CONVERSA
COM CARL SAGAN
Carl
Sagan, astrofísico da Universidade Cornell (EUA), consentiu, na virada de 2012
para o 2013, em dar dois dedos de prosa ao Observador.
O. Como
surgiu a vida?
C.S.
As atmosferas primitivas compunham-se dos
mais variados átomos e eram ricas em hidrogênio. A luz solar, incidindo sobre
as moléculas da atmosfera primitiva, dinamizava-as, induzindo choques
moleculares e produzindo moléculas maiores.
O. E
a nossa vida?
C.S. Essas moléculas, por incrível que pareça, são as
mesmas de que somos feitos: os ácidos nucleicos são o nosso material
hereditário e as proteínas, os artífices moleculares que executam o trabalho da
célula. Foram produzidos pela atmosfera e pelos oceanos da Terra primitiva.
O. E
como se reproduzem?
C.S.
Há bilhões de anos, formou-se uma
molécula de propriedades notáveis. Era capaz de produzir, a partir dos blocos
de construção moleculares da água que a cercava, uma cópia bastante exata de si
mesma. Esse sistema molecular – capaz de duplicação, mutação e reprodução de
suas mutações – pode ser chamado de vivo.
O. E
como subsistem no ambiente?
C.S.
As concentrações simples de moléculas capazes
de transformar o ambiente e de produzir mecanismos eficientes para se converter
em moléculas complexas conseguiram sobreviver, se adaptar ao meio. As moléculas
se envolveram em membranas muito sutis. Surgiram as primeiras células.
O. E
o trabalho das células?
C.S.
Esses organismos vivos chamados células
trabalharam arduamente e o resultado desse esforço são as plantas. As plantas
produzem, a partir do ar e da água, de minerais e da luz solar, blocos de construção
molecular muito complexos. Os animais, tais como os seres humanos parasitam as
plantas. As plantas são a garantia da sobrevivência e da reprodução da vida no
planeta.
O. Então,
é adaptar-se ou desaparecer?
C.S.
Os mais fortes, os que se adaptam às
mudanças, sobrevivem. O segredo da evolução é o tempo e a morte. Entre as adaptações
que nos parecem úteis está a que chamamos de inteligência. É um truque
molecular para se adaptar, controlar e sobreviver às mudanças do ambiente. A inteligência
molecular capta as informações de qualidade adaptável que foram desenvolvidas
por um indivíduo de sua espécie e essa informação é transmitida pelos ácidos
nucleicos de uma geração à outra. Os golfinhos e os grandes macacos possuem
inteligência. Porém, ela é mais evidente no organismo chamado homem. As adaptações
criam técnicas e tecnologias eficientes que permitem sua reprodução e a
transferência dessa capacidade evolutiva. Quais são os limites da tecnologia? O
tempo dirá.
O. Se
somos todos herdeiros da mesma molécula, por que guerras entre humanos?
C.S.
Num sentido muito real os seres humanos são
máquinas montadas pelos ácidos nucleicos a fim de assegurar uma duplicação eficiente
de outros ácidos nucleicos. Não resta dúvida de que nosso mecanismo instintivo
pouco mudou desde os dias de caçadores coletivos. A sobrevivência do mais forte
tem raízes genéticas. O conflito, porém, está em: o que sentimos que devemos
fazer em função de nossos instintos primitivos e o que sabemos que devemos fazer
em função de nosso aprendizado extragenético.
O. Solidariedade
entre todos os seres vivos?
C.S.
Já chegou o momento de termos respeito,
reverência, não só pelos seres humanos, mas por todas as formas de vida, como
teríamos respeito por uma obra-prima de escultura ou por uma máquina
primorosamente usinada. As mudanças drásticas do ambiente provocadas pela reprodução
e sobrevivência do organismo chamado homem causam modificações nas
transferências genéticas e as adaptações podem tornar-se mais difíceis e
perigosas. A interdependência dos seres vivos é o próprio segredo da vida no
planeta Terra.