quinta-feira, 24 de novembro de 2011

CAPTAÇÃO DE ÁGUAS PLUVIAIS

ÁREA RURAL

O Planalto Central é um divisor de águas. Não é um pântano. As nascentes daqui levam águas para o Norte, Nordeste e Sul. Há cinquenta anos, com o povoamento do Planalto Central, um duro golpe foi desferido contra os mananciais e as nascentes de “águas cristalinas” como as definiram os exploradores da Missão Cruls.
Na opinião do Prof. Henrique Chaves, Professor da Universidade de Brasília (UnB), “Em pouco tempo, os mananciais de água que servem à população de Brasília poderão estar esgotados.” A situação para o brasiliense já chegou ao ponto crítico. Segundo recomendação da ONU, quando a disponibilidade de água bruta é de 1.750 metros cúbicos por habitante/ano a realidade hídrica já pode ser considerada preocupante. A disponibilidade de água na capital do país é de 500 metros cúbicos habitante/ano. Menos de um terço do que é recomendado. (Correio Braziliense, 29.10.2011) A escassez de água está encaminhando erroneamente moradores da cidade e do campo a buscar nas reservas subterrâneas, por meio de poços artesianos, as águas que abastecem as nascentes em detrimento dos cursos fluviais. Secam-se os mananciais. Secam-se os córregos. Desertifica-se o ambiente.
Além do superpovoamento da área em relação à capacidade de suporte hídrico, a grande plantação de eucaliptos para produção de celulose e a agricultura irrigada de soja e de milho para exportação, nas áreas circunvizinhas, tornam ainda mais crítica a disponibilidade de água no DF.
A ineficiente fiscalização dos órgãos ambientais e a ênfase dada ao crescimento da produção de commodities, em detrimento dos cuidados exigidos pela natureza frágil do cerrado, aceleram o processo de extinção de olhos d’água e a poluição de mananciais, rios e lagos. O que pode minorar essa situação crítica é a captação das águas da chuva. Nas cidades, o uso das águas captadas da chuva é alternativa para irrigação urbana, lavagem de ruas, alimentação de chafarizes e alívio da secura estival.
No meio rural, na agricultura e em áreas de preservação e recuperação vegetal, a captação se destina a melhorar os índices de umidade, deter por mais tempo a água no solo, facilitar a recarga dos aquíferos e fortalecer as nascentes superficiais. Com essa finalidade construo, em meu Sítio das Neves (DF), – Área de Proteção Permanente –, pequenas barragens de pedra ou barragens-castor desde 1996. A área do Sítio (70 hectares) é de 700 mil metros quadrados com vegetação típica de cerrado. A precipitação média anual sobre a área mencionada é de 875 milhões de litros ou 875 mil metros cúbicos, quantidade nada desprezível. Em circunstâncias normais, isto é, sem queimadas eventuais, a vegetação nativa guarda um quarto da precipitação.
Quase duas centenas de barragens captam e detêm milhares de metros cúbicos de água durante o período chuvoso, permitindo infiltração mais profunda e percolação da água repondo a recarga dos aquíferos do subsolo. A comunicação subterrânea das águas por efeito das barragens e do prolongamento do período de umidade, após a chuva, incrementa o reflorestamento nativo e consolida a recuperação de áreas degradadas pela agricultura irracional e queimadas anuais.
Um plano de captação das águas da chuva no meio rural deveria interessar ao Ministério da Agricultura, ao Ministério do Desenvolvimento Rural, ao Ministério do Meio Ambiente, à Confederação Nacional da Agricultura, aos sindicatos rurais e suas federações e confederações, cooperativas agropecuárias e empresas públicas de pesquisa e extensão rural.
Existem, em alguns estados do Brasil, estímulos financeiros para agricultores que se prontificam a recuperar áreas esgotadas por processos de produção inadequados, compensando as perdas de renda pela interrupção temporária e parcial da exploração agrícola.


ÁREA URBANA

Os mananciais no DF são constituídos por milhares de nascentes, também denominadas minas ou olhos d’água que formam pequenos córregos, ribeirões e rios de estatura média. Eles alimentam bacias hidrográficas de grande porte: Araguaia, Paranaíba e São Francisco. O primeiro se lança ao mar pelo curso do Amazonas; o segundo conforma a bacia do Paraná e deságua no Mar del Plata. O Velho Chico, depois de um percurso patriótico, ziguezagueando de Minas Gerais a Alagoas, despeja diretamente no Atlântico.
O interesse na captação de águas pluviais se manifesta em razão dos períodos bem determinados de chuva e estiagem.  A captação de águas pluviais se destina a compensar a escassez de água durante os meses secos aliviando a pressão sobre os aquíferos subterrâneos e mananciais. O estudo e mapeamento das  áreas sobre as quais cai o líquido gratuitamente das nuvens indicarão o volume possível e necessário a ser captado como reserva para o período de estiagem que, no Centro-Oeste, é de seis meses, entre abril e setembro.
A área geográfica do Distrito Federal (DF) é de 5.822 km2, correspondendo a 582.200 hectares ou 5,822 bilhões de metros quadrados. Os habitantes de Brasília dispõem de 100 m2 de área verde per capita. Plantam-se 70.000 árvores por ano, com critérios seletivos e discriminatórios, pois se concentram em parques e no Plano Piloto, deixando os bairros de Brasília quase desertos, mas as plantas são alternativa eficaz para captação e detenção de águas da chuva.
A precipitação média anual, no quadrilátero do Distrito Federal é de 1250 litros por metro quadrado, despejando aproximadamente 7,3 trilhões de litros sobre a área durante o período chuvoso de outubro a março. É a soma da precipitação ocorrida sobre toda a área.
O Lago Paranoá que circunda a parte sul e leste de Brasília se estende sobre uma área de 48 km2 ou uma extensão de 48 milhões de m2. Estima-se que 60 bilhões de litros são derramados pela chuva sobre a superfície do Lago Paranoá durante o período mencionado. A captação de água da chuva, portanto, é feita diretamente pela superfície do Lago, além de recolher águas que derivam de pequenos córregos que o formam. Grande parte dessas águas levadas pelos córregos ao Lago pode ser captada em vários pontos estratégicos do DF, no Plano Piloto e bairros de Brasília, sem prejuízo do Lago, da flora circundante e da fauna aquática e terrestre.
Permito-me um exercício matemático para demonstrar o volume de água que a chuva despeja sobre uma Superquadra da cidade de Brasília, assim denominadas os quarteirões da cidade. As superquadras têm uma área média de 82.000m2. Uma SQ recebe, em média, durante o período pluvial, 95,5 milhões de litros de água.
A superfície verde de uma SQ representa 40% ou 32 mil m2 de sua área total. Admitindo-se que, para irrigá-la uma vez por semana, se necessitem 5 litros por m2, o volume necessário de água para as 24 semanas de estiagem é de, aproximadamente, 3,6 milhões de litros. O volume de água necessária para irrigação durante o período seco representa menos de 4% da precipitação ocorrida sobre a SQ. Reservatórios subterrâneos de água, em forma de galerias, construídos em distintos pontos da SQ, captariam esse volume e sua distribuição a todas as partes da SQ seria operada por meio de bombas hidráulicas instaladas neles. Há outros pontos em que a captação das águas pode ser feita diretamente de reservatórios naturais, como o Parque Água Mineral e o Parque Olhos d’Água, para os quais se necessita apenas uma rede tubular para distribuição.
Na Asa Sul de Brasília, com 64 SQ, se poderiam acumular 230,4 milhões de litros de água durante a estação de chuvas, volume que corresponde a menos de 4% da precipitação nessa área (6,1 bilhões). Em consequência, pouparia água durante o período seco, não afetaria os aquíferos subterrâneos e aliviaria a sensação de clima desértico nesse perímetro urbanizado DF.
Dadas as características do clima do Planalto Central e as mudanças climáticas ocasionadas pela intensa e desordenada urbanização, superpovoamento, devastação da flora original, destruição impiedosa de mananciais, circulação diária de um milhão de automóveis, Brasília apresenta demanda crescente e diversificada de água. A demanda atual da cidade se iguala à oferta dos mananciais existentes provedores de água. Além da provisão do líquido para quase quatro milhões de habitantes, limpeza urbana, manutenção de jardins, proteção das áreas verdes e produção de hortifrutigranjeiros, há um acréscimo, ano a ano, da demanda de água, no período seco, impulsionada pelo aquecimento gradativo da região e pelo aumento da população.
Os 650 canteiros de flores que embelezam a cidade absorvem um milhão de litros de água por dia, ou 180 milhões de litros, durante os seis meses secos, retirados do Lago Paranoá e outras reservas naturais. Brasília abriga 150 milhões de m2 de grama. Essa superfície não recebe irrigação durante a estiagem e é anualmente vítima de queimadas. Se a aspersão usasse apenas um litro diário por m2, durante 150 dias, o volume necessário de captação seria de 12,5 bilhões de litros o que corresponde a menos de 7% da precipitação sobre os gramados urbanos. A localização dos reservatórios é determinada pelas próprias áreas cobertas de grama, entre as superquadras, vias de trânsito e na Esplanada dos Ministérios. Há, em Brasília e bairros adjacentes, muitos pontos favoráveis à captação de águas da chuva. Existem, nos órgãos públicos e instituições privadas, informações suficientes para traçar um mapa de planejamento de captação hídrica.
A população, premida pela intensa urbanização, cercada de prédios e avenidas asfaltadas, sufocada pelo mormaço e pela secura se sentiria melhor. As árvores abrigariam mais pássaros, a grama não se esturricaria e haveria menos perigo de queimadas dentro da cidade. Aliviar-se-iam também os pontos de alagamento de ruas, avenidas, tesourinhas e viadutos.
A necessidade de captação de águas da chuva para compensar o déficit per capita/dia, se manifesta pela situação crítica de disponibilidade de água para o habitante do DF. O brasiliense dispõe de 1,4 m3 por dia, três vezes menos do que é aceito como ideal (4,8 m3) pela ONU. Apesar desse déficit, centenas de cidades são anualmente inundadas por abundantes águas que transbordam de córregos e rios que as atravessam, causando mortes, desalojamentos de famílias e devastação ambiental. Só este fato deveria ser razão suficientemente forte para convencer os administradores da coisa pública a tomar decisões imediatas sobre a captação racional de águas da chuva.
A tecnologia de captação de águas pluviais é praticada, em algumas cidades brasileiras, em pequena escala e para uso restrito. Essa mesma tecnologia pode ser estendida à captação em grande escala utilizando os conhecimentos, o maquinário e os engenheiros que abrem túneis, vias subterrâneas de metrô, estacionamentos no subsolo.
Não existe problema insolúvel! Basta querer enfrentá-lo. Com a tecnologia disponível e a capacidade técnica de nossas universidades e engenheiros qualificados é possível pôr em execução um sistema de captação e aproveitamento das águas pluviais abundantes no país, eliminando grande parte dos desastres provocados pela incúria e falta quase absoluta de planejamento urbano.
Nos últimos cinquenta anos, um número cada vez maior de cidades, inclusive Brasília e seus bairros, são atingidos por inundações, algumas delas de tamanho trágico em vidas perdidas e destruição de monumentos e equipamentos. Apesar de tudo, nossas dificuldades são menores do que as de outros países e podem ser superadas com a tecnologia existente no país e com a capacidade inventiva de engenheiros e planejadores urbanos.
A arena esportiva, denominada Estádio Nacional de Brasília, segundo consta de seu projeto (Correio Braziliense, 29.10.20110), a água da chuva será captada e armazenada em tanques embaixo do campo de futebol, utilizando-se de tecnologia comprovada. A água será usada para irrigar a grama e lavar o estádio. Existe, portanto, tecnologia. Definitivamente importante é a decisão de executar medidas adequadas para a captação e aproveitamento das águas pluviais. Estacionamentos, túneis de metrô, pouco diferem de galerias para captação de águas pluviais. Com as devidas mudanças, os procedimentos, a tecnologia, as máquinas e o dinheiro podem fazer diferentes obras para fins nobres.
A execução dessa importante, essencial e necessária obra de captação de águas pluviais esbarra numa dificuldade política de estabelecer prioridades inteligentes que tenham sentido humano. Há que se transpor esse obstáculo com uma atuação firme e constante de órgãos de representação dos interesses coletivos junto a instituições públicas e ao Congresso Nacional, com o fim de estabelecer orçamentos plurianuais adequados a executar projetos de captação de águas da chuva.
Em tempos em que a geração de emprego e consequente distribuição inteligente dos impostos parecem determinantes para enfrentar a crise na economia mundial da qual o Brasil participa, projetos desse gênero, além de atender às emergências econômicas, resolvem também as emergências em que anualmente nossas cidades se veem condenadas.
A título de ilustração, a experiência japonesa no trato com fenômenos naturais de grande envergadura pode ser um estímulo para vencermos dificuldades geometricamente menores do que as enfrentadas naquele país.
O Japão é provavelmente um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo. Sua população tem acesso à melhor educação, a um eficiente sistema de saúde e onde investimentos em tecnologias avançadas são feitos. Assolado por terremotos, tufões e tsunamis, o Japão utiliza sua impressionante tecnologia para se proteger dos efeitos arrasadores dos fenômenos naturais. A intensa urbanização de Tóquio se assemelha à de São Paulo e a de centenas de cidades brasileiras.
Anualmente, uns 25 tufões assolam o território japonês. Desses, dois ou três atingem Tóquio em cheio, com chuvas fortíssimas durante várias horas ou até um dia inteiro. Mas nem por isso ocorrem enchentes ou alagamentos na cidade.
Observem-se os subterrâneos construídos para entender porque Tóquio não se alaga. (Informações disponíveis na Internet. Blog de Carol Daemon)



O subsolo de Tóquio alberga uma fantástica infraestrutura cujo aspecto se assemelha ao cenário de um jogo de computador ou a um templo de uma civilização remota. Cinco poços de 32m de diâmetro por 65m de profundidade, interligados por 64 km de túneis, formam um colossal sistema de drenagem de águas pluviais destinado a impedir a inundação da cidade durante a época das chuvas.



A dimensão deste complexo subterrâneo desafia toda a imaginação. É uma obra de engenharia sofisticadíssima realizada em betão, situada 50m abaixo do solo, fato extraordinário num país constantemente sujeito a abalos sísmicos e onde quase todas as infraestruturas são aéreas. A sua função é não apenas acumular as águas pluviais como também evacuá-las em direção a um rio, caso seja necessário. Para isso, dispõe de 14.000 HP de turbinas capazes de bombear para o exterior cerca de 200 mil litros de água por segundo.



Um comentário:

Anônimo disse...

TINHÃO QUE FAZER UM DESTE EM SÃO PAULO