O Planalto Central é um divisor de águas. Não é um
pântano. As nascentes daqui levam águas para o Norte, Nordeste e Sul. Há
cinquenta anos, com o povoamento do Planalto Central, um duro golpe foi
desferido contra os mananciais e as nascentes de “águas cristalinas” como as
definiram os exploradores da Missão Cruls.
Na opinião do Prof. Henrique Chaves, Professor da
Universidade de Brasília (UnB), “Em pouco tempo, os mananciais de água que
servem à população de Brasília poderão estar esgotados.” A situação para o
brasiliense já chegou ao ponto crítico. Segundo recomendação da ONU, quando a
disponibilidade de água bruta é de 1.750 metros cúbicos por habitante/ano a
realidade hídrica já pode ser considerada preocupante. A disponibilidade de
água na capital do país é de 500 metros cúbicos habitante/ano. Menos de um
terço do que é recomendado. (Correio Braziliense, 29.10.2011) A escassez de
água está encaminhando erroneamente moradores da cidade e do campo a buscar nas
reservas subterrâneas, por meio de poços artesianos, as águas que abastecem as
nascentes em detrimento dos cursos fluviais. Secam-se os mananciais. Secam-se
os córregos. Desertifica-se o ambiente.
Além do superpovoamento da área em relação à
capacidade de suporte hídrico, a grande plantação de eucaliptos para produção
de celulose e a agricultura irrigada de soja e de milho para exportação, nas
áreas circunvizinhas, tornam ainda mais crítica a disponibilidade de água no
DF.
A ineficiente fiscalização dos órgãos ambientais e a
ênfase dada ao crescimento da produção de commodities, em detrimento dos
cuidados exigidos pela natureza frágil do cerrado, aceleram o processo de extinção
de olhos d’água e a poluição de mananciais, rios e lagos. O que pode minorar
essa situação crítica é a captação das águas da chuva. Nas cidades, o uso das
águas captadas da chuva é alternativa para irrigação urbana, lavagem de ruas,
alimentação de chafarizes e alívio da secura estival.
No meio rural, na agricultura e em áreas de
preservação e recuperação vegetal, a captação se destina a melhorar os índices
de umidade, deter por mais tempo a água no solo, facilitar a recarga dos
aquíferos e fortalecer as nascentes superficiais. Com essa finalidade construo,
em meu Sítio das Neves (DF), – Área de Proteção Permanente –, pequenas
barragens de pedra ou barragens-castor desde 1996. A área do Sítio (70
hectares) é de 700 mil metros quadrados com vegetação típica de cerrado. A
precipitação média anual sobre a área mencionada é de 875 milhões de litros ou
875 mil metros cúbicos, quantidade nada desprezível. Em circunstâncias normais,
isto é, sem queimadas eventuais, a vegetação nativa guarda um quarto da
precipitação.
Quase duas centenas de barragens captam e detêm milhares
de metros cúbicos de água durante o período chuvoso, permitindo infiltração
mais profunda e percolação da água repondo a recarga dos aquíferos do subsolo.
A comunicação subterrânea das águas por efeito das barragens e do prolongamento
do período de umidade, após a chuva, incrementa o reflorestamento nativo e
consolida a recuperação de áreas degradadas pela agricultura irracional e queimadas
anuais.
Um plano de captação das águas da chuva no meio rural
deveria interessar ao Ministério da Agricultura, ao Ministério do
Desenvolvimento Rural, ao Ministério do Meio Ambiente, à Confederação Nacional
da Agricultura, aos sindicatos rurais e suas federações e confederações,
cooperativas agropecuárias e empresas públicas de pesquisa e extensão rural.
Existem, em alguns estados do Brasil, estímulos
financeiros para agricultores que se prontificam a recuperar áreas esgotadas
por processos de produção inadequados, compensando as perdas de renda pela
interrupção temporária e parcial da exploração agrícola.
ÁREA
URBANA
Os mananciais no DF são constituídos por milhares de
nascentes, também denominadas minas ou olhos d’água que formam pequenos córregos,
ribeirões e rios de estatura média. Eles alimentam bacias hidrográficas de
grande porte: Araguaia, Paranaíba e São Francisco. O primeiro se lança ao mar pelo
curso do Amazonas; o segundo conforma a bacia do Paraná e deságua no Mar del
Plata. O Velho Chico, depois de um percurso patriótico, ziguezagueando de Minas
Gerais a Alagoas, despeja diretamente no Atlântico.
O interesse na captação de águas pluviais se manifesta
em razão dos períodos bem determinados de chuva e estiagem. A captação de águas pluviais se destina a
compensar a escassez de água durante os meses secos aliviando a pressão sobre
os aquíferos subterrâneos e mananciais. O estudo e mapeamento das áreas sobre as quais cai o líquido
gratuitamente das nuvens indicarão o volume possível e necessário a ser captado
como reserva para o período de estiagem que, no Centro-Oeste, é de seis meses,
entre abril e setembro.
A área geográfica do Distrito Federal (DF) é de 5.822
km2, correspondendo a 582.200 hectares ou 5,822 bilhões de metros quadrados. Os
habitantes de Brasília dispõem de 100 m2 de área verde per capita. Plantam-se
70.000 árvores por ano, com critérios seletivos e discriminatórios, pois se
concentram em parques e no Plano Piloto, deixando os bairros de Brasília quase
desertos, mas as plantas são alternativa eficaz para captação e detenção de
águas da chuva.
A precipitação média anual, no quadrilátero do
Distrito Federal é de 1250 litros por metro quadrado, despejando aproximadamente
7,3 trilhões de litros sobre a área durante o período chuvoso de outubro a março.
É a soma da precipitação ocorrida sobre toda a área.
O Lago Paranoá que circunda a parte sul e leste de
Brasília se estende sobre uma área de 48 km2 ou uma extensão de 48 milhões de m2.
Estima-se que 60 bilhões de litros são derramados pela chuva sobre a superfície
do Lago Paranoá durante o período mencionado. A captação de água da chuva,
portanto, é feita diretamente pela superfície do Lago, além de recolher águas
que derivam de pequenos córregos que o formam. Grande parte dessas águas
levadas pelos córregos ao Lago pode ser captada em vários pontos estratégicos
do DF, no Plano Piloto e bairros de Brasília, sem prejuízo do Lago, da flora
circundante e da fauna aquática e terrestre.
Permito-me um exercício matemático para demonstrar o
volume de água que a chuva despeja sobre uma Superquadra da cidade de Brasília,
assim denominadas os quarteirões da cidade. As superquadras têm uma área média
de 82.000m2. Uma SQ recebe, em média, durante o período pluvial, 95,5 milhões
de litros de água.
A superfície verde de uma SQ representa 40% ou 32 mil m2
de sua área total. Admitindo-se que, para irrigá-la uma vez por semana, se necessitem
5 litros por m2, o volume necessário de água para as 24 semanas de
estiagem é de, aproximadamente, 3,6 milhões de litros. O volume de água
necessária para irrigação durante o período seco representa menos de 4% da
precipitação ocorrida sobre a SQ. Reservatórios subterrâneos de água, em forma
de galerias, construídos em distintos pontos da SQ, captariam esse volume e sua
distribuição a todas as partes da SQ seria operada por meio de bombas hidráulicas
instaladas neles. Há outros pontos em que a captação das águas pode ser feita
diretamente de reservatórios naturais, como o Parque Água Mineral e o Parque
Olhos d’Água, para os quais se necessita apenas uma rede tubular para
distribuição.
Na Asa Sul de Brasília, com 64 SQ, se poderiam acumular
230,4 milhões de litros de água durante a estação de chuvas, volume que
corresponde a menos de 4% da precipitação nessa área (6,1 bilhões). Em
consequência, pouparia água durante o período seco, não afetaria os aquíferos
subterrâneos e aliviaria a sensação de clima desértico nesse perímetro urbanizado
DF.
Dadas as características do clima do Planalto Central
e as mudanças climáticas ocasionadas pela intensa e desordenada urbanização, superpovoamento,
devastação da flora original, destruição impiedosa de mananciais, circulação
diária de um milhão de automóveis, Brasília apresenta demanda crescente e
diversificada de água. A demanda atual da cidade se iguala à oferta dos
mananciais existentes provedores de água. Além da provisão do líquido para
quase quatro milhões de habitantes, limpeza urbana, manutenção de jardins,
proteção das áreas verdes e produção de hortifrutigranjeiros, há um acréscimo, ano
a ano, da demanda de água, no período seco, impulsionada pelo aquecimento
gradativo da região e pelo aumento da população.
Os 650 canteiros de flores que embelezam a cidade absorvem
um milhão de litros de água por dia, ou 180 milhões de litros, durante os seis
meses secos, retirados do Lago Paranoá e outras reservas naturais. Brasília
abriga 150 milhões de m2 de grama. Essa superfície não recebe
irrigação durante a estiagem e é anualmente vítima de queimadas. Se a aspersão
usasse apenas um litro diário por m2, durante 150 dias, o volume
necessário de captação seria de 12,5 bilhões de litros o que corresponde a
menos de 7% da precipitação sobre os gramados urbanos. A localização dos
reservatórios é determinada pelas próprias áreas cobertas de grama, entre as
superquadras, vias de trânsito e na Esplanada dos Ministérios. Há, em Brasília
e bairros adjacentes, muitos pontos favoráveis à captação de águas da chuva.
Existem, nos órgãos públicos e instituições privadas, informações suficientes
para traçar um mapa de planejamento de captação hídrica.
A população, premida pela intensa urbanização, cercada
de prédios e avenidas asfaltadas, sufocada pelo mormaço e pela secura se
sentiria melhor. As árvores abrigariam mais pássaros, a grama não se
esturricaria e haveria menos perigo de queimadas dentro da cidade. Aliviar-se-iam
também os pontos de alagamento de ruas, avenidas, tesourinhas e viadutos.
A necessidade de captação de águas da chuva para
compensar o déficit per capita/dia, se
manifesta pela situação crítica de disponibilidade de água para o habitante do
DF. O brasiliense dispõe de 1,4 m3 por dia, três vezes menos do que
é aceito como ideal (4,8 m3) pela ONU. Apesar desse déficit, centenas de cidades são
anualmente inundadas por abundantes águas que transbordam de córregos e rios
que as atravessam, causando mortes, desalojamentos de famílias e devastação
ambiental. Só este fato deveria ser razão suficientemente forte para convencer
os administradores da coisa pública a tomar decisões imediatas sobre a captação
racional de águas da chuva.
A tecnologia de captação de águas pluviais é
praticada, em algumas cidades brasileiras, em pequena escala e para uso
restrito. Essa mesma tecnologia pode ser estendida à captação em grande escala
utilizando os conhecimentos, o maquinário e os engenheiros que abrem túneis,
vias subterrâneas de metrô, estacionamentos no subsolo.
Não existe problema insolúvel! Basta
querer enfrentá-lo. Com a tecnologia disponível e a capacidade técnica de
nossas universidades e engenheiros qualificados é possível pôr em execução um
sistema de captação e aproveitamento das águas pluviais abundantes no país,
eliminando grande parte dos desastres provocados pela incúria e falta quase
absoluta de planejamento urbano.
Nos últimos cinquenta anos, um número cada
vez maior de cidades, inclusive Brasília e seus bairros, são atingidos por
inundações, algumas delas de tamanho trágico em vidas perdidas e destruição de
monumentos e equipamentos. Apesar de tudo, nossas dificuldades são menores do
que as de outros países e podem ser superadas com a tecnologia existente no
país e com a capacidade inventiva de engenheiros e planejadores urbanos.
A arena esportiva, denominada Estádio Nacional de
Brasília, segundo consta de seu projeto (Correio Braziliense, 29.10.20110), a
água da chuva será captada e armazenada em tanques embaixo do campo de futebol,
utilizando-se de tecnologia comprovada. A água será usada para irrigar a grama
e lavar o estádio. Existe, portanto, tecnologia. Definitivamente importante é a
decisão de executar medidas adequadas para a captação e aproveitamento das
águas pluviais. Estacionamentos, túneis de metrô, pouco diferem de galerias
para captação de águas pluviais. Com as devidas mudanças, os procedimentos, a
tecnologia, as máquinas e o dinheiro podem fazer diferentes obras para fins
nobres.
A execução dessa importante, essencial e necessária
obra de captação de águas pluviais esbarra numa dificuldade política de
estabelecer prioridades inteligentes que tenham sentido humano. Há que se
transpor esse obstáculo com uma atuação firme e constante de órgãos de
representação dos interesses coletivos junto a instituições públicas e ao
Congresso Nacional, com o fim de estabelecer orçamentos plurianuais adequados a
executar projetos de captação de águas da chuva.
Em tempos em que a geração de emprego e consequente
distribuição inteligente dos impostos parecem determinantes para enfrentar a
crise na economia mundial da qual o Brasil participa, projetos desse gênero,
além de atender às emergências econômicas, resolvem também as emergências em
que anualmente nossas cidades se veem condenadas.
A título de ilustração, a experiência japonesa no
trato com fenômenos naturais de grande envergadura pode ser um estímulo para
vencermos dificuldades geometricamente menores do que as enfrentadas naquele
país.
O Japão é provavelmente um dos países mais
ricos e desenvolvidos do mundo. Sua população tem acesso à melhor educação, a
um eficiente sistema de saúde e onde investimentos em tecnologias avançadas são
feitos. Assolado por terremotos, tufões e tsunamis, o Japão utiliza sua
impressionante tecnologia para se proteger dos efeitos arrasadores dos
fenômenos naturais. A intensa urbanização de Tóquio se assemelha à de São Paulo
e a de centenas de cidades brasileiras.
Anualmente, uns 25 tufões assolam o
território japonês. Desses, dois ou três atingem Tóquio em cheio, com chuvas
fortíssimas durante várias horas ou até um dia inteiro. Mas nem por isso
ocorrem enchentes ou alagamentos na cidade.
Observem-se os subterrâneos construídos para entender porque
Tóquio não se alaga. (Informações
disponíveis na Internet. Blog de Carol Daemon)
O subsolo de Tóquio alberga uma fantástica infraestrutura cujo aspecto se assemelha ao cenário de um jogo de computador ou a um templo de uma civilização remota. Cinco poços de 32m de diâmetro por 65m de profundidade, interligados por 64 km de túneis, formam um colossal sistema de drenagem de águas pluviais destinado a impedir a inundação da cidade durante a época das chuvas.
A dimensão
deste complexo subterrâneo desafia toda a imaginação. É uma obra de engenharia
sofisticadíssima realizada em betão, situada 50m abaixo do solo, fato
extraordinário num país constantemente sujeito a abalos sísmicos e onde quase
todas as infraestruturas são aéreas. A sua função é não apenas acumular as
águas pluviais como também evacuá-las em direção a um rio, caso seja
necessário. Para isso, dispõe de 14.000 HP de turbinas capazes de bombear para
o exterior cerca de 200 mil litros de água por segundo.
Um comentário:
TINHÃO QUE FAZER UM DESTE EM SÃO PAULO
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