(Buritis e água, importância das plantas)
Fixou-se em quase todas as culturas, ao longo de
milênios, a concepção de privilégio e de precedência da espécie humana sobre o
uso da água. Para que serviria a água senão para os múltiplos usos da espécie
humana? Diversificam-se as atividades das pessoas e consequentemente os
distintos usos de água. Esgotam-se rios. Transpõem-se e represam-se cursos de
água. Extrai-se água de aquíferos profundos. O propósito é atender às variadas
necessidades da espécie humana. Falta, porém, transparência nas informações
sobre a diversidade de usos e o volume de água a serviço da população.
Conflitos, governança, economia, qualidade de vida são aspectos que se referem
aos interesses humanos, sem que os demais seres vivos da biocomunidade possam
interferir nas decisões administrativas em benefício da natureza.
Hoje, sabe-se calcular em litros ou metros cúbicos,
o volume de água necessário e suficiente para uma pessoa, para produzir um
quilo de carne ou um quilo de soja, para fabricar um carro, uma geladeira ou
gerar um quilowatt de energia. Raramente se divulga a quantidade de água contida
nas plantas e sua relação com aquíferos. Cortar ou podar árvores é eliminar
água. As árvores trabalham ininterruptamente e suas raízes bombeiam água a
vinte ou quarenta metros de altura, enfrentam a lei da gravidade e repartem
água a cada galho e a cada uma das folhas, sejam elas milhares. O que provocou
a quebra da safra de alimentos há alguns anos não foi a falta de adubos nem de
agrotóxicos. Foi a falta de chuvas. Os bosques vizinhos às plantações, porém,
se mantiveram vivos por pouparem suas reservas de água.
Vale recordar que, nos 200 milhões de hectares do
Cerrado, por mais de 12 mil anos, viveram dois a três milhões de pessoas
desfrutando da grande diversidade de alimentos e água abundante. É evidente que
4 milhões de habitantes, um milhão e meio de automóveis, mais da metade da área
de 580 mil hectares do DF ocupada pela urbanização e agricultura, mudanças de
clima e irregularidade das chuvas tornam difícil a gestão da água.
Ao se discutir o tema água é necessário um olhar
global que ultrapasse as fronteiras dos requerimentos da espécie humana. Das
mais de 8 mil espécies vegetais do Brasil, o Cerrado oferece mais de 100
espécies medicinais identificadas. Estima-se que 5% da fauna e flora do planeta
vivem no Cerrado. Há nele 150 espécies de mamíferos, 550 de aves, mais de 1.000
de peixes, 4.000 de aranhas, 35 mil de besouros. Essa enorme biodiversidade que
forma a cadeia nutritiva deveria fundamentar a educação em todos os níveis para
se compreender a dimensão das coisas da natureza e a natureza das coisas.
Há que se responder honesta e cientificamente a duas
perguntas que soam fundamentais: quanta água temos e quantos somos. Não são
apenas os representantes da espécie humana que formam a biocomunidade do
planeta e que necessitam de água. De mais a mais, a espécie humana é apenas
consumidora de água. Quantas árvores ainda cairão, quantas espécies de animais
nativos serão extintas para que a espécie humana tenha mais conforto? Enquanto
as árvores grandes ou pequenas garantem, com truques naturais, a água que
bebemos, nossa tecnologia criadora ou devastadora, além de cara, é gastadora de
água.
Enquanto as discussões pontuais sobre escassez de
água põem a espécie humana como centro das atenções nosso olhar sobre a
natureza estará distorcido, estrábico, se não cego. O Distrito Federal é o
berço das águas. Pode tornar-se o berço da educação para uma escola da natureza.