quinta-feira, 24 de julho de 2008

SUPERPOPULAÇÃO

A superpopulação é o pesadelo do mundo. É também um fenômeno das pequenas e das grandes cidades brasileiras.. O planeta Terra é limitado. Para que todos os habitantes do mundo pudessem desfrutar dos benefícios de um cidadão canadense seriam necessários 3 a 4 globos.
A divisão do tamanho geográfico do país por sua população nos dá uma informação equivocada. A reprodução da população apresenta, é verdade, um índice menor, hoje, do que há 40 anos, mas ele não nos salva da superpopulação. A agregação de 3,8 milhões de cidadãos a cada ano é uma das causas da desigualdade no Brasil. Nasce aqui, anualmente, mais da metade de toda a população da Finlândia.
Talvez só os países escandinavos, com pequena população, tenham conseguido desenvolver mecanismos, instituições e capacidades para administrar as necessidades de seus cidadãos.
O nascimento de uma criança tem como contrapartida, no sistema de administração da população, alguns requisitos essenciais:
200 litros diários de água para cada nascido, garantia do emprego das mães durante a licença-maternidade, educação escolar de qualidade para todos, sistema de saúde compreensivo e gratuito, expansão das oportunidades de trabalho produtivo ou sistemas de poupança pública de compensação para futuras instabilidades laborais são itens que não perturbam a mente de nossos administradores públicos, presos ao curto exercício de quatro anos..
No Brasil, a superpopulação não cabe nas cidades, nas escolas, nos hospitais, nos cemitérios, nas cadeias. A superpopulação deforma as cidades, perturba a quietude de ruas e praças, devasta matas, arrasa morros, seca rios, complica a mobilidade das pessoas.
A população cresce a um ritmo maior do que a capacidade dos governos e da sociedade de administrar as necessidades dos cidadãos e oferecer-lhe serviços adequados e oportunos. Não se tem pensado em mecanismos, processos, sistemas para administrar grandes populações. A tendência dos governos se limita a massificar, hebetizar, alienar as multidões com a mesma facilidade com que se transforma um saco de farinha em milhares de biscoitos acondicionados num saco plástico. O Bolsa Família distribui R$ 15 reais/mês por beneficiário. Eis a solução genial.
O planejamento familiar, proibido por instituições religiosas e por ideologias esquerdistas ultrapassadas, nas décadas de 40 a 60, foi a oportunidade histórica perdida de pensar nosso futuro.
Hoje, os adoradores do PIB correm estouvadamente atrás do crescimento econômico para resolver problemas de educação, saúde, trabalho. Com menos crescimento seríamos mais felizes se a população fosse menor. É óbvio que repartir um SM entre três pessoas é aritmeticamente mais sensato do que dividi-lo por 7.
Os administradores de Brasília caíram no equívoco do crescimento imobiliário em detrimento da paz bucólica do Planalto. Desandaram na loucura de obras faraônicas para satisfazer a fome furiosa do automóvel particular. Atrelaram-se à tentação política de produzir eleitores de barriga cheia e cabeça vazia.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A NUVEM

Um dia na vida do país!
Impossível descrever e enumerar todos os fatos, as circunstâncias e as surpresas que se tecem, num dia, ao redor das pessoas, com tramas e pontos distintos.
Mais difícil ainda é perceber como os cidadãos são atingidos por esse variado cardápio de situações.
Um banqueiro é preso por crime financeiro. Daniel Valente Dantas. Outro, conhecido como Cacciola, pelo mesmo motivo, é extraditado do Principado de Mônaco ao Brasil. O primeiro com algemas nos punhos, o outro, sem elas.
O Ministro da Justiça, ao qual está subordinada a polícia especializada, contradiz e critica ambiguamente o comportamento repressivo de seus comandados que nada mais fizeram do que cumprir leis e regulamentos. Ministro e policiais se enfrentam diante de câmeras de TV. Ambos se digladiam com o ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Um prende, outro solta. A justiça parece mesmo cega. Todos os departamentos implicados na prisão dos criminosos justificam suas funções e competências. O Ministro esclarece que se tratou de um momento de instabilidade, mas a controvérsia está superada.
Um crime financeiro não acontece no vácuo. Precisa de intensa colaboração institucional e pessoal, assistência permanente, conivência e cumplicidade silenciosas, assessoria de conselheiros da rapinagem, advogados criminalistas, políticos, ministros de Estado, chefes de gabinete, testas-de-ferro e a benevolência do poder maior, isto é, do Presidente da República, através de seus prepostos que o isentarão de qualquer responsabilidade.
A trama do roubo envolve profissionais de vários setores e conta com a participação de amigos, de interessados, de intermediários-laranjas, de patos que, no fim, pagarão com castigos suaves.
As mentiras, os desmentidos, as remoções e demissões, as provas e contraprovas, o cinismo, as reuniões secretas de cúpula, os discursos na Câmara e no Senado interpõem-se no caminhar do processo incriminatório. As notícias parciais e peneiradas da imprensa, a galhofa dos donos do poder, a intervenção inoportuna do Presidente da República, as trapalhadas assassinas da polícia, que abate crianças por equívoco, os velórios e os enterros cotidianos formam uma nuvem espessa sobre a paisagem monótona. A nuvem esconde tudo.
Quando a nuvem se desfaz, a beleza das flores, o verde das plantas, o azul do céu, o sol amarelo recompõem o bucólico cenário original para os olhos apatetados do povo.
Tudo ficou atrás da nuvem.

22/07/2008

sexta-feira, 18 de julho de 2008

DITADURA ADMINISTRATIVA

ou
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Embrutecida pela propaganda oficial, pela agitação informativa de TV’s e rádios, por crimes semanais que a polícia revela e a justiça não pune, pelas estatísticas mentirosas, a mente do cidadão não tem mais força para reagir. Balança como a nave em pleno oceano, ao sabor dos ventos, sem destino. A ditadura dos ventos nos amordaça a voz.
Vivemos numa ditadura econômica sub-reptícia do capitalismo, disfarçada de democracia política. Democradura ou ditacracia, para brincar com palavras.
Sobre nossas cabeças de cidadãos se levanta a frágil marquise da liberdade civil que nos empurra gentilmente a adotar interesses individuais, confundindo-os com ideais coletivos da pátria.
Fala-se em transporte público, mas toda a prática está voltada para o carro individual, desde o estímulo às montadoras até o crédito facilitado para adquiri-lo em 80 prestações. A ditadura econômica nos alimenta com argumentos e iniciativas apoiadas em estatísticas, números e porcentagens cuidadosamente dirigidas a que enquadremos nossa inteligência à irracionalidade do crescimento econômico. Esmaga o pequeno comércio, o mercadinho da esquina para que nos distraiamos nos hipermercados cujos donos não têm nome nem rosto.
Somos manipulados pela incongruência de uma democracia política infantil do voto obrigatório, combinada com a administração livre e impune das instituições públicas e da riqueza comum. A prática da ditadura econômica se exerce através de instituições rígidas, que defendem seus objetivos programáticos por sobre as necessidades do cidadão.
Perdemos, gradativamente, o espaço político no qual se deveria dar a participação do cidadão nas decisões de interesse público. Democracia sem decisão política do povo não é nada. Participar é decidir. Com o povo, para o povo, pelo povo são expressões que caíram em desuso.
Perdemos o espaço político para os ocupantes do espaço administrativo, gerencial, institucional. Os programas econômicos se sobrepõem à vontade política do cidadão. Não compreendemos que, com o voto, lhe entregamos irremediavelmente um cheque em branco e lhe passamos uma procuração incondicional para vender nossos bens e se apossar do espólio do cidadão defunto.
Um exemplo. Há 35 anos percorro a rodovia BR 60 – Brasília-Goiânia - recentemente duplicada e já cheia de reparos no asfalto. Conheço as características do transporte dessa rodovia. No km 09, há dois meses, iniciou-se uma obra monumental. Nenhuma placa informa a origem, o valor e os responsáveis pela agressão à natureza. Pouco a pouco, o gigante foi mostrando seu corpo. Trata-se de colossal e impressionante viaduto para facilitar a passagem de alguns carros procedentes do Gama que eventualmente se dirigem a Brazlândia e cidades goianas do oeste e vice-versa.
É racionalmente impossível determinar um só argumento que indique prioridade no gasto de milhões de reais para a construção dessa obra. O único motivo dessas imensas colunas repletas de ferro, pedra e cimento é a vaidade administrativa do visual da grandiosidade. Haveria, pelo menos, três maneiras diferentes de facilitar o desvio dos carros para outra direção.
Detenho-me nesse exemplo, pois o Instituto Histórico e Geográfico do DF tem empilhado dezenas de decisões que demonstram a orfandade política do cidadão, vítima da ditadura administrativa.
Nós temos experiência de ditaduras. Sabemos como elas se estabelecem e a forma de demoli-las.
Já acabamos com a escravidão, devolvemos um Imperador a Portugal, proclamamos a Independência do Brasil, pusemos fim às ditaduras de Vargas e dos marechais, interrompemos o exercício de um Presidente eleito. Temos experiência histórica.
Penso, então, que para desmontar a ditadura econômica, administrativa e política embutida na pseudodemocracia seja necessário estudar-lhe melhor as causas e minar seus fundamentos.
Para isso, é preciso indignar-se diariamente, enojar-se da mentira, da prepotência, do cinismo. Sair à rua pela democracia direta. Cartas ao governador, ao presidente, aos deputados, mensagens eletrônicas, notas na internet, manifestações públicas serão o fermento de uma revolução sem armas, sem mortes, sem lágrimas, sem velórios, sem enterros.
É nosso dever montar uma orquestra de milhões de instrumentos e encher o espaço com a ópera do bom senso.

Eugênio Giovenardi


17.07.2008
eugeniogiovenardi@gmail.com

quarta-feira, 9 de julho de 2008

LEI SECA

One beer or two beers, eis a questão.
O impressionante número de acidentes provocados por condutores embriagados despertou finalmente a consciência do cidadão e dos legisladores. Mortes trágicas, invalidez permanente, sofrimento moral, viuvez e orfandade, velórios e sepulturas, custo social pesam na convivência do cotidiano e geraram sensata lei que restringe a liberdade do condutor bêbado. Assim é em toda a Escandinávia e países civilizados, onde se bebe para valer. O cumprimento da lei é um dever cívico do cidadão e os infratores são incondicionalmente punidos.
Tolerância zero! É uma expressão que pretende assustar ao invés de convencer. É a primeira falácia para que a lei seja cumprida. Pelas reações de donos de restaurantes e bares, mais preocupados com o lucro do que com a vida de seus clientes, e cidadãos que se sentem lesados em sua liberdade, evidencia-se que nem todos querem observar a lei. Por outro lado, nem os controladores oficiais são capazes de garantir seu cumprimento por falta de organismos e pessoas em número suficiente. Como é comum em nosso país, teme-se que, em algumas semanas, relaxa-se a vigilância e a displicência faça regredir os avanços da civilidade.
Lei seca! Outro equívoco. Ninguém, nem um só artigo da lei proíbem o cidadão de beber e se embriagar. A lei apenas torna incompatível o beber e o conduzir, protegendo ao mesmo tempo o condutor e a comunidade. A astúcia do cidadão deverá encontrar formas de conviver com a lei. Afinal, o carro individual não é o único meio de se chegar ao bar e voltar para casa.
Os bares e restaurantes são uma engenhosa invenção da ociosidade, do descarrego das tensões; muro de acolhimento da depressão, do desengano, das frustrações diárias; câmara de encontros sigilosos, amorosos ou negócios vultosos. Os fins de tarde felizes, a conversa amigável ao pé da garrafa, os acertos de contas sentiram-se, de súbito, ameaçados. Qualquer cidadão que tenha à sua frente uma garrafa de cerveja ou vinho tornou-se um inimigo potencial da lei. O percurso da mesa do bar à casa virou impasse. Como providenciar transporte para os milhares de produtos embriagados que saem de centenas de restaurantes?
A casa já não é mais o ponto de encontro de amigos como em outros tempos. O bar é a alternativa da casa e já não pode aliviar as tensões nem estimular a convivência. Criou-se o trauma da pós-bebida.
Voltaremos à vida pacata das ruas tranqüilas com seu bar de esquina? Teremos que construir novas amizades e descobrir esmeraldas escondidas no bloco de apartamentos ao lado? Compartilharemos intimidades com zeladores e porteiros?
Afinal, é o líquido espirituoso que consolida amizades ou são as afinidades que reúnem as pessoas? Suco de cupuaçu ou de graviola poderão substituir o vinho ou o gim com tônica para criticar o chefe da repartição ou chorar as mágoas de uma separação?
Novos tempos. Novos costumes.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

SUTILEZAS DE VIAGEM

MENDIGOS

Estamos acostumados com nossos mendigos de rua, nos semáforos, nas portas de igrejas ou bancos e restaurantes. São mendigos de país pobre, onde um cidadão possui iate de milhões, carros de milhares de reais e concidadãos que vivem de centavos e produzem filhos para o salário mínimo.
No Primeiro Mundo, os mendigos são altos, bem-vestidos, esbeltos uns, envelhecidos outros, cheirando a vodka ou maconha. Nas ruas de Paris ou Helsinque, são romenos que adotaram uma atitude religiosa para mendigar. Ajoelham-se na calçada sobre uma almofada, juntam as mãos em posição de prece, fecham os olhos e permanecem tão imóveis quanto as pedras. Em sua frente, a vinte centímetros, uma lata de coca-cola destampada aguarda pacientemente as moedas dos transeuntes distraídos pelo sol do verão.
Os organismos internacionais que vigiam os circuitos da riqueza alertam que um bilhão de pessoas passa fome. O crescimento econômico, um dos ícones da nova religião do progresso, não consegue abrir espaço para todos. Há quem diga que com menor crescimento haveria menos pobres. O crescimento econômico tem aumentado de maneira explosiva a distância entre ricos e pobres.
A população do mundo cresce em ritmo mais acelerado do que a capacidade e os meios de administrar os serviços que ela demanda.

FRANKFURT

Na escala entre Lisboa e Helsinque, em Frankfurt, conseqüência de um jantar com bons vinhos, comprei meio litro de água. Paguei a ninharia de 3 euros, ou seja, R$ 8,30. Água de fonte, como todas as águas. Nenhuma mentira nisso. Mas, até chegar na garrafinha plástica de 500 ml, a água suja dos rios passa por um longo processo industrial que envolve patrão, empregados, transporte, impostos, greves e lucros indecentes. O preço da água é um severo anúncio das incertezas dos próximos anos.

GRADES EM HELSINQUE

Helsinque é uma cidade pacata, com pouco mais de 500 mil habitantes, capital da Finlândia, país dos lagos. Nela, tem-se a sensação da liberdade, da segurança, do bem estar. A pequena população da Finlândia, duas vezes a do Distrito Federal, favorece o ambiente de tranqüilidade e silêncio. Não há grades nas janelas, nem muros entre as casas. A única grade protetora de propriedade que vi, em Helsinque, foi na vitrine da imensa loja de venda de bebidas alcoólicas, monopólio do Estado. Realmente, constitui irresistível tentação para os amantes do álcool essa indiscreta e sensual mostra de garrafas tão próximas dos olhos e da mão. Sabe-se que o finlandês tem uma invejável resistência aos efeitos espirituosos da vodka, dos licores e dos vinhos, adquirida no enfrentamento de rigorosos invernos.

PS. Minha ausência deveu-se a um périplo pel Finlândia, França e Portugal.