quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A DEGRADAÇÃO DO CERRADO E DA CIDADE-PARQUE

 

A DEGRADAÇÃO DO CERRADO

E DA CIDADE-PARQUE

 

Brasília e todas as cidades do Centro-Oeste contribuem para transformar o Cerrado em deserto. A concepção tradicional da arquitetura urbana se adapta com sutilezas de engenharia e arte ao crescimento da população. A degradação dos ecossistemas diferenciados do bioma Cerrado, atingindo a fauna e a flora, não poupa a cidade-parque. O sonho da cidade-parque despareceu sob os escombros de um assentamento humano desigual, caótico, destruidor. Centenas de nascentes desapareceram sob a irracional impermeabilidade das cidades, invasão de áreas protetoras, abertas a inundações e desastres. As árvores que embelezariam a cidade-parque, que propiciam umidade, captam águas da chuva e alimentam pássaros, são tratadas com a mesma insensibilidade administrativa da ocupação do espaço geográfico do Distrito Federal. A Floresta Nacional (FLONA) foi amputada por decreto e aprovada por ditos representantes do povo.

É preciso que os órgãos do Governo do Distrito Federal (Novacap, Zoobotânica, Adasa, Caesb) informem a população sobre as reais razões de podas incompreensíveis em áreas onde ninguém passa e nem há estacionamentos que pudessem ser atingidos por algum galho de árvore. Este ato irracional de poda de árvores, segundo explicou um dos comandados de uniforme verde-abóbora, obedece a um programa de proteção prévia a possíveis quedas de galhos sobre automóveis!!!

As fotos aqui publicadas (montanhas de verde abatido) indicam a irracionalidade da amputação de galhos e troncos de árvores que protegem os blocos vizinhos da poluição dos milhares de carros que correm pela L-2 e abafam o ruído da via. A saúde da população, o bem-estar ao caminhar pela sombra, o ar menos seco e mais puro não entram como razões de decisões meramente administrativas. Todas as energias da gestão da cidade-parque parecem dirigidas à presença ditatorial e impositiva de quase dois milhões de automóveis. A NOVACAP com seu exército de motosserristas parece ser inimigo do verde e amigo do lixo que invade o solo e polui as águas.

Seis fotos da Poda na L-2

29.9.2022

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

PROPOR O DECRESCIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL É AINDA UM TABU

 

                              PROPOR O DECRESCIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL É AINDA UM TABU                                                              Eugênio Giovenardi, sociólogo e escritor
A superpopulação humana do planeta seja, talvez, uma das principais dificuldades se não um forte obstáculo cultural para erradicar a fome que, no século 21, assola um bilhão de pessoas; para reduzir a devastação generalizada das florestas; evitar as guerras humanas abertas ou disfarçadas; enfrentar as mudanças climáticas em curso, fortemente provocadas pela ação irresponsável da economia gananciosa. A redução do crescimento demográfico em escala mundial é ainda um tabu político e ideológico de difícil discussão na busca de uma orientação universal em benefício da biodiversidade de seres vivos humanos e não humanos.
São necessárias medidas racionais, em escala planetária, que indiquem a redução drástica do crescimento populacional em favor da biodiversidade natural que garanta a interação e a interdependência de todos os seres vivos humanos e não humanos. É desumano esperar que as mudanças climáticas e seus incontroláveis fenômenos, as guerras de extermínio humano e não humano, fome e pandemias virais encham o mundo de dor, lágrimas e desespero.
A natureza não é de esquerda e nem de direita. A natureza se fez vida e habita este maravilhoso planeta. Fazemos parte ─ a espécie humana ─ desse milagre existencial. Ser ambientalista ou ecologista é compreender a auto-organização da natureza manifestada em diferentes ecossistemas. É participar da interação e interdependência de todos os seres vivos humanos e não humanos numa convivência social em busca do conforto natural universalmente desejado.
As vidas se alimentam de vidas ─ proteínas, sais minerais, açúcares, água, oxigênio ─. Viver é usar com parcimônia os bens necessários a todas as vidas, pois os bens são limitados e finitos. A precaução no uso dos bens da natureza é uma virtude basilar que orienta instintivamente os seres não humanos pela lei do controle natural e alerta racionalmente a espécie humana. O equilíbrio no uso dos bens da natureza depende fortemente do número de usuários e da intensidade do consumo necessário de cada espécie para se reproduzir e sobreviver. A superpopulação de uma espécie põe em risco todos os habitantes de um ecossistema natural, por mais rico e abundante que seja. Todas as formas de vida têm identidade. São sujeitos e não objetos dos quais se pode dispor, decidir seu destino ou levá-los à extinção pelo uso demolidor do mais poderoso.
Os seres vivos buscam naturalmente um relativo conforto para desfrutar a vida cercados de fenômenos físicos incontroláveis. O nível de conforto e o consumo dos bens naturais diferenciam o comportamento das espécies não humanas e o do homo sapiens. Ser ambientalista é propugnar por um limite racional de conforto para toda a espécie humana. É resistir à acumulação de bens pelo crescimento econômico a qualquer custo e dar tempo à regeneração de ecossistemas em benefício da biodiversidade. A extinção de espécies vivas ou a degradação generalizada dos ecossistemas pela ação humana dificultam a interdependência dos seres vivos e geram desigualdade no conforto e convívio da população humana.
O planeta que abriga o milagre da vida é uma casa com espaço limitado e bens finitos. Contrapõe-se fisicamente à ação acumuladora e destrutiva da espécie humana. A arte e a sabedoria do ser humano se tornam mais grandiosas quando imitam a força e a generosidade da natureza. Há, portanto, um limite a ser respeitado quanto ao número de usuários humanos e não humanos no planeta. A cadeia trófica tem uma lógica arrasadora para a sustentação da espécie humana. Maior população, maior consumo de água, mais urbanização, mais solo para produzir alimentos vegetais e animais pressionam e até destroem ecossistemas.
Duas atividades essenciais e necessárias ─ produção de alimentos e assentamentos urbanos ─ determinam manifestações culturais do comportamento humano nem sempre adequadas diante do funcionamento das leis orgânicas da natureza. A produção de alimentos, para bilhões de seres humanos e não humanos, sem restrições racionais ao crescimento demográfico dessas populações, impõe substituição de florestas, uso intensivo de água, nutrientes químicos ou industrializados, defensivos tóxicos e poluidores do solo, da água e do ar. A urbanização, ao longo e largo do planeta, se concentra ao redor de rios, mares e lagos, modifica drasticamente as paisagens naturais, expulsa ou elimina os habitantes naturais de ecossistemas e requer intensos serviços de limpeza e higiene, centros de recreação, de educação e saúde, de mobilidade e segurança social.
A redução racional do crescimento da população humana, embora sugerida por demógrafos desde a década de 1960 e sugerida por organismos internacionais, é ainda um tabu cultural e político. Propor a alegria da maternidade e o orgulho da paternidade, com um ou dois filhos por casal, será uma decisão política sábia e refletirá de maneira eficaz sobre a regeneração dos ecossistemas que abrigam generosamente o milagre da vida no planeta.
Nota: O artigo foi enviado à Diretora de Redação do Correio Braziliense, mas não encontrou guarida.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

ANO DO CERRADO OU DIA?

 

ANO DO CERRADO OU DIA?

 

Ontem, festejei o Dia do Cerrado, visitando as nascentes e admirando a tenacidade das árvores, ouvindo a incansável sinfonia dos sabiás e os gritos alarmantes das curicacas. O Cerrado atravessa com paciente coragem a rigorosa estiagem, de mais de 140 dias (em maio, só houve um dia de chuva), açoitado por ventos constantes, madrugadas frias (10 a 12 graus), pouco orvalho e umidade máxima à noite, em 77%, baixando nas horas da tarde a 45% em plena mata de galeria. No dia do Cerrado, no Sítio das Neves, as temperaturas foram excepcionais: 27 graus à sombra de árvores a 31 graus no campo aberto.

As nascentes viram suas águas se aprofundarem. O curso dos córregos que abastecem o Ribeirão das Lajes e o Rio Descoberto chegaram ao volume mínimo, ao redor de três metros cúbicos/dia. Assoreamento e poluição, durante esses 62 anos de intensa ocupação desordenada do Cerrado, estão mostrando como se trata de forma ignorante e desleal o espaço de vida para a maior biodiversidade do planeta. Se fosse medido o efeito do assoreamento no reservatório do Descoberto, o brasiliense saberia que seu estoque hídrico atual não seria de 50% como propalado.

O Distrito Federal e todo o Cerrado está em situação de risco hídrico, como dizem os biólogos especialistas. Neste período, destinado ao descanso do Cerrado, a população do Distrito Federal o maltrata com duas pragas torturadoras: LIXO E QUEIMADAS.

E a NovaCap (Parques e Jardins) continua podando árvores, diminuindo a umidade do ar. O erro é original. As árvores, para a administração do GDF, são apenas embelezamento, não são proteção ambiental para fortalecer nascentes. As árvores são plantadas sem conhecer a genealogia da planta e sem conhecer o solo que mantinha vegetação natural arrasada.

Tenho certeza de que os funcionários da Novacap não pensaram nos resultados da poda de árvores. Vamos ajudá-los a pensar com um exercício sobre o volume de madeira cortada das árvores. Se cortaram, por ex. 100 metros cúbicos de madeira, significa 100 metros cúbicos de água. As chuvas que vão cair poderiam ser captadas por esses 100 metros cúbicos de galhos e folhas, mas já não estão nas árvores. Caem diretamente no chão e encontram o GRANDE ALIADO, a impermeabilização seca e as águas vão para o Lago e dali para o São Bartolomeu. E como nenhum rio vai sozinho ao mar, ele se junta a outros para levar solo brasileiro à baía platina. O Clima de Brasília será ainda mais seco no próximo ano e, certamente, com mais poda e mais impermeabilização. A cadeia da ignorância assola o país.

Não basta poupar água. É preciso proteger e respeitar a organização do Cerrado, cuidando das nascentes águas acima.

 

11.9.2022

domingo, 11 de setembro de 2022

SINUCA DE BICO

 

SINUCA DE BICO

 

As pesquisas eleitorais medem as tendências e intenções de voto dos eleitores. Todos os candidatos apelam para a democracia na qual se plantou a liberdade como fundamento da convivência política e da escolha dos administradores da coisa pública (res publica). Obrigação legal para cumprir um ato democrático e livre é uma contradição.

Invocar um deus para iluminar os eleitores é pôr essa divindade numa situação de constrangimento, numa sinuca de bico. Em qual dos candidatos votaria o deus invocado? O deus do papa, do pastor ou do eleitor pode não ser o mesmo. Até na eleição do papa os cardeais dispensaram o Espírito Santo.

Padres e pastores de todas as igrejas deveriam apresentar ao tribunal eleitoral a devida procuração assinada por uma divindade, registrada no cartório celestial. Em qual zona eleitoral votam os deuses invocados? Por muito menos, Sócrates foi condenado ao suicídio obrigatório em plena democracia ateniense. Anuncia-se, no Brasil, um suicídio eleitoral democrático.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL ─ UM TABU

 

CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL ─ UM TABU

 

Eugênio Giovenardi, sociólogo e escritor

 

 A superpopulação humana do planeta seja, talvez, uma das principais dificuldades se não o principal obstáculo cultural para erradicar a fome que, no século 21, assola um bilhão de pessoas; reduzir a devastação generalizada das florestas; evitar as guerras humanas abertas ou disfarçadas; enfrentar as mudanças climáticas em curso, fortemente provocadas pela ação irresponsável da economia gananciosa. A redução do crescimento demográfico em escala mundial é ainda um tabu político e ideológico de difícil discussão na busca de uma orientação universal em benefício da biodiversidade de seres vivos humanos e não humanos.

São necessárias medidas racionais, em escala planetária, que indiquem a redução drástica do crescimento populacional em favor da biodiversidade natural que garanta a interação e a interdependência de todos os seres vivos humanos e não humanos. É desumano esperar que as mudanças climáticas e seus incontroláveis fenômenos, as guerras de extermínio humano e não humano, fome e pandemias virais encham o mundo de dor, lágrimas e desespero.

A natureza não é de esquerda e nem de direita. A natureza se fez vida e habita este maravilhoso planeta. Fazemos parte ─ a espécie humana ─ desse milagre existencial. Ser ambientalista ou ecologista é compreender a auto-organização da natureza manifestada em diferentes ecossistemas. É participar da interação e interdependência de todos os seres vivos humanos e não humanos numa convivência social em busca do conforto natural universalmente desejado.

As vidas se alimentam de vidas ─ proteínas, sais minerais, açúcares, água, oxigênio ─. Viver é usar com parcimônia os bens necessários a todas as vidas, pois os bens são limitados e finitos. A precaução no uso dos bens da natureza é uma virtude basilar que orienta instintivamente os seres não humanos pela lei do controle natural e alerta racionalmente a espécie humana. O equilíbrio no uso dos bens da natureza depende fortemente do número de usuários e da intensidade do consumo necessário de cada espécie para se reproduzir e sobreviver. A superpopulação de uma espécie põe em risco todos os habitantes de um ecossistema natural, por mais rico e abundante que seja. Todas as formas de vida têm identidade. São sujeitos e não objetos dos quais se pode dispor, decidir seu destino ou levá-los à extinção pelo uso demolidor do mais poderoso.

Os seres vivos buscam naturalmente um relativo conforto para desfrutar a vida cercados de fenômenos físicos incontroláveis. O nível de conforto e o consumo dos bens naturais diferenciam o comportamento das espécies não humanas e o do homo sapiens. Ser ambientalista é propugnar por um limite racional de conforto para toda a espécie humana. É resistir à acumulação de bens pelo crescimento econômico a qualquer custo e dar tempo à regeneração de ecossistemas em benefício da biodiversidade. A extinção de espécies vivas ou a degradação generalizada dos ecossistemas pela ação humana dificultam a interdependência dos seres vivos e geram desigualdade no conforto e convívio da população humana.

O planeta que abriga o milagre da vida é uma casa com espaço limitado, bens finitos e contesta fisicamente a ação acumuladora e destrutiva da espécie humana. A arte e a sabedoria humana se tornam mais grandiosas quando imitam a força e a generosidade da natureza. Há, portanto, um limite a ser respeitado quanto ao número de usuários não humanos e habitantes humanos no planeta. A cadeia trófica tem uma lógica arrasadora para a sustentação humana. Maior população, maior consumo de água, mais urbanização, mais solo para produzir alimentos vegetais e animais que pressionam e até destroem ecossistemas.

Duas atividades essenciais e necessárias ─ produção de alimentos e assentamentos urbanos ─ determinam manifestações culturais do comportamento humano nem sempre adequadas diante do funcionamento das leis orgânicas da natureza. A produção de alimentos, para bilhões de seres humanos e não humanos, sem restrições racionais ao crescimento demográfico dessas populações, impõe substituição de florestas, uso intensivo de água, nutrientes químicos ou industrializados, defensivos tóxicos e poluidores do solo, da água e do ar. A urbanização, ao longo e largo do planeta, se concentra ao redor de rios, mares e lagos, modifica drasticamente as paisagens naturais, expulsa ou elimina os habitantes naturais de ecossistemas, requer serviços de limpeza e higiene, centros de recreação, de educação e saúde, de mobilidade e segurança social. 

A redução racional do crescimento da população humana, embora sugerida por demógrafos desde a década de 1960 e orientada por organismos internacionais, é ainda um tabu cultural e político. Propor a alegria da maternidade e o orgulho da paternidade, com um ou dois filhos por casal, será uma decisão política sábia e refletirá de maneira eficaz sobre a regeneração dos ecossistemas que abrigam generosamente o milagre da vida no planeta.

 

5.9.2022