A cidade que habito, adotou-me há quarenta anos. Brasília nasceu
da cabeça, da prancheta e da régua do Dr. Lúcio Costa. Plantada na vastidão de
um planalto, se tornou uma formosa ilha verde cercada de casas inacabadas por
todos os lados. Uma galeria de monumentos desenhados pelo arquiteto Oscar Niemeyer
brotam do chão árido e apontam para cima perdidos no ar.
Presidente da República,
uma pilha de 37 Ministros de Estado, não sei quantos outros ministros de Supremas
Cortes, de Tribunais civis e militares, de Conselhos, Autarquias,
Controladorias e uma centena de embaixadores do mundo se abrigam aqui. Em edifícios
de alta rotatividade, se alojam 80 senadores, 513 deputados federais e 15 mil
agregados da produção de leis.
A cidade que habito é cortada por artérias, ruas, ruelas,
calçadas, avenidas, eixos, eixinhos, eixões que desembocam na Esplanada dos
Ministérios ociosos. A cidade que habito é uma enorme rodoviária atopetada de
automóveis, ônibus e motos. Imenso estacionamento onde se guarda o sonho
brasileiro e o máximo valor da nova moral do consumo. Nele mourejam centenas de
cuidadores e lavadores de sonhos e valores.
A cidade que habito é tetraplégica. Anda em cadeira de rodas.
Para uso de pedestres diaristas, domésticas, vigilantes e vagabundos, de
olhares medrosos e passos apressados, há
passagens subterrâneas à meia-luz que cheiram a cloacas e vômitos.A cidade que habito, ainda jovem, modelo arquitetônico nas passarelas do mundo, é submetida a implantes, próteses, vasectomias, plásticas e puxadinhos.
Na cidade que habito, à noite, passam todos os astros do
universo, grandes e pequenos, conhecidos e desconhecidos para se mirarem nas águas
do Lago Paranoá.
Sou feliz na cidade que habito e saio à noite para ver
estrelas.
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