sexta-feira, 29 de agosto de 2008

ALEGRIAS ESTATÍSTICAS

Alegrias nascem de várias fontes, alcançam a alma vindas de diferentes direções. A sorte grande da loteria, a moça que encontra o namorado, o aumento de salário ou promoção do Zé Roberto, a medalha de ouro de Marren, prêmios literários são geradores de euforia.
Há especialistas que publicam suas alegrias provocadas por índices. Originam-se de bons números que podem ser comparados entre si. São alegrias adverbiais com o auxílio de antes, já, ainda, até, apenas. Uma dessas alegrias, que vi publicada numa importante revista, se refere à diminuição do número de pobres, por força do aumento de sua renda, em índices maiores do que os obtidos pelos ricos nas grandes cidades do Brasil. É uma vitória contra a desigualdade. Mas a guerra contra ela se estenderá por cem anos, pois os assessores do Presidente da República ganham 43 vezes mais do que um trabalhador com salário mínimo. Uma baita desigualdade.
Mas a boa notícia dada pelos números é que a desigualdade entre os cidadãos está diminuindo. Não se percebe o fenômeno a olho nu. É uma afirmação sobre algo pouco visível captado por índices. Os especialistas nos pedem ou insinuam que devemos ter fé nos percentuais. O preço do arroz não baixa, mas o índice mostra claramente, para eles, que a inflação perdeu força na subida.
Não sei por que, os estatísticos gostam de alguns números redondos. Por exemplo, 10% mais ricos e 10% mais pobres. Nossa diarista Marileide não sabe, e morrerá sem saber, quanto é 10% de alguma coisa. Na aula semanal de economia, tento transformar esses 10% em números. Ela e eu conhecemos alguns dos mais pobres. Não conhecemos pessoalmente nenhum dos 10% mais ricos. Porém, nossas fontes fidedignas nos contam que vários dos mais ricos ganham um milhão de reais por mês, necessário para pagar a conta do avião particular e outros pequenos gastos de guarda-roupa. Os mais pobres mal chegam a um salário mensal de 207 reais.
A alegria estatística que revela a diminuição da desigualdade entre os brasileiros se manifesta no índice de aumento de 57% da renda dos 10% mais pobres. (Marileide não consegue atinar quanto é esse percentual em dinheiro vivo), enquanto os mais ricos tiveram um aumento de renda de apenas 6%.
Trocado em miúdos, graças ao estupendo crescimento econômico, os mais pobres ganharam 117 reais a mais, num total de 324 reais. A renda dos mais ricos aumentou só 6%, isto é, 60 mil. Os que antes ganhavam um milhão, agora embolsam 1 milhão e 60 mil reais. Marileide não acreditou nas minhas contas quando lhe disse que ela gastaria 8 anos de trabalho para ganhar o que o milionário percebe num mês.
Tentei convencer Maiileide que ela já não está no grupo dos 10% mais pobres. Foi-se o tempo em que você ainda vivia abaixo da linha da pobreza, com pouco mais de 1 real por dia. Você, agora, entrou no grupo dos remediados, com renda familiar de até 1.064 reais.
Marileide pôs as mãos nos quadris, separou os pés, levantou a cabeça e me jogou uma olhada desafiadora.
− Eu não sou remediada coisa nenhuma. Eu sou é pobre. E vou lhe dizer por quê. Moro num barraco, na Ceilândia, longe do transporte que é caro, não tenho leitura e só desenho meu nome. Não posso ir a cinema, nem teatro. Uso roupa de cinco real. Não posso pôr meu filho na universidade e ele só com o secundário não vai passar do salário mínimo. Se fico doente hoje, me marcam a consulta para daqui a três meses.
− Marileide, disse eu com tolerância na voz, a senhora não percebe, mas sua renda melhorou 57%, enquanto a dos ricos apenas 6%.

28/08/2008

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

RISCO BRASÍLIA

Brasília, um dos mais notáveis sítios urbanos, é o único bem contemporâneo inscrito na lista do patrimônio mundial. Até quando?
O Plano Piloto foi declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, em 1987. Patrimônio cultural é um produto coletivo, pertence a toda a coletividade. O tombamento de Brasília – conjunto urbanístico do Plano Piloto − foi estabelecido pelo Decreto no 10.829/87.
O tombamento de Brasília, como conjunto urbanístico, alcança edifícios, edificações, centro urbano. O DePHA − Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do DF − é responsável pela proteção e promoção da importância do patrimônio cultural do Distrito Federal.
De há alguns anos, reiteradamente se anunciam e denunciam modificações inconvenientes que perturbam a forma original da cidade tombada. Alega-se que o desconhecimento do conceito urbanístico de Brasília e de seu significado de sítio urbano notável pelos cidadãos brasilienses é um dos fatores determinantes a prejudicar a preservação do patrimônio que pertence a toda a humanidade.
Alguns monumentos, como: Catedral Metropolitana, Igrejinha, Ermida Dom Bosco, Catetinho, Centro de Ensino Metropolitana, entre outros, foram individualmente tombados.
O crescimento, a evolução, a modificação da cidade dentro das características que originaram o tombamento e a aceitação como Patrimônio da Humanidade. Brasília é sítio notável, não ordinário. Uma cidade muda com as sucessivas gerações de seus habitantes. A necessidade das mudanças, entretanto, no caso especial de Brasília, deve obedecer à característica de sítio urbanístico notável. É imprescindível determinar de onde se origina essa necessidade, O que justifica as mudanças? Benefícios à coletividade ou interesses de grupos?
Partes do Patrimônio Cultural de Brasília estão sendo duramente danificadas. Monumentos, traçado urbano e ambiente natural são perigosamente afetados.
A incúria dos órgãos públicos, encarregados da gestão do patrimônio, talvez seja uma das causas mais graves da lenta corrosão da cidade. Ela é sustentada por declarações irreverentes e irresponsáveis que consideram a cidade-parque um modelo ultrapassado de urbanização humana. Fatos consumados, decisões administrativas por pessoas que não têm compromisso com Brasília, autênticos burocratas de turno, legisladores corrompidos pela máfia imobiliária, o sórdido processo de fabricação de eleitores com base em promessas ilícitas, equivocadas e enganadoras conjugam-se para tornar Brasília uma cidade comum e provinciana.
O superpovoamento do Distrito Federal, somado ao cinturão populacional e habitacional das áreas limítrofes, pressiona e torce os critérios de planejamento urbano característico de Brasília. A migração induzida criou, além de justificativas populistas, a presunção de direito individual e coletivo para ocupação de áreas de proteção ambiental. Qualquer tentativa de análise objetiva e sensata arisca de esbarrar na falácia da discriminação contra os pobres. A discriminação não foi criada por analistas de bom senso. Ela foi utilizada por políticos interesseiros para quem a pobreza constitui apenas uma força eleitoral. Os pobres dos quartos de despejo de Brasília continuam aqui as mesmas privações de escola, saúde, transporte, lazer que os cercavam em seu lugar de origem.
O Patrimônio material de Brasília inclui um elemento poucas vezes mencionado e permanentemente pisoteado: a natureza especial e característica do Cerrado. Dói ver os vidros coloridos da Catedral descompondo-se ao longo dos anos, como dói ver a destruição das áreas de proteção ambiental operada pela especulação imobiliária, associada à política. Dói assistir, todos os anos, a incêndios criminosos da ignorância dos cidadãos.
A superlotação de carros força ampliações de ruas, construção de viadutos, atalhos, retornos com sacrifício de áreas verdes, nascentes e fluxos de água.
O Plano Piloto, com menos de 400 mil habitantes, é invadido diariamente por 600 mil pessoas que não têm conhecimento nem informação sobre o que representa a cidade. Aqui chegamos todos de cidades pequenas ou grandes com hábitos, costumes, conhecimentos e atitudes que pouco ou nada tem a ver com Brasília. Trabalhamos aqui como o faríamos em nossa cidade de origem. Cuspimos no chão aqui como lá. Equívoco foi acenar com oportunidades ilusórias ao invés de criar oportunidades concretas em pólos de desenvolvimento local. Evitar-se-iam as migrações desnecessárias e inconvenientes para a economia nacional. Criar-se-iam condições de melhor desfrute das riquezas ambientais, com menores aglomerações urbanas e com disseminação das culturas regionais.
O ambiente natural é exaustivamente explorado com a densidade de construções em novos conglomerados habitacionais. Intensifica-se o consumo de água e restringem-se as áreas verdes.
A deformação, pela ignorância e pelo imediatismo das ambições individuais, parece, infelizmente, abrir caminho seguro e progressivo. Gabaritos desrespeitados por legislação caudatária de interesses pequenos, puxadinhos, quiosques, pontos de lavagem de carros nas entrequadras, lixões ao longo das vias, modificações viárias para as exigências descabidas do carro individual demonstram a distância entre o cidadão e a cidade-arte.
Fala-se mais da corrupção moral e política dos que sentam no Senado e na Câmara, nos palácios da República e nos ministérios do que na degradação cívica da população que superlota o Planalto. É o momento adequado, quiçá, para retornarmos todos à escola primária da cidadania, reaprender o alfabeto e as boas maneiras para conviver com a cidade que por sua relevância se tornou patrimônio da humanidade.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

DIÁLOGO DAS PLANTAS

Costumo caminhar pelos campos de meu Sítio.
Para compreender a vida, olho, toco, ouço as plantas e as flores pequeninas.
O bem-te-vi sentou num murundu e me desafiou. A corruíra rastejou entre samambaias secas e a lagartixa correu ligeira. O sol dominava sozinho e iluminava cajuís, muricis, mangabeiras e brilhava nas folhas hirsutas do chapéu-de-couro. Apoiei-me no bastão e parei junto a um faveiro.
Envolto no silêncio espesso do cerrado, percebi, a poucos passos, uma flor vermelha, redonda, ereta, com majestade simples de rainha. Ouvi cochichos a sotto voce, como fazem os namorados no teatro, escutando Liszt ou Villa Lobos. Era Caliandra que segredava a Florzinha-azul-do-cerrado histórias de outros tempos. Agucei o ouvido e fingi olhar para longe, no horizonte, na direção do Gama.
− Quem me trouxe para cá foi o vento, dizia Caliandra. Onde minha bisavó morava, houve uma guerra. Um grande fogo devorou árvores grandes e pequenas. Máquinas barulhentas, caminhões e muitos soldados entraram em nossas casas e enterraram vivas milhões de plantas.
− Eles não gostavam de plantas, flores, nascentes de água, perguntou Canela-de-ema, roxa de pavor.
− Parece que não, disse Caliandra, baixando a voz. Na frente das casas e nas janelas, puseram miosótis, azáleas, buganvílias e cambarás. Dizem que a natureza está globalizada e que nós somos menos competitivas.
Ouvi claramente ruídos de protesto de lobeiras, quaresmeiras e do lírio-do-cerrado, prestes a chorar de tristeza.
− Essa gente que nos expulsou de nosso chão prefere os senhores eucaliptos aos pequizeiros e aroeiras, disse Caliandra com gesto de desprezo.
− O pior é o fogo, disse Baru. Todo o ano é a mesma tortura. Cada pessoa que passa me faz tremer de medo. Quando as labaredas arrancam gritos das mangabeiras, dos bacuparis, das taquaras, me desespero sem poder correr daqui.
− Eles prendem fogo em nossa casa com todos nós lá dentro, completou Corticeira, mostrando as cicatrizes do incêndio anterior.
Ao perceber minha presença, as plantas calaram. Andei devagar. Acariciei as folhas do catolé. Abracei a copaíba. Havia sorrisos por toda a parte. O bem-te-vi me desafiou de novo. Afastei-me de seu território.
O Sítio não é meu. É deles.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

SUPERPOPULAÇÃO DE BRASÍLIA

Há algum tempo o mundo dá sinais de superpopulação. A guerra pelo espaço físico se espalhou pelo globo, ocupa as páginas de jornais e revistas, enche a tela dos noticiários da TV. Razões da guerra: poços de petróleo, ouro e pedras preciosas, fanatismos religiosos e raciais, perseguições políticas, dominação econômica, desemprego e fome. Tudo isto indica que há gente demais no mundo. Fizemos filhos além do suportável. Os espaços estão perigosamente ocupados. Estamos explorando as riquezas naturais com uma intensidade e velocidade acima de sua capacidade de recuperação.
Quando se fala em superpopulação é preciso associar este fenômeno a dois elementos vitais para a sobrevivência humana: água e alimentos. A produção de alimentos em escala para suprir as necessidades básicas de uma grande população modifica o ambiente natural, destrói o equilíbrio antes existente e requer o uso intensivo de água para contrabalançar a tecnologia pesada e os reagentes químicos utilizados..
Os cultivos intensivos de milho, soja, trigo, por exemplo, por constituírem massas compactas, atraem fungos e predadores contra os quais se utilizam fortes pesticidas. Paralelamente, as grandes populações, cada dia mais apinhadas em espaços reduzidos, são propensas a doenças e epidemias recorrentes e outras mais duradouras como a AIDS.
À medida que uma população se expande sobre uma área, o espaço por habitante se encolhe e a pressão sobre ele se intensifica de muitas maneiras. A concentração de moradias, as vias de comunicação, os equipamentos de serviços públicos e privados se impõem, reduzindo os espaços verdes. O crescimento da população é inversamente proporcional à oferta de espaço. A ocupação de áreas obedece a critérios e princípios que vão do físico, ao cultural, social e econômico. Algumas áreas não serão adequadas à moradia, à indústria, ao comércio, à agricultura. As populações vão se espalhando de acordo com conveniências, necessidades, interesses, oportunidades que tornem a vida mais satisfatória.
A superpopulação é mais intensa e se faz sentir mais nos países pobres. Os países ricos, por razões econômicas, controlaram a tempo o crescimento populacional. Nesses países desenvolvidos a relação entre as pessoas e a natureza criou laços de respeito e colaboração necessários à sobrevivência humana.
A difusão da cultura ambiental desenvolve nas pessoas uma compreensão maior da natureza da qual fazemos parte. É comum as pessoas pensarem que a humanidade é dona da natureza e não parte dela. As relações são recíprocas e na medida em que se agride a natureza ela se vinga com secas fora de época, calores surpreendentes, enchentes desastrosas, ventanias arrasadoras, pois não encontram mais as cortinas florestais nativas e resistentes. Em seu lugar plantaram-se eucaliptos e outras espécies de ciclo curto para fabricação de móveis e papel ou semeou-se capim para as enormes manadas de gado, iniciando futuros desertos. Os fenômenos naturais precisam de espaços de manobra para se completar. Bloqueamos de mil maneiras esses espaços e sofremos as conseqüências.
O Brasil, apesar de seu tamanho continental, chegou há pelo menos uma década a seu limite de espaço para a população atual. É um fato inconteste que as pessoas não encontram mais espaço para viver dignamente. As capitais do país incham em todas as margens e os movimentos sociais estimulam invasões onde acreditam ser possível sobreviver. São espaços ilusórios. É apenas deslocamento de gente e de problemas.
Algumas comparações entre o crescimento da população no Brasil e em Brasília podem ser úteis para se compreender o estado de superpopulação nacional. No período 1950-2008, a proporção habitante por hectare tem diminuído gradativamente. Em 1950, cada brasileiro podia desfrutar das riquezas de 16 hectares. Em 2000, essa área baixou para 5,0 hectares e, em 2008, reduziu-se a 4,4 hectares por habitante. A pressão do crescimento da população sobre o espaço foi impactante. A capacidade da sociedade e do Estado de administrar a população não cresceu na mesma proporção. Em vez de uma ocupação racional e homogênea do espaço geográfico, intensificou-se, por um lado, a migração campo cidade com todas as conseqüências conhecidas e, por outro, a devastação do Cerrado e da Amazônia, com uma agricultura demolidora para produzir alimentos e extrair matéria-prima para as indústrias nascentes.
O impacto do crescimento da população sobre o espaço geográfico forçou a exploração em profundidade e extensão do território de tal forma que um hectare terá que produzir muito mais riqueza do que antes.
Exercícios comparativos foram apresentados por estudiosos sobre o impacto da pressão populacional sobre a ocupação da terra, com vistas não só à sobrevivência como também ao desenvolvimento humano das populações. Na abrangência do hectare, estão contemplados todos os elementos físicos, culturais e econômicos que permitem níveis de desenvolvimento diferenciados segundo as formas de exploração. Na hipótese de que 2,4 hectares fossem suficientes para dar à população brasileira o nível de satisfação atual, o Brasil suportaria 360 milhões de habitantes. Proporcionalmente, Brasília não poderia ter mais do que 245.000 habitantes. Se o Brasil impulsionar um impacto de 4,1 hectares por habitante para alcançar o nível de vida da Suíça, a população brasileira deveria estabilizar-se em 207 milhões de habitantes. E Brasília só poderia abrigar 142.000. As condições climáticas podem ser determinantes para o crescimento da população. Para alcançar o desenvolvimento dos Estados Unidos da América, cujo impacto é de 9,7 hectares por habitante, o Brasil deveria ter controlado sua população em 87 milhões de habitantes. E Brasília, 60.000.
Os exercícios são hipotéticos e lineares, mas reveladores dos possíveis efeitos do crescimento da população contraposto à limitação dos espaços, à fragilidade da natureza e à imprevisibilidade dos fenômenos naturais. Nas circunstâncias do mundo de hoje, o conforto, o bem estar, o consumismo compulsivo impõem exploração exaustiva e quantidade maior de espaço para satisfazer necessidades, desejos e ambições.
Brasília, em 1960, tinha 140.164 habitantes e, em 2008, o Distrito Federal abriga, aproximadamente, 2.900.000 habitantes, com um espaço per capita de 2.030 m2, ou 1/5 de hectare. Lúcio Costa havia previsto uma população de 500 mil habitantes para o Distrito Federal até o ano 2000, o que daria uma relação de 1 hectare por habitante.
Os parques da cidade, vítimas de freqüentes incêndios, são pequenos para acolher a população que se espraia pelos arredores de Brasília. A poluição constante de todos os córregos do Distrito Federal, o desmatamento insensato do Cerrado, o desaparecimento de milhares de espécies, únicas no Brasil, e a morte de centenas de nascentes são alguns dos resultados dolorosos do superpovoamento desta parte do Planalto brasiliense.
A superpopulação de Brasília compromete, em nossos dias, a qualidade de vida dos brasilienses. A impactante ocupação dos espaços, tanto horizontais quanto verticais, tende a piorar as condições de vida do brasiliense diante dos estímulos à expansão imobiliária, aos requerimentos do trafico terrestre e aos novos projetos de ampliação urbana previstos para a próxima década.


20.08.08

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

SE EU FOSSE

“Não sabia que isso era um crime. Nunca parei para pensar nisso” – disse Paulo Vale ao ser interpelado por tirar água de um córrego com caminhão pipa.
“Em pouco mais de 40 anos de ocupação, o Distrito Federal traçou o mapa da degradação ambiental dos seus rios. A destruição chega aos poucos. O córrego fica cada vez mais raso e tomado por plantas aquáticas. É o aviso de uma natureza doente. Depois de algum tempo, a água escurece, os peixes somem, o lixo aparece. O rio adquire cor cinzenta, espuma e cheira ruim. Está morto” – escreveu´ Rovênia Amorim no Correio Braziliense, em 2008.
Quase metade de toda a água que é captada volta para natureza em forma de esgoto. Milhares de litros de esgoto por segundo, sem tratamento, são jogados nos rios, córregos e lagos do Distrito Federal. Mais de dois milhões de litros de esgoto in natura das cidades de Taguatinga e Ceilândia são despejados diariamente no rio Melchior.

Se eu fosse governador do Distrito Federal, formaria um batalhão de cem jovens para uma força-tarefa, durante dois anos, recrutados nos locais de seu futuro trabalho.
Se eu fosse governador, ordenaria que se lhes desse treinamento intensivo, durante dois meses, sobre preservação ambiental, proteção e plantio de espécies nativas, recolhimento de lixo, cuidado e fortalecimento de nascentes de água.
Se eu fosse governador, sediaria esses jovens ao longo dos córregos que sobrevivem no DF, com a missão de visitar todos os moradores ribeirinhos do Guará, Vicente Pires, Bananal, Riacho Fundo, Gama, Tição, Engenho das Lajes, Santo Antônio do Descoberto, Urubu, Samambaia, Cabeceira de Valo, Barracão, Capão da Onça, Cana do Reino, Três Barras, Tortinho, Santa Maria, Torto, Melchior e outros.
Cada jovem se ocuparia de um trecho de dois mil metros de córrego, orientando as famílias residentes a recolher todo tipo de lixo, expandir a mata ciliar e a construir pequenas represas de pedra para recolher as águas da chuva.
Se eu fosse governador, ordenaria:
– que se incluísse no orçamento o montante de recursos suficientes, pouco mais de dois milhões de reais, para a força-tarefa de dois anos;
– que o Secretário da SEDUMA, os diretores da CEB e da CAESB, antes de qualquer autorização para construir avenidas e viadutos, estender redes elétricas ou abastecer de água condomínios e residências ouvisse, na presença do governador, os depoimentos do batalhão de jovens contratados para essa tarefa.
Ao cabo de quatro anos, a natureza estaria mudada, as águas limpas, o povo educado.
Como sou apenas um cidadão solitário que vota a cada quatro anos e nenhum candidato tem interesse em conhecer minha opinião, deixo essa sugestão ao atual e aos futuros governadores do Distrito Federal.


07/08/2008

LULA NO PLANALTO

Há momentos memoráveis na história política e eleitoral de alguns países. Homens chegam ao poder embalados pelo clamor popular, freneticamente aplaudidos. Encarnam todas as virtudes do imaginário do grande povo e aos predestinados se perdoam todos os defeitos quando não transformados em méritos pessoais.
O humilde povo de Portugal ajoelhou-se reconhecido aos pés de Salazar por 40 anos. O ditador convenceu os portugueses de serem um povo humilde, pequeno, vestido de preto. Deviam viver longe da Europa e do mundo. Finalmente, alguém disse que os portugueses eram um povo humilde.
Os alemães esperavam que alguém subisse nos palanques das praças e berrasse ao quatro cantos do mundo que esse povo era o mais puro e o melhor do mundo. A loucura prosperou até apodrecer nos campos de concentração e nos fornos crematórios.
No Brasil, o pânico do comunismo aliou igreja e exército para desatar o nó do liberalismo capitalista da classe média alienada e da burguesia vendida a tudo que era estrangeiro. Também apodreceu.
Mais recentemente, dois terços da população à margem da grande economia, privados de escolas, abatidos nas longas filas dos hospitais, perambulando pela periferia de todas as cidades em busca de um lugar decente para morrer, viram um dos seus se dispor a falar por eles, com eles e como eles. Com o apoio de intelectuais, artistas e escritores, Lula seria o povo sofrido e semi-analfabeto no poder. Como a maioria dos eleitores, Lula não leu um livro em muitos anos, não concluiu o curso primário, foi uma criança fora da escola, vítima do trabalho infantil. Experimentou a fome, comeu o pão que o diabo amassou.
Ali estava o homem, o líder, o pai, o santo, o exemplo. Ao povão se uniu a esquerda de todos os matizes. Seria a vez dos pobres. Os descamisados no poder. Os ricos e o progresso se dobrariam ao poder dos pobres e analfabetos.
O Brasil pobre elegeu seu presidente.
O Brasil rico continua governado pela Bolsa de Valores e pela ciranda financeira e bancária.
Para o Brasil pobre, o microcrédito.
Para o Brasil rico, o BNDS.

04/08/2008

VOCÊ É BIÓLOGO

Um amigo mencionou meu nome e currículo a um diretor de importante diário da Capital Federal com o qual tem boa relação. Sugeriu-me que o contatasse para marcar um possível encontro.
Dias depois, saí do escritório do diretor do jornal bastante otimista com nossa conversa. Deixei-lhe meu último livro. Em troca, apresentou-me uma jornalista. Ela se encarregaria de preparar uma entrevista e marcar uma visita ao cenário que dá base ao livro. E, o que mais me comoveu, me consultariam, quando conviesse, sobre aspectos de preservação do Cerrado e fortalecimento de nascentes de água.
− Sou jornalista, estou preparando matéria sobre a urbanização do Jardim Botânico, área de preservação ambiental, me disse o interlocutor ao telefone, alguns dias mais tarde. Informaram-me, no jornal, que o senhor tem vivência nesse assunto.
− Especificamente, sobre o que seria?
− O senhor é biólogo?
− Não, sou sociólogo.
− E por que se interessa pelo meio ambiente?
− Em primeiro lugar, porque preciso dele. Mas também porque tenho um sítio de 100 hectares e, há mais de trinta anos, o transformei em área de preservação,.
− Interessante, disse o jornalista. Então, eu volto a falar com o senhor.
O jornalista nunca mais se fez ouvir. O Jardim Botânico virou condomínio legalizado mesmo contra a opinião corrente de preservar o Cerrado.
Pus-me a matutar. Se eu fosse biólogo compreenderia o que é meio ambiente, plantas, bichos, água. Só biólogo tem opinião sobre isso. O jornalista queria o parecer do biólogo. Sociólogo só entende de grupos humanos, conflitos sociais, violência urbana, diferenças raciais, preconceitos culturais, enclaves de exclusão política, zonas periféricas, cinturão de pobreza, marginalidade.
Há três décadas, voltei-me para a natureza a fim de compreender melhor o bicho homem. Comecei a estudar o comportamento de grupos de árvores. Árvores grandes e pequenas em harmonia aparente. As grandes sufocando as pequenas. Parasitos agarrados a grossos troncos. Flores vaidosas ao lado de arbustos espinhentos. Conflitos entre pequizeiros e aroeiras por causa do pouco espaço. E, de repente, o fogo contra todos. Ninguém se salva dessa guerra impiedosa que nada tem a ver com árvores, flores e pássaros.
Em setembro, a chuva cai sobre as cinzas e tudo reverdece. Grupos de quaresmeiras, de jatobás, de angicos esquecem as torturas do fogo e ressuscitam na esperança de uma longa primavera.
Mas nada de conflitos raciais entre a copaíba e o jacarandá, nenhum preconceito entre caliandras e cagaitas. Marginalidade alguma entre o marmeleiro-do-cerrado e o araticum. Nenhuma exclusão ambiental entre a catuaba e o buriti. As formigas que desfolharam um jacarandá o fizeram com sabedoria e prudência para não matá-lo. Precisam dele no próximo verão.
Como sociólogo ambiental, pesquisei, analisei e concluí que quanto menos árvores se cortarem, quanto mais grupos de árvores de todas as espécies se formarem, quanto menos fogo se atear nos campos, mais abunda a água e com ela os verdes de nossas florestas. Mais se multiplicam pássaros e com eles as alvoradas sonoras de sabiás, seriemas e inambus.
Mesmo não sendo biólogo, detenho-me a observar o comportamento de árvores, lagartixas ou sapos que coaxam às margens do ribeirão.
Paro no meio do campo e ouço o tagarelar de ciganas com as orquídeas toalha-de-nossa-senhora.
Vou até a nascente de água que banha as raízes da quaresmeira e bebo a natureza inteira.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

SILÊNCIO E NATUREZA

BERÇO DE BRASÍLIA


“Temos preservado, para o presente, monumentos do passado. Agora, ao contrário, pensamos em preservar para o futuro um monumento do presente." − Josué Montello − 1986


O fascínio do nascimento de Brasília surge, primeiramente, do vasto silêncio que lhe serviu de berço na amplidão de um planalto.
O encantamento da cidade, que brotava do chão, se configurava na harmonia entre os edifícios que se elevavam e a paisagem acolhedora e sensual de regatos mansos, caliandras e pequizeiros, aroeiras e jacarandás, barus e chapéus-de-couro, povoados de pássaros e bichos do mato.
Cercada de silêncio espesso, ornada de uma vegetação selvagem e ainda desconhecida, a infanta Brasília fez brilhar seus olhos nas primeiras noites de vigília, surpreendida com o alvoroço de candangos que a tomavam nos braços para acalentá-la.
O silêncio imenso destas colinas e a natureza em festa se iluminaram com um suave facho de luz. Quem viesse de Alexânia, olhando para noroeste, perceberia pontos luminosos piscando na risca do horizonte. Quem chegasse de Paracatu e Cristalina veria, sessenta quilômetros adiante na direção do poente, luzes amarelas bruxuleantes.
O silêncio e a natureza constituem as virtudes originais de Brasília. Palácios, igrejas, escolas, blocos de apartamentos, casas ao rés-do-chão justificariam as clareiras abertas, guardado o silêncio e preservada a natureza.
As caliandras e os pequizeiros, os angicos e os jatobás decorariam e coabitariam com os edifícios cercados de silêncio.
Os destinos da pátria e a esperança dos cidadãos se fortaleceriam, embalados pelo exercício do poder, fecundados pelo germe produtivo do silêncio e pelo aceno da natureza resistente à parcimônia do clima e à avareza das chuvas.
Silêncio e natureza, conúbio singelo que os fundadores da cidade imprimiram à capital do Brasil. Tudo o que viesse agrupar-se a Brasília teria que preservar essas virtudes.
Silêncio e natureza geraram a cidade-parque, ambiente ideal para o desfrute da vida. Nasceu novo habitante no bioma Cerrado, cercado de inspiradora quietude, plantas, flores, pássaros e águas transparentes.
Em que momento se ofendeu Brasília? Em que momento se rompeu a união entre silêncio e natureza? Em que momento o sonho virou pesadelo? Em que momento se tratou Brasília como uma cidade ordinária?
Quando o prefeito da cidade exigiu o título de governador e a criação do ocioso anexo legislativo?
Quando os legisladores decretaram eleições diretas e importaram eleitores desempregados em troca de 40 metros quadrados de chão?
Quando o Cerrado silencioso foi invadido por mercadores de terra e surgiram cidades satélites dentro de um distrito municipal?
Quando as nascentes de água foram soterradas por condomínios invasores, avenidas, pontes e viadutos?
Quando milhares de incautos, atraídos por promessas eleitoreiras, ocuparam o lugar das caliandras e das canelas-de-ema, dos jatobás e jacarandás, dos angicos e jatobás?
Quando o cinismo imobiliário, os pseudo-arquitetos, os armadores de concreto preferiram edifícios em lugar de parques, centros comerciais em vez de bosques, estacionamentos ao invés de jardins?
Quando as áreas públicas se tornaram privadas com a conivência oficial e espaços destinados a terminais rodoviários foram cedidos a hipermercados e igrejas faraônicas forradas de mármore ou granito?
Quando os espaços públicos da orla do Lago se incorporaram às residências particulares como patrimônio hereditário?
Quando a emasculação moral desvirtuou as instituições legislativas e apequenou a administração pública?
Quando administradores, legisladores e governantes caíram na tentação política de produzir eleitores de barriga cheia e cabeça vazia?
Nesses momentos, rompeu-se o silêncio e destruiu-se a natureza.
Nesses momentos, desfigurou-se Brasília.
O que é, hoje, Patrimônio Histórico, Cultural, Natural e Urbano de Brasília?


Eugênio Giovenardi
31/07/2008

terça-feira, 5 de agosto de 2008

AS FLORES CHORAM

Faço falar as flores.
Não. Elas sempre falaram, conversaram, riram, choraram. Só agora percebo seus cochichos, seus dizeres.
Quando o fogo estalava no cerrado eu não sabia que eram seus gemidos e gritos que ouvia.
Entro no campo. Piso com cuidado e carinho para não romper os frágeis caules da Toalha-de-nossa-senhora. Busco o Cajuí de flores brancas cacheadas. Paro em frente ao Catolé, de pequena estatura e carregado de filhos.
Ouço, olho, observo. Vejo-me rodeado de tagarelas que me olham e me dizem segredos e riem. Vou mais adiante, elas continuam a falar. Volto-me a elas. Ainda me saúdam com inveja das outras flores que agora me lambem as mãos e os pés.
Salta um gafanhoto, esvoaça uma borboleta. O Pica-pau, a Saíra, o Galo-da-campina, irrequietos, caçam insetos e defendem o território de seus ninhos.
A Lagartixa verde-escura dispara por entre a grama e se esconde nos buracos da cabeça gigante de um cupim-murundu.
Apóio-me na Baraúna, abraço a Mangabeira, respiro a fragrância do campo molhado de orvalho.
Uma felicidade vegetal me invade, uma alegria fitogênica sacode-me o espírito, a paz bucólica reina sobre os montes.
A quietude rural e o sossego botânico dão-me sentido à vida.
Vou beber água na fonte azul escondida entre samambaias.

04/08/2008

VIADUTO

De repente, num ponto da BR 060, que liga Brasília à cidade de Goiânia, surgem monstruosos pilares de mais de seis metros de altura. Gigantescas máquinas escavam as margens da rodovia e enchem caminhões-caçambas que transportam a terra para um aterro, sobre o qual repousarão novas pistas de alta velocidade.
Uma placa enorme informa que é uma obra do Governo Federal. Outra, não menor, é do Governo do Distrito Federal.
Passo por essa estrada há 34 anos. Nunca me ocorreu que obra tão monumental fosse necessária para facilitar o retorno de poucos veículos que se destinam ao Oeste, no direção de Goiás.
Ouço autoridades que definem as prioridades dos investimentos públicos gerenciados por empresas particulares. Essa transferência de dinheiro do orçamento público a empresas particulares, na linguagem burocrática, é dita terceirização.
− Por que essa obra nesse lugar? − pergunta o repórter.
− É preciso diminuir o risco de acidentes e facilitar a comunicação entre as economias dos municípios goianos que limitam com o Distrito Federal. É a previsão do crescimento. Estamos eliminando todos os pontos redutores de velocidade para que o trajeto entre as cidades se faça no menor tempo possível.
− Mas há, pelo menos, três outras formas de desviar o tráfego para essa direção − insistiu o jornalista. Por que se decidiu pela mais cara?
− Evidentemente, há outros critérios. Uma obra dessas gera crescimento, cria empregos, estimula o consumo e, principalmente, aumenta o PIB regional. É a previsão do crescimento econômico − afirmou com segurança a autoridade.
Uma das atitudes do cidadão, que acredita viver numa democracia participativa, é ouvir calado as justificativas cínicas das autoridades do país.


04/08/2008

INFLAÇÃO DE ECONOMISTAS

Há alguns meses, economistas e jornalistas ditos de economia − especialistas em porcentagens − que freqüentam os noticiários estavam eufóricos com o sucesso do PIB e do “crescimento”. Diziam que estávamos imunes aos preços do petróleo, das commodities e dos alimentos. Reservas em dólares alicerçavam nossa condição de celeiro do mundo. Por sobre tudo, a fonte inesgotável do etanol e do biodiesel nos afiançaria como potência emergente.
− Qual seu comentário sobre o recrudescimento da inflação? − perguntou o economista à jornalista especializada.
− É. Está de volta. Não só aqui. É um fenômeno mundial, né. Mais consumo, mais salário, mais emprego. Começou a virada. É mais gente comendo.
− O pessoal aí tá dizendo − pessoal são os economistas nacionais, gente do governo e analistas internacionais − que faltou previsão, planejamento, percepção.
− Mas o índice do primeiro quarto do mês é menor do que o anterior − explica a jornalista. A tendência é de queda.
− Os preços nos supermercados ainda não sabem disso − provoca o economista com um riso amarelo.
− Mesmo que o preço do arroz não recue, o importante é o índice menor da pressão inflacionária.
− Como é possível conciliar a melhora do índice com a subida do preço de feijão, do tomate, do arroz, da carne? − se inquietou o economista.
− É. Vamos ver como as coisas ficam na semana que vem.
− Vamos esperar. Até segunda-feira. Bom fim de semana. Uma pausa. Já voltamos.
Enquanto o comentarista econômico tomava seu café, durante os comerciais, aproveitei para rir de tanta comicidade.
Se é verdade que, nos últimos anos, foram criados 4 milhões de empregos, hoje, o consumo mensal adicional é, pelo menos, de 4 milhões de quilogramas de arroz e de feijão. Sobra feijão no supermercado enquanto milhões de brasileiros não comem, o que ajuda a conter os índices de inflação.
O país não produz arroz e feijão todos os meses, não é mesmo?.

04/08/2008

ATHOS BULCÃO

Amigo e amante de Brasília.
Decorou-a. Embelezou-a.
Recriou-a em si e em seus murais.
Pensou como viver.
Viveu como pensou.
Athos Bulcão é uma revoada de andorinhas
que vão e que vêm.
Athos Bulcão é e está,
para sempre, nos templos, nos teatros, nas universidades,
nos edifícios públicos, nas ruas, nas almas de quem o conheceu,
o ouviu e respeitou.
Athos Bulcão é e está.
Para sempre.


Eugênio Giovenardi
Brasília
31.07.2008

BAJULADORES

Ouço entrevistas de ministros. Ora é o das Minas e Energia. Ora é o dos Transportes ou Comunicações. Ora o da Justiça. Para ser ministro, a concluir dos termos das declarações, é preciso ter nascido com a virtude da bajulação ou tê-la imprescindivelmente adquirido.
Ministros não falam por si, por suas convicções, nem quando justificam a duplicação de uma rodovia, ou anunciam a construção de uma usina hidrelétrica. O principal argumento que utilizam é a vontade do chefe, a intenção do Presidente ou Governador.
O Presidente recomendou, o Presidente me ordenou, o Presidente está preocupado com as conseqüências, o Presidente preferiu dar aumento aos professores e militares, o Presidente quer incrementar o subsídio do Bolsa Família. O Presidente, por sua vez, apela para a mãe do PAC. A senhora mãe do PAC afirma que é ordem do Presidente.
E dizem que o Presidente não sabe de nada, que não viu, que não leu.
O Presidente sabe que os bancos estão acumulando lucros fantásticos. Ao conselheiro e confidente revelou seu pensamento filosófico sobre a usura bancária: “É melhor que os bancos tenham grandes lucros do que precisar de um programa de governo para salvá-los”.
Pedro de Montemor, ao ler essa declaração, telefonou-me. Sua voz tremia na linha. Temi pelo risco de um enfarto.
− Que foi Montemor? Você está passando mal?
− Sofri um ataque de estupefação. O Estado brasileiro chegou ao ponto do não-retorno. Ou os bancos se enchem de lucros ou o governo estaria disposto a salvá-los. Salvar bancos? Por que um banco não pode quebrar?
Acalmei-o.
O Presidente sabe de tudo. Manda em todos. Ordena o que lhe parece melhor. Emprega e demite seus auxiliares porque os conhece e sabe até onde e quando possam ser-lhe úteis.
Quando ele diz que não sabe de nada é apensas um gesto de humildade nordestina, para que os aloprados pensem que sabem mais do que ele.
O Presidente é experto.
Os ministros − Montemor − continuarão dizendo que tudo é vontade do Presidente. Eles sabem que ele sabe tudo.