizados, com as ruas sem saída, com a precariedade do transporte público, provocará o desabastecimento de água, cortes de energia, acúmulo de águas poluídas por esgotos. Montanhas de lixo se multiplicarão como as que já existem em todas as rodovias que cercam o DF e as cidades satélites.
A observar a obsessão do uso do carro particular e a pressão para investimentos rodoviários que o facilitem, o descaso na separação dos tipos de lixo nos edifícios, condomínios e habitações individuais, o desperdício de comida nos restaurantes e bares, o descuido de parques e jardins, o desinteresse pela preservação de mananciais e florestas nativas, presume-se que é minoria o número de brasileiros conscientes que atuam coerentemente para enfrentar os graves problemas que a espécie humana está criando para as décadas futuras.
A maioria se lixa e os outros, os que vierem depois, que se virem. Esses outros, muitos deles ainda estarão vivos e, em 2030, nossos bisnetos ainda não terão nascido.
Eu poderia lamentar a extinção de plantas, de pássaros, de toda sorte de animais que compõem a biodiversidade da qual fazemos parte. Mas começo por condoer-me diante dos dias sombrios que estamos preparando para a espécie humana.
Quando os americanos decidiram fabricar a bomba atômica (Robert Oppenheimer, ex-comunista, Los Álamos, México), haviam decidido também testá-la. A bomba atômica deu certo. Andamos no caminho já conhecido. Estamos inventando várias bombas ao mesmo tempo: carbono orgânico, metano, hidrogênio, xisto betuminoso, óxido nitroso e as estamos testando. Elas darão certo porque são tecnologicamente perfeitas, do celular ao Android, do carro ao avião, do desmatamento aos transgênicos.
Só não compreendemos ainda porque São Paulo para todos os dias em filas de centenas de quilômetros. Porque Brasília, com apenas 50 anos, tem um milhão e quatrocentos mil carros entupindo as ruas. Porque a Amazônia perdeu, em doze meses, 5.843 km2 de floresta. Porque nossas prisões estão superlotadas de negros e pobres.
Eis porque, dadas as condições presentes, nem Eduardo Campos nem Aécio Neves conseguem formular algo novo para apresentar aos eleitores em 2014. Neste ensaio sobre a cegueira generalizada, o mesmo continuará até que o mesmo não seja mais solução.


25.11.2013

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A ROTINA DOS DIAS


 


Todos os salários de todos os funcionários do governo federal, estadual e municipal estão sendo pagos.
Todos os salários de milhões de trabalhadores de empresas privadas estão sendo pagos. Não quero fazer mau juízo, mas tenho certeza de que as centenas de bilhões de reais devidos aos funcionários e trabalhadores estão sendo depositados nos bancos oficiais e/ou privados.
Em consequência, todas as lojas, super e hipermercados, do quiosque à Internet estão abertos para os milhões de clientes.
Todas as companhias aéreas estão voando, independentemente do aumento da emissão de gases de efeito estufa.
Todos os aeroportos e rodoviárias estão lotados de passageiros e de ônibus.
Todas as cidades estão congestionadas de carros movidos a combustível fóssil.
Todos os bancos estão oferecendo, dia e noite, lucros e créditos para que a atividade econômica não pare.
Todas as construtoras e incorporadoras estão inaugurando casas populares e apartamentos de luxo.
Todas as cadeias do país continuam abrindo vagas para novos candidatos que se aventuram em malfeitos.
Todos os hospitais operam seus pacientes e as filas parecem não diminuir mesmo debaixo de ventos e chuvas.
Todos os cemitérios enterram diariamente seus defuntos e os crematórios reduzem a cinzas a matéria que sobrou da vida.
Todos os bares e restaurantes estão superlotados de clientela insaciável.
Todas as montadoras e todas as agências revendedoras de automóveis em todo o país entregam carros novos em maior número do que as estradas podem comportar.
Nenhum ministro de governo, diante da onda de corrupção que assola o país como os ventos que arrasaram as Filipinas, renunciou por incompetência ou desídia administrativa.
Os jornalistas e comentaristas lamentam que a riqueza do país não cresce com a velocidade dos ventos de um tornado.
Logo, logo, se tudo continuar com essa indiferença diante das mudanças climáticas que operam no planeta, o chão se cobrirá de uma riqueza supérflua que não servirá a ninguém.


Nota: Sou ecossociólogo, naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).


sábado, 2 de novembro de 2013

DITADURAS DEMOCRÁTICAS



Penso que haja distintas ditaduras em andamento que atuam fortemente sobre o pensamento e a emoção das pessoas. Todas ditam e impõem e, com sarcasmo, dizem que há liberdade para dizer e fazer: você faz porque quer.
As mais flagrantes são jornais, rádio, TV, câmaras legislativas, congresso, ministros, secretários, presidentes da República com suas Medidas Provisórias.
Uma das características da democracia é a farsa do processo eleitoral obrigatório que acontece de tempos em tempos, dominado pelas distintas ditaduras, acrescias por modelos pseudocientíficos de pesquisas eleitorais.
No Brasil (Cuba, ex-União Soviética, Chile) houve eleições oficiais durante as respectivas ditaduras. Eleição pode conviver com ditadura, não é?
A maior parte das decisões, em qualquer ramo da atividade econômica ou política é imposta por um grupelho de iluminados. Hoje, uns. Amanhã, outros.
Ao cidadão cabe ouvir, comentar, rir, contestar, manifestar-se. Não decidir. Às vezes, quando dois grupos se enfrentam, capital e trabalho, por exemplo, os mais fracos sempre perdem na certeza de que ganharam. Nesse caso, a ditadura dos donos do capital se impõe. O poder da grande fortuna acumulada pelo trabalho em nada é afetado pela concessão de parte do que foi reclamado.
Ouve-se diariamente que vivemos numa democracia, que há liberdade de imprensa, de ir e vir, de ter propriedade privada sem limites, que há eleições, câmaras legislativas e outras facilidades.
Na verdade vive-se numa ditadura econômica, administrava e política. Como assim? Então, quem decide os preços dos alimentos, dos medicamentos, das consultas médicas, dos seguros, das dezenas de impostos municipais, estaduais e federais, das passagens do transporte privado e público, dos combustíveis e outros itens do dia a dia?
Na verdade, vivemos numa democracia porque podemos ouvir sandices diárias de iluminados, rir, comentar à mesa de bar, indignar-se, manifestar-se em plena rua e eleger ditadores. A democracia só não nos permite decidir.
Somos livres e felizes rodeados de vulgares e pífios ditadores, do síndico do bloco ao presidente da República.
Alguém dirá: se não houvesse democracia você não escreveria isso. É possível que não, mas pensaria. A liberdade não está no regime. Está no cérebro
Felizmente, o cérebro me permite rir de nossa democracia que vive com eterna saudade da ditadura.
É o momento de todos gritarmos em uníssono:

CHEGA DE SAUDADE!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ECOLOGIA III PARTE

III PARTE: – dificuldades e expectativas

(Aos que leram a I e II parte, peço paciência pela leitura da III parte que é mais longa) 

Uma nova forma de prosperidade é possível se a comunidade humana atacar alguns pontos difíceis de equacionar, mas necessários para estabelecer novos termos de relação com a natureza, proteger a biodiversidade, garantir uma harmonia desejável entre todas as formas de vida e propiciar qualidade e felicidade à espécie humana universal. Tempo e persistência são requisitos para que a inteligência, a sabedoria e a solidariedade do homo sapiens alcancem estágios progressivos de felicidade para todos os seres humanos.
Uma das dificuldades estratégicas é mudar a direção do enfoque até hoje dado às riquezas naturais disponíveis a todos os seres vivos e rever a ênfase dos comportamentos humanos em relação ao uso e usufruto delas como se elas se destinassem prioritária e exclusivamente à espécie humana. Atitude também dita antropocentrismo, isto é, tudo foi pensado e realizado para benefício exclusivo do ser humano.
Quais pontos podem ser analisados de forma diferente e que outras medidas devem ser adotadas para aperfeiçoar as relações da espécie humana com a natureza, com todas as formas de vida nela existentes como parte da biodiversidade universal?
A questão central para compreender a natureza das coisas e agir em consonância à sabedoria que dela emana é a interdependência de todos os seres vivos na percepção de que todos são iguais perante a vida e que a vida se alimenta de vidas. A interdependência supõe um ponto de equilíbrio para que a cadeia trófica se mantenha em movimento com o fim de nutrir e favorecer a reprodução de todas as espécies vivas. Não há, portanto, privilégios biológicos para conferir prerrogativas exclusivas a qualquer espécie viva. Todas as espécies são regidas por leis biológicas e tendem à manutenção do equilíbrio necessário à reprodução da vida. A que pode se opor à lei do equilíbrio, por ser a única a ter consciência da reprodução da própria vida, é a espécie a humana. A espécie humana passa grande parte da vida a restabelecer o equilíbrio rompido. Graças a essa mesma consciência é possível à espécie humana encontrar um novo comportamento inteligente para controlar o ponto de equilíbrio.

***

Parece evidente que o fator primeiro que pode desencadear o desequilíbrio das relações de interdependência dos seres vivos e que, a prazo longo, pode ser prejudicial à reprodução da vida no planeta Terra é o crescimento sem controle da população humana. Quando uma única espécie domina grandes extensões, a variedade da biodiversidade se reduz. No caso de superpopulação humana, regiões férteis se tornaram desérticas, tanto pela intensidade do uso do solo para produção de alimentos, quanto pela urbanização. A espécie humana encontra meios de sobreviver e se reproduzir em qualquer parte do planeta colhendo frutos gratuitos na prateleira da natureza ou produzindo o alimento necessário à sobrevivência.
 Desde que se estabeleceu definitivamente sobre o chão, a espécie humana empregou todos os artifícios da mobilidade em busca de outros espaços físicos, da rudeza de seus pés ao lombo do cavalo, da piroga ao navio, do automóvel ao avião. Descobriu, ao longo de milênios, que a cooperação era necessária para sobreviver mesmo empurrado pela força imanente da competição social com o fim de garantir sua reprodução.
O desequilíbrio entre cooperação grupal e competição social não só afeta as relações humanas como pode perturbar a manutenção da ampla e necessária biodiversidade. A cooperação se desenvolve mais facilmente com um pequeno grupo de pessoas (As tribos em nossa civilização têm aproximadamente 120 membros). Entre povos e nações a competição social é mais evidente. Entra em jogo o sentimento de solidariedade na ocorrência de cataclismos ou dificuldades de cooperação quando as relações entre os grupos não são pacíficas.
A organização social, política, cultural, jurídica ou religiosa pode gerar leis, normas, programas de governo de qualquer regime (autoritário, democrático, monárquico, imperial) que estimulam e exacerbam a competição social e dificultam a cooperação entre diferentes grupos.

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O aspecto do crescimento demográfico, então, deve ser visto como o de maior importância. Dele deriva o maior risco para o desequilíbrio biológico na reprodução da biodiversidade, nesta incluída a espécie humana. A matéria consciente, o homo sapiens, é a parte mais responsável, ou deveria ser, para assegurar o equilíbrio da natureza. Só a espécie humana, por sua equivocada ação e por desvio de sua compreensão do lugar que ocupa no universo pode perturbar o equilíbrio da interdependência dos seres vivos com respeito à sobrevivência e reprodução. O desequilíbrio provocado na natureza afeta as relações entre as pessoas. A felicidade individual e social entra em convulsão cujos efeitos se disseminam e contaminam o organismo humano universal.
É evidente que o número de componentes de uma comunidade, ao longo do tempo e envolto em circunstâncias ambientais específicas (água, alimentos, espaço físico), sugere uma forma de organização que vai do tipo simples ao complexo. O que se observa, em grandes populações, é a lenta evolução da capacidade de organização por parte dos estamentos que se julgam aptos a tomar o poder de comandar os súditos. A experiência histórica tem demonstrado, na maioria dos países com grandes populações, que o crescimento demográfico é mais rápido do que a expansão de sua capacidade de organização e administração de grupos humanos. Só os países com pequenas populações (países nórdicos) conseguiram, com algumas restrições, estabelecer um sistema de organização social e política que inclui a universalidade dos cidadãos. Civilizações, como incas, maias e astecas, levaram séculos para se consolidarem (e se dissolverem).
O nascimento de novas nações e a expansão da população com o povoamento de extensos continentes, nos últimos quinhentos anos, se orientaram à formulação de regras, leis, decretos e à administração pela força burocrática, submetendo as pessoas a simples executores chegando-se à impessoalidade quase absoluta. O eu da convivência transforma-se numa engrenagem autômata que produz atos sociais sem saber para que ou para quem servem. Chega-se, hoje, ao ponto ômega da organização impessoal, sem face, sem liberdade, oprimindo teclas e botões eletrônicos. A espécie humana já não se percebe ligada pela linha de transmissão do eu para o outro eu – linha da eudade ou alteridade – mas pela fibra ótica que mantém os dialogantes invisíveis e a uma prudente distância.
A manipulação exacerbada pelos detentores do poder, dentro de uma organização, subestima a imensa quantidade de neurônios cerebrais em permanente funcionamento na variedade de grupos humanos numa grande e incontrolável comunidade. Nesta se mesclam subordinação, contestação, apatia, protestos, anarquia, cooperação, competição. Esquece-se facilmente que administrar leis, regras, ordens, programas não se confunde com tratamento de pessoas cujo cérebro está configurado para o diálogo cooperativo e competitivo.

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O controle da evolução humana, seja como seja, deve conter alguma medida de controle da reprodução humana, tanto em quantidade quanto em qualidade. (George Gaylord Simpson, This View of Life. The World of an Evolutionist (1963)

Controle do crescimento demográfico não significa ódio à humanidade nem insensibilidade ao sorriso de uma criança de dois meses. Não se propõe uma atitude de favorecimento ao aborto indiscriminado, embora seja mais frequente e mais amplo do que os números conhecidos em todas as espécies vivas. O controle demográfico pela via do planejamento populacional, não atrelado a um programa dirigido de cima para baixo, não se dirige a classes sociais específicas ou a países de economias primitivas. É uma conduta racional e mesmo natural diante das condições essenciais da sobrevivência e reprodução tanto em aspectos físicos – água, alimento, abrigo, espaço – quanto em aspectos sociais e culturais – educação, organização, saúde, lazer.
É um assunto a ser ampla e abertamente debatido por todos os meios de informação e divulgação para atingir todos os grupos, todos os países, todas as idades independentemente de sexo ou condição econômica. Uma proposta ampla e democrática de alcançar uma sociedade humana mais livre, mais justa, mais responsável em sua atuação no planeta, para que possam viver felizes nele também as gerações futuras, se afigura digna de ser pensada e incluída na Declaração Universal dos Direitos Humanos. É interesse e quiçá obrigação de todos os indivíduos decidirem sobre o controle da reprodução para o bem universal da espécie humana.
As estatísticas demográficas apontam para um índice de fertilidade, hoje menor, em muitos países, do que era na década de 50 ou 60. Mas um índice médio global apenas não é tranquilizante. Se em algum país, ou em alguma região do país, a população cresce geometricamente, acima da reposição familiar, os efeitos são sistêmicos sobre toda a natureza. Cada ser humano, para mencionar apenas uma espécie viva, precisa de água, comida, espaço. Todos esses elementos, além de escassos, são finitos.
O fato de a humanidade estar envelhecendo mais demoradamente compensa o baixo índice de fertilidade. Uma população mais idosa, além de mais experiente em algumas áreas, terá que adaptar-se à evolução de outras. Ademais, sua idade necessita de apoios, de cuidados especializados, de dispositivos sociais adequados que pesarão sobre o ecossistema. Conclui-se que o controle da natalidade deveria alcançar o ponto de simples reposição, (um filho por casal?) até se chegar ao equilíbrio de uma população adequada à oferta natural também limitada de bens para a sobrevivência de todos os seres. É preciso lembrar que, quando se menciona o crescimento da população, estão implícitos os milhões de animais que lhe servem de comida e que com ele compartem o mesmo espaço do planeta e todos se somam para comprometer a capacidade de carga do ecossistema.
A mobilidade da atual superpopulação mundial, associada à incapacidade, à ineficácia e à inépcia dos mecanismos sociais e psicológicos, políticos e econômicos de sua administração, se manifesta de várias formas. Grupos de imigrantes fustigados pela fome, pela escassez de água, por falta de trabalho criativo em seus territórios de origem se dirigem a países ricos, muitos deles antigos colonizadores e exploradores de suas riquezas. Independentemente do conceito de justiça, o que se vem observando em países alvo de imigrações, é o comprometimento da capacidade de carga de ecossistemas já superexplorados.
Com frequência, ao redor de grandes cidades ou metrópoles, invasões e ocupações planejadas ou empurradas por alguma necessidade ou interesse degradam o ecossistema e seus autores se tornam vítimas de fenômenos naturais que também precisam de espaço para se manifestar. Há que se reconhecer que nem sempre a sociedade humana tem demonstrado disposição e propensão a construir mecanismos sociais e psicológicos eficientes, capazes de harmonizar cooperação grupal e competição social, para administrar o crescimento equilibrado da população. Esse desequilíbrio pode ser apontado como uma das causas da desigualdade entre os habitantes de um mesmo país e entre povos de diferentes regiões do planeta. A concentração de riqueza em poucas mãos e a desigualdade na repartição e acesso aos bens comuns da natureza são indicativos de injustiça distributiva e se agravam com a superpopulação global. A acumulação de bens e riquezas em setores privilegiados da economia tem, frequentemente, nos governos estabelecidos, um forte aliado que exacerba a desigualdade e contradiz a retórica da igualdade.

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Há que se mencionar, com critérios científicos, os limites da capacidade de carga dos ecossistemas. Dessa limitação se origina uma “corrida armamentista” entre todas as espécies. Há que convir, a espécie humana, entre todas as espécies, é a que mais explora as riquezas naturais. Chega um momento em que a biodiversidade alcança um ponto de saturação: já não cabem mais espécies. Este fenômeno não acontece todos os dias nem em todos os séculos ou milênios. “Grandes mudanças físicas, alheias à biosfera, fatores abióticos ou causas bióticas não previsíveis podem eliminar espécies ou criar novas condições para o surgimento de outras”. (J. L. Arsuaga & M. Martin-Loeches, El sello indeleble, Debate, Madrid, 2013)

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Reações ao controle do crescimento populacional têm surgido de fontes distintas: religiosas, políticas, econômicas, psicológicas. Propor ou defender o crescimento da população por razões econômicas é uma afronta moral à própria espécie humana. É compreensível o constrangimento ético ao dizer que não deveriam existir outros milhões ou bilhões de seres humanos. Inconscientemente, pensa-se em vidas a serem eliminadas e não vidas potenciais que ainda não existem. Há um respeito plausível para com os seres não existentes por temor ou má consciência a nos considerar superiores e recusar-lhes o direito de vir a existir. Fetichismo, superstição ou trans-humanismo.
Há quem considere obrigatória a reprodução e, por educação cultural ou religiosa, dá ao sexo apenas a função irrevogável da reprodução. Parece haver um complexo de culpa histórico que envolve amor, sexo e reprodução. Não se afigura nada de mal em controlar o crescimento demográfico desde que menor quantidade signifique melhor qualidade para todos na organização social e no espaço em que vivem. “Se não alterarmos drasticamente a organização de nossa própria reprodução, não há esperança de conseguir que a espécie humana seja muito mais inatamente altruísta do que é no presente”. (J. B. S. Haldane, The Causes of Evolution, 1926, Londres, cofundador da Genética populacional).
A espécie humana não pode ser vista apenas como produtora de soldados para bucha de canhão. Ou apenas fornecedora de força de trabalho ou vendedora ambulante de seu tempo. Ou consumidora insaciável de quinquilharias. Ou apática cumpridora de ordens, regras, leis, ritos quando não submetida a eles sem possibilidade de expressar seu pensamento ou privar de sua liberdade.
A expansão demográfica, estimulada pela evolução da espécie, é ordenada pela organização biológica da qual brota a organização social e a consequente convivência para a reprodução. Nessa cadeia evolutiva, há um ingrediente especifico e único da consciência do eu na espécie humana que reconhece no outro um eu independente, mas todas as pessoas e todos os grupos são movidos pelo processo de cooperação e competição social. A organização social dependerá de como o ser consciente, inteligente, racional compreende e administra esses dois eixos que dirigem a sociedade humana.
O ponto ômega de todo ser vivo é a plenitude de seu organismo biológico. Na espécie humana, a plenitude de seu organismo biológico é complementada pela felicidade consciente e livre. É na direção da felicidade consciente e livre que aponta o destino humano em sua caminhada existencial. Dar outra direção, submeter a caminhada humana aos requerimentos da mera organização política ou econômica sob a mística do crescimento e acumulação de riquezas para exaltação do poderio e da grandeza artificiosa do homo sapiens é um descaminho que pode levar ao precipício social. É erigir os meios de sobrevivência como um fim último em que o ter e o possuir substituem o ser e a liberdade. É uma forma de ditadura sutil e gozosa que veste o corpo, mas desnuda e desvirtua a consciência.




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A sobrevivência e reprodução da espécie humana, além de estar submetida às leis físicas e biológicas da interdependência dos seres vivos, dependem da eficácia de sua auto-organização. A organização da espécie humana, embora mais visível nos últimos dez mil anos, ela se forjou ao longo de pelo menos 200.000 anos. A coleta de alimentos, a caça e a pesca, a produção de sementes e a domesticação de animais, aliadas ao uso da madeira para a construção de moradias e móveis provocaram, ao longo de milênios, a devastação de imensas florestas na África, Ásia e Europa. Nos últimos quinhentos anos o planeta foi literalmente povoado, Milhões de hectares de florestas, nos novos continentes ocupados, foram transformados em campos de cereais e de criação de animais. A pressão sobre os elementos essenciais, especialmente o solo e a água, reduziu a biodiversidade. A expansão das cidades, a concentração da demanda por alimentos, o requerimento de serviços de limpeza e de esgotamento das águas da chuva, de educação, de cuidados para a saúde pública tornaram complexa a auto-organização da população, quando não caótica, diante do que se convencionou denominar explosão demográfica.
No início da década de 1970, o Clube de Roma alertava para o risco da superpopulação mundial e sugeria que em todos os países se pensassem mecanismos para o controle da natalidade por meio do livre e racional planejamento familiar. Sentia-se à época, com 3,7 bilhões de habitantes, que a capacidade de carga dos ecossistemas se aproximava dos limites e, em consequência, nas próximas décadas, milhões de pessoas teriam sérias dificuldades de acesso à água e comida suficiente, sem falar de escassez de escolas e hospitais. A população atual de 7 bilhões requer do solo mais alimento com um séquito de parafernália tecnológica em máquinas, laboratórios, fertilizantes, agrotóxicos, consumo de água, poluição de aquíferos, corte e queima de florestas. Dois bilhões de pessoas não tem acesso a volume diário de água suficiente e necessário e cerca de um bilhão não se alimenta todos os dias. (Relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultur – FAO, 2013)

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Os sistemas de produção e industrialização de alimentos, atividade econômica essencial, e todos os demais serviços que deles se originam, o avanço da tecnologia em transporte, energia e comunicação criaram na sociedade humana, representada pelos governos das nações, a mística do crescimento econômico ilimitado que transforma, na prática, os meios de sobrevivência em fim a ser alcançado. Os meios de sobrevivência são comandados por um ente invisível, autoritário, impassível, insensível, maquiavélico e tredo ao qual se atribui poder de ditar leis conhecido vulgarmente como mercado ao qual se dá status de ente decisório e ordenador.
Grande parte dos dispositivos e de equipamentos sociais (universidades, centros de tecnologia e pesquisa, institutos de incentivo à inovação, bancos públicos e privados, cursos de treinamento para a eficiência e o planejamento estratégico, e muitos etcéteras) se destina ao crescimento econômico e depende dele. A sociedade atual parece não subsistir sem o crescimento, e o elo social está baseado na produção de bens em série, úteis e supérfluos. O ciclo do crescimento inicia-se na produção de bens e serviços para o consumo intenso, estimulado por créditos bancários ou favores governamentais, que gera lucro e realimenta a produção. O crescimento econômico, hoje em processo, é garantido pela produção intensiva e multifária de itens que possam ser consumidos pelo indivíduo autônomo – individualização do consumo –  tais como celulares, computadores, tablets, automóveis, entre outros, que dão à pessoa um sentido de liberdade, de autogratificação e emancipação. Mesmo as populações de renda quase de sobrevivência, de nível de educação primária, buscam nesses itens um fator de equiparação social. A obsessão e a mística do crescimento converteram antigos promotores do socialismo e contaminaram todas as facções pragmáticas de esquerda para a conquista do poder político.
Como interromper esse desvio de comportamento nas relações de convivência social e alcançar um desejável equilíbrio entre a cooperação necessária e a competição biológica para a sobrevivência e a felicidade humana? Como romper o ciclo invasivo produção – consumo – lucro – produção? Por que é prudente e oportuno rompê-lo? Por que é necessária outra via, outra forma de satisfazer as necessidades da espécie humana: físicas, culturais, sociais e de tempo livre para o lazer? Esta outra via está intimamente relacionada com uma nova concepção do trabalho humano e de seu tempo disponível para que o homo sapiens construa o caminho de sua felicidade.
O crescimento econômico tal como se apresenta, sem perspectivas de mudanças a curto prazo, acentua a crise de valores humanos e a agressão ecológica com seu séquito de poluição, de ecossistemas degradados, de emissão de gás de efeito estufa capazes de provocar desregramentos climáticos maiores (Dominique Méda, socióloga, Universidade de Paris-Dauphine, in Libéracion). O Clube de Roma advertia, há quarenta anos, para os riscos de um crescimento econômico desatrelado dos cuidados com o ecossistema e com a capacidade de carga do planeta.
Frear o atual crescimento econômico, sob o comandado de empresas que concentram decisões em âmbito mundial, por práticas mais harmonizadas com os ecossistemas para atender às necessidades humanas, não implica em regressão, nem exige o sacrifício da prosperidade e do progresso evolutivo. Por exemplo, reduzindo de forma radical a queima de combustível fóssil. Formas alternativas de uso das riquezas naturais, não significam, igualmente, pedir aos pobres que reduzam o consumo de comida e bens essenciais como saúde, educação, trabalho e lazer. Nem se pedem sacrifícios a países menos desenvolvidos de reduzir o necessário e suficiente consumo de bens em nome de uma mudança climática que pode ocorrer em 2050. Reorientar o consumo não significa privar-se dele.

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Outra via para a humanidade, em consonância com a disponibilidade de riquezas naturais finitas, sugere elencar uma priorização racional de produtos e serviços e propiciar o acesso universal a eles. A título de ensaio, adaptável segundo as características de cada comunidade, as prioridades respondem essencialmente a uma escala de demandas da população: alimentos, saúde, educação, tecnologias relacionadas aos três primeiros itens, à comunicação e informação, transporte público de massa e mobilização solidária, estímulo aos pequenos negócios locais. Num mundo globalizado, com tendência à homogeneização das ideias, dos costumes e das formas artificiais para dar escala ao consumo, algumas indicações para contrabalançar a perda de identidade de populações indefesas são a descentralização de atividades econômicas, sociais e culturais, o reconhecimento ativo da importância da expressão das variedades e diversidades locais e regionais e o intercâmbio das diferentes manifestações regionais da população.
Por que não unir programas de transferência de renda à criação de postos de trabalho? O tempo e o trabalho de milhares de cidadãos podem ser empregados na recuperação de áreas degradadas, na proteção de mananciais, florestas e animais selvagens, em sistemas de captação de águas pluviais para a produção agrícola, na educação ambiental aos agricultores contra o uso de agrotóxicos e a prática do fogo, na humanização e arborização das rodovias, na observância da regulamentação da coleta do lixo. Serão milhares de agentes ambientais protetores do ecossistema e estimuladores da reprodução da biodiversidade.
Há que se reconhecer, mesmo aceitando o valor da denominada “iniciativa privada” e da liberdade quase anárquica de apropriação das riquezas naturais, a responsabilidade inalienável do Estado como representante jurídico dos interesses maiores e essenciais da população que o integra. Governar é administrar as necessidades de uma população na escala de prioridades sociais e culturais que delas emanam. Trata-se, então, de melhorar gradativamente a eficiência dos servidores do Estado para que toda a população alcance um alto grau de igualdade de oportunidades que favoreçam a construção da comunidade de forma participativa. Não se preconiza o cerceamento de iniciativas particulares que, à margem do Estado, mas não contra ele, busquem com a mesma eficiência contribuir para a cooperação grupal e a competição social sem restrição das liberdades e diferenças existentes na população.
Os recursos financeiros do Estado, como há séculos a humanidade conhece, provirão de impostos e taxas de serviços prestados à população (água, energia, transporte...) e sobre fortunas amealhadas com a participação do trabalho e do tempo de milhões de cidadãos para benefício comum.


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Trata-se de uma causa comum: a sobrevivência da vida no planeta fundamentada na interdependência de todas as formas de vida. Maior responsabilidade cabe ao ser consciente, ao homo sapiens. São tantos os aspectos modificados pela obsessão e pela mística do crescimento que, hoje, não se pode reabilitá-los todos ao mesmo tempo. A contaminação é tão profunda e dominadora que a maioria da população está por ela afetada. Quiçá, pode-se contar com um quinto ou um sexto da população, entre crianças atraídas pela natureza, trabalhadores que se orientem a valorizar mais suas condições de trabalho do que a repartir o lucro empresarial a qualquer preço, jovens que podem ver um mundo diferente e possível à sua frente, organizações independentes e cientistas de universidades, empresas de boa vontade para com o ecossistema e governos que desejem promover o bem-estar da população sem pôr no crescimento das quantidades de bens e serviços o alfa e o ômega de seu desempenho e ambição política. Esse conjunto de pessoas e instituições parece permeável a uma nova via de uso da riqueza natural em benefício de todos os seres vivos do planeta. Mudar a direção e restabelecer o alvo da vida humana em duas palavras pode ser um ponto de partida: ser feliz! Infelizmente, o PIB do crescimento econômico não inclui indicadores fiáveis para medir as aproximações do ser humano à felicidade.
A maneira como as oportunidades de educação, do trabalho humano, da remuneração sejam permanentemente redistribuídas e ajustadas será um componente maior de saúde da sociedade e de sua capacidade de resistir à explosão e à anomia.