quinta-feira, 28 de agosto de 2014

CARTA AOS VIZINHOS


Senhores vizinhos.

Tenho a satisfação de saudar os senhores proprietários de áreas vizinhas do Sítio das Neves, situado na BR-060, Km 26 (direção Goiânia/Brasília).
Apraz-me igualmente informar que a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), o Ibama/DF e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) aprovaram, pelo Certificado no 105/2012, de 25/10/2012, a Reserva Legal e a Área de Proteção Ambiental do Sítio das Neves.
Durante 40 anos – 1974-2014 – foram tomadas precauções para evitar queimadas e desmatamento. Foram construídas dezenas de barragens em vários pontos do Sítio para captação da água da chuva e proteção de nascentes.
Hoje, o Sítio das Neves está se credenciando junto ao Ibram para receber animais silvestres perdidos, ou presos ilegalmente na área urbana, especialmente pássaros, recapturados pela Polícia Ambiental, a fim de serem reintegrados à natureza como medida de proteção à fauna do Cerrado.
Agradeço a colaboração dos senhores vizinhos no sentido de impedir queimadas, caça de qualquer animal, descarga de lixo e entulho, atos que estão sujeitos a pesadas multas estabelecidas pelo Código Florestal.
O reflorestamento nativo e a proteção de nascentes de água transformam nossas propriedades em paraísos ambientais e refúgio de pássaros e animais.
A natureza agradece a colaboração de todos para o bem comum.


terça-feira, 26 de agosto de 2014

40 ANOS DE ARBORIZAÇÃO

(Foto, Sítio das Neves, DF, Eugênio Giovenardi)

Há quarenta anos um pedaço do bioma Cerrado se pôs no meio de meu caminho. Éramos desconhecidos um para o outro. Foi o Cerrado que se dirigiu a mim. Sua mensagem me fascinou.
O invisível nele me atraiu mais do que o visível que eu podia ver. Seu grito inaudível foi mais forte do que eu podia ouvir.
Aprendi a olhá-lo e a vê-lo. Aprendi a escutá-lo e ouvi-lo. Aprendi a viver com ele para compreendê-lo.
A primeira lição que o bioma Cerrado me deu foi humilhante e dolorosa. Eu pertencia, disse-me, à família de predadores mais audaz, mais insensível, mais imprudente e mais arrogante chamada espécie humana. E para cúmulo das desgraças e desastres traz consigo uma confiante arrogância tecnológica para consertar a alto custo os erros que podem ser evitados.
Compreendi que eu mesmo dera demonstração de predador ignorante ao introduzir, afoitamente, árvores e animais inadequados (eucaliptos e vacas, em lugar impróprio), conforme confessei em meu livro A saga de um Sítio.
Olhei, então, para as árvores retorcidas. Entrei pelas grotas secas que, no período chuvoso, despejavam toneladas de água e terra no Ribeirão das Lajes. Consternado, naquele agosto de 1974, nada pude contra o fogo a devorar plantas, expulsar aves, carbonizar pequenos animais, cobras e milhões de insetos.
Arrasado o solo, um resignado espelho de água refletia o azul do céu. A água desprotegida refletia os cristais do oceano azul de cima. Vi a água cristalina.
Olhei para trás. Vi uma trajetória de 300 anos. Uma caravana de predadores em marcha forçada. Cortavam árvores. Queimavam campos e florestas. Matavam aves e animais. Construíram a economia da destruição, do desperdício, do abandono, receita eficaz para fazer um deserto. Os fazedores de desertos, como os definiu Euclides da Cunha, atacaram a alma do Cerrado: a água. As águas se retiraram ou morreram por falta de árvores.
Compreendi que este bioma tinha aqui duas estações: a chuvosa e a seca. A organização física das árvores, determinada pela lei biológica, administra com eficiência as condições das duas estações. As árvores se abastecem de água durante o período chuvoso e devolvem à atmosfera milhões de litros durante os meses de estiagem.
Hoje, temos duas estações: a seca e a mais seca. As chuvas que antes se abrigavam nas cobertas espessas das árvores, hoje, disparam velozes para os rios e depositam neles a terra desprotegida. A água que jorrava de milhares de nascentes, agora virá de longe, cara e suja. E, nesse ritmo, estamos consolidando o deserto urbano e rural. É mais adequado ao deserto existente autorizar a plantação de edifícios de 15 a 30 andares nas cidades satélites do Distrito Federal do que incentivar o plantio de árvores.
Quarenta anos de convivência com o Cerrado me ajudaram a compreendê-lo e a ele me associar.
Compreendi sua mensagem: devolver-lhe as árvores para reviver as nascentes de água.
Passaram-se quarenta anos de convivência. Protegi pacientemente a arborização nativa captando e detendo a água da chuva em grotas e socavões. Em quarenta anos, o deserto reverdeceu. As árvores retorcidas testemunham a depredação cometida. As grandes árvores que se elançam à altura, copadas e floridas, atestam que se pode recuperar desertos.
As mensagens que recebo ao entrar no pedaço de cerrado que me acolheu, me dão a certeza intuitiva, empírica e científica de que se pode recuperar todos os desertos construídos pela mão do predador dotado de cérebro inteligente, ironicamente alcunhado de homo sapiens.
Estou comprometido com este minúsculo pedaço de cerrado. Ele recuperou a paz vegetal em apenas quarenta anos. Nele, todas as formas de vida, e são milhões, têm os mesmos direitos à sobrevivência e reprodução como determina a lei da interdependência de todos os seres vivos.
Nada mais simples para salvar a vida existente no planeta do que arborizar cada metro quadrado de chão disponível.
O Cerrado me ensinou que todos dependem de todos, que a vida depende da vida. E a vida é um fruto que pende da árvore.