terça-feira, 24 de março de 2009

Água minha

Água minha gentil que te partiste
Deixaste no chão um risco seco
Vi nas flores e nas aves o olhar triste
E os clamores que fiz, não deram eco.

No leito vazio em que veloz corrias,
Pedras roliças e bancos de areia,
Que alegre beijavas e felizes os vias,
Refletem a dor que a tristeza semeia.

Água doce, em que abismo te escondeste,
Depois que as plantas insana mão cortou
E ao vento e ao Sol tua corrente secou?

Água minha gentil que te perdeste,
De sentir tua ausência minh’alma não cansa
E de clamar ao céu meu grito de esperança.

24.03.09

LIMPEZA DE ÁREA

Um dos elementos decisivos, hoje, para a administração de Brasília é o respeito obsessivo pela circulação fluente dos automóveis. Administrar a cidade visível é abrir avenidas e levantar viadutos.
Cresce assustadoramente o número de automóveis particulares. Trezentos carros são matriculados, por dia, no Detran. Parece estagnada a vontade política de oferecer transporte público eficiente, rápido e confortável. Essa loucura de duplicar e triplicar avenidas estimula e justifica o uso do carro literalmente individual.
Umas das incongruências, sem perspectiva de mudança, é que Brasília oferece, longe da residência dos funcionários, a maioria dos postos de trabalho. Dos quatro cantos do DF milhares de carros se dirigem ao centro da cidade para levar seus condutores aos escritórios públicos e privados. Todos vêm de manhã. Todos voltam à noite, quando não ao meio-dia.
Na visão dos engenheiros do tráfego e de administradores subordinados à lei do menor esforço, a solução é ampliar as avenidas, multiplicar pistas e levantar viadutos. Entrevistado, o responsável do Detran, exibindo postura de urgência nas obras de ampliação de vias e viadutos, respondeu:
− Para adiantar os serviços de asfaltamento das novas pistas, estamos limpando a área das futuras avenidas.
Há que se compreender corretamente o que significa para os engenheiros do tráfego “limpar a área”.
Escavadoras, niveladoras e motosserras estavam lá derrubando árvores e arrancando grama para dar lugar a pistas futuras. Para os engenheiros e administradores do tráfego, arvores e grama são sujeira que precisa limpar. Área suja de árvores. Limpar a área quer dizer trocar oxigênio e fotossíntese por dióxido de carbono. Trocam-se árvores por carros. Este é o novo conceito de limpeza de área.

segunda-feira, 23 de março de 2009

O BRASIL QUE VAI BEM

Qual é o Brasil que vai bem? Pelas notícias da imprensa e de analistas da economia, o Brasil dos bancos, do grande comércio e da indústria de automóveis, ao lado da farra industrial dos cosméticos, vai muito bem.
O governo está protegendo esse Brasil contra o vendaval da crise que varre o mundo. Convencionou-se admitir que banco não pode falir. Outro Brasil que está bem é o do próprio governo. Aos administradores do país nada lhes falta. Cartões corporativos pagam contas milionárias. O Presidente viaja em avião próprio com seus apaniguados. Senadores e deputados federais avançam como abutres sobre os impostos pagos e justificam cinicamente a necessidade e o uso abusivo do dinheiro público e da remuneração que eles mesmos se atribuem.
O Brasil dos altos salários e das empresas estatais também vai muito bem. Comparem-se esses brasis com o imenso Brasil de 3 milhões de jovens que chegam ano a ano e ainda não sabem o que é emprego. Aos 10 milhões de desempregados que foram mandados para casa a explicar à esposa e aos filhos os tremendos efeitos da marola crônica. Aos 13 milhões de aposentados do salário mínimo, sobrecarregados de dívidas consignadas para regozijo dos bancos. Aos sessenta milhões agraciados com o Bolsa Família, aos favelados e aos moradores de rua. Percebe-se, então, qual é o Brasil que vai bem.
Os que habitam o Brasil que vai bem reconhecem com lágrimas nos olhos que cinquenta reais a mais aos proprietários gloriosos do salário mínimo são para eles uma imensa ajuda.
Cinquenta reais é o que o Brasil rico paga no happy hour no fim do dia, no bar da esquina. A diferença entre o Brasil que vai bem e o que vai menos bem é de cinquenta reais. Uns gastam por dia, outros, por mês.

PAC, QUEM DECIDE?

O Brasil, certamente, precisa de muitas escolas, hospitais, ferrovias e ciclovias. Programas governamentais não faltam. Uns se sobrepõem a outros. Há os que permanecem inacabados ou se arrastam durante anos. O mais recente é o Programa de Aceleração do Crescimento − PAC.
Comenta-se que, ao apresentarem-lhe um projeto novo e grandioso, o presidente Luis Inácio da Silva pergunta o que o pobre ganha com a obra proposta.
Quem decide incluir obras no PAC? Dou dois exemplos que são de meu conhecimento por frequentar, há mais de 30 anos, os locais onde gigantescas obras apareceram de repente, sem que o pobre ganhe com elas. A Agrovila Engenho das Lajes, situada na extremidade sul do DF, no km 30 da BR 060, é cortada ao meio por essa autoestrada. Os serviços públicos oferecidos à população de aproximadamente 5 mil habitantes: escola, posto de saúde, correio, posto policial, biblioteca comunitária, supermercado, padaria, estão localizados em ambos os lados da rodovia de intenso fluxo de caminhões, ônibus e automóveis particulares.
Há anos, a Associação dos Produtores e Moradores do Engenho das Lajes vem solicitando uma passarela simples, funcional, de baixo custo para travessia segura das crianças da escola e da população adulta. Uma empresa terceirizada instalou, faz pouco tempo, um redutor de velocidade com frequentes panes.
Num belo dia de 2008, para espanto dos moradores da Agrovila, sem prévio anúncio à comunidade, surgiram dezenas de máquinas barulhentas, arrasando a bela paisagem e enchendo de poeira o ar e as casas. Em vez da passarela simples e barata, começou-se a construção de um monstruoso e absolutamente desnecessário viaduto com recursos do PAC. Nenhuma rua da Agrovila está asfaltada. O lixo e o esgoto dormem a céu aberto.
Nos quilômetros 10 e 11 da mesma rodovia, outro viaduto se ergue, há meses, sem que se encontre justificativa de custo-benefício ou de prioridade.
Fala-se em Transparência Brasil. Mostra-se onde, quem executa e o quanto se gastou. Mas não há transparência sobre as decisões tomadas porque há pouca participação popular. Depois do gasto feito, ao cidadão só lhe resta protestar no bar da esquina ou nas cartas do leitor. Talvez a solução esteja em usar melhor o poder do voto.

quarta-feira, 18 de março de 2009

SEQUESTROS RELÂMPAGOS

Todos os dias noticiam-se sequestros relâmpagos. São como raios fatais sobre a vida do cidadão incauto e indefeso.
Em grande estilo, as autoridades anunciam a compra de mais de 250 viaturas para equipar a polícia. Esses carros são entregues aos mesmos homens que antes dirigiam automóveis velhos, mal equipados. Os novos veículos têm rádio, luzes de alerta múltipla, sirenes, vozes de comando, mas os policiais são os mesmos que andavam a pé em outros tempos.
Novos carros parece não diminuírem o número de ataques ao cidadão. Eles não sabem para onde correr, a quem devem capturar, a quem defender ou onde postar-se para prevenir.
Anderson, de profissão marido-de-aluguel, foi a vítima da vez. Os sequestradores o esperavam no posto de gasolina, onde foi abastecer o carro, em pleno dia de domingo. Foi deixado, depois de servir à demanda dos profissionais do menor esforço, no meio do vazio do Cerrado. A polícia foi acionada. Começa a investigação. Os carros desandam a correr para cá e para lá. As sirenes tocam prevenindo os criminosos. Os sequestradores serão os mesmos que já foram presos em circunstâncias semelhantes e libertados por falta de provas ou de vagas nas delegacias.
Por que não contratar sequestradores profissionais para iniciar uma frente –força-tarefa antissequestro?
Não se faz o mesmo com a extração de veneno das cobras?

quarta-feira, 11 de março de 2009

A GRANDE VERDADE

Alguém explicava, na TV, como prosseguiam as investigações sobre o caso Satiagraha. As escutas telefônicas ilegais descobriram graves atentados à ética perpetrados por homens probos do senado, judiciário e executivo. Os delitos descobertos não se sustentam porque a escuta foi ilegal. O delegado Protógenes foi acusado de comandar um estado policial, invadindo a privacidade de pessoas públicas.
Disse o entrevistado:
− A grande verdade é a seguinte: houve invasão da privacidade, por isso os fatos levantados não servirão de base ao processo.
Qual seria, então, a pequena verdade? Os crimes cometidos, acobertados pelo silêncio e pela certeza da impunidade.
Na farsa política, vive-se rodeado de grandes e pequenas verdades. A grande verdade, no caso a escuta telefônica, ameaça a privacidade do criminoso e, portanto, será punida.
A pequena verdade, no caso o crime contra o erário, não será passível de julgamento e punição. Os políticos administradores da coisa pública são hábeis manipuladores de pequenas verdades. Escondem-se atrás delas e acusam as grandes verdades de importunar seus tradicionais costumes.
As grandes verdades subsistem ilegalmente, graças às pequenas verdades, cobertas por leis e comportamentos que rastejam nos corredores, gabinetes e salas do senado, do judiciário, do executivo e na trama de compromissos e negociatas do poder absoluto.

ARTE E PATRIMÔNIO

No debate sobre Arte e Patrimônio, realizado na ECCO, dia 10 de março, Glênio Lima apresentou uma galeria de 16 janelas, artisticamente construídas com restos de madeira da Igreja São Geraldo, que desabou há anos.
Os cupins, deixados livres para comer e se reproduzir, são capazes de grandes façanhas. Derrubam árvores e igrejas. Graças à iniciativa de Glênio Lima, ruínas de tábuas viraram janelas. Obras de arte de artistas brasilienses. Obras de arte tornam-se patrimônio cultural de uma comunidade.
Antes de se transformarem em janelas, as madeiras, em forma de igreja, eram patrimônio histórico do povo de Brasília. O patrimônio descuidado se perdeu. Um monte de ruínas.
Antes de compor a igreja, essas madeiras eram monumentos vegetais que decoravam nossas florestas, nossas montanhas, nossos vales. Foram abatidas por machados e motosserras.
Os monumentos da floresta, nosso patrimônio vegetal, foram derrubados para servir à religião, aos ritos, às celebrações.Assim como o patrimônio florestal foi tratado com indiferença e impiedade, o patrimônio igreja sofreu a mesma desgraça. As madeiras do monumento vegetal e do religioso são veneradas agora como patrimônio artístico.
O artista recriou as árvores abatidas, reconstruiu a igreja desabada e abriu janelas para os apreciadores da arte. Através delas contemplaremos os monumentos da natureza do Planalto Central, ameaçados de destruição pela ocupação desordenada da terra.
As árvores, as nascentes de água, os pássaros e todos os habitantes autóctones do Distrito Federal agradecem o apoio das autoridades e da sociedade na luta pela sobrevivência do patrimônio vegetal e ambiental, fonte puríssima do patrimônio cultural.

domingo, 8 de março de 2009

AVE-MARIA DA NATUREZA

(ao som da música Sinfonia inacabada, de Schubert)

AVE FLORESTA, CHEIA DE GRAÇA,
A NATUREZA É CONTIGO,
BENDITA ES TU ENTRE TODAS AS ÁRVORES
E BENDITOS OS FRUTOS DO TEU VENTRE.

SANTA FLORESTA, MÃE DA NATUREZA,
ROGA POR NÓS, INSENSATOS DEVASTADORES,
AGORA E NA HORA
DE PENSAR EM TUA MORTE.
AMÉM

terça-feira, 3 de março de 2009

BOLSA TRABALHO

As iniciativas dos governos, nesses últimos quinze anos, no sentido de cobrir a vergonha de sermos o país latino-americano com maiores diferenças sociais, desembocaram em programas para atender milhões de pobres e miseráveis. Entre outros: vale-gás, vale-transporte, vale-refeição, bolsa-escola, cesta-básica, sopas, restaurantes a um real, leite e pão. O mais moderno deles distribui dinheiro, também dito renda mínima, renda minha, parentes próximos do Bolsa Família. Todos eles necessários para garantir a comida no prato e manter a economia do consumo funcionado.
Na Agrovila Engenho das Lajes, a 50 quilômetros do Palácio da Alvorada de Brasília, além da renda minha e do Bolsa Família, se distribui cesta-básica, leite e pão. Para as meninas acometidas de gravidez precoce, 13 a 17 anos, hoje, 2009, em número de 30, membros da associação de moradores recolhem fraldas, roupinhas, cueiros, berços e carrinhos para os bebês vindouros. Nenhuma iniciativa para recolher lixo, plantar flores, cavar uma fossa séptica, embelezar as ruas. Uma filantropia claramente eleitoreira e deseducadora, mas com a justificativa de que o pobre tem, pelo menos, leite e pão. Por circunstâncias alheias à vontade do governo e da sociedade, vale a ironia, milhões de famílias têm pouco o de comer e precisam da ajuda de todos e do dinheiro público.
Há vantagens em dar uns reais aos pobres. Eles fazem render a moeda muito melhor do que o presidente do Banco Central. Irrigam o comércio, melhoram a dieta, compram roupa, juntam à aposentadoria dos avós, adquirem o primeiro fogão e a geladeira, garantem o dízimo da igreja evangélica, candidatam-se ao micro crédito. Não compram livros, revistas ou jornais por desnecessários. Nesse item, são estimulados pelo Presidente a quem ler jornal ou revista lhe dá azia. Não vão a teatro, cinema ou concerto.
O benefício dá lastro para endividamento sob forma de empréstimos, grande número deles de difícil pagamento. Estimula atividades chamadas de emprego e renda. A conseqüência lógica é comprar novidades da moda que sem esse dinheiro não o poderiam fazer, a menos que trabalhassem. É evidente que 10 bilhões anuais jogados em circulação têm que se acumular na mão de alguém. Vão ao comércio e voltam ao banco,
O Bolsa Família dá o dinheiro e condiciona o benefício à manutenção dos filhos na escola. Só num país atrasado se firma este paradigma: dinheiro, comida, escola. À escola se associam os chamados exercícios transversais: treinamento profissional, alfabetização de adultos, preservação ambiental. Pouco se diz sobre o desinteresse pelo trabalho em milhares dos que recebem esse benefício, e outros, de caráter eleitoreiro. Não se menciona que houve, em algumas regiões, aumento do número de filhos de famílias pobres para não serem excluídas da lista de beneficiárias.
Por que não mudar o paradigma dinheiro, comida, escola para escola, trabalho, escola e garantir a bolsa trabalho? Não é a mesma coisa.
A bolsa trabalho, fundamentada na organização das famílias por ruas e bairros, por atividade, idade, grupos de interesse, pequenas associações, jovens, mulheres, atenderá prioridades locais definidas, analisadas e planejadas por aqueles que vão executá-las. Essa política pública, envolvendo a escola, se complementa com professores para treinar a população em múltiplas profissões e atividades, incluindo música e teatro.
A bolsa é aberta a todos. Quem quiser participar, se junte a um grupo, organize-se para decidir. O trabalho comunitário e o dinheiro individual formam a consciência do cidadão, mesmo sabendo da imensa esperteza, sagacidade e astúcia do brasileiro, dos que governam e dos governados. Quem não trabalha não recebe. A fiscalização e o controle são do grupo, complementado com a ação crítica e avaliativa do Estado, para assegurar a sadia administração do orçamento. Constroi-se a democracia participativa. Elimina-se a ditadura democrática e a passividade dos que esperam os favores de cima.
Plantar, colher, produzir os itens da merenda escolar em todos os municípios, varrer ruas, pintar calçadas, conservar escolas, manter creches familiares, proteger o patrimônio cultural da cidade, arborizar, ajardinar, conservar estradas vicinais, limpar rios, recolher lixo, preservar parques de diversão, fomentar atividades artesanais, carpinteiros, pedreiros locais, mecânicos, vidraceiros, encanadores, eletricistas são áreas que requerem intensa mão de obra.
Seriam 11 milhões de famílias, trabalhando em suas comunidades. Não se erradicaria de todo a pobreza, mas haveria ruas limpas, crianças e jovens na escola e milhares de ocupações que divertiriam a gente e lhes daria dignidade e, principalmente, poder de decisão.