quarta-feira, 30 de novembro de 2011

ADENDO AO CRESCIMENTO ZERO

(Estas flores desapareceriam, em 2050, com o ritmo de crescimento econômico em vigor.)

Para os que acompanham meus comentários sobre a tendência inevitável de a humanidade caminhar para o crescimento zero, agrego alguns dados de economistas australianos sobre o tema.
Há três pilares que sustentam o crescimento zero: mudança gradual dos hábitos de consumo freando o consumismo, investimentos em prioridades humanas: alimentação, vestuário, moradia adequada segundo as necessidades universalizadas e planejamento familiar democrático atingindo imediatamente todos os países do planeta.
Os pontos abaixo mencionados ilustram a magnitude da redução do atual crescimento baseado no PIB e no acúmulo crescente de riquezas em mãos privilegiadas se o ritmo atual de crescimento demográfico se mantém, mesmo em declínio.
* Se os 9 bilhões de pessoas que habitarão a Terra em quarenta anos utilizarem os recursos ao ritmo per capita dos países ricos, a produção anual de bens de consumo teria que ser oito vezes maior do que é hoje.
* Se os 9 bilhões consumirem uma dieta norte-americana, necessitaríamos de 4, 5 bilhões de hectares de cultivo, mas só dispomos de 1,4 bilhões de hectares de terra cultivada no planeta. A desertificação do planeta seria o suicídio.
* A disponibilidade hídrica é escassa e minguante. Qual será a situação se 9 bilhões queiram utilizar água como se faz nos países ricos e nas regiões privilegiadas de países emergentes, enquanto o problema dos gases estufa reduz a oferta de água? Hoje, 2 bilhões de pessoas não dispõem de água para beber e suprir necessidades mínimas.
* As zonas de pesca do mundo se encontram, hoje, em sérios problemas. A maioria com superexploração da pesca e redução de espécies. Que aconteceria se os 9 bilhões tentassem consumir peixe ao ritmo atual dos australianos?
* É provável que diversos tipos de minerais e de outro gênero escasseiem muito em breve, entre eles o gálio, o índio e o hélio. E há preocupação quanto ao cobre, zinco, prata e fósforo.
* É provável que comece a escassear o petróleo e o gás e que, em boa medida, não se possa dispor deles na segunda metade deste século. Se os 9 bilhões consumirem petróleo ao ritmo per capita australiano, a demanda mundial seria cinco vezes maior da que é atualmente. A gravidade disto é extrema, dada a onerosa dependência de nossa sociedade aos combustíveis líquidos. A exploração de outras energias além de cara é ainda incipiente.
* Análises recentes da “pegada ecológica” mostram que se necessitam oito hectares de terra produtiva a fim de proporcionar água, energia, terreno para assentamento humano e alimentos para uma pessoa que vive na Austrália (World Wildlife Fund, 2009). De maneira que se 9 bilhões vivessem como australianos, seriam necessários ao redor de 72 bilhões de hectares de terra produtiva. Porém, isso equivale a cerca de dez vezes toda a terra produtiva disponível no planeta. O planeta é um só.
      * O argumento mais inquietante é o que se refere a gases estufa. É muito provável que, com a finalidade de impedir que o conteúdo de carbono na atmosfera se eleve a níveis perigosos, se tenha que eliminar por completo as emissões de Co2 até o ano 2050 (Hansen, 2009, Meinschausen et al. 2009). Mas esta possibilidade é remota.
Os economistas que trabalham novas formas de produção e consumo diferentes das capitalistas, cujo modelo os países emergentes tentam a todo custo seguir em nome do PIB, se estribam no bom senso humano para a sobrevivência de todas as espécies vivas do planeta Terra.
Basear a economia no consumo obsessivo de bens úteis e inúteis, necessários e supérfluos com o fim de mostrar o crescimento do PIB e estar entre os quatro países que governam o mundo é trilhar o caminho certo do abismo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

CAPTAÇÃO DE ÁGUAS PLUVIAIS

ÁREA RURAL

O Planalto Central é um divisor de águas. Não é um pântano. As nascentes daqui levam águas para o Norte, Nordeste e Sul. Há cinquenta anos, com o povoamento do Planalto Central, um duro golpe foi desferido contra os mananciais e as nascentes de “águas cristalinas” como as definiram os exploradores da Missão Cruls.
Na opinião do Prof. Henrique Chaves, Professor da Universidade de Brasília (UnB), “Em pouco tempo, os mananciais de água que servem à população de Brasília poderão estar esgotados.” A situação para o brasiliense já chegou ao ponto crítico. Segundo recomendação da ONU, quando a disponibilidade de água bruta é de 1.750 metros cúbicos por habitante/ano a realidade hídrica já pode ser considerada preocupante. A disponibilidade de água na capital do país é de 500 metros cúbicos habitante/ano. Menos de um terço do que é recomendado. (Correio Braziliense, 29.10.2011) A escassez de água está encaminhando erroneamente moradores da cidade e do campo a buscar nas reservas subterrâneas, por meio de poços artesianos, as águas que abastecem as nascentes em detrimento dos cursos fluviais. Secam-se os mananciais. Secam-se os córregos. Desertifica-se o ambiente.
Além do superpovoamento da área em relação à capacidade de suporte hídrico, a grande plantação de eucaliptos para produção de celulose e a agricultura irrigada de soja e de milho para exportação, nas áreas circunvizinhas, tornam ainda mais crítica a disponibilidade de água no DF.
A ineficiente fiscalização dos órgãos ambientais e a ênfase dada ao crescimento da produção de commodities, em detrimento dos cuidados exigidos pela natureza frágil do cerrado, aceleram o processo de extinção de olhos d’água e a poluição de mananciais, rios e lagos. O que pode minorar essa situação crítica é a captação das águas da chuva. Nas cidades, o uso das águas captadas da chuva é alternativa para irrigação urbana, lavagem de ruas, alimentação de chafarizes e alívio da secura estival.
No meio rural, na agricultura e em áreas de preservação e recuperação vegetal, a captação se destina a melhorar os índices de umidade, deter por mais tempo a água no solo, facilitar a recarga dos aquíferos e fortalecer as nascentes superficiais. Com essa finalidade construo, em meu Sítio das Neves (DF), – Área de Proteção Permanente –, pequenas barragens de pedra ou barragens-castor desde 1996. A área do Sítio (70 hectares) é de 700 mil metros quadrados com vegetação típica de cerrado. A precipitação média anual sobre a área mencionada é de 875 milhões de litros ou 875 mil metros cúbicos, quantidade nada desprezível. Em circunstâncias normais, isto é, sem queimadas eventuais, a vegetação nativa guarda um quarto da precipitação.
Quase duas centenas de barragens captam e detêm milhares de metros cúbicos de água durante o período chuvoso, permitindo infiltração mais profunda e percolação da água repondo a recarga dos aquíferos do subsolo. A comunicação subterrânea das águas por efeito das barragens e do prolongamento do período de umidade, após a chuva, incrementa o reflorestamento nativo e consolida a recuperação de áreas degradadas pela agricultura irracional e queimadas anuais.
Um plano de captação das águas da chuva no meio rural deveria interessar ao Ministério da Agricultura, ao Ministério do Desenvolvimento Rural, ao Ministério do Meio Ambiente, à Confederação Nacional da Agricultura, aos sindicatos rurais e suas federações e confederações, cooperativas agropecuárias e empresas públicas de pesquisa e extensão rural.
Existem, em alguns estados do Brasil, estímulos financeiros para agricultores que se prontificam a recuperar áreas esgotadas por processos de produção inadequados, compensando as perdas de renda pela interrupção temporária e parcial da exploração agrícola.


ÁREA URBANA

Os mananciais no DF são constituídos por milhares de nascentes, também denominadas minas ou olhos d’água que formam pequenos córregos, ribeirões e rios de estatura média. Eles alimentam bacias hidrográficas de grande porte: Araguaia, Paranaíba e São Francisco. O primeiro se lança ao mar pelo curso do Amazonas; o segundo conforma a bacia do Paraná e deságua no Mar del Plata. O Velho Chico, depois de um percurso patriótico, ziguezagueando de Minas Gerais a Alagoas, despeja diretamente no Atlântico.
O interesse na captação de águas pluviais se manifesta em razão dos períodos bem determinados de chuva e estiagem.  A captação de águas pluviais se destina a compensar a escassez de água durante os meses secos aliviando a pressão sobre os aquíferos subterrâneos e mananciais. O estudo e mapeamento das  áreas sobre as quais cai o líquido gratuitamente das nuvens indicarão o volume possível e necessário a ser captado como reserva para o período de estiagem que, no Centro-Oeste, é de seis meses, entre abril e setembro.
A área geográfica do Distrito Federal (DF) é de 5.822 km2, correspondendo a 582.200 hectares ou 5,822 bilhões de metros quadrados. Os habitantes de Brasília dispõem de 100 m2 de área verde per capita. Plantam-se 70.000 árvores por ano, com critérios seletivos e discriminatórios, pois se concentram em parques e no Plano Piloto, deixando os bairros de Brasília quase desertos, mas as plantas são alternativa eficaz para captação e detenção de águas da chuva.
A precipitação média anual, no quadrilátero do Distrito Federal é de 1250 litros por metro quadrado, despejando aproximadamente 7,3 trilhões de litros sobre a área durante o período chuvoso de outubro a março. É a soma da precipitação ocorrida sobre toda a área.
O Lago Paranoá que circunda a parte sul e leste de Brasília se estende sobre uma área de 48 km2 ou uma extensão de 48 milhões de m2. Estima-se que 60 bilhões de litros são derramados pela chuva sobre a superfície do Lago Paranoá durante o período mencionado. A captação de água da chuva, portanto, é feita diretamente pela superfície do Lago, além de recolher águas que derivam de pequenos córregos que o formam. Grande parte dessas águas levadas pelos córregos ao Lago pode ser captada em vários pontos estratégicos do DF, no Plano Piloto e bairros de Brasília, sem prejuízo do Lago, da flora circundante e da fauna aquática e terrestre.
Permito-me um exercício matemático para demonstrar o volume de água que a chuva despeja sobre uma Superquadra da cidade de Brasília, assim denominadas os quarteirões da cidade. As superquadras têm uma área média de 82.000m2. Uma SQ recebe, em média, durante o período pluvial, 95,5 milhões de litros de água.
A superfície verde de uma SQ representa 40% ou 32 mil m2 de sua área total. Admitindo-se que, para irrigá-la uma vez por semana, se necessitem 5 litros por m2, o volume necessário de água para as 24 semanas de estiagem é de, aproximadamente, 3,6 milhões de litros. O volume de água necessária para irrigação durante o período seco representa menos de 4% da precipitação ocorrida sobre a SQ. Reservatórios subterrâneos de água, em forma de galerias, construídos em distintos pontos da SQ, captariam esse volume e sua distribuição a todas as partes da SQ seria operada por meio de bombas hidráulicas instaladas neles. Há outros pontos em que a captação das águas pode ser feita diretamente de reservatórios naturais, como o Parque Água Mineral e o Parque Olhos d’Água, para os quais se necessita apenas uma rede tubular para distribuição.
Na Asa Sul de Brasília, com 64 SQ, se poderiam acumular 230,4 milhões de litros de água durante a estação de chuvas, volume que corresponde a menos de 4% da precipitação nessa área (6,1 bilhões). Em consequência, pouparia água durante o período seco, não afetaria os aquíferos subterrâneos e aliviaria a sensação de clima desértico nesse perímetro urbanizado DF.
Dadas as características do clima do Planalto Central e as mudanças climáticas ocasionadas pela intensa e desordenada urbanização, superpovoamento, devastação da flora original, destruição impiedosa de mananciais, circulação diária de um milhão de automóveis, Brasília apresenta demanda crescente e diversificada de água. A demanda atual da cidade se iguala à oferta dos mananciais existentes provedores de água. Além da provisão do líquido para quase quatro milhões de habitantes, limpeza urbana, manutenção de jardins, proteção das áreas verdes e produção de hortifrutigranjeiros, há um acréscimo, ano a ano, da demanda de água, no período seco, impulsionada pelo aquecimento gradativo da região e pelo aumento da população.
Os 650 canteiros de flores que embelezam a cidade absorvem um milhão de litros de água por dia, ou 180 milhões de litros, durante os seis meses secos, retirados do Lago Paranoá e outras reservas naturais. Brasília abriga 150 milhões de m2 de grama. Essa superfície não recebe irrigação durante a estiagem e é anualmente vítima de queimadas. Se a aspersão usasse apenas um litro diário por m2, durante 150 dias, o volume necessário de captação seria de 12,5 bilhões de litros o que corresponde a menos de 7% da precipitação sobre os gramados urbanos. A localização dos reservatórios é determinada pelas próprias áreas cobertas de grama, entre as superquadras, vias de trânsito e na Esplanada dos Ministérios. Há, em Brasília e bairros adjacentes, muitos pontos favoráveis à captação de águas da chuva. Existem, nos órgãos públicos e instituições privadas, informações suficientes para traçar um mapa de planejamento de captação hídrica.
A população, premida pela intensa urbanização, cercada de prédios e avenidas asfaltadas, sufocada pelo mormaço e pela secura se sentiria melhor. As árvores abrigariam mais pássaros, a grama não se esturricaria e haveria menos perigo de queimadas dentro da cidade. Aliviar-se-iam também os pontos de alagamento de ruas, avenidas, tesourinhas e viadutos.
A necessidade de captação de águas da chuva para compensar o déficit per capita/dia, se manifesta pela situação crítica de disponibilidade de água para o habitante do DF. O brasiliense dispõe de 1,4 m3 por dia, três vezes menos do que é aceito como ideal (4,8 m3) pela ONU. Apesar desse déficit, centenas de cidades são anualmente inundadas por abundantes águas que transbordam de córregos e rios que as atravessam, causando mortes, desalojamentos de famílias e devastação ambiental. Só este fato deveria ser razão suficientemente forte para convencer os administradores da coisa pública a tomar decisões imediatas sobre a captação racional de águas da chuva.
A tecnologia de captação de águas pluviais é praticada, em algumas cidades brasileiras, em pequena escala e para uso restrito. Essa mesma tecnologia pode ser estendida à captação em grande escala utilizando os conhecimentos, o maquinário e os engenheiros que abrem túneis, vias subterrâneas de metrô, estacionamentos no subsolo.
Não existe problema insolúvel! Basta querer enfrentá-lo. Com a tecnologia disponível e a capacidade técnica de nossas universidades e engenheiros qualificados é possível pôr em execução um sistema de captação e aproveitamento das águas pluviais abundantes no país, eliminando grande parte dos desastres provocados pela incúria e falta quase absoluta de planejamento urbano.
Nos últimos cinquenta anos, um número cada vez maior de cidades, inclusive Brasília e seus bairros, são atingidos por inundações, algumas delas de tamanho trágico em vidas perdidas e destruição de monumentos e equipamentos. Apesar de tudo, nossas dificuldades são menores do que as de outros países e podem ser superadas com a tecnologia existente no país e com a capacidade inventiva de engenheiros e planejadores urbanos.
A arena esportiva, denominada Estádio Nacional de Brasília, segundo consta de seu projeto (Correio Braziliense, 29.10.20110), a água da chuva será captada e armazenada em tanques embaixo do campo de futebol, utilizando-se de tecnologia comprovada. A água será usada para irrigar a grama e lavar o estádio. Existe, portanto, tecnologia. Definitivamente importante é a decisão de executar medidas adequadas para a captação e aproveitamento das águas pluviais. Estacionamentos, túneis de metrô, pouco diferem de galerias para captação de águas pluviais. Com as devidas mudanças, os procedimentos, a tecnologia, as máquinas e o dinheiro podem fazer diferentes obras para fins nobres.
A execução dessa importante, essencial e necessária obra de captação de águas pluviais esbarra numa dificuldade política de estabelecer prioridades inteligentes que tenham sentido humano. Há que se transpor esse obstáculo com uma atuação firme e constante de órgãos de representação dos interesses coletivos junto a instituições públicas e ao Congresso Nacional, com o fim de estabelecer orçamentos plurianuais adequados a executar projetos de captação de águas da chuva.
Em tempos em que a geração de emprego e consequente distribuição inteligente dos impostos parecem determinantes para enfrentar a crise na economia mundial da qual o Brasil participa, projetos desse gênero, além de atender às emergências econômicas, resolvem também as emergências em que anualmente nossas cidades se veem condenadas.
A título de ilustração, a experiência japonesa no trato com fenômenos naturais de grande envergadura pode ser um estímulo para vencermos dificuldades geometricamente menores do que as enfrentadas naquele país.
O Japão é provavelmente um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo. Sua população tem acesso à melhor educação, a um eficiente sistema de saúde e onde investimentos em tecnologias avançadas são feitos. Assolado por terremotos, tufões e tsunamis, o Japão utiliza sua impressionante tecnologia para se proteger dos efeitos arrasadores dos fenômenos naturais. A intensa urbanização de Tóquio se assemelha à de São Paulo e a de centenas de cidades brasileiras.
Anualmente, uns 25 tufões assolam o território japonês. Desses, dois ou três atingem Tóquio em cheio, com chuvas fortíssimas durante várias horas ou até um dia inteiro. Mas nem por isso ocorrem enchentes ou alagamentos na cidade.
Observem-se os subterrâneos construídos para entender porque Tóquio não se alaga. (Informações disponíveis na Internet. Blog de Carol Daemon)



O subsolo de Tóquio alberga uma fantástica infraestrutura cujo aspecto se assemelha ao cenário de um jogo de computador ou a um templo de uma civilização remota. Cinco poços de 32m de diâmetro por 65m de profundidade, interligados por 64 km de túneis, formam um colossal sistema de drenagem de águas pluviais destinado a impedir a inundação da cidade durante a época das chuvas.



A dimensão deste complexo subterrâneo desafia toda a imaginação. É uma obra de engenharia sofisticadíssima realizada em betão, situada 50m abaixo do solo, fato extraordinário num país constantemente sujeito a abalos sísmicos e onde quase todas as infraestruturas são aéreas. A sua função é não apenas acumular as águas pluviais como também evacuá-las em direção a um rio, caso seja necessário. Para isso, dispõe de 14.000 HP de turbinas capazes de bombear para o exterior cerca de 200 mil litros de água por segundo.



quarta-feira, 23 de novembro de 2011


EIS A INTERDEPENDÊNCIA DAS ESPÉCIES VIVAS.
UMA JIBÓIA ENLAÇOU UM PATINHO, O SUFOCOU E O ENGOLIU.
A NATUREZA SEGUE AS LEIS DA VIDA E, NO ESTRITO CUMPRIMENTO DELAS, HÁ SOFRIMENTO DE UMA PARTE E SATISFAÇÃO INDIVIDUAL DE OUTRA.
Posted by Picasa

EDUCAÇÃO E LIBERDADE


Qualquer tipo de educação, seja pontual ou continuado, restringe a liberdade pessoal e coletiva. A educação é ministrada, induzida, inculcada na mente e no coração da pessoa e põe sobre a identidade original uma camada de estereótipos, de regras, de leis particulares ou constitucionais. Torna-se obrigatória. Toma a forma de receitas para moldar a pessoa, adaptá-la a um modelo arquitetônico indefinido a fim de mais facilmente dominá-la. Educa-se para obter dois efeitos visíveis e contraditórios: cooperar e competir, construir e destruir, pacificar e guerrear.
Subliminarmente, educar é estabelecer as condições ideais de esquizofrenia ao balançar o educando entre a liberdade social condicionada e a promessa de segurança dos movimentos permitidos. Nos três ambitos em que a educação é inculcada, paralisam-se energias cerebrais e desvirtua-se a natural expressão da dúvida, da curiosidade, da espontaneidade diante da beleza e da sedução do universo. O objetivo não declarado da educação nos três ambitos é desestimular a capacidade de pensar e querer fora dos parâmetros estabelecidos pelos costumes, pela moral e pela ética em uso.
Na família, primeiro cenário da educação, ganha-se o DNA e herda-se o idioma próprio da clã restrito, do grupo de vizinhança, da tribo moldada. Na escola, conhecem-se direitos legais que subjugam os individuais, socializam-se as dissonâncias, ressaltam-se as diferenças, consolidam-se os preconceitos e, sob algumas promessas de prêmios e ameaças, enumeram-se os deveres coletivos para com a pátria. O conhecimento metódico e mecânico minimiza as emoções. Nas igrejas, educa-se a pessoa para sobrepor a tudo e a todos um poder sobrenatural, oculto, indevassável. A pessoa aprende a ser nada e impotente. Só alcança benefícios ou recebe castigos gratuitos se o humor de um Ser superior assim dispuser.
Constrangido por essa educação tridimensional a pessoa renuncia inconscientemente à liberdade essencial do espírito para acatar os princípios da segurança social, fictícia, a ser mantida por meio de armas mortais. A educação operada em três dimensões é obrigação de lei e obsessão generalizada e universalizada. O núcleo vital da educação foi afetado pelo mesmo vírus que destrói sorrateiramente as células da liberdade. Produz metástase emocional, aliena a consciência e substitui a felicidade vital em prazer mecânico de manipular aparelhos. Os lares, as escolas, as igrejas estão mobiliadas com aparatos eletrônicos os mais variados que dão eficiência e rapidez à transmissão de conhecimentos e certezas. Conhecimentos e certezas que serão úteis para operar outros mecanismos, na progressão da chamada educação permanente, rumo a uma profissão no “mercado de trabalho”, ou para certificar-se de que o céu é o limite a ser transposto.
A felicidade vital do espírito inteligente é substituída pela felicidade conquistada com a operação de aparelhos relativamente obedientes. Eles trocam a presença das pessoas e por meio deles tornam impessoais e distantes os relacionamentos. Estamos todos convidados, convocados e obrigados à comunicação de conhecimentos e comportamentos sob a forma de educação mecânica. A família, as escolas, as igrejas, auxiliadas pela mídia insinuosa e por todos os truques tecnológicos da Internet nos fazem assumir inconscientemente o papel de educadores. Educar é preciso. Todos a educar a todos na crescente multiplicidade de “demandas” a ponto de não fazermos mais nada, a qualquer momento, em qualquer situação a não ser educar. A educação em três ou cinco dimensões transformou-se no mais eficiente meio de alienação da consciência.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

FOGO E LIXO




OLHE, PENSE, CALCULE O DESASTRE DA SOMA DE ATOS VIOLENTOS CONTRA A NATUREZA: FOGO E LIXO À BEIRA DA RODOVIA BR 060. LOGO ALI EMBAIXO CORRE O RIBEIRÃO DAS LAJES
HÁ CIDADÃOS CEGOS, SURDOS E IGNORANTES DA PRÓPRIA VIDA.

DEGRADAÇÃO E DISPLICÊNCIA






A BR 060 é a rodovia que liga Brasília a Goiânia, passando por Alexânia, Abadiânia e Anápolis. Por essa via pode-se ir a Pirenópolis e Corumbá. No meio do caminho, a represa Corumbá IV atrai turistas, proprietários de chácaras à beira do lago e centenas de pescadores de fim de semana.
Milhares de carros transitam por essa autoestrada por motivos de negócios ou por lazer. A fiscalização do tráfego é feita pela Polícia Rodoviária e agentes do Posto Fiscal, com intervenções esporádicas da Polícia Civil. A BR 060 é canal de transporte comercial intenso e rota de drogas procedentes de Goiás e Mato Grosso do Sul.
Às margens da rodovia, nos últimos dez anos, algumas antigas fazendas como Engenho das Lajes, Tição, Riacho Fundo se transformaram em assentamentos urbanos e condomínios rurais. A rodovia foi traçada sobre o espigão do Planalto Central e de ambos lados brotam mananciais cujas águas correm para o Sul, nascidas na bacia hidrográfica do Descoberto constituída pelo rio Santo Antônio, Ribeirão das Lajes e outros córregos formando a bacia do Paranaíba, rumo ao Paraná e Mar del Plata.
Essa região, como todos sabem, é frágil e delicada, pois é o berço das águas. Todo berço contém uma criatura tenra. No entanto, os usuários da rodovia não sentem nenhum desconforto cidadão em depositar todo tipo de entulho de demolições, ferragens, restos de móveis e cerâmicas no trecho em frente à Samambaia e Recanto das Emas. Em vários pontos da rodovia, com mais frequência do lado esquerdo, direção Goiânia/Brasília, toneladas de lixo orgânico são descarregadas por usuários que retornam de suas casas de fim de semana ou de pescarias na represa Corumbá IV. Tive curiosidade de examinar o conteúdo do lixo depositado junto à cerca de uma Área de Proteção Permanente que possuo no km 26. Pelos itens ali encontrados trata-se de pessoas que, além de dirigir carros do ano, certamente possuem 2 a 3 aparelhos de TV, 150 canais da NET, computador e Internet que lhes dão acesso a todas as informações referentes à ecologia e aos decretos que protegem a natureza, além de programas educativos quase que diariamente transmitidos.
Em razão do crescente volume de lixo depositado à beira da rodovia, próximo às nascentes e córregos da região, enviei sugestões ao Ibram, repetidas vezes, no início de cada nova administração do GDF, para que instalasse, de cinco em cinco quilômetros, placas com orientação e advertência de proteção à natureza. Nada foi feito. Sugeri, como se faz em outros países, que se construíssem galpões simples, em pontos estratégicos da rodovia, para entrega e posterior recolhimento do lixo. Resposta: “Não há orçamento para pequenas obras”. A Caesb instalou meia dúzia de placas tímidas, com letras miúdas, em alguns pontos do acostamento, recomendando proteção às nascentes. Nenhum efeito visível diante dos 15 poços artesianos que se observam entre o km 0 e o km 30 da BR 060. Há planos completos de gestão ambiental aprovados nas instâncias legais e burocráticas. O que falta é pôr o plano em ações práticas, eficazes e eficientes. É para isso que se cobram impostos.
Renato Russo gritava pelos ermos de Brasília “Que país é esse”? Diante de tanto lixo, em maior volume a cada semana, às margens da rodovia BR 060, é de se indignar e perguntar “Que gente é essa”?
Não pretendo inculcar na psique do cidadão brasiliense o complexo de ecoculpabilidade. Mas, por vivermos num país profundamente religioso onde se praticam com igual fervor o candomblé, a magia, a reza do terço, a santa missa, a cura do câncer pela fé em Jesus contra o INSS, a caída do Espírito Santo, a meditação budista, a leitura da Bíblia, proponho que todas as igrejas e religiões do Brasil adotem o 11º. Mandamento:
NÃO JOGAR LIXO FORA DAS LIXEIRAS SOB PENA DE CONDENAÇÃO ETERNA.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CEGA, SURDA E IGNORANTE

Não consegui, no Google, números estatísticos sobre cegueira, surdez e ignorância de brasileiras e brasileiros, mais especificamente, da espécie brasiliense. Tenho me guiado, ultimamente, pelo óbvio evidente e ululante. Posso afirmar que o número é magno. Há milhares, se não milhões, de brasileiras e brasileiros cegos, surdos e ignorantes. Cegos ou analfabetos. Surdos ou mentalmente incapazes. Ignorantes ou espertos atentos às vantagens imediatas.
Para não cansar um possível leitor com estas considerações, restrinjo-me à atitude da espécie brasiliense (homo cerratensis) com relação ao lixo depositado nos contêineres espalhados pelas Superquadras do Plano Piloto, bairros circunvizinhos ou simplesmente jogado à beira das rodovias.
Estou em frente aos dois contêineres do Bloco T da SQS 406. Um se destina ao lixo orgânico para ser transformado em adubo. Mas o que vejo, ali, é mistura de roupa, plásticos, restos de comida, cacos de vidro, e objetos invisíveis dentro de sacos pretos ou azuis. O outro é para o denominado lixo seco. Ali, o absurdo é impressionante. Empilhados, estão isopores que envolviam eletrodomésticos, caixas de papelão, garrafas de vidro, garrafas plásticas, latas, jornais e revistas, partes de mobília, cacos de cerâmica, baldes rotos e, para completar, restos de comida.
Entre os pouco mais de 70 moradores do Bloco T há bancários, oficiais de justiça, engenheiros, professores. Quase todos os carros que servem aos moradores são novíssimos, asiáticos ou franceses. O descaso, a indiferença, a displicência da atitude dos moradores diante dos efeitos do lixo sobre o belo e frágil bioma cerrado, misturado nos contêineres e ao longo das rodovias, só podem ter um atenuante: ausência total de informação, de leis, de avisos e de consciência ambiental. A desculpa, com certeza, recai sobre diaristas, faxineiras e empregadas domésticas. Quem as orienta? A espécie brasiliense atingiu a marca de dois milhões e seiscentos mil habitantes com direito a produzir o mesmo volume em quilos de lixo por dia.
Ao ver a confusão e a mistura de lixo nos contêineres e ao longo das rodovias, obrigo-me a concluir que a espécie brasiliense, em número alarmante, está atacada de cegueira, surdez e ignorância. Incluo, nesse número, os administradores de uma dezena de órgãos públicos criados para orientar, fiscalizar, controlar, impedir e sancionar os criminosos ambientais.
A alternativa é, com extrema urgência, curar a cegueira, a surdez e a ignorância da espécie brasiliense.

CAPTAÇÃO DE ÁGUAS PLUVIAIS

O Planalto Central é um divisor de águas. Não é um pântano. As nascentes daqui levam águas para o Norte, Nordeste e Sul. Há cinquenta anos, com o povoamento do Planalto Central, um duro golpe foi desferido contra os mananciais e as nascentes de “águas cristalinas” como as definiram os exploradores da Missão Cruls.
“Em pouco tempo, na opinião do Prof. Henrique Chaves (UnB), os mananciais de água que servem à população de Brasília poderão estar esgotados.” A situação para o brasiliense já chegou ao ponto crítico. Segundo recomendação da ONU, quando a disponibilidade de água bruta é de 1.750 metros cúbicos por habitante/ano a realidade hídrica já pode ser considerada preocupante. A disponibilidade de água na capital do país é de 500 metros cúbicos habitante/ano. Menos de um terço do que é recomendado. (Correio Braziliense, 29.10.2011). Além do superpovoamento da área em relação à capacidade de suporte hídrico, a grande plantação de eucaliptos para produção de celulose e a agricultura irrigada de soja e de milho para exportação, nas áreas circunvizinhas, tornam ainda mais crítica a disponibilidade de água no DF.
A ineficiente fiscalização dos órgãos ambientais e a ênfase dada ao crescimento da produção de commodities, em detrimento dos cuidados exigidos pela natureza frágil do cerrado, aceleram o processo de extinção de olhos d’água e a poluição de mananciais, rios e lagos. O que pode minorar essa situação crítica é a captação das águas da chuva. Com essa finalidade construo em meu Sítio das Neves, Área de Proteção Permanente, desde 1996, pequenas barragens de pedra ou barragens-castor. Mais de uma centena de barragens captam e detêm milhões de litros de água durante o período chuvoso entre os meses de setembro e maio. (Continua na próxima entrega)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

ESTÁBULOS DO REI ÁUGIAS

Os ministérios do governo, encarregados de administrar a coisa pública, traduzida por execução de atividades e obras por meio de aplicação de grandes somas de dinheiro se parecem com os Estábulos do Rei Áugias. A imundície e o insuportável odor resultante da corrupção da moral e da ética profissional vêm se acumulando incolumemente durante dezenas de anos. O esterco produzido pela digestão de polpudos orçamentos parece desafiar as forças e as energias de presidentes, de tribunais e da polícia.
A imundície e o insuportável odor estão exigindo a presença de um Hércules. Infelizmente, o Planalto Central não dispõe de um rio suficientemente caudaloso a ser desviado para dentro dos 36 ministérios. Por cúmulo do azar, as águas do Lago Paranoá, além de minguadas, estão igualmente contaminadas por dejetos sólidos e líquidos dos administradores do Distrito Federal que, nos últimos 15 anos, não consegue se livrar do fedor das cloacas legislativas, executivas, judiciárias e partidárias.
O fedor é insuportável. Haja Hércules e rios para limpar tanto esterco.

domingo, 6 de novembro de 2011

O SILÊNCIO DE UM HOMEM ENTRE RUÍDOS

João Carlos Taveira*
           O escritor Eugênio Giovenardi milita no verso e na prosa com a desenvoltura de quem sabe o caminho das pedras, em sua caminhada pelo mundo e pelos insondáveis mistérios da metafísica. Mas o seu forte, pelo visto, é o gênero em que melhor se acomoda dentro da linguagem: o romance de ficção, no qual já publicou cinco títulos dos onze que constam de sua bibliografia.  
Seu novo trabalho nesse campo saiu em meados de 2011, e se intitula Silêncio. É um romance que, pela proposta de conceitos e desmembramentos de significados, pode ser perfeitamente incluído naquela lista de obras ousadas e bem-sucedidas, embora não muito fáceis de assimilação. O volume, de 198 páginas, em formato 14X21, traz capa de Thiago Sarandy e editoração eletrônica de Cláudia Gomes, com acabamento bem cuidado da Thesaurus, e está disponível nas boas casas do ramo e também pela internet no site da editora.
Todo autor almeja escrever um livro perfeito, mas poucos o conseguem. A tarefa é árdua e espinhosa, por iniciar-se além do mundo real e materializar-se no plano consciente e palpável da natureza humana. Mas Eugênio Giovenardi, neste caso, busca alcançar a proeza do intento com bons resultados. Embora não tenha conseguido de todo livrar-se de referências autobiográficas, contidas, aliás, em seus romances anteriores, neste livro da maturidade o autor de As pedras de Roma se enveredou pelas florestas obscuras do inconsciente e trouxe à luz a história de seres díspares criados à nossa imagem e semelhança; portanto, personagens de carne e osso — em toda a sua extensão física e psicológica. Com exceção de Lídice, que surge como um anjo e, como tal, desaparece, para ao fim e ao cabo da narrativa juntar-se ao protagonista, mas que em momento algum se entrega ao jogo ou controle de seu criador.
A ação se passa em Brasília e arredores, em cenários físicos e extrafísicos, em que Pedro de Montemor é personagem principal e narrador. E ele, com frases curtas e domínio vocabular, descreve na primeira pessoa a sua experiência vivida e, até certo ponto, compartilhada, em flashes ou lampejos de consciência. São angústias e desassossegos a incomodar a visão de um ser atormentado pelas conquistas do progresso em contraste com os recuos de gestão numa administração arcaica, cada vez mais inapta e incompetente. E isso se dá no coração de uma das mais modernas cidades do mundo, ao lado, naturalmente, da insistência de tenebrosos fantasmas a perseguir o trajeto de quem já caminha meio de lado, devido ao peso excessivo de um viver entre as lembranças do passado e as incertezas do futuro. E mais: Pedro de Montemor busca nos mistérios da própria vida uma certeza para seus questionamentos e, como faz com os personagens do romance, nos instiga a acreditar num mundo paralelo situado bem na rota de suas descrenças ou perquirições. Ao contrário de Hamlet, para ele, o silêncio é o limite.
Na construção do romance, segundo palavras do próprio autor, combinam-se episódios verídicos e ficcionais. Ao redor deles, o silêncio fala de maneira intemporal. “O cérebro, envolto pelo silêncio interior e exterior, fabrica associações intermináveis, superpostas e contrastantes de fatos, palavras, gestos, atos e pensamentos, expectativas e desejos produzidos no passado, memorizados no presente e lançados ao futuro.” O silêncio é desordenado. As vozes interiores se atropelam e nem sempre respeitam a ordem e a sequência de sua origem. “A liberdade do silêncio libera o inconsciente e exacerba o consciente.” Toda essa história pessoal é personificada e projetada nos indivíduos e grupos que intermitentemente formam os laços da convivência social.
Eugênio Giovenardi, além de escritor, é também sociólogo, e sabe que a vida se situa mais dentro da visão de um Guimarães Rosa que da de um Paulo Coelho. E que os perigos são numerosos, principalmente para aqueles que trazem, desde sempre, as marcas de uma formação baseada nos princípios da fraternidade entre os homens, da liberdade inalienável do indivíduo, da igualdade de todos os seres humanos e — mais forte que tudo — do respeito a todos os seres vivos deste planeta. E isso parece bastante, mesmo quando colocado de maneira não muito marcada nos entremeios de uma narrativa ficcional pouco linear. De forma insistente e quase obsessiva, o silêncio — que para Montemor é um fim em si mesmo — atravessa as páginas do livro, sem deixar vestígios.

Brasília, 31 de outubro de 2011.

____________________________________________________________

*João Carlos Taveira é poeta e crítico literário, e tem vários livros publicados.


terça-feira, 1 de novembro de 2011

7 BI OU SETE BI


Sete bilhões são um bocado de números. Os estatísticos deitaram e rolaram com percentuais, colunas, curvas, queijos, pirâmides e círculos para demonstrar a grandeza dos algarismos. Um percentual de bilhão, por pequeno que seja produz um montão de gente, de animais e de coisas. Os corruptos que se prezam como administradores da coisa pública sabem disso. Por isso, dependendo da cifra, se contentam com meio por cento. Em se tratando de bilhões ou trilhões, a farra está garantida.
Voltando aos bilhões, revistas e jornais nos impressionaram com o jogo dos números. O nosso planeta, dizem, tem 13,4 bilhões de hectares disponíveis para produzir alimentos e água necessária. Cada habitante terráqueo precisa de 2,7 hectares (20.700 m2) para obter a satisfação de todas as suas necessidades. (Atenção brasilienses! No Distrito Federal, só temos pouco mais de um quinto de hectare, 223m2, para cada habitante. De onde vem nossa comida e tudo o mais?) Os americanos consomem nove hectares. Exagero que não resolve a crise econômica e financeira que atravessam.
Voltando à galera mundial, 7 bilhões de pessoas precisam de 19 bilhões de hectares, quase o dobro do que o planeta dispõe. A população continua crescendo. Nos países ricos e nos países pobres, quem, quantos, em que classe de cidadãos existem o desejo, a vontade e a decisão de ceder alguns hectares para cobrir o déficit? A solução apontada por estudiosos, especialistas e planejadores do futuro é a redução do consumo em um terço do que atualmente se desfruta. Há poucas evidências de que nas próximas décadas o consumo diminua. Não vamos pedir isso à turma do Bolsa Família.
A avalanche de carros e aviões parece apontar para outra direção. A continuar no ritmo atual de consumo, o colapso será inevitável no final deste século, quando a população chegará, segundo estimativas, a 10 bilhões de bocas. Toda a esperança é posta no gênio anônimo e desconhecido (macho ou fêmea) chamado senhor 7bi ou senhora Sete Bi.

POPULAÇÃO E FOME



O anúncio da chegada do bebê 7bi foi feito em tom de comemoração. Possibilidade de que tenha nascido um novo gênio capaz de solucionar definitivamente problemas e dificuldades que a população mundial terá pela frente. No dia 6 de outubro de 1999, a estatística da ONU contabilizava uma população de 6 bilhões. À época, o mesmo organismo, por meio da FAO, lamentava que cerca de um bilhão padecia de fome aguda, isto é, não tinha o que comer. Quantos milhões morreram de fome de 1999 a 2011? Hoje, a mesma FAO afirma que mais de um bilhão de famintos esperam por uma vaga nos cemitérios. Onde estão os argumentos otimistas que acenam com mais cérebros para resolver nossos problemas? Onde está a mencionada tecnologia de produção agrícola para provocar um crescimento geométrico de alimentos acessíveis às populações em países que não conseguem oferecer sequer a quantidade suficiente de produtos? Há regiões, no Brasil, em que agricultores não produzem para a própria sobrevivência. Tecnologia, terra, água, crédito ainda se comportam como inimigos da agricultura por causa da insuperável incapacidade política e econômica de decidir, planejar e executar.
Se morrem 2 pessoas a cada segundo e nascem 5 no mesmo período de tempo, caso da Ásia e África, qual é a proporção simétrica de produção de alimentos? Não é só de comida que vive uma pessoa. Moradia, escola, hospitais, transporte, estradas, meios de comunicação, teatros, museus fazem parte da vida moderna.
Os meios de comunicação transmitiram afirmações insensatas provando que o planeta Terra pode abrigar 20 bilhões de pessoas. Certamente, essas personalidades não creem que a maioria da população mundial possa desfrutar dos produtos materiais e culturais na mesma proporção de canadenses ou noruegueses e de boa parte da elite brasileira.
A miopia de quem goza de bem estar intocável não abarca as distintas populações do planeta. Não somos apenas nós, hominídeos, os únicos 7 bilhões de habitantes da Terra. Há outros bilhões de animais domésticos para os quais se destina grande parte da produção de alimentos e cujas proteínas não alcançam os famintos. Há bilhões de animais silvestres e marítimos que habitam florestas necessárias e mares gratuitos que precisam de espaço para o cumprimento das leis da vida. Esses três gêneros de populações interdependentes dependem de água para sobreviver. Água e florestas são a origem da vida. Mais uma vez, o organismo internacional lamenta que mais de 2 bilhões de seres humanos não dispõem de água tratada ou potável. E para produzir mais alimentos, precisa-se de mais água.
Em nome da dignidade humana, para estabelecer um equilíbrio do crescimento demográfico, impõe-se medida racional muito mais efetiva do que uma projeção estatística preguiçosa para o ano 2100. A limitação do crescimento das populações do planeta se dá por fenômenos naturais e doenças como pestes, epidemias, AIDS, secas, inundações, tornados, tsunamis, terremotos, erupções vulcânicas. Mas talvez não seja razoável esperar por eles ou estimulá-los com falsas ideias de progresso, de crescimento econômico, desenvolvimento tecnológico, metropolização de cidades, desertificação gradativa de imensas regiões, devastação de florestas. Há outros meios sensatos e racionais.
O planejamento demográfico, estendido a todas as nações do mundo, em nome da sobrevivência de  das populações existentes no planeta, é medida necessária e salutar. Os efeitos não serão imediatos, pois há obstáculos culturais, tabus e conceitos religiosos a superar. Mas a reprodução vegetativa, ou crescimento zero da população, é desejável do ponto de vista humano e necessária para o equilíbrio ecológico e ambiental que assegure a biodiversidade bela e espetacular do planeta. Só temos um planeta disponível para ser desfrutado entre todos os seres vivos.