segunda-feira, 29 de junho de 2009

POR QUE NÃO CONOSCO?

(Resposta à matéria paga POR QUE SÓ CONOSCO? – publicada no Correio Braziliense, p. 10, de 23 de junho de 2009)

Assombro e repulsa. Talvez sejam palavras débeis para expressar os sentimentos que animam os ecologistas, ambientalistas, organizações não governamentais, funcionários do ministério público, professores e cientistas de universidades e centros de pesquisa de todo o país. Não é de hoje que se movem os interesses sobre a Amazônia e o Cerrado, com as consequências desastrosas e bem conhecidas da destruição da Mata Atlântica em nome do desenvolvimento. Os princípios constitucionais são desprezados e até vilipendiados. Os valores da livre iniciativa são glorificados e, os do trabalho, ignorados. O art. 5º. da Lei Maior tornou-se letra morta, principalmente em seus parágrafos XIII, XXIII e LXXIII; art. 225, §1º. VII, §3º. §4º.
Sabemos todos que o processo de ocupação da floresta amazônica e do cerrado decorreu de políticas erráticas do governo federal, na década de 70, e intensificada pelos sucessivos governos até nossos dias. Incentivou-se a produção de soja, cana de açúcar, criação extensiva da bovinocultura e exploração ilegal e ilícita da madeira. A “exigência legal” de abater 50% da floresta, aceita sem reservas, para obtenção de título de terras, constituiu um vergonhoso crime ambiental inafiançável.
Com o apoio da SUDAM, do Banco Mundial, dos bancos oficiais do Brasil e da Amazônia, através dos programas PIN, PROTERRA e POLAMAZÔNIA incentivou-se a pecuária, uma das atividades mais devastadoras do meio ambiente e estimuladora de corrupção e de desonestidade dos empresários e funcionários públicos.
Os que acreditam na proposta e no enfrentamento de todas as dificuldades de proteção da Amazônia e do Cerrado, em benefício de toda a população brasileira por sua riqueza florestal e ambiental, são hoje considerados inimigos da pátria e até organizadores de gangues paramilitares e financiadores da guerrilha com seus salários invejáveis de professores de escolas públicas. Por que devem os ambientalistas ser responsabilizados pelo caos fundiário estabelecido pelos invasores da Amazônia, pelos incendiários das florestas, pelos madeireiros inescrupulosos acima da lei e da ordem? Não podemos mais admitir essas aberrações ambientais e as transgressões legais que ofendem a consciência nacional, a cidadania e os brios de todos nós.
Não há que desistir. Resistir é preciso. Sempre é tempo para que os defensores do crescimento econômico a qualquer custo reconsiderem os erros que se cometeram e continuam sendo cometidos em busca de números estatísticos encorajadores do PIB, acumulando riquezas fora do alcance da justiça e da distribuição equitativa do patrimônio nacional.
Alertamos o povo brasileiro e, em especial, a gente honrada e trabalhadora do país, que é chegada a hora de reagir. Nossa dignidade de cidadãos está ferida. Querem aniquilar nossas florestas a serviço de conhecidas manobras internacionais da globalização, arrotando um insano discurso de crescimento a qualquer preço, tão ambientalmente insustentável quanto os valores de seus defensores.
Iremos, dentro da legalidade, da liberdade de pensamento, lutar em defesa do patrimônio ambiental do Brasil, até às últimas consequências. Na defesa dos interesses maiores da Nação, honrando a tradição heróica de nossos antepassados, lutaremos pelo respeito ao povo brasileiro e aos direitos de todos a desfrutar das riquezas ambientais do nosso país.

Eugênio Giovenardi
Sítio das Neves
Engenho das Lajes
Distrito Federal
www.eugeobservador.blogspot.com
eugeniogiovenardi@gmail.com

quinta-feira, 25 de junho de 2009

A ÁGUA DAS PLANTAS

Olho para as árvores. Tronco, galhos, folhas, flores e frutos expostos ao sol, ao vento, às chuvas. Não vejo as raízes. Elas recolhem do solo o alimento e a água. As raízes bombeiam a água para cima, para o laboratório verde no qual mistura o dióxido de carbono da atmosfera sob o efeito da luz e libera oxigênio enriquecido. A fotossíntese é o processo através do qual as plantas, seres que produzem seu próprio alimento (autotróficos) transformam energia luminosa em energia química, processando o dióxido de carbono (CO2) e outros compostos, água (H2O) e minerais em compostos orgânicos produzindo oxigênio gasoso (O2). A fotossíntese inicia a maior parte das cadeias alimentares na Terra. Sem ela, os animais e muitos outros seres (heterotróficos) que dependem de alimentos produzidos pelo solo seriam incapazes de sobreviver porque a base da sua alimentação estará sempre nas substâncias orgânicas proporcionadas pelas plantas verdes. Esses laboratórios chamados árvores são responsáveis pelo equilíbrio saudável da atmosfera. Quanto maior a quantidade de dióxido de carbono que se joga na atmosfera, mais árvores há que se preservar e plantar para se respirar ar puro. Quando se corta uma árvore para dar mais espaço ao carro se comete uma agressão contra os seres vivos, as pessoas e os animais. As águas que eram bombeadas pelas raízes às ramadas se evaporam ou se afundam no interior da terra. Cortar uma árvore é desperdiçar 300 a 1.000 litros de água por dia. Parece pouco para quem olha o Amazonas ou o Lago Paranoá. Mas o Amazonas e o Lago Paranoá começam num pequeníssimo olho d’água. E muitas dessas nascentes de água estão no Planalto Central, dentro do DF. Na ampliação da EPTG, foram arrancadas centenas de árvores sem que os promotores do crescimento econômico se importem com o mal que estão praticando contra a população. Cortando árvores, acabando com as nascentes, matam-se os rios, fecham-se os laboratórios naturais que fabricam gratuitamente os medicamentos da saúde pública.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O HOMEM PROIBIDO

A EDITORA MOVIMENTO, DE PORTO ALEGRE, ACABA DE PUBLICAR A SEGUNDA EDIÇÃO DO LIVRO O HOMEM PRIBIDO, DE EUGÊNIO GIOVENARDI. O HOMEM PROIBIDO É UM RELATO ROMANCEADO DE UM TEMPO CRUCIAL NA VIDA DO AUTOR. CONTA AS VICISSITUDES DE UM JOVEM EM BUSCA DA LIBERDADE PENSAR E QUERER SEM O MONITORAMENTO DE UMA INSTITUIÇÃO.O ROMANCE FOI TRADUZIDO PARA O ESPANHOL (CUBA, 2000) E PARA O FINLANDÊS (HELSINQUE, 2001).OS PEDIDOS PODEM SER FEITOS NA LIVRARIA CULTURA, DIRETAMENTE OU POR CORREIO ELETRÔNICO.

ABC DO LULA

“Minha mãe nasceu analfabeta”, informou Lula para valorizar o inegável feito de ter chegado à presidência do Brasil. Deu, com isso, esperança aos analfabetos e paus-de-arara e a todos nós que votamos nele. Lembre-se que, por três vezes, o povo de Caetés não votou no candidato Lula, nascido ali.
O abecê tornou-se uma palavra de ordem no clã dos Silva. De todos os galhos da família brotavam recomendações à mãe do Lula: “a senhora tem que conhecer o abc”, “não pode morrer sem conhecer o abc”, “o abc é muito importante na educação e no futuro dos filhos”.
Um dia, chegou a Caetés (PE) um caminhoneiro pau-de-arara, convidando o povo castigado pela seca a ir para o sul e conhecer o ABC paulista, o mais completo alfabeto cheio de oportunidades para violeiros e trovadores desempregados. Para lá foi o clã dos Silva. A mãe, cansada de tanto ouvir recomendações sobre a importância do abc, juntou os filhos que andavam por perto, amarrou uma trouxa de roupa, comprou um pacote de biscoito-maria e trepou no caminhão.
Três dias depois, moídos da viagem, com os olhos vermelhos de poeira e de sono, o pensamento ainda preso na roça seca, na galinha que botava na cesta da varanda, o vira-lata que ficou guardando a casa, o rinchar dos jegues soltos pelas ruas, dona Lindu viu, admirada, o famoso ABC.
Atravessaram São Paulo entre edifícios, que alguém disse: é uma selva de pedras, um formigueiro de gente como se fosse a festa de Caruaru. Desembarcaram em frente à prefeitura de São Bernardo do Campo.
“Aqui estamos em São Bernardo”, disse o motorista do pau-de-arara. “Ali atrás é Santo André e, mais na frente, São Caetano. Estamos no ABC. Agora é com vocês.”
Finalmente dona Lindu estava conhecendo o ABC. “Taí meu filho”, disse ela a Lula, “tu queria conhecer o ABC, tá ele aí”. Lula familiarizou-se com o ABC. Gostou do B, ficou nele, em São Bernardo. Aos poucos o ABC foi entrando nele e ele no ABC. Um dia, saiu do ABC e foi governar o nosso país sem livros e sem lápis. Só com um avião.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

OS POBRES DE LULA

É compreensível que os ocupantes do poder e possuidores da autoridade nacional sintam o dever de falar aos súditos e se atribuam o direito da incontestabilidade do que dizem. Ainda que soem estranhas as afirmações normalmente ditas em viagens internacionais, na capital da Suíça, da Rússia ou do Cazaquistão.
Em Genebra, o presidente Lula da Silva, com sua voz rouca e severa, afirmou diante de personalidades de terno e gravata e de cenho franzido que “não são os pobres e os imigrantes os responsáveis pela crise financeira mundial”. É uma declaração mais do que óbvia. Quem teria insinuado a Lula que os pobres são culpados de alguma coisa mais do que fazer filhos além da capacidade de alimentá-los? Quem lhe teria dito que é culpa dos pobres que perto deles não há boas escolas e as ruas em que vivem estão esburacadas e enlameadas? Que é culpa deles que suas casas não têm água encanada e cheiram a esgoto escorrendo pelas valetas? Que é culpa deles se moram nos confins das cidades e tomam dois a três ônibus ou caminham léguas para chegar ao trabalho? Que é culpa deles por estarem desempregados ou expulsos de suas terras, encarcerados em prisões degradantes ou ganham o pão cuidando de carros importados nos estacionamentos?
Quem disse a Lula que é culpa dos pobres e imigrantes que a corrupção mais odiosa e descarada se instalou em seu próprio partido, no Congresso Nacional, nas autarquias e ministérios? Que é culpa dos pobres que os senadores humilharam o Senado da República? Quem disse a Lula que o dinheiro do mensalão foi trazido por imigrantes em lombo de burro?
Quem disse a Lula que é culpa dos pobres e imigrantes a vasta derrubada da floresta amazônica, o lucro exorbitante e escandaloso dos bancos públicos e privados? É culpa dos pobres que o farto consumo de drogas da classe alta, comandado por mãos invisíveis, alimenta a guerra do tráfico no Rio de Janeiro e Nova Iorque?
Lula conhece bem as palavras e as frases de efeito. Sabe que são essas expressões que os ricos e os pobres querem e gostam de ouvir. É preciso que a maior autoridade de um país diga essas obviedades para agradar a uns e a outros e para que nada mude. Foi dito e está dito. Hospedado em hotéis dos mais caros de Genebra, é preciso inocentar os pobres e os imigrantes que não têm 400 dólares para pagar uma diária com café da manhã.
Lula tomará seu próprio avião para descer em Moscou e no Cazaquistão, onde falará em nome dos pobres e dos imigrantes do Brazilstão. Ao fim e ao cabo, é bom ser lembrado, de tempos em tempos, que as crises econômicas e financeiras, as crises morais e éticas, as crises de esquizofrenia política não devem ser jogadas nas costas dos pobres e dos imigrantes que não tem bilhões para perder na mão dos agiotas das bolsas de valores.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

UM MAIS UM

As operações aritméticas simples deram lugar às mais complexas. E realizá-las se consegue só com a ajuda de máquinas muito mais velozes do que o exercício cerebral.
Pouco valor se dá ao algarismo 1 e, mais um, parece quase nada, embora seja o dobro. Um real é pouco. Dois compram um jornal. Um jornal diário representa centenas de litros de água. Um litro de água custa, no mercado, R$ 1,40. Um jornal tem portanto um custo de quase R$ 500 e um preço fictício de 1+1.
A análise matemática se complica quando se adiciona 2 ao dois. Um casal que procria dois filhos produz um crescimento exponencial. Duas vezes dois. Dois pratos transformam-se em quatro. E, assim, vão se multiplicando as demandas. Mais duas camas, mais duas camisas, mais 400 litros de água por dia. Geralmente, mais um carro, mais uma vaga no estacionamento, mais 40 litros de combustível por semana. Mais dois lugares na creche e na escola. Mais duas baterias de vacinas na fila do hospital.
Um milhão de carros mais um parece nada. Já 250 carros matriculados por dia, no DF, são simples unidades que se adicionam às pessoas, aos litros de gasolina, pneus, toneladas de CO2, acidentes, ambulâncias, polícias, enterros e incontáveis sofrimentos.
A construção de mais um setor, o Setor Noroeste, implica a destruição de 820 hectares de massa verde calculada em 50 toneladas por hectare, contendo 70% de água. Isto é, estamos permitindo a devastação de 35 mil litros de água por hectare, guardados nas folhas, nos troncos e raízes, num total de 28 milhões de litros por dia.
Esses milhões de litros são a soma de um mais um, de unidades desprezadas pelos planejadores, engenheiros, arquitetos e administradores. Essas árvores e plantas, essa águas desprezadas são irrecuperáveis.
Chega-se à conclusão de que a inteligência do ser humano é pouco usada para observar, analisar, compreender, planejar e executar ações em benefício do sistema universal e natural ao qual pertence. Estamos diante de um ecocídio anunciado, tão certo quanto 1+1 e 2+2.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Bilhete ao Governador 6

Custo da destruição.

Governador, soube que é bom matemático e que seus financistas não o enganam nas contas. Tenho andado por essas vias e viadutos que estão sendo alargados para melhorar o fluxo de carros. Cada árvore que tomba são centenas de litros de água que evaporam sem retorno. Cada metro de asfalto é um tapa na face da terra. Cada real que o senhor investe para destruir o cerrado precisará de 2 para recuperar. Serão muitos milhões que o senhor terá que reservar para restaurar o que sobrou do desastre em saúde, em acidentes, em saneamento ambiental.
Não há outras atividades que se prestem para gerar empregos sem maltratar a natureza? Há tantas ações a serem realizadas nas cidades satélites, como melhorar as escolas, limpar ruas, plantar árvores, formar parques e jardins, abrir campos de esporte. São empregos mais baratos para o erário público, mais dinheiro para os empregados, menos lucro para intermediários e muito menos corrupção.

domingo, 14 de junho de 2009

RIDÍCULO E ENFADONHO

Como cidadão, tentei seguir, impressionar-me, comover-me, indignar-me com as notícias do dia-a-dia. A corrupção na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, nas empresas públicas e privadas, em qualquer estamento da república, nas igrejas e na polícia produz explicações, justificativas dos implicados que só ganham em ridículo dos comentaristas políticos da TV Globo ou cientistas professores de universidades. Propiciar viagens a parentes e amigos com dinheiro público não constrange representantes da direita nem da esquerda e muito menos o presidente da república.
Economistas renomados, sábios, experientes, com anos de ministério nas costas, tentam desvendar os mistérios da “crise mundial” com rodeios e dezenas de “veja bem”, com expressões fortes e novas “economia robusta”, “recessão técnica” e amenizar os sofrimentos do combalido PIB e diagnosticar-lhe uma sobrevida.
Na primeira hora do dia, nas notícias do almoço e nas repetidas estatísticas da noite tem-se uma indigestão, seguida de congestão, provocada pela voz e pelas afirmações de Sarney, Ramiro Jucá, Lula da Silva, Sardenberger ou Cristiana Lobo. Tudo soa ridículo, artificial e enfadonho como a limpeza semanal da diarista. Ela precisa limpar, passar e cozinhar, receber a diária e voltar para casa. Todos e sempre os mesmos têm que fazer, dizer, explicar, justificar. Cumprem o dever de iludir e voltam para casa.
Amanhã retornarão e nós estaremos lá para ouvi-los e rir do ridículo. O inexplicável foi devidamente explicado. O insolúvel foi temporariamente solucionado. O irrealizável foi prometido.
Até o sinistro voo 447 se tornou enfadonho, com tantas informações inúteis, num jogo competitivo de equipes treinadas e eficientes em retirar corpos e destroços do mar imenso. Oficiais sérios não se furtam de responder questões supostamente pertinentes de repórteres com as prudentes palavras “não temos essa informação”.
Estamos todos convidados, premidos, convocados a apreciar a velocidade e o espetáculo do crescimento cuja força abaterá qualquer crise que ouse frear as ambições do poder. Somos convulsionados num fanatismo tão religioso e fundamentalista do crescimento a qualquer preço que tudo parece concorrer para cairmos no abismo sem dor, anestesiados pelo milagre poderoso de nossos governantes.
Estamos sendo levados para o desastre ecológico em ritmo de festa, num desfile carnavalesco, extasiados pelas fantasias, alegorias, sons de tambores e músicas que se desfazem em cinzas no dia seguinte.

QUANDO EU VOLTAR

Homenagem ao editor Rovilio Costa (+13.06.2009)

Quando eu voltar ao ventre da terra de onde surgi, não se aflijam. Volto ao lugar onde a felicidade é silenciosa e todas as criaturas são acolhedoras.
Lentamente me consumirei no húmus gordo e fértil, me incorporarei aos vivos anônimos do universo. Escorrerei sobre os calhaus e penetrarei nas rachaduras das rochas. Alcançarei as águas subterrâneas, as reservas de vida do planeta.
Ressurgirei nas folhagens das árvores, alimentarei as raízes dos craveiros e das roseiras. Estarei na força dos jatobás e dos angicos, na doçura da mangaba, do baru e nas cores da caliandra.
Os pássaros me levarão pelos ares e viverei a festa internacional de todos os sons noturnos e das sinfonias siderais e marítimas.
Vou sem desaparecer. Estarei escondido e vigilante por trás dos galhos, troncos e ramadas.
Olhem para qualquer lugar, a qualquer momento e me verão em todas as formas do universo.
Vocês me verão e eu os verei com a lucidez da imortalidade e com a clareza da eternidade.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

CARRO OU AUTOMÓVEL

Nos anos 70, eu era empregado do extinto Banco Nacional de Crédito Cooperativo e ocupava uma das coordenadorias do primeiro escalão. Recém-chegado a Brasília, não tinha alternativa para me dirigir ao trabalho a não ser o automóvel. Minhas economias iniciais, depois de três anos de bolsista, deram para a compra de um fusquinha 1.300 em doze prestações.
Meus colegas de primeiro escalão ajustaram o carro ao cargo. Um deles, fascinado pelos monstruosos computadores da época, pensava entender do complexo campo dos sistemas. Era um medíocre contador, mas tinha pose de cientista. Adquiriu um Alfa Romeu e era respeitado pelo carro não pelo cargo. Havia poucos automóveis circulando por Brasília, na época, e o carro do ano tentava e dominava meus colegas. Meu fusquinha era um gigante. Fui com ele a Florianópolis, às águas termais de Minas Gerais, a Penedo, a Natal, atravessando a Bahia e meio Nordeste.
As décadas passaram. O carro se popularizou. A população de Brasília aumentou exageradamente. As vias se multiplicaram. Vieram os viadutos, as invasões, os condomínios, as pontes do Lago Paranoá. Um carro para cinco habitantes, depois para três, para dois. Com 500 mil carros o DF entrou para a história dos acidentes de trânsito, engarrafamentos, falta de estacionamentos. Um presidente reedita o fusca. Todo mundo têm carro. Zelador de bloco, marceneiro, pintor, vigia, gari, barbeiro. Mais de um milhão neste ano.
O carro zero recebeu tratamento diferenciado com créditos a perder de vista, 60, 70, 80 prestações. Realizado o sonho do carro próprio. Todo mundo quer estar no engarrafamento diário. O brasiliense entrou na cultura das retenções de 30, 50 quilômetros.
Mas o brasiliense é criativo. Já que todo mundo tem carro é preciso distinguir carro de automóvel. Não é a mesma coisa. Aquele Alfa Romeu que se distinguia na década de 70, agora se chama Toiota, Citroën, Renault, Honda, Yundai, com seus apelidos distintíssimos: Corolla, Pajero, Picasso, Celta. Não basta ter carro só para diferenciar-se da massa que enfrenta ônibus e metrô. É preciso entrar num engarrafamento com um veículo de 300 mil reais, ar condicionado e música estéreo para valorizar as vias duplicadas e os viadutos alargados.
Os tempos mudaram. É preciso adaptar-se a eles, ao carro de alta tecnologia e ao ritmo andante ma non troppo da ópera ensandecida da tragédia do trânsito.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

DIÁLOGO DAS PLANTAS

Costumo caminhar pelos campos de meu Sítio.
Para compreender a vida, olho, toco folhas e troncos, admiro e ouço as plantas e as flores pequeninas.
O bem-te-vi sentou num murundu e me desafiou. A corruíra rastejou entre samambaias secas e a lagartixa correu ligeira. O sol dominava sozinho e iluminava cajuís, muricis e mangabeiras, Brilhava nas folhas hirsutas do chapéu-de-couro. Apoiei-me no bastão e parei junto a um faveiro.
Envolto no silêncio espesso do cerrado, percebi, a poucos passos, uma flor vermelha, redonda, ereta, com majestade simples de rainha. Ouvi cochichos a sotto voce, como fazem os namorados no teatro, escutando Liszt ou Villa Lobos. Era Caliandra que segredava à Florzinha-azul-do-cerrado histórias de outros tempos. Agucei o ouvido e fingi olhar para longe, no horizonte, na direção do Gama.
− Quem me trouxe para cá foi o vento, dizia Caliandra. Onde minha bisavó morava, houve uma guerra. Um grande fogo devorou árvores grandes e pequenas. Máquinas barulhentas, caminhões e muitos soldados entraram em nossas casas e enterraram milhões de plantas vivas.
− Eles não gostavam de plantas, flores e nascentes de água, perguntou Canela-de-ema, roxa de pavor.
− Parece que não, disse Caliandra, baixando a voz. Na frente das casas e nas janelas, puseram miosótis, azáleas, buganvílias e cambarás. Dizem que a natureza está globalizada e que nós somos menos competitivas.
Ouvi claramente ruídos de protesto de lobeiras mostrando suas flores azuis, de quaresmeiras com flores roxas e do alvo lírio-do-cerrado, prestes a chorar de tristeza.
− Essa gente que nos expulsou de nosso chão prefere os senhores eucaliptos aos pequizeiros e aroeiras, disse Caliandra com gesto de desprezo.
− O pior é o fogo, disse Baru. Todo ano é a mesma tortura. Cada pessoa que passa me faz tremer de medo. Quando as labaredas arrancam gritos das mangabeiras, dos bacuparis, das taquaras, me desespero sem poder correr daqui.
− Eles prendem fogo em nossa casa com todos nós lá dentro, completou Corticeira, mostrando as cicatrizes do incêndio do ano anterior.
Ao perceber minha presença, as plantas calaram. Andei devagar. Acariciei as folhas do catolé. Abracei a copaíba. Havia sorrisos por toda a parte. O bem-te-vi me desafiou de novo. Afastei-me de seu território.
Compreendi que o Sítio não é meu. É deles.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Bilhete ao Governador 5

Escolas-parques

Governador, visitei algumas escolas públicas no Núcleo Bandeirante, no Engenho das Lajes e escolas privadas, ao longo da L-2. Fiquei deprimido com a ignorância ecológica e ambiental da Secretaria de Educação e dos donos de colégios. Aquilo lá dentro é um deserto ambiental esterilizado, uma prisão disfarçada de escola. A gente sabe que é uma escola porque do lado de fora há um grande letreiro. Nas novas escolas que o senhor vai construir, antes de pôr os fundamentos e de levantar paredes, contrate um paisagista para transformar o terreno num pequeno bosque e no meio dele ponha a escola. Será uma escola no parque, com ar puro, sombra, pássaros, borboletas, lagartixas, ipês floridos banhados com um chafariz. As crianças brincarão de pique-esconde no meio das árvores.

Bilhete ao Governador 4

Trânsito estrangulado
Governador, fiquei estarrecido ao ler entrevista de seu secretario de Transportes. Ele disse que “o sistema viário está estrangulado. Essa é a realidade. Não adianta hipocrisia”. Os viadutos e as duplicações de avenidas estrangularam o trânsito. Numa ocasião, no Instituto Histórico e Geográfico do DF, o seu secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, ao responder indagações sobre o setor Noroeste, disse que foram previstas duas entradas de automóveis nas quadras porque usar o carro individual faz parte da cultura do brasiliense. O senhor é inteligente e preparado, Governador. Ajude seu secretario a distinguir entre cultura e mau costume. Se o senhor for na onda desses secretários, os tiros de sua administração sairão pela culatra, que não é o mesmo que cultura.