quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

CRIATIVIDADE E COMPETIÇÃO ECONÔMICA


As propostas que economistas e cientistas sociais, biólogos e antropólogos oferecem à sociedade para humanizar a vida da espécie humana, corrigindo a compulsão do ter coisas em detrimento de ser, encontram barreiras surpreendentes.
Compreende-se que os ferrenhos adeptos do crescimento econômico sem limites cedam à ambição dos empreendedores e não aceitem freá-lo. Porém, os interlocutores mais delicados de se lidar são os que adotam um discurso de expressões ecológicas e ambientalistas ambíguas mescladas de velhos conceitos.
Um desses, que ainda está no meio do caminho do amadurecimento conceitual, afirmava com segurança, numa conversa entre amigos, que o capitalismo não é responsável pela desigualdade econômica e social, pois estimula abertamente a criatividade e a competição. A competição, segundo ele, é benéfica para a eficiência na produção de bens.
A invenção da roda, exemplo de criatividade antes do capitalismo, em épocas imemoriais, nasceu da necessidade de chegar a novos lugares e transportar alimentos de sobrevivência para reprodução da população tribal. A relação sobrevivência-criatividade tem a ver com o grupo tribal em toda sua extensão. A criatividade no crescimento econômico, baseada na superioridade de um povo sobre outros e na exploração sem limites dos bens naturais, pode levar à fabricação de aviões ou de celulares como de bombas atômicas ou equipamentos de destruição da humanidade.
Confunde-se, por comodismo mental, competição econômica, empresarial com exploração dos colaboradores do processo produtivo que são os trabalhadores e os consumidores de bens. Determina-se, em consequência, o lucro da atividade e do capital. Esse processo funcional garante a estabilidade econômica temporária com altos e baixos. Aumento do emprego e do consumo. Diminuição do consumo e desemprego. O impacto ecológico dessa atividade econômica linear é esquecido e os investidores quase sempre descuram do fato de a riqueza natural ser finita e de difícil regeneração.
A competição econômica não é o mesmo que competição social. A competição social é impulsionada pelas leis biológicas da sobrevivência e reprodução da espécie. A competição social e a cooperação entre os membros da mesma espécie são inerentes à essência da vida e ambas têm limites. Os limites são determinados pela consciência do eu e reconhecimento da consciência do outro.
A espécie humana é constituída geneticamente de igualdade estrutural. É esta igualdade estrutural que deve comandar a frágil e insegura igualdade funcional. A competição econômica ou “criatividade” mal-interpretada aponta para a igualdade funcional – todos podem colaborar para o crescimento econômico com emprego e renda – e facilmente descarrila para a submissão da maioria aos interesses da minoria.
A busca da igualdade funcional pela competição econômica é parte da utopia. A igualdade estrutural é inquebrantável porque é consequência da constituição biológica e psíquica do ser humano. Independe da igualdade funcional, embora esta possa contribuir e de fato contribui para o convívio feliz da espécie humana. A igualdade estrutural do ser humano pode ser ignorada pela ambição, manipulada pelo poder, por regimes políticos ou religiosos, mas não extinta. Ela surge com maior ou menor intensidade ao longo do tempo. Este é o ponto básico do qual deve partir toda a ação humana destinada à felicidade da espécie humana.
Ao perder o foco da igualdade estrutural, descamba-se para a utopia da igualdade funcional de ter coisas e ter posição fictícia ou real na sociedade para garantir a linearidade do crescimento econômico. O equívoco da igualdade funcional consolida a divisão de classes sociais. Todos ou a maioria podem ter carro, mas se estabelece ao mesmo tempo sólida diferença não só entre os carros em uso como entre as pessoas que o possuem.
A produção de bens para o conforto material da espécie humana, usando as capacidades técnicas e tecnológicas, as habilidades intelectuais, as energias e a força, pode alcançar altos níveis de prosperidade material sem atentar para a sobrevivência da biodiversidade necessária à vida.

A convivência social e a felicidade existencial da espécie humana dependem fundamentalmente da igualdade estrutural das pessoas e do respeito permanente aos limites da riqueza natural finita para a reprodução e sobrevivência de todos os seres vivos do planeta.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

MATERIAL HUMANO


Sábado, janeiro, 2014, ouvi um secretário de governo do DF, justificando ao jornalista os motivos de atrasos no cumprimento de contratos e de serviços mal-acabados como o do viaduto da Ceilândia.
Entre outros argumentos, a autoridade lamentou a carência ou a precariedade do “material humano” que atuou nessa obra. Já a expressão capital humano me dá arrepios, mas “material humano” me deixou estupefato. Suponho que se refira aos engenheiros, arquitetos, mestres de obras, fiscais do governo, pedreiros e outros trabalhadores.
Segundo o secretário as águas que escorrem por baixo do viaduto não conseguem ser escoadas pelas bocas de lobo por serem estas muito pequenas para dar vazão à enxurrada.
Quem é o tal “material humano” que calcula o tamanho da boca de lobo e determina o local em que deve estar?
Não sendo eu engenheiro nem arquiteto, apenas um ecossociólogo observador das águas e das plantas, me proponho a ajudar o “material humano” no cálculo do volume de água que determinará o tamanho da boca de lobo.
Em Brasília, a distância entre o alto da pista e a parte debaixo dos viadutos onde geralmente o “material humano” determina o lugar da boca de lobo é de, pelo menos, 200 metros. A pista tem 12 metros de largura. Trata-se, então, de 2.400m2. Numa precipitação de 60 mm, como a que ocorreu nesses dias, significa uma avalanche de 144 mil litros de água (144 m3 ou 144 toneladas) em menos de 20 minutos.
Então, o “material humano” tem que calcular o tamanho e a eficiência da boca de lobo pelo máximo de água da chuva e não pelo mínimo. Alem de volume de água, o “material humano” tem que calcular a velocidade e o peso da água que se associam à lei da gravidade e a da inércia rampa a baixo.
Mas o secretário do governo tem razão. Para construir um viaduto não basta material de construção. É preciso também uma quantidade adequada de “material humano”.
Há, igualmente, muita sabedoria no discurso desse secretário. Está implícito em sua filosofia que toda pessoa é matéria composta de hidrogênio e carbono. E os milhares de anos de evolução a transformaram em material humano.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

LAGO PARANOÁ

O Lago Paranoá, formado por vários córregos que descem a leste da cidade, é uma espécie de estomago de Brasília. Recebe, diariamente, milhões de litros de água servida e toneladas de lixo e dejetos misturados com terra que as chuvas torrenciais arrastam.

Há muitas cidades no mundo com belos lagos. Ao redor deles, a população passeia. Contempla silenciosamente a quietude da água. Respira a brisa que lhe refresca os pulmões. Integra-se às vidas que pululam neles. Leva para casa preciosas gotas de paz.
Em Brasília, poucas são as pessoas que apreciam o vasto espelho do lago. Nem mesmo os que moram de frente para ele dão-se uns minutos no dia para admirá-lo e ter com ele uma ligação natural. Diante de atitudes e comportamentos observados e relatados pelos meios de comunicação, tem-se a impressão de que o Lago é um quarto de despejo dos brasilienses. Um mar morto resultante da morte dos riachos e córregos que o alimentam de agonias dolorosas.
As quatro pontes de travessia não prendem ninguém ao Lago Paranoá. São tubos de escoamento, corredores de expulsão de cidadãos apressados, trancados em seu automóvel, proibidos de olhar para o Lago sob pena de morte. Não há, por que ninguém pensou na vida da água, uma plataforma, um belvedere protegido sobre elas onde o cidadão poderia descansar e pensar olhando a paisagem aquática.
As pontes não foram construídas para as pessoas. Foram postas mecanicamente como equipamentos utilitários por exigência exclusiva dos automóveis. A mobilidade das pessoas foi confinada ao seu meio de transporte. Uma ponte é uma ponte. O cidadão está excluído dela. Serve apenas como rota de fuga, mesmo que engenheiros e arquitetos lhe tenham emprestado engenho e arte perdidos no espaço.
Lembro-me de estar na ponte sobre o Danúbio. Crianças, jovens, adultos, velhos, passeando ou apoiados ao parapeito, olhando as águas, conversando, rindo, tomando sorvete sob o para-sol do verão.
Na Roma antiga, os aquedutos romanos ligavam as nascentes de água à urbe. Alimentavam as fontes da cidade. Uniam a natureza virginal ao corpo e ao espírito dos cidadãos. Eram as pontes de pedra que sustentavam os aquedutos, cuja água era fonte de saúde pública.
Em Brasília, é da água esquecida do Lago Paranoá, da cloaca malcheirosa cercada de mansões, hotéis e clubes, do quarto de despejo dos dejetos de milhares de cidadãos que o brasiliense se dessedentará.

Há um lago de águas humildes, formado de riachos despretensiosos, no coração de Brasília, à espera do carinho, do afeto, da compreensão e do olhar inteligente do cidadão brasiliense.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

CHACINAS NO RIO E SÃO PAULO


 (Mecânica das chacinas)
As chacinas acontecem, apesar do policiamento, e são notícias do dia. Amanhã, serão substituídas por outras mortes.
Meus 10 anos a serviço da OIT, na Colômbia, me ajudaram a compreender a mecânica das chacinas. Os jornalistas, por ignorância ou falta de tempo, apenas contam os mortos, o número de balas, as armas apreendidas, os que fugiram da polícia ou foram presos. Entrevistam o delegado ou o chefe de polícia. A conclusão quase sempre é “acerto de contas”.
Quer dizer que há contadores e contabilidade atrás da chacina? Há. A venda de produtos entorpecentes, cuja procura é maior do que a oferta, é administrada por uma organização complexa e de longa experiência mundial. Começa no produtor anônimo, no meio da selva. Passa por laboratórios industriais. Envolve vários meios de transporte da matéria prima e do produto acabado. Detém um sistema de proteção e defesa com armamentos de última geração. Os militares sabem quem são os produtores de armas e de onde vêm. Comercio de armas é irmão siamês da droga. E esta é levada ao consumidor por uma rede supranacional de distribuição e chega a ele em milhares de pontos geográficos orientados por GPS.
A droga tornou-se uma commodity, igual à soja, produzida em vários países do mundo e consumida em todos. Quem está por trás dessa organização de bilhões de dólares?
Uma vasta rede composta de produtores, industriais, comerciantes, transportadores, armazenadores, distribuidores, consumidores de todas as idades, ricos ou pobres, deputados, senadores, juízes, policiais civis e militares, altos funcionários públicos e de advogados integra a organização criminosa.
O Estado assume uma posição política contra a organização econômica que administra esses produtos, vulgarmente chamados de drogas, alegando motivos de saúde pública e de tráfico criminoso de entorpecentes.
A maneira mais eficaz que o Estado encontrou para combater o narcotráfico foi mover guerra avulsa contra a organização criminosa sem saber quem é o comandante nem onde está localizado o quartel general do inimigo. Organização criminosa, aqui, significa os que produzem e distribuem o produto ilícito sem fronteiras. São atacados pelo exército (terra, mar e ar), e por todas as demais polícias. Não declarou guerra, ainda, aos consumidores que vivem atrás de barricadas de bairros nobres ou esparramados pela periferia das cidades.
O Estado sabe que é uma guerra perdida, embora aqui e ali ganhe batalhas. Então, por que as chacinas?
Hoje e sempre, no Brasil, na Colômbia, no México ou nos Estados Unidos, os cabeças visíveis, cujos nomes são conhecidos, estão presos em cadeias de segurança máxima. Então, qual é a mecânica?
As forças mobilizadas do Estado investigam, mapeiam, fiscalizam, perseguem, prendem, desbaratam, processam, matam. Sem fim. Os donos ou representantes da organização econômica de entorpecentes continuam produzindo, transportando, vendendo aos consumidores livres, desafiando as polícias, matando alcaguetes, policiais e militares.
Importante frisar que o medo da guerra, do militar, do policial e dos chefes de gangues se instala no âmbito dos colaboradores, no seio das famílias e da própria organização econômica do narcotráfico. Os traidores existem no exército e em qualquer outra organização. Os delatores entregam o chefe da gangue ao policial, o policial ao comandante da polícia. Quando a propina não cobre os riscos da operação desaparecem pessoas ou aparecem cadáveres. A vindita faz parte da guerra.
A corrupção é a tônica dessas organizações. Atinge policiais civis e militares, advogados, juízes, altos funcionários públicos, deputados, senadores direta ou indiretamente associados à organização do narcotráfico. Todos sabem com quem estão lidando.
A chacina só é possível porque todos esses integrantes participam do negócio de bilhões. Os “delatores medrosos” procuram a polícia, anonimamente, traem a organização, iludidos de que serão por ela protegidos ou deduram o policial amigo. Se o código de fidelidade que garante o funcionamento da economia da droga foi rompido, a teia da organização sabe onde isto aconteceu e quem são os traidores. Morte aos traidores de ambos lados. Nessas chacinas, é comum e notório entrar na lista de mortos não só os que os jornalistas dão como ajuste de contas. Nas últimas chacinas, se não em todas, morreram policiais e sempre vão morrer. Faz parte da guerra.
Na contabilidade da eficiência da guerra do Estado aparecem os números positivos de prisão de peixes miúdos, de muitos mortos, de apreensão de armas e estoques de drogas. Os peixes graúdos são os mandantes da empresa e frequentam os melhores hotéis e restaurantes.
Enquanto as chacinas acontecem nos morros do Rio de Janeiro e bairros de São Paulo, onde se concentra o núcleo duro da distribuição e consumo de drogas, a cadeia produtiva não se interrompe. Haverá sempre helicópteros e jatinhos à disposição da ecumênica organização mundial da droga da qual o Brasil é um sócio majoritário.

E haverá chacinas periódicas com a anuência de toda a sociedade.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O ÁRTICO É AQUI




(SOBRE A MORTE DOS PÁSSAROS EM ANÁPOLIS, GOIÁS.)

Circulam informações sobre a morte de pássaros nas áreas de produção de soja nos campos de Anápolis, Goiás. Supõe-se que tenham sido envenenados com produtos químicos para não comerem os grãos das plantações.
Para dizimar pássaros por meio de envenenamento é necessário usar aviões agrícolas. Alta tecnologia mecânica e química é o prolongamento do braço humano para ter maior eficiência do trabalho e aumento da produtividade. Com a prótese tecnológica aumentam-se também os custos econômicos, os riscos de acidentes, as probabilidades de contaminação do ambiente e, principalmente, o envenenamento de seres vivos produzindo doenças e mortes.
Essa soja protegida por venenos químicos, também ditos agrotóxicos, se transforma em alimento humano e animal. Vegetarianos comem proteína de soja. Os animais domésticos, do gato ao cão, da galinha ao porco, da vaca leiteira ao boi do açougue se alimentam desses produtos cujo tratamento nas lavouras está matando aves silvestres.
Nossos restaurantes e nossas cozinheiras usam e abusam do óleo de soja impregnado de venenos utilizados nas lavouras. Nossos campos, nossos rios, nossas florestas, nosso ambiente estão densamente envenenados.
Infelizmente não existem relatórios sérios e científicos das doenças e transtornos físicos registrados no meio rural brasileiro e nas áreas de influência das grandes plantações de milho, soja, arroz e feijão.
A notícia da morte de pássaros é um sintoma dos riscos a que estamos sujeitos. A informação vem solta como se fosse um caso isolado e sem consequências para a biocomunidade.

Esta guerra invisível contra a biodiversidade está a exigir uma solida organização de proteção a todas as formas de vida à semelhança do Green Peace. O Ártico é aqui, perto de nós, na iminência de nos sufocar com dióxido de carbono e pulverizações com substâncias químicas sobre alimentos humanos, sobre a flora e a fauna.