sábado, 30 de outubro de 2010

DE PERNAS PARA O AR



DE PERNAS PARA O AR

Manuelzinho é meu auxiliar na manutenção do funcionamento da Biblioteca Popular do Engenho das Lajes, localidade pobre e afastada, nos limites fronteiriços do Distrito Federal com o estado de Goiás, a 50 quilômetros do Palácio do Planalto.
É muito prestativo e tem bons comentários sobre temas essenciais como honestidade, retidão, moralidade política, vida familiar, religião. Não terminou, em criança, a escola primária por razões próprias de um país grande, com população maior do que a possível capacidade de ser atendida. Está desempregado, pois não tem especialização alguma e passou dos 40 anos.
Sua tarefa é limpar a sala, tirar o pó das estantes e dos livros. Nesse processo de limpeza, de retirar os livros e recolocá-los repete-se um fato inexplicável. O curioso é que os livros voltam ao lugar de cabeça para baixo. Já havia notado várias vezes que, nas estantes da biblioteca de minha casa, a diarista comete o mesmo ato. Mostrei a ambos o lado correto e em qual posição devem estar os livros depois de limpos.
- Veja, Manuel, o dorso do livro fica para fora e, esta parte, onde está o título da obra e o nome do autor, põe-se para cima.
Disse o mesmo, várias vezes, à diarista. Dias atrás, uma leitora procurava um livro de poesia. Fui à estante para lhe mostrar a possível obra. Todos os livros estavam de cabeça para baixo.
Pedi a atenção de Manuelzinho. Olhou-me e se escusou: "Acho que me enganei". A resposta não me convenceu. É difícil mesmo saber qual é a explicação. Pode ser simplesmente um gesto automático que vem do trabalho que ambos, Manuelzinho e a diarista, praticam. O tijolo que ele assenta tem dois lados. Talvez não faça diferença o lado que escolher.
As cadeiras que a diarista afasta da mesa para limpar o chão não tem ordem determinada. Todas são iguais. A troca de lugar não altera o resultado
O livro é tratado da mesma forma, desde que volte para a prateleira e a qualquer prateleira.
Embora eu tenha separado poesia, prosa, geografia, história, isto não é tomado com o mesmo rigor nem compromete para eles a harmonia e a amizade dos livros.
Não tenho opinião formada, ainda, sobre esse fenômeno. São especulações, até eu conseguir a verdadeira razão. O fato é que a falta de familiaridade com os livros os faz ver o mundo de pernas para o ar. A resposta de Manuelzinho, constrangido de seu ato, não me convenceu. Ele mesmo não sabia explicar como isso acontecera.
Minha hipótese, observando os rumos de nossa política e os métodos de educação generalizados, é que o analfabeto vê o mundo de pernas para o ar. O livro é um pequeno mundo de pernas para o ar. Alfabetizar-se, ler e fazer contas é endireitar o mundo. É pôr o mundo de cabeça para cima. Esta é a finalidade da biblioteca. Manuelzinho ainda vai ver o mundo com os pés no chão e de cabeça para cima.
Esta incapacidade primitiva de distinguir o em cima e o embaixo resulta em trabalhos mal-acabados de pedreiros, marceneiros, pintores, digitadores, diaristas, administradores públicos, professores e vendedores de equipamentos de alta tecnologia. O “mais ou menos” ainda é uma regra observada com espontaneidade pela maioria dos prestadores de serviços. Chegaremos, um dia, à perfeição de aceitar que a linha reta é a menor distância entre dois pontos, mas, por enquanto, não é a mais fácil de traçar.

BORBOLETAS




Identidade é o que faz uma coisa ser da mesma natureza de outra. Do latim “idem”, que significa igual, o mesmo. É um conjunto de circunstâncias que fazem uma pessoa ser essa tal pessoa. A cédula de identidade, em geral, contém os dados que comprovam ser tal pessoa a que está diante de nós.
A confrontação da identidade é importante na vida social e política para se crer e julgar a pessoa por seus pensamentos e atos. A identidade individual garante que fulano seja julgado nos tribunais, na responsabilização maternal ou paternal, na legitimidade da liderança política ou em qualquer outro ramo da atividade humana ou societária.
É comum, no exercício da política, não dar total ou muita importância ao princípio da identidade. Seria até um ato de delírio esperar de um político ou candidato o comportamento da lógica matemática que exista entre dois elementos (a = a), isto é, poder igual a ideário partidário.
Dostoievski é o mesmo escritor de Os Irmãos Karamázovi, de O Jogador, de Os Demônios e de O Idiota. Um político, porém, sofre transformação e metamorfose em seu pensamento, em seu discurso, em seus atos e até em seu caráter. No curso de sua vida, rumo ao poder de legislar, decidir e executar os voos da bela e colorida borboleta, o político pode estar em contradição com a lagarta ou o casulo, suas formas primitivas. O político, ou o candidato a político, já não se identifica consigo. Ele toma a forma do poder e das circunstâncias que identificam o político com as virtudes do posto cobiçado.
Ao longo dessa metamorfose, o político guarda reminiscências de sua identidade ocultas no casulo e quem aparece é a borboleta. Palavras ardilosas foram criadas pelas borboletas em sua ânsia de pousar sobre as flores do poder. E, aos poucos, graças a elas, as características da lagarta e do casulo ficam submergidas nas fases primitivas.
Entre essas palavras está a massa operária ou, simplesmente, massa. Supõe-se que a massa não tenha identidade individual. É a multidão de lagartas idênticas umas às outras dispostas a pelarem uma árvore para garantir a vida efêmera da borboleta. O pobre ou a pobreza, o rico ou a riqueza dão outras características para ressaltar a nobreza da borboleta. Era uma reles e humilde lagarta e, hoje, pousa sobre flores para chupar o néctar do poder.
No período eleitoral, o processo da metamorfose política se presta à habilidade dos ilusionistas. Não raro, se não regra, os candidatos escondem cuidadosamente seu período de lagarta, isto é, o que pensavam e o que diziam do poder e de sua ambição futura de borboletas políticas. A flor do poder fez a borboleta mudar de opinião sobre o sabor do mel, a fragilidade de suas asas e a brevidade de seu reinado político.
Em época de eleições, pelo escasso conhecimento biológico da metamorfose e transformação dos candidatos, é difícil atinar se estamos votando na lagarta, no casulo ou na borboleta.
A borboleta política corre o risco biológico de se tornar um espécime teratológico, produto de distintas lagartas que desfolham, previamente, a árvore do poder.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

HELIODORA

Amigas e amigos,
leitores anônimos
É-me prazeroso comunicar que  HELIODORA - meu quarto romance - pode ser seduzida, dentro de alguns dias,  nas seguintes livrarias:

Café com Letras
SCLS 203 Bloco “C” Loja 19 - 3322-5070  Café.letras@gmail.com
Livraria do Chico 
Campus Universitário Darci Ribeiro – UnB   3307-3254
Cotidiano Livraria 
SCLS 201 Bloco “C” Loja 15   3224-3439
Livraria Cultura
Casa ParkSGCV Sul Lote 22 – Casa Park Center  3410-4033
Livraria Cultura Iguatemi
Lago Norte
Dom Quixote
CLN 406 Bloco “D” Loja 04   3039-7979
Livraria e Editora Aplicada
SRTVN Quadra 702 Ed. Radio Center   3349-0399
Livraria Hildebrando
Prédio da Casa do Professor – UnB  3307-1333
Sebinho Livraria
SCLN 406 Bloco “C” Loja 44    3447-4444
Vozes
SCLR/Norte Quadra 704 Bloco “A” Nº 15  3326-2436
HELIODORA 

Alagoas é um estado do Nordeste conhecido por seus engenhos de cana, por suas praias acolhedoras, por suas rendas cuidadosas produzidas por mãos habilidosas de gente simples e criativa. Uma de suas particularidades pouco explicadas é o alto número de cidadãos não registrados nos cartórios. Trinta em cada cem.
Um de seus políticos foi levado à Presidência da República pelo voto popular, representando a dita República de Alagoas e, posteriormente, rejeitado nas urnas de seu próprio estado.
Alagoas não é tão grande. De Maceió a Delmiro Gouveia, no outro extremo, são poucas horas por rodovia. Zona da Mata e zonas áridas compõem o cenário da vida econômica e social do povo. Os canaviais produziram riqueza e pobreza. A devastação ambiental originada da agricultura predatória da cana-de-açúcar, da produção fumageira e de cultivos de subsistência acarretou graves consequências sobre cidades e povoados destruídos por um raro fenômeno natural.
O petróleo, em compensação, irriga a economia. Mas Alagoas não se livrou da estrutura de classes, da miserável à elite, igual à que se espalha pelo país continental. As estatísticas revelam números, mas suas antenas não captam todos os sinais que emitem as populações isoladas entre a seca e as enchentes . É desse mundo fora das estatísticas que emigram Heliodora e Alcemiro em busca do país novo anunciado na TV e no rádio e que eles desconhecem.
Brasília foi o grito de alerta para despertar o Brasil adormecido, “deitado eternamente em berço esplêndido”. Milhões de brasileiros acordaram. Os excluídos e expulsos do Nordeste pela incúria dos governos e pelas duras circunstâncias do dia a dia tomaram um caminhão  pau-de-arara e desembarcaram na moderna capital do Brasil. Vieram, democraticamente, acomodar-se no Patrimônio Cultural da Humanidade para serem imortais como os criadores desta ilha de silêncio, em meio a plantas retorcidas e fontes cristalinas, no Planalto Central.
Da periferia do país à margem da nova metrópole é um passo gigantesco. Ainda falta boa parte do caminho para completar o sonho dessa viagem empreendida.
Melhor seria que não se precisasse buscar no desconhecido o sonho que poderia ser conquistado no Sítio do Angico se outro fosse o olhar sobre nossa gente e nossa terra.

Humanamente
Eugênio

Meus Livros

1.    OS FILHOS DO CARDEAL – 1997 -  2a. Edição O homem proibido -  2009
2.    POEMAS IRREGULARES, 1998
3.    EM NOME DO SANGUE, 2002
4.    VENTOS DA ALMA, 2003
5.    OS POBRES DO CAMPO, 2003
6.    SOLITÁRIOS NO PARAÍSO, 2004
7.    O RETORNO DAS ÁGUAS, 2005
8.    A SAGA DE UM SÍTIO, 2007
9.    AS PEDRAS DE ROMA, 2009
10.  HELIODORA, 2010

(61) 9981-2807

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

POBREZA E DESIGUALDADE



Governos anteriores e o atual se propuseram a criar meios para facilitar o acesso da população pobre (dezenas de milhões) à comida diária. Hoje, distribuem-se bilhões de reais através do programa Bolsa Família. A contrapartida das famílias é a de manter os filhos na escola. Na escola, pouco se fez. Pouco melhorou. Não derramo aqui os dados oficiais do IBGE (2010)  que mostram quão longe está a educação das prioridades dos governos. O funcionamento das escolas depende do município e do estado federativo, sob o guarda-chuva do planejamento educativo e fiscalização do Ministério da Educação. Essa cadeia rola precariamente. Se, por um lado, houve mais comida na mesa dos pobres, nem por isso mudou seu estado de pobreza. Por outro lado, a desigualdade entre pobres e ricos; entre os que têm oportunidade de estudos adequados e atualizados e os que, há dezenas ou centenas de anos, não puderam educar seus filhos, continua inalterada. Os avanços são milimétricos comparados aos da ciência e da tecnologia à disposição das classes abastadas.
Eliminar a pobreza física, material, é uma batalha longa e não termina ao se pôr à mesa mais comida. O trabalho produtivo é um passo necessário. O trabalho pressupõe algum nível maior de conhecimento, de criatividade, de habilidade dinâmicos. As atividades realizadas, os objetos produzidos para garantir sua utilidade e facilidade de uso requerem aperfeiçoamento.
Os investimentos cruzados do governo não se fazem nas zonas pobres por falta de mão de obra especializada. Nessas regiões, se geram empregos temporários (vide transposição do Rio São Francisco) ou subempregos, que não requerem igualdade de competição entre os artífices e a obra a ser realizada. Nas áreas pobres, as pessoas desenvolveram truques de sobrevivência e de adaptação ao meio inóspito. Desenvolveram a inteligência dos limites da vida.
A desigualdade é um estado de distância entre os cidadãos de uma região ou de um país que vai muito além do eventual acesso à comida, ao emprego temporário e à renda. A desigualdade tem a ver com o crescimento da população e com a superpopulação regional e, principalmente, urbana. Nunca haverá igualdade perfeita por razões óbvias. Mas a superpopulação, isto é, a quantidade populacional que transborda a capacidade administrativa do Estado, da economia e dos recursos naturais, tenderá a manter os níveis inadequados, inaceitáveis e intransponíveis de desigualdade. Segundo o IBGE (2010), em nosso país, apesar das baixas taxas médias de crescimento, nascem 270 crianças por hora, ou 2,3 milhões de brasileiros por ano. O semianalfabetismo impera, as filas de hospitais aumentam, os índices de desemprego estão altos, o déficit habitacional é milionário, as prisões, superlotadas, as ruas de nossas cidades, congestionadas, transporte público insuficiente.
A desigualdade, no caso do Brasil, começa na mesa, ao redor da qual estão os assistidos do Bolsa Família. O que podem comprar com 15 reais por pessoa/mês não é a dieta adequada, segundo requerimentos de alimentação aceitos e recomendados pelo Ministério da Saúde. A obesidade não é privilégio da classe alta. Contamina os pobres que se nutrem mal. Que essa dieta seja suficiente, do ponto de vista estatístico, para tirar 28 milhões que estavam abaixo da linha de pobreza, pode-se até admitir. Mas se houver uma pane nos computadores do Ministério da Ação Social e de Combate à Fome ou da Caixa Econômica e o cartão plástico não possa ser emitido, o precipício se abre diante deles.
Mas a desigualdade mais resistente é a que separa os cidadãos no campo da educação. Os desníveis de desigualdade são crescentes. Prometer eliminá-los, mantendo o crescimento da superpopulação, é uma afronta à realidade, à natureza e à inteligência humana. Há que se atentar aos ingredientes da desigualdade para compreendê-la, medi-la, pesá-la e poder diminuí-la gradativamente. Não é só pela geladeira, computador, carro individual, celular ou casa de 32 m2 que se deve aferir o grau de desigualdade entre cidadãos. Supondo que toda a população devesse ter esses itens individualizados, é certo que necessitaríamos quatro a cinco planetas para atender a esses requerimentos.
Os ingredientes da desigualdade são sutis e passam despercebidos no tumulto da vida cotidiana. Se pertencer à classe média é supor um a dois carros por família, como é comum, poder viajar de avião para ir a Miami fazer compras, estamos aceitando o colapso dos aeroportos, o cancelamento de vôos por falta de pessoal de bordo, a superlotação dos estacionamentos e o sacrifício alarmante das melhores áreas verdes de nossas cidades.
Dependendo do tipo que se define e do caminho para a igualdade pode-se chegar à irracionalidade econômica e a um conflito insolúvel com a natureza, a ecologia e o ambiente.
Talvez seja fácil perceber a desigualdade dando atenção ao que sucede perto de cada um. Poderia colher como modelo de análise uma funcionária de limpeza de um grande supermercado. Mas prefiro tomar como exemplo a diarista que presta serviços em casa. Serviços que, com bons argumentos, não se quer ou não se pode fazer. Ela, em geral, mora na periferia dos bairros da grande cidade. Para tomar o ônibus das seis horas da manhã para chegar ao serviço às oito, tem que se levantar às cinco. Prepara, antes de sair, o café para o marido e os filhos que, nos melhores casos, vão à escola. A patroa acorda com o timbre do interfone e lhe abre a porta. Nesta primeira etapa do dia, três horas de desigualdade separam as duas mulheres. A diarista é usuária compulsória do ônibus superlotado e do trânsito vagaroso. Suporta condições de higiene e desconforto inalteráveis, dia a dia mais enervantes.
É com este estado de espírito adquirido na viagem que atenderá às exigências de suas tarefas, segundo determinações da dona de casa. Tudo o que acontece durante as oito horas de trabalho estará marcado pelas circunstâncias da desigualdade da etapa inicial do dia. Não se trata de trabalho especializado. O que e como faz em sua casa o repete na da patroa. Por isso, não terá oportunidade de um curso de aperfeiçoamento para manejar os vários equipamentos da casa. Essa especialização traria conforto para ela, maior segurança e economia para a casa. Seu salário aumentaria proporcionalmente aos conhecimentos e seu tempo de trabalho se reduziria. Como isso raramente acontece, o nível de desigualdade se mantém por anos a fio entre a diarista e a patroa. Mesmo que se diga, nas rodas de chá, que ela faz parte da família por antiguidade.
O mais grave é que se mantém a desigualdade entre os filhos da diarista e a filha única da patroa. Quer dizer, a desigualdade fundamental se forja nos diferentes processos de educação e conhecimento que dispõem as escolas privadas e inexistem nas públicas. Como se trata de escala geométrica, a desigualdade se esparrama e se consolida na sociedade contra todos os índices estatísticos.
Para perceber melhor o estado de desigualdade, nada mais concreto do que visitar, de tempos em tempos, a escola, a rua e a casa onde mora a diarista.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

LIMA -PERU




Em Lima, uma das anedotas quase inacreditáveis e simpáticas, é discutir com um dos milhares de taxistas o valor da corrida para o local que o cidadão quer alcançar. Na capital do Peru, o diálogo, a negociação e os acordos bilaterais fazem parte da vida da cidade.
Visitei Lima quatro vezes, desde 1978 até esses últimos dias de 2010. Há horas em que Lima é asfixiante. Nove milhões de habitantes esparramados à beira do Pacífico, sobre areais desérticos, em altos edifícios, em casas baixas. O verde, como em quase todas as grandes cidades foi sacrificado pelo aumento descontrolado da população, pelas migrações campo-cidade, pela incúria e falta de  previsão dos administradores.
Peru e suas cidades vivem sob a influência de culturas milenares que apontam a destruição do passado e resistem aos atropelos do presente. O Inca está por toda a parte. No rosto, na fala, na estatura das pessoas, nas receitas culinárias mais e mais famosas no mundo gastronômico, nas confecções artesanais e na lenta adaptação ao modernismo urbano. Chineses e japoneses vieram cruzar seu DNA com o povo e a cultura peruana, de onde brotou uma singular mistura de comida oriental condimentada com saborosos produtos locais.
Lima enfrenta, tardiamente, os desafios da metrópole superpovoada. Está diante de dois megaproblemas: escassez de água e déficit habitacional. Mais de um milhão de limenhos vive sobre areias desérticas que circundam a cidade com precário abastecimento de água e deficiente serviço de esgoto. Outro desafio gigantesco será ordenar o tráfico urbano, invadido por automóveis individuais, micro-ônibus e kombis de transporte de passageiros, taxis sem taxímetro, enchendo as ruas e dominando os espaços públicos. As linhas diretas de transporte público ainda estão no início e o plano do metrô se arrasta por dezenas de anos.
Lima, ã exceção de algumas garoas, que se escondem nas altas massas de nuvens cinzentas, não recebe o conforto de chuvas tropicais reparadoras das energias perdidas durante o ano. Este fenômeno, por sua excentricidade, subtrai a preocupação pela cobertura dos edifícios e casas podem ser construídas sem teto. Mas isto não impede que a capital de Peru seja irrigada de música, de vida literária, de riquíssimos museus e casas de cultura fazendo jus ao Nobel de Literatura. A cidade, voltada para as águas misteriosas do Oceano Pacífico, onde moram os travessos El Niño e La Niña, encanta por suas praças monumentais e por parques aprazíveis para orgulho e descanso de seus habitantes e admiração dos visitantes.
Lima revolucionou a gastronomia. Seus chefs estão nas graças das melhores avaliações culinárias do mundo e oferecem uma imensa variedade de pratos com sabores raros extraídos de suas especiarias. Satisfazem os melhores paladares e acalmam a gulodice dos gourmands mais exigentes.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ACORDOS OPORTUNISTAS

Amiga mandou-me Manifesto em favor de um candidato à Presidência da República, no qual uma lista enorme de religiosos figura como assinantes. Pediu a todos os que tem fé cristã que o lessem e refletissem.
Eis minha reflexão.

Embora não professe religião alguma, li o texto.
Estamos elegendo apenas uma pessoa para Presidente da República.
As leis são elaboradas no Congresso Nacional e não na presidência da república.
As instituições religiosas têm compromisso com seus membros e os temas de consciência são debatidos entre eles e não podem ser estendidos à sociedade laica.
Os dogmas e os princípios que apresentam a seus fiéis se originam de supostos preconceitos arrancados da inteligência divina.
O equívoco está em discutir o aborto em nome da vida.
Não passa e não querem que passe pela cabeça dogmática que a melhor forma de evitar aborto está na educação sexual, no planejamento familiar, formas civilizadas de controle da natalidade. E não se ouve uma só palavra sobre isto.
No Engenho das Lajes, a 50 km do Palácio do Planalto, numa população de 500 famílias, há 17 meninas, entre 13 e 15 anos, grávidas. Há, nessa Agrovila, 7 igrejas. Todas defendem a vida! Nenhuma trata de educação sexual, uso de contraceptivos. Mas todas prometem carro novo, emprego, sucesso, se pagarem o dízimo.

Acordos como esses foram firmados na Itália, nas barbas do papa, e em outros países, e a sociedade não deu atenção. Dilma e Serra podem se comprometer pro forma, sem convicção, para ganhar mais votos. Mas isto é politicamente, eticamente ridículo.

Essa discussão não pode ser domínio exclusivo de igrejas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O VOTO DA COERÊNCIA

A maioria dos candidatos eleitos para exercer cargos públicos, isto é, decidir sobre o uso do dinheiro provindo dos impostos, rapidamente se enriquece.
Se não forem tomadas as vacinas adequadas, o clima político, úmido e quente, emascula o caráter do eleito, confunde critérios, degenera princípios, apodrece ideais, suprime a honestidade, altera convicções.
Contaminado pela bactéria da mentira cotidiana, atacado de anemia profunda, o político se transforma num disseminador do vírus da apatia democrática resistente a qualquer tratamento, produzindo uma pandemia de indignação e desilusão no espírito do cidadão.
O clima político, úmido e quente, deixa pouco espaço para o voto da coerência destinado ao ideário, ao pensamento, às propostas evolutivas que deveriam manter a lógica dos argumentos e das assertivas.
Ao invés de adaptar processos de ação e métodos de análise do que é a essência da vida e dos comportamentos humanos, opta-se por mudar o pensamento, substituir convicções para melhor responder às tentações do poder.
O casulo do poder metamorfoseia o candidato num travesti político sem identidade, balançando-o na gangorra de valores contraditórios, dando-lhe a aparência moral de um camaleão em busca da cor que o confunde com os diferentes matizes da selva para sobreviver.
Sinto-me feliz por ter votado em Marina Silva. Ela me deu a oportunidade do voto coerente. O mesmo pensamento ecológico que defendeu nos seringais do Acre o expôs durante anos no Senado, aplicou-o no Ministério do Meio Ambiente e o propôs aos eleitores do século XXI, adaptando processos e aperfeiçoando métodos.
Alegro-me com amigos que buscaram, em reduzido número de candidatos, a virtude da coerência. É a ausência desta virtude, na maioria dos candidatos, que dificulta, hoje, expressar o voto da coerência.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

TIRIRICA

A eleição do palhaço Tiririca para deputado federal deixou o rei nu. A Constituição Brasileira faculta o voto aos analfabetos. Os argumentos referem-se à inclusão eleitoral de cidadãos que não tiveram oportunidade de freqüentar a escola, ao respeito à sua capacidade de discernimento, pois são pais de família, trabalhadores honrados, pagam impostos diretos e indiretos.

Podem, portanto, eleger doutores, sábios, políticos profissionais, empresários, mas a Constituição não permite que sejam eleitos. Os argumentos que servem para que eles elejam tal ou qual candidato que vai tratar de superávit primário, inflação, taxa de cambio, exportação de commodities e outros temas misteriosos, cerceiam sua participação na faina de preparar leis.

Para tomar decisões sobre o uso de nossos impostos, para discutir nossas leis, para promover o bem comum, para eliminar a corrupção na administração pública, prover escolas e equipar hospitais, o analfabeto precisa saber ler e escrever. Pede-se, então ao Titirica que escreva uma petição ao Tribunal Regional Eleitoral para comprovar que sabe escrever. Alguém viu a petição escrita por Lula ao mesmo TRE? Ou alguém já viu alguma coisa escrita por Lula, à exceção de sua assinatura nas MP’s?

Temos, diante da nudez do rei, duas democracias: a eleitoral que elege sábios, empresários, advogados, médicos e a democracia aristocrática que governa, no Brasil, mais de 60% de analfabetos funcionais e milhões de cidadãos que se dizem alfabetizados por saberem desenhar o nome.

Se não há discernimento nos analfabetos para serem eleitos como confiar no discernimento dos mesmos analfabetos para elegerem Sarney, Collor, Barbalho, Calheiros, anões, mensaleiros, meieiros, bolseiros e cuequeiros?

Eis aí uma das razões porque Marina Silva teve mais de 20 milhões de votos.

È desse atraso que o Brasil tem que sair.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ORAÇÃO DA CANDIDATA

A candidata, imposta por seu padrinho todo-poderoso, sabe que, se eleita, governará um país biomicamente riquíssimo, socialmente desigualíssimo, politicamente corrupto e atrasadíssimo. Precisará de forças extraterrestres, por isso se reuniu com evangélicos, com pastores e bispos de igrejas com ligação direta com Deus para comercializar fé, esperança, carro zero importado e fez compromissos com associações católicas contra o aborto.

Culminou sua religiosidade num ato público na Basílica de Aparecida do Norte para implorar a intercessão da Virgem Maria na decisão dos eleitores. De pé, no palanque levantado em frente à Basílica, rodeada da elite católica hierárquica, de olhos úmidos na Padroeira Negra do Brasil, a candidata ateia moveu os lábios e todos leram as palavras de seu ato de fé.

“Meu Deus, você não existe. Eu creio. Mas este povo que pretendo governar crê que você existe e acredita que eu também creio. E isto basta para mim. Perdoai-me por ludibriá-los. Perdoai a ignorância deles, pois não sabem o que eu penso de você.

Meus Deus, abençoai este povo que acredita em você e crê, ingenuamente, que eu também creio. Meu Deus, você não existe, mas no meu governo, respeitarei a fé deste povo bom e cordial. Amém!”

A candidata, com um sorriso pálido, abanou para a multidão que gritava:

VIVA NOSSA SENHORA APARECIDA, RAINHA DO BRASIL!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

3 DE OUTUBRO, 2010

Apesar das previsões e sondagens dos Institutos de Pesquisa, que forçavam a vitória de Dilma no Primeiro Turno, os eleitores surpreenderam, diante da urna, aos mais confiantes. Percebia-se essa tendência geral de jornalistas, analistas políticos e especialistas de aceitar os dados extraídos dos levantamentos científicos dos Institutos e impor o sucesso da apadrinhada de Lula.
Chegava a ser enfadonho ler todos os dias essas opiniões de quem tem coluna cativa em jornais sobre a certeza da vitória da candidata fabricada nas oficinas do Palácio do Planalto.
Conhece-se mal o povo e, às pressas, tomam-se números como verdades. O pensamento do povo é um caleidoscópio. Diaristas, empregadas domésticas, vigilantes, zeladores, choferes de taxi, comerciantes de frutas, cabeleireiros, garis, jornaleiros, balconistas, bancários, sindicalistas, desempregados, feirantes e uma dezena de outras profissões formais e informais, com distintos acessos à informação compõem um mosaico irregular na forma e nos ingredientes. Nem sempre o que dizem é o que pensam. Cores, traços, tamanho, circunstâncias de clima e pressão tornam frágil e difícil assentar esse azulejo. O brasileiro tem sangue índio e árabe. Olha, escuta, ri e faz o que melhor lhe apetece.
Hoje, é possível duvidar da cantilena mil vezes entoada e divulgada em todas as sondagens de opinião sobre a estabilidade econômica e a felicidade geral da nação que atribui ao senhor Lula 80% de aprovação.
As previsões generalizadas de vitória de Lula no primeiro turno com o pseudônimo de Dilma fracassaram. No Distrito Federal, às portas do Palácio do Planalto, diante das barbas do maior presidente que este país conheceu, os eleitores preferiram Marina Silva.
Há outros objetos voando no ar além dos aviões de carreira e do aerolula.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

3 DE OUTUBRO, 2010

Apesar das previsões e sondagens dos Institutos de Pesquisa, que forçavam a vitória de Dilma no Primeiro Turno, os eleitores surpreenderam, diante da urna, aos mais confiantes. Percebia-se essa tendência geral de jornalistas, analistas políticos e especialistas de aceitar os dados extraídos dos levantamentos científicos dos Institutos e impor o sucesso da apadrinhada de Lula.

Chegava a ser enfadonho ler todos os dias essas opiniões de quem tem coluna cativa em jornais sobre a certeza da vitória da candidata fabricada nas oficinas do Palácio do Planalto.

Conhece-se mal o povo e, às pressas, tomam-se números como verdades. O pensamento do povo é um caleidoscópio. Diaristas, empregadas domésticas, vigilantes, zeladores, choferes de taxi, comerciantes de frutas, cabeleireiros, garis, jornaleiros, balconistas, bancários, sindicalistas, desempregados, feirantes e uma dezena de outras profissões formais e informais, com distintos acessos à informação compõem um mosaico irregular na forma e nos ingredientes. Nem sempre o que dizem é o que pensam. Cores, traços, tamanho, circunstâncias de clima e pressão torna frágil e difícil assentar esse azulejo. O brasileiro tem sangue índio e árabe. Olha, escuta, ri e faz o que melhor lhe apetece.

Hoje, é possível duvidar da cantilena mil vezes entoada e divulgada em todas as sondagens de opinião sobre a estabilidade econômica e a felicidade geral da nação que atribui ao senhor Lula 80% de aprovação.

As previsões generalizadas de vitória de Lula no primeiro turno com o pseudônimo de Dilma fracassaram. No Distrito Federal, às portas do Palácio do Planalto, diante das barbas do maior presidente que este país conheceu, os eleitores preferiram Marina Silva.

Há outros objetos voando no ar além dos aviões de carreira e do aerolula.

sábado, 2 de outubro de 2010

ELEIÇÕES 2010

Um estado totalitário e fascista é aquele em que o executivo todo-poderoso, constituído de chefes políticos e de um exército de administradores, controla uma população subserviente que aceita as decisões sem ser forçada porque têm amor à submissão paternalmente assistida. As estatísticas dirigidas, a propaganda oficial, a permanente defesa dos atos administrativos de caráter social e a sustentação de subsídios para suprir as necessidades básicas de larga camada da população, sem poder político, contribuem para que ela aceite agradecida seu estado de subserviência.

A sociedade, prisioneira dos próprios conceitos de classe, não sabe, não pretende ou prefere não reagir contra esta aparente estabilidade econômica. Aceita, por conveniência, a própria cegueira e a própria mudez. Pior, omite-se. O peso dos fatos é grande, mas do ponto de vista político, o silêncio sobre os fatos é muito maior e mais grave.

Todas as discussões, todos os argumentos, toda a propaganda oficial, todos os inquéritos patrocinados pelo governo têm a participação de políticos, juristas, cientistas, professores e boa parte da mídia. Mancomunam-se para comprovar a felicidade do povo anestesiado pelo próprio amor à submissão que lhe garante a sobrevivência e a palavra paternal vinda de cima.

Tudo isto se esconde atrás da cortina da democracia, da liberdade, do estado de direito, da impunidade política. Levanta-se uma barreira indevassável. As decisões do executivo fascista se transformam em verdades absolutas e, as mentiras oficiais, em decretos que prescindem de oposição e contestação.

As eleições de 2010 escancaram o estado fascista e revelam uma oposição política emasculada.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ORAÇÃO MATINAL

AVE, MARINA, CHEIA DE GRAÇA,
O BRASIL É CONTIGO,
BENDITA ES TU ENTRE TANTAS MULHERES,
BENDITO O FRUTO DE TEU GOVERNO.
AMÉM!