domingo, 28 de agosto de 2022

REVISTA IDENTIDADES LUCIA HELENA

 

ÀPROCURA DA BRASÍLIA PERDIDA

REVISTA IDENTIDADES

Em edição especial por conter artigos exclusivamente do ecossociólogo Eugênio Giovenardi, fotografias de Evandro Torezan, o tributo a Brasília e o contributo ao seu bioma pelos artistas visuais Luiz Felipe Vitelli, Dionísio João, Valdério Costa, Nádia João e Gaia Aquarela, a Revista IDentidades 2022 aborda a Capital Federal e o Cerrado.

Ao completar 62 anos em 21 de abril de 2022 — inserida na “sociedade de riscos” que transforma em mercadoria tudo que toca e não deixando de ser uma versão moderna de Midas — a cidade sonhada por Dom Bosco e concretizada por Juscelino Kubitschek está, há tempos, sob riscos ecológicos do desmatamento, da crise hídrica e destituída de uma nova cultura não apenas no uso, mas na interação de todos os sujeitos do ecossistema.
Na concepção do projeto urbano de Brasília, faltaram propostas que garantissem, em simultâneo, a convivência humana com a biocomunidade e com a biodiversidade do bioma Cerrado, e, no ambiente compartilhado, a regeneração deste ecossistema.
A “ópera existencial” de Brasília, fundamentada sob a ostensiva realidade dos fatos, não se sustenta na interconectividade entre os seres vivos no meio ambiente do Cerrado. A ocupação dos espaços não preserva, não interage e não une a natureza à urbe.
O leitor perceberá que as decisões político-administrativas da cidade em nada contribuem para a convivência harmonizada entre ecossistemas e os serviços à população. De certo, sem vontade política há muito pouco lugar para a Capital da Esperança circunscrita apenas em sua área tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade. Reduzida a sua cidade-parque ao Plano Piloto. Desfalcada de um modelo de administração capaz de aprimorar e consolidar relações de convivência: habitantes/cidade/natureza.
E à medida que cresce desordenadamente menos se desvelarão os segredos milenares do Cerrado. O colar de satélites dependurado no pescoço do Plano Piloto pouco embeleza o Cerrado. Estrangula-o lentamente e o sufoca sem piedade.
O Cerrado está sendo tratado a ferro e fogo como o eram os escravos em outros tempos não tão distantes. Libertar o Cerrado é preciso! Destrui-lo é criminoso! O Cerrado não é apenas para a espécie humana. É, pois, o cenário generoso da biodiversidade que abriga humanos e não humanos.
O Cerrado não se comove com as loas poéticas que sobre ele se fazem em datas especiais. A velhice do Cerrado se remoça quando escutamos o silencioso rumor de suas nascentes, a cantilena serena de seus córregos cristalinos e quando reverenciamos sua beleza pura, selvagem, grandiosa. Milenar.

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

UnB - ECOSSOCIOLOGIA

 

UnB – ECOSSOCIOLOGIA

Revista de Estética e Semiótica

EUGÊNIO GIOVENARDI – Sociólogo

 

 

INTRODUÇÃO

 

ECOLOGIA é o conhecimento e o reconhecimento da casa da natureza, de sua organização, suas leis orgânicas e físicas que regem todos os seres vivos, humanos e não humanos por ela gerados. As relações e interações complexas entre todas as espécies da biodiversidade as impulsionam a preservar a vida e reproduzi-la num tempo indeterminado. Cada espécie se relaciona e comunica no âmbito interno de seus componentes e com outras espécies das quais depende para sobreviver e reproduzir. O relacionamento interativo e interdependente entre os seres vivos abrange aspectos sociais e orgânicos formando uma corrente em que todos dependem de todos. As vidas se alimentam de vidas.

Os pássaros interagem com membros de sua espécie e dependem de outros seres vivos da natureza para se alimentar, sobreviver e reproduzir. Utilizam as árvores para fabricar seus ninhos, protegem-se de predadores, formam quadrilhas com outros pássaros para se defenderem de gaviões ou de espécies ovívoras ─ gralha-cancã, teiú e outros répteis. Espalham sementes de frutas de sua dieta e contribuem para o reflorestamento e a regeneração dos ecossistemas.

Quais e como se apresentam as relações de interdependência orgânica e de interação social e cultural da espécie humana no conjunto da biodiversidade? O filósofo e sociólogo Edgar Morin classificou o ser humano como integrante de uma parte específica da biodiversidade: “Quem somos nós? Somos animais da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do gênero homo, da espécie sapiens.” 

Aparentemente, o homo sapiens é um estranho no ninho da biodiversidade. A evolução cerebral do ser humano, ao longo de milênios, lhe proporcionou capacidades especiais para se relacionar com os demais seres vivos da natureza. Impulsos de autonomia decisória o autorizaram a ter comportamentos autoritários a ponto de tentar transgredir a auto-organizacão da natureza, dominar os seres não humanos e até agredir os de sua espécie.

 A observação das relações orgânicas e da objetiva comunicação social entre todos os seres vivos se tornou um método adequado e eficaz para ampliar a compreensão do relacionamento e da interação da espécie humana com todas formas de vida geradas pela natureza. Durante mais de quatro décadas buscando, numa área de Cerrado devastada pela mão humana, minha origem existencial e as vinculações orgânicas com a natureza, percebi, com meridiana clareza, a sociabilidade de todos os seres vivos animais e vegetais. Senti-me apenas mais um ser social convivendo e falando com outros seres sociais.

Não há mudos nem surdos na natureza. Todos falam e todos ouvem. Todos têm direito à vida e lutam para mantê-la. Ao observar as árvores, ao ver o olho d’água manar e ouvir os pássaros cantarem, ocorreu-me o termo ecossociologia para expressar as relações sociais de todos os seres vivos. O termo me propiciou formular conteúdos de crítica do conhecimento relativo à natureza das coisas para a crítica do comportamento humano, frente ao conjunto de vidas compartilhadas num mesmo ecossistema. Comecei a utilizar o termo ecossociologia em 2015. Conhecia os termos ecobiologia e ecopsicologia.

A ecobiologia demonstra que a pele é um ecossistema em constante evolução. Interatua com o ambiente e, por isso, os bens e mecanismos naturais devem ser preservados.  A ecopsicologia observa e analisa o contato direto da pessoa com o ambiente natural, atitude que estimula a relação com partes menos conhecidas e mais vitais do ser humano. Todos os seres vivos se comunicam, se relacionam com membros de sua espécie e entre espécies. Percepções favoráveis e desfavoráveis perpassam o cérebro humano, situações agradáveis e desagradáveis nesses contatos com outros seres vivos que circundam a pessoa alimentam sua interação com o conjunto multiforme da natureza. A multiplicidade de vidas fala ao mesmo tempo. Os seres vivos perguntam e respondem, pedem e oferecem, doam e recebem. O conceito básico da sociabilidade dos seres vivos amplia a compreensão de como as vidas se inter-relacionam no universo. Todos os seres vivos são compostos dos mesmos elementos materiais: hidrogênio e carbono, oxigênio e azoto. Estas semelhanças físicas, sentidas e expressas pelo cérebro humano, auxiliam nossa imersão na natureza, vivificam a comunicação e a relação social com todos os seres vivos. Inclino-me a integrar o consórcio eco-bio-psico-socio-logia.

 

CONCEITUAÇÃO

 

A ECOSSOCIOLOGIA se propõe a observar, conhecer, identificar e descrever o cumprimento das leis orgânicas e físicas dos seres que compõem a biodiversidade, a interação social e a interdependência de todos os seres vivos em seus respectivos ecossistemas. A natureza é uma sociedade complexa, auto-organizada, fundamentada na sociabilidade e na comunicação orgânica de todos os seres vivos.

O propósito da ecossociologia é observar e estudar a organização das espécies, relacionar os comportamentos e interdependências de todos os seres vivos que habitam a mesma casa, num mesmo espaço físico, o ecossistema. A casa grande é o planeta Terra e a casa pequena é o ecossistema de um bioma que abriga uma parte diversificada de seres vivos. O processo metodológico da ecossociologia se fundamenta em ações de percepção da natureza para o conhecimento interativo e propicia comportamentos coerentes e orgânicos entre a espécie humana e os demais seres vivos. 

Ecossociologia é uma ferramenta metodológica de observação e estudo crítico das inter-relações, da interação e interdependência das espécies vivas, humanas e não humanas, que habitam um mesmo ecossistema. A intervenção de todos os seres vivos, em busca da sobrevivência e reprodução, modifica os ecossistemas e, se observadas as leis orgânicas da natureza, eles se regeneram ao longo do tempo.  

As intervenções mais agressivas aos ecossistemas são debitadas à espécie humana nos espaços da agricultura, urbanização e indústria química com forte incidência na poluição das águas e do ar.  A urbanização crescente, em nossa época, ao lado da agricultura extensiva, se tornou uma das ações mais impiedosas da espécie humana na intervenção e modificação de ecossistemas frágeis e indefesos. Montanhas, vales, margens de lagos e rios, com ocupações urbanísticas desordenadas, perturbam incessantemente a regeneração dos ecossistemas com efeitos perversos sobre todos os comportamentos dos seres humanos e não humanos. Ventanias, tempestades e inundações tem causado perdas de vidas e de equipamentos essenciais aos moradores dessas áreas. O confinamento, a expulsão, a morte e a extinção definitiva de espécies são consequências indesejáveis para todos os componentes da biodiversidade. Doenças, epidemias, sofrimento e morte atingem a todas as espécies ─ vegetais, animais e a nobre espécie humana ─ e mais duramente as de frágeis resistências com menos recursos para obter da natureza os remédios necessários à sobrevivência.

A sociabilidade é característica de todos os seres vivos. Torna-se, pois, imprescindível compreender a linguagem das plantas e dos animais, para expressar atitudes e comportamentos sociais da espécie humana no convívio dos seres vivos e responder a suas indagações. A auto-organização da natureza, a organização biológica das espécies vivas, sua evolução, reprodução e sobrevivência põem limites, ainda que nem sempre aceitos, à organização social e cultural da espécie humana. Configura-se, nessa interação social, a relação intersubjetiva, sujeito a sujeito, contrastando com a relação sujeito/objeto meramente econômica da exploração dos bens da natureza, denominados pragmaticamente recursos.

 

CONJUNTO ORGÂNICO

 

As relações sociais da espécie humana estão ligadas a todas as demais formas de vida da flora e da fauna, a elementos físicos e químicos do universo, unidos num imenso organismo de partes interdependentes. Astros da noite, rios, oceanos, lagos, cachoeiras, chuvas, neves, árvores, pássaros, animais selvagens e domesticados e bilhões de insetos afetam, com diferente intensidade e forma, a convivência dos indivíduos de um grupo e a da variedade de grupos no conjunto dos seres vivos.

A organização comunitária dos diferentes grupos vivos – a biocomunidade – obedece a leis biológicas comuns, especificamente às que regem a conservação da vida, isto é, a busca do alimento e a reprodução da própria espécie. É o traço indelével da igualdade de direito à vida de todos os seres vivos, não importa o tamanho, a forma ou sua função teleológica. A natureza dispõe de imensa variedade, embora limitada, de alimentos para a conservação de todas as espécies e, consequentemente, para sua reprodução, observados os limites do crescimento das populações.

Dois processos são inerentes à conservação e reprodução da vida: cooperação e competição. Esses dois processos, em ação permanente e contínua, são monitorados por controles genéticos, instintivos, sociais e culturais, no que tange a espécie humana. Os controles genéticos são inerentes ao sistema natural, administrados no âmbito de cada espécie e compartilhados por outros grupos de espécies que dividem o mesmo espaço. Todos cooperam e competem entre si para manter-se vivos, empurrados sem apelação por uma energia vital imanente.

A supremacia e a preponderância de espécies sobre outras ou de indivíduos de uma espécie sobre seu grupo, dependem da auto-organização e da aceitação de regras do jogo social que se estabelecem na convivência temporal dos membros. O crescimento populacional de uma ou várias espécies pode ser determinante para o equilíbrio ou desequilíbrio da conservação e reprodução de outras espécies de um mesmo bioma ou de um conjunto de biomas da casa grande. A casa comum a um determinado grupo de espécies pode se tornar pequena para abrigar uma espécie ou uma variedade competitiva de espécies.

Um dos fenômenos originados pela competição na busca de alimentos necessários para a reprodução é a migração sazonal ou definitiva de espécies vivas. As aves e a espécie humana são dois grupos susceptíveis de migração, especialmente quando o superpovoamento de uma região limita a coleta de alimentos. Muitas espécies são expulsas de seu hábitat por perderem a fonte de alimentação açambarcada por grupos invasores.

O sistema de controle populacional e a demarcação dos territórios ocupados são determinados pela imposição do mais forte e pela função predatória de uma espécie sobre outra. Os conflitos originados da conservação e reprodução no interior de uma espécie viva afetam sua segurança e coesão cujas consequências podem causar seu desaparecimento ou serem dominadas por outras espécies.

A função predatória no conjunto da natureza – controle e conflito entre espécies - pertence à dinâmica da perpetuação equilibrada da vida. A defesa contra os predadores pode reunir indivíduos de diferentes espécies. É comum observar-se a formação de uma brigada de pássaros de diferentes espécies, para expulsar gaviões e aves de rapina de seus territórios em defesa de seus filhotes.

O equilíbrio no crescimento de uma população viva se estabelece de muitas formas: escassez de alimento, aborto do embrião, suspensão temporária do acasalamento, mortalidade precoce, abandono dos nascidos, luta fratricida, doenças bacterianas, canibalismo, entre outras razões (aranhas fêmeas e louva-deus devoram os machos após a copulação). Para a espécie humana, além dos fenômenos físicos arrasadores, há milênios mencionam-se: pestes, epidemias, pandemias, guerras, agressões mortais entre grupos ou indivíduos do mesmo grupo, acidentes fatais em terra, mar e ar. A ampliação da promiscuidade entre a espécie humana e as espécies domesticadas e selváticas, compartilhando o mesmo ecossistema, intensifica a interação dos seres vivos e, consequentemente, a difusão quase incontrolável de endemias e epidemias.

 

 

INTERDEPENDÊNCIA

 

 

A lei biológica da conservação da vida no planeta estabelece a inevitabilidade da interdependência das espécies, como se todas elas fossem um único organismo em que uma parte alimenta a outra. Esse organismo vivo, subdividido em espécies, subsiste sob a inquestionável lei da natureza: a vida se alimenta de vidas. Esta corrente de perpetuação da vida por outras vidas embute, sutilmente, fortes doses de sofrimento físico e emocional compartilhado por todos os seres vivos. (A cobra come o rato, a seriema come a cobra, o caçador abate a seriema, o produtor se alimenta do animal que criou, ou do pé de alface que plantou).

O crescimento populacional da espécie homo sapiens não atingiu ainda o grau de racionalidade necessário, compatível com os limites da oferta de bens naturais dos diferentes biomas, que ele comparte com milhares de outras vidas. O salto mortal do crescimento da população humana pôs em risco sua sobrevivência. No começo da década de 1970 (The Population Bomb, Paul Ehrlich, 1968), a população humana era de 3 bilhões. Os 7, 9 bilhões de pessoas que, em 2022, consomem mais de três quartos da área do planeta insuficiente para alimentar toda a biodiversidade. A fome flagela um sétimo da população mundial em países ricos e menos desenvolvidos. Estudos da Organização das Nações Unidas (Relatório "World Population Prospects 2022”) estimam que a população mundial pode alcançar a espantosa cifra de 10,4 bilhões até o final do século 21, se métodos racionais de contenção e diminuição demográfica não forem praticados em todos os países. A ocupação dos espaços, ao longo de milênios, o desflorestamento para a produção de alimentos e formação de assentamentos urbanos avassaladores perturbaram severamente a biodiversidade, expulsando ou eliminando espécies vivas. A defaunação silenciosa de florestas é uma tragédia.

A alternativa da domesticação de sementes e animais deu à espécie humana uma sobrevida e uma perigosa percepção de domínio absoluto sobre a natureza. Sua caminhada, porém, se viu atribulada por imensas dificuldades de sobrevivência igualitária entre indivíduos de sua espécie e de diferentes espécies em todos os quadrantes do planeta. A surpreendente capacidade de adaptação climática da espécie humana e o desenvolvimento evolutivo do cérebro e das mãos a levaram a um equívoco de interpretação no uso dos bens naturais a ponto de alimentar convicções e certezas de que ela pode e deve dominar outras vidas. O planeta Terra não é propriedade de nenhuma espécie. É um espaço livre no qual viceja o milagre da vida. Os fatos históricos transmitidos de geração em geração, há milênios, se consolidaram em oráculos atribuídos a um ser sobrenatural que ordenou: “Crescei e multiplicai-vos. Dominai a Terra” (Gênesis).

A interdependência dos seres vivos não só está baseada no funcionamento cerebral e orgânico de cada forma de vida. Ela se fundamenta no parentesco evolutivo de todos os seres vivos pois nascemos todos da mesma semente vital. Cabe às espécies, com capacidade cerebral mais desenvolvida, compreender a vida no universo. Adequar comportamentos e atitudes em relação aos bilhões de seres que habitam a mesma casa comum. É o que se espera e se deseja da espécie homo sapiens diante do conjunto de habitantes da biocomunidade do planeta Terra. O princípio da precaução vige permanentemente, pois estamos ainda diante de uma incógnita sobre como sentem e pensam as árvores e os animais.

 

ATITUDES E COMPORTAMENTOS

 

A aceitação de alguns valores universais contribui para a compreensão da vida em cada bioma ou conjunto de biomas que, há milhões de anos, congregam biocomunidades em diferentes ecossistemas. Eles também auxiliam na avaliação do impacto da intervenção e da pegada da espécie humana em seus respectivos biomas e ecossistemas específicos.

Registram-se alguns valores sociais que as pessoas determinam ou aceitam para se relacionar com outros seres vivos não humanos, e cujas relações se refletem na convivência humana. Animais de estimação ou paisagens naturais preservadas criam relações entre pessoas e demais seres que pertencem a esse ciclo de convivência. Valores ecológicos refletem a interdependência de todos os seres de uma biocomunidade, com ênfase na água, nas plantas, nas aves e milhares vidas invisíveis que compões a dieta natural da biodiversidade. Valores econômicos, nascidos da administração e uso dos bens naturais destinados à conservação e reprodução de todas as espécies se manifestam com diferentes interpretações, nem sempre igualitárias, que favorecem uns em detrimento de outros. Sejam, talvez, os mais difíceis de serem aplicados, pois dependem quase que exclusivamente dos interesses e conveniências da espécie humana. Valores de cosmovisão com força conceitual para equacionar um sistema de compreensão universal e holístico sobre a preservação da vida no planeta. Estes valores dependem exclusivamente da consciência do homo sapiens sobre a interação e interdependência de todos os seres vivos.   

É necessária especial atenção aos processos de cooperação e competição, pois eles perpassam os comportamentos vitais de todos os seres vivos. Estima-se que a espécie humana (homo sapiens), há 40.000 anos apenas, apoderou-se autoritária e definitivamente das riquezas do planeta e as administra em seu proveito na qualidade de único proprietário e usuário, como se os elementos para sua sobrevivência fossem exclusivos, infinitos e ilimitados. É desejável que a espécie humana possa evoluir na compreensão dos conflitos diários entre sua sobrevivência e a de outras formas de vida. E, em consequência, praticar modos de convivência entre todos os seres vivos, compatibilizando os tempos da espécie consciente com a organização biológica e social de outras formas de vida.

 

 

ITENS METODOLÓGICOS

 

 

Nas visitas a locais escolhidos de um bioma e dos ecossistemas específicos, é desejável e conveniente que o passeio pela natureza se revista de uma postura de silêncio científico. A linguagem dos seres vivos se faz pela presença, pela forma e pela estética no local que ocupam. Os momentos de discussão serão posteriores aos de observação e registro dos fatos recolhidos.

 

Entre outros cuidados, sugere-se:

·                         Prestar atenção aos convites da paisagem ao penetrar em seu espaço.

·                         Deambular, parar, olhar, ver, ouvir, decodificar, compreender os distintos idiomas emitidos por entidades da natureza.

·                         Fotografar a área também com os olhos e perceber sua conformação geofísica e geográfica.

·                         Localizar possíveis afloramentos de água, identificar e relacionar o tipo de vegetação ao redor de nascentes perenes ou intermitentes.

· Distinguir espécies da flora e da fauna.

·                         Questionar a prática de produção de alimentos em áreas desprotegidas ou com escassez de águas.

·                         Inquerir sobre formação de cortinas vegetais contínuas ou corredores consorciados com áreas de produção.

 

 

SOBREVIVÊNCIA DA ESPÉCIE HUMANA

 

 

Os itens abaixo listados afetam de alguma forma as relações de convivência entre as entidades da espécie humana e as demais formas de vida. Erros e acertos são constantes. A interação e a interdependência de todas a vidas são o ponto essencial para a preservação da biodiversidade.

·         Circunstâncias, como fenômenos climáticos, predadores múltiplos, podem pôr em risco a vida das pessoas, o acervo histórico e cultural: casa, monumentos, jardim, pomar, horta, espaços de lazer.

·         Localização dos assentamentos humanos. Substituição de florestas, desvios de cursos de água por cidades e equipamentos facilitadores da atividade humana.

·         Água é o ponto essencial de referência para todos os seres vivos. Nascentes, córregos, rios, lagos. Qualidade da água. Acesso à água potável é desejável para todas as espécies vivas.

·         Área de coleta ou produção de alimentos de autossuficiência ou troca e relação com o tempo de regeneração do ecossistema. Sistemas existentes de compensação e regeneração do ambiente ocupado e modificado, considerando que o tempo regenerativo não se mede em dias, mas em anos ou décadas.

·         O habitat humano é também uma imposição da natureza e uma decorrência natural para a sobrevivência e a reprodução das espécies. Ninho, toca, abrigo fazem parte da intimidade de todas as formas de vida para a reprodução e a sobrevivência.

·         Áreas possíveis de inundações ou de incêndios (fenômenos naturais, chuvas, crescente de rios, vulcões) e suas particularidades regionais do país merecem anotação especial.

·         Redução de riscos previsíveis para a vida em razão de possíveis desastres inerentes à localização de pessoas e comunidades ─ inundações, períodos de estiagem ou secas prolongadas.

 

As relações sociais não têm como motivador primeiro a solidariedade pontual num cataclismo ou manifestação extrema de fenômenos físicos. Elas alimentam a solidariedade permanente e o aperfeiçoamento social e cultural integrado ao ambiente com a possível e necessária convivência entre todos os entes da biocomunidade.

 

 

TEMAS PARA ANÁLISE

 

 

 A ação humana (pegada ecológica) pode pôr em risco a saúde e a vida de uma coletividade, de um país, de um continente, do planeta.  Alguns cuidados podem evitar desconfortos, vicissitudes e desastres, como proteção de mananciais, bosques, vegetação nativa, lençol freático, áreas de recarga de aquíferos, perfuração de poços artesianos ou tubulares, escolha de áreas adequadas para despejo temporário de lixo séptico, detritos, plásticos, entulho de construção. A recarga limpa ou suja de aquíferos depende da ação e da intervenção do ser humano no ecossistema que o acolhe.

 

 RIQUEZAS ANTROPOLÓGICAS

QUE RELATAM A HISTÓRIA HUMANA

 

Uma gama extensa de vestígios da caminhada humana conta a história de seus dramas e tragédias ao longo de milênios. Cavernas, inscrições rupestres, monumentos históricos ou naturais, árvores típicas, refúgios florestais únicos e sensíveis, brejos, cascatas, belezas naturais são preciosos canais de relacionamento entre as pessoas e entre estas e as demais formas de vida.

 

INVASÃO E DESTRUIÇÃO DE ÁREAS VALIOSAS

QUE GEREM CUSTOS SOCIAIS DE RECUPERAÇÃO

E REGENERAÇÃO.

 

Mudanças estruturais com urbanização de encostas, margens de rios, lagos e mananciais sem prévio estudo da constituição geológica das áreas a serem ocupadas.

Habitat de vida nativa rara (Pantanal, Mata Atlântica, Cerrado, Amazônia) ou em extinção; paisagens, locais de recreação potencial.

Proteção do espaço necessário para a vida do bioma e da biota ─ vegetais e animais.

 

 INTERDEPENDÊNCIA DE TODAS AS ESPÉCIES VIVAS

 

Um dos mais importantes aspectos da vida no planeta é a interdependência de todas as espécies vivas que compõem a biodiversidade para sua sobrevivência e reprodução na biocomunidade. Vidas se alimentam de vidas para proteger a vida. Planejamento e controle inteligente da reprodução da vida humana. O homo sapiens chegou ao planeta milhões de anos depois das árvores. A sobriedade, a paciência, a lenta regeneração diante calamidades ou fenômenos físicos naturais e mudanças climáticas podem dar o ritmo da caminhada humana.

 

ORGANIZAÇÃO NATURAL DAS ESPÉCIES VIVAS

 

Preservação da auto-organização natural das espécies vivas frente à organização social e cultural urbana e rural da espécie humana.

O princípio da precaução da ação humana e a pegada ecológica do passo e do ritmo da evolução do homo sapiens. No último século, a pegada ecológica do homem destruiu mais que nos 10 séculos anteriores. A regeneração de uma área pode provocar o aparecimento de espécies temporariamente desaparecidas ou novas. O tempo da substituição das espécies nativas por outras domesticadas (soja, milho) não é o mesmo da regeneração de um bioma para recompor a fertilidade e garantir produção constante e permanente. O tempo da natureza não é o tempo do relógio. Há que se examinar a necessidade, a adequação e a conveniência de se introduzir máquinas no corpo do ecossistema.

O princípio da precaução recomenda prudência à ação humana ao interferir na organização natural das espécies vivas e no amplo espaço dos ecossistemas.

·         O maquinário, a intervenção autoritária, o desmatamento, a queima. Sabe-se que o arado foi a primeira agressão feita ao solo indefeso.

·         Os fertilizantes químicos, os pesticidas (agrotóxicos) se incorporam ao solo, à água, às plantas, à atmosfera e às pessoas.

·         Educação e saúde estão afetadas pela modificação do habitat vegetal, animal e humano.

·         Possíveis ações de cooperação entre a espécie humana e as condições necessárias à preservação da água e da vegetação nativa.

·         Plantar árvores e proteger florestas é o grito revolucionário deste século.

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CONCLUSÃO

 

 

A Ecossociologia é um método ou caminho alternativo para compreender o funcionamento da auto-organização da natureza e integrar a espécie humana na sociedade complexa formada pela biodiversidade. A natureza se expressa por meio de biomas e ecossistemas habitados por vidas humanas e não humanas que interagem e interdependem para a continuidade da vida em suas múltiplas formas de expressão. As decisões do homo sapiens serão mais sábias se executadas com precaução e comedimento no tratamento e uso dos bens comuns do ecossistema que o abriga na companhia permanente de outros milhares de entes da biocomunidade. A cultura humana, sob as mais diferentes formas de expressão, pode causar danos à biodiversidade se agir com atitudes e práticas impositivas e autoritárias. A cultura multifacetada da espécie humana pode dar o toque de sabedoria comunicativa ao conjunto de idiomas sutis da natureza em defesa da vida.


 

REFERÊNCIAS:

 

MORIN, Edgar, O enigma do homem, Editora Zahar, RJ, 1975.

SILVA, Agostinho, FIOLOSOFIA ENQUANTO POESIA, Realizações Editora, São Paulo, 2019.

SANTOS, Milton, O espaço dividido, EdUsp, São Paulo, 2008.

WOHLLEBEN, Peter, A vida secreta das árvores ─ o que elas sentem e como se comunicam ─ Editora Sextante, São Paulo, 2017.

CARSON, Rachel, A primavera silenciosa, Melhoramentos, São Paulo, 1964.

EHRLICH, Paul, The Population Bomb, Sierra Club, Kansas, EEUU, 1968.

WHAL, Christian Daniel, Design de Culturas Regenerativas, Bambual, União Planetária, Brasília, 2019.

PORTO GONÇALVES, C. W., Os (Des)caminhos do Meio Ambiente, Contexto, São Paulo, 1998.

 

 

 

domingo, 14 de agosto de 2022

INVASÃO E FOGO CONTRA O CERRADO

 INVASÃO E FOGO CONTRA O CERRADO

É inacreditável. O Cerrado registra, nesta estiagem de 2022, o maior número de queimadas irresponsáveis no território nacional. Sou um entre algumas centenas de brasilienses que realmente promovem a regeneração do Cerrado do Distrito Federal. O Congresso Nacional e a Câmara Distrital do Distrito Federal fazem coro a milhões de brasileiros que clamam por democracia. Qual democracia? Vivemos uma suposta democracia política, com 30 partidos, que dividem o bolo financeiro milionário para termos ironicamente eleições livres. Os brasileiros elegem seus supostos representantes. Mas vivemos numa ditadura administrativa e legislativa que faz leis como quem cospe no chão. Vivemos numa ditadura financeira com empréstimos milionários para integrantes de esquemas secretos. Vivemos numa semiditadura jurídica e judiciária cujos ministros engavetam ações contra crimes de administração pública, absolve grandes criminosos e liberta da cadeia ladrões de invejáveis fortunas, (não a mulher que levou, acossada pela fome, um pacote de miojo do supermercado). Vivemos numa ditadura ambiental que associa ministros e altos funcionários aos destruidores de florestas sob o pretexto de produzir comida para um bilhão de pessoas, aceitar 36 milhões de brasileiros famintos e salvaguardar a honra dos que não foram contemplados nos projetos de minha casa - minha dívida. Vivemos numa ditadura urbana comandada pela indústria selvagem da construção em concubinato com administradores e deputados que transformaram Brasília em autódromo impiedoso. 

No DF, o que resta de Cerrado está sendo criminosamente devastado em nome de políticas enganosas dirigidas aos mais pobres. E os mais pobres continuarão na periferia cultural e educativa da cidade-parque, sem transporte digno, permanentemente ameaçados de racionamento de água e energia. Podemos e devemos sair às ruas para exigir DEMOCRACIA! Entendam, porém, os pobres da periferia porque a democracia só vai em seu socorro dois meses antes das eleições para que elejam seus tradicionais benfeitores de última hora.