segunda-feira, 31 de dezembro de 2012


CONVERSA COM CARL SAGAN

Carl Sagan, astrofísico da Universidade Cornell (EUA), consentiu, na virada de 2012 para o 2013, em dar dois dedos de prosa ao Observador.

O.     Como surgiu a vida?

C.S. As atmosferas primitivas compunham-se dos mais variados átomos e eram ricas em hidrogênio. A luz solar, incidindo sobre as moléculas da atmosfera primitiva, dinamizava-as, induzindo choques moleculares e produzindo moléculas maiores.

O.     E a nossa vida?

C.S.  Essas moléculas, por incrível que pareça, são as mesmas de que somos feitos: os ácidos nucleicos são o nosso material hereditário e as proteínas, os artífices moleculares que executam o trabalho da célula. Foram produzidos pela atmosfera e pelos oceanos da Terra primitiva.

O.     E como se reproduzem?

C.S. Há bilhões de anos, formou-se uma molécula de propriedades notáveis. Era capaz de produzir, a partir dos blocos de construção moleculares da água que a cercava, uma cópia bastante exata de si mesma. Esse sistema molecular – capaz de duplicação, mutação e reprodução de suas mutações – pode ser chamado de vivo.

O.     E como subsistem no ambiente?

C.S. As concentrações simples de moléculas capazes de transformar o ambiente e de produzir mecanismos eficientes para se converter em moléculas complexas conseguiram sobreviver, se adaptar ao meio. As moléculas se envolveram em membranas muito sutis. Surgiram as primeiras células.

O.     E o trabalho das células?

C.S. Esses organismos vivos chamados células trabalharam arduamente e o resultado desse esforço são as plantas. As plantas produzem, a partir do ar e da água, de minerais e da luz solar, blocos de construção molecular muito complexos. Os animais, tais como os seres humanos parasitam as plantas. As plantas são a garantia da sobrevivência e da reprodução da vida no planeta.

O.     Então, é adaptar-se ou desaparecer?

C.S. Os mais fortes, os que se adaptam às mudanças, sobrevivem. O segredo da evolução é o tempo e a morte. Entre as adaptações que nos parecem úteis está a que chamamos de inteligência. É um truque molecular para se adaptar, controlar e sobreviver às mudanças do ambiente. A inteligência molecular capta as informações de qualidade adaptável que foram desenvolvidas por um indivíduo de sua espécie e essa informação é transmitida pelos ácidos nucleicos de uma geração à outra. Os golfinhos e os grandes macacos possuem inteligência. Porém, ela é mais evidente no organismo chamado homem. As adaptações criam técnicas e tecnologias eficientes que permitem sua reprodução e a transferência dessa capacidade evolutiva. Quais são os limites da tecnologia? O tempo dirá.

O.     Se somos todos herdeiros da mesma molécula, por que guerras entre humanos?

C.S. Num sentido muito real os seres humanos são máquinas montadas pelos ácidos nucleicos a fim de assegurar uma duplicação eficiente de outros ácidos nucleicos. Não resta dúvida de que nosso mecanismo instintivo pouco mudou desde os dias de caçadores coletivos. A sobrevivência do mais forte tem raízes genéticas. O conflito, porém, está em: o que sentimos que devemos fazer em função de nossos instintos primitivos e o que sabemos que devemos fazer em função de nosso aprendizado extragenético.

O.     Solidariedade entre todos os seres vivos?

C.S. Já chegou o momento de termos respeito, reverência, não só pelos seres humanos, mas por todas as formas de vida, como teríamos respeito por uma obra-prima de escultura ou por uma máquina primorosamente usinada. As mudanças drásticas do ambiente provocadas pela reprodução e sobrevivência do organismo chamado homem causam modificações nas transferências genéticas e as adaptações podem tornar-se mais difíceis e perigosas. A interdependência dos seres vivos é o próprio segredo da vida no planeta Terra. 



JOÃO CARLOS TAVEIRA, poeta, residente na maravilhosa cidade de Brasília, amigo de todos os seres vivos que habitam o planeta, incluindo os humanos de quem recebe especial afeto, envia por estas águas seus nobres sentimentos de paz e felicidade. Orgulho-me de ser seu amigo. Eugênio Giovenardi

BOAS FESTAS PARA O PLANETA TERRA

       Desejo a todos os meus 154 amigos do Facebook um 2013 cheio de paz, saúde, alegria, realização e prosperidade. Pensando bem: esses votos são extensivos a todos os seres humanos que fazem parte dessa barca chamada vida, estejam onde estiverem, em cada canto do Planeta. Pensando melhor: esses votos podem ser perfeitamente estendidos a todos os outros seres dos reinos mineral, vegetal e animal. Afinal, eles também fazem parte da travessia — essa barca chamada vida. Agora sim. Feliz Ano-Novo para todos.
JOÃO CARLOS TAVEIRA.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


BRASÍLIA, DISTRITO FEDERAL E PLANEJAMENTO


Um professor emérito da UnB comentou-me sobre sua participação num grupo que se propõe a planejar o desenvolvimento da metrópole brasiliense com vistas ao ano 2060. Diante de um futuro tão incerto e distante, o grupo recuou para 2032.
Fotografando os fatos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em 2012, percebe-se que nossos governantes de turno, funcionários de carreira, centenas de congressistas que se sucederam nos últimos 50 anos, empresários da indústria, do comércio e da agricultura não têm demonstrado experiência nem vocação para o planejamento de longo prazo.
Administram os apagões de cada dia. Sua visibilidade é o período de quatro anos, renováveis por mais quatro. Os planejadores contam, hoje, com meios tecnológicos que poderiam facilitar a análise dos dados e elementos possíveis de associar, fatores favoráveis e adversos, elaboração e aprovação de projetos integrados para enfrentar as realidades não lineares que se alcançam vislumbrar.
Exemplos de planejamento de longo prazo deram os mandarins da ex-União Soviética, Japão e Israel. A Finlândia selecionou uma prioridade – educação – e a projetou para um período de 50 anos, à qual estavam submetidos os governos e o congresso que se sucedessem. Três critérios regem o plano educativo: ensino público universal gratuito; preparação de professores selecionados entre os melhores alunos; salários e recursos financeiros adequados. Desenharam uma situação futura de igualdade diante das oportunidades baseada na educação como forma de cooperação qualitativa de todos os cidadãos na construção do bem-estar comum.
Nos bancos da universidade aprende-se que planejar é pintar ou marcar circunstâncias e situações que se almejam obter no futuro, num lugar e para uma população definida. Trata-se de avançar menos sobre números e estatísticas e mais sobre as circunstâncias que figurarão no futuro, aptas a satisfazer plenamente uma população, preservando as riquezas naturais ao longo da execução de projetos e programas.
Dr. Lúcio Costa projetou uma cidade para ser capital do país. Não planejou o desenvolvimento da cidade. Estimou-se uma população de 500 mil habitantes para a capital sem combinar com políticos e empresários da construção nem com a própria população. Estabeleceu quatro pontos cardeais – gregário, bucólico, residencial e monumental – para definir a arquitetura, a arte e a estética do Plano Piloto. Niemeyer ocupou-se do monumental.
Se o Plano Piloto conserva, bem ou mal, essas quatro características de seu projeto, a expansão da cidade-capital nos bairros – cidades satélites– obedece ao impulso das migrações atendidas no dia a dia pela administração pública e pelo apetite do setor imobiliário da construção civil. Arquitetos, professores universitários, geógrafos, urbanistas e ecologistas têm criticado em publicações e conferências a ausência flagrante do planejamento urbano para Brasília.
No projeto descritivo de Lúcio Costa, definiu-se que 80% da área do Distrito Federal seriam reservados para a agricultura, abastecimento da população residente e preservação dos mananciais, da fauna e da flora do cerrado. Somente 20% da área seriam destinados à urbanização e à construção da cidade que pelo seu ineditismo arquitetônico foi guindada a Patrimônio Cultural da Humanidade.
O crescimento geométrico da população comandou a improvisação de todos os serviços decorrentes para satisfazer suas necessidades, requerimentos e sobrevivência, executados no dia a dia segundo as injunções políticas do momento. Inverteu-se o fluxo de adaptação. A cidade adaptou-se à população ao invés de os assentamentos humanos adaptarem-se ao projeto da cidade.
Fora do espaço do Plano Piloto, que seria o protótipo do desenvolvimento da cidade modelo, a urbanização seguiu o exemplo de qualquer outro agrupamento urbano, transformando-se numa metrópole massiva, de limites indefinidos, trânsito caótico, invasões de áreas verdes, multiplicando os erros urbanos que pretendia evitar.
Brasília, em sua majestosa aparência, congrega as mais contundentes contradições e desigualdades do país. Os maiores e os menores salários. Academias públicas e privadas, a elite intelectual e política, escolas de ensino fundamental deficientes ou depredadas, mansões e tugúrios. Mas todos têm em comum a glória e o orgulho de ostentar um endereço único: sou brasiliense.
Brasília, como o Brasil, finge de se propor a tarefa de planejar e antecipar situações futuras. Os governos estão equipados com múltiplas instituições que se sobrepõem em competências e jurisdições. O DF conta com 34 secretarias entre elas: Secretaria de Planejamento e Orçamento, Secretaria de Assuntos Estratégicos, Secretaria de Habitação, Regulamentação e Desenvolvimento Urbano, Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Os planos e propósitos, os programas e projetos tendem a se exaurir na retórica, nos discursos, nas proclamações, nos desabafos administrativos. Demora-se a começar. Podem os planos nunca se iniciar. Interrompem-se com razões que se justificam por deficiências orçamentárias. Abandonam-se projetos iniciados. Planos e projetos obedecem à lei da flexibilidade e entregam-se com a qualidade do mais ou menos.
O planejamento se esgota, por cansaço, no que é possível fazer no dia a dia.  O dia a dia comanda, hoje, no DF e no Brasil, a execução dos serviços dando exíguo espaço ao planejamento. O amanhã dirá se o começo de um projeto deve ou não continuar. Percebem-se obras em andamento. Não sabemos para onde vamos nem quando chegaremos. Os planejadores dos governos se defrontam com o mais ladino e imprevisível dos inimigos: o próprio governo.

15.12.2012

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012


É MUITO MAIS ÁGUA DO QUE SE IMAGINA

(Foto: Barragem de pedra, captação e detenção de águas da chuva. Sítio das Neves, DF )

A Agência Nacional de Águas instalou um pluviômetro no meu Sítio das Neves. A impressão que se tem, às vezes, é que choveu pouco. Outras, que choveu muito. Mas esse pouco e esse muito quanto é? Pois, aqui estão alguns dados inacreditáveis a olho nu.
No mês de novembro, 2012, a precipitação foi de 228,3 mm, ou seja, 228,3 litros por metro quadrado. Esse volume dá uma média diária de 7,61 litros por metro quadrado. O volume  diário ou total deve-se multiplicar pela área do Sítio que é de 700.000 metros quadrados.
Quer dizer, durante o mês de novembro, caíram em média sobre o Sítio das Neves 5 milhões e 200 mil litros por dia, volume suficiente para abastecer o consumo de um dia de uma cidade de 26 mil habitantes (200 litros por pessoa/dia).
O total de 159 milhões e 800 mil litros caídos no Sítio, no mês de novembro, pode abastecer o consumo de um mês a uma comunidade de 2.663 habitantes (200 litros pessoa/dia x 30).
Em outros números: 5.200 metros cúbicos por dia, num total de 159.800 metros cúbicos no mês.
Para onde vai a água das cidades? Alagam ruas, invadem casas, transbordam córregos, causam desastres anuais. E a gente não aprende. Por quê? Porque não se tem ideia de quanta água cai.
No meu Sítio, totalmente coberto de vegetação, com mais de uma centena de pequenas barragens, mais de 70% da água é captada e retida permitindo uma excelente infiltração para recarga dos aquíferos e revitalização das nascentes que formam os córregos que aqui se originam.
O mês de dezembro se mostra mais chuvoso. Nada como a abundância de água para a felicidade de todos os seres vivos do universo.

16.12.2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MESA DE LEITURA

 

Ao redor da mesa, os leitores olhavam-se, sorriam, pensavam em voz alta. Éramos oito. No meio deles, via-me pequeno, feliz, com uma pontinha de inveja. Eles expressavam pensamentos surpreendentes com poucas palavras. E esses pensamentos, extraídos da experiência individual, de histórias, de fatos, de conquistas da mente, de decepções, de esperanças, enchiam livros.
Meus convidados presentearam livros uns aos outros. Cada um de nós tinha sob os olhos a alma inteira desses amigos que distribuíam suas palavras a leitores desconhecidos. Na ponta da mesa, estava Clarice Lispector ao lado de Oscar Wilde, depois Graciliano Ramos, Hannah Arendt, Carl Sagan, Marguerite Yourcenar, Oswald de Andrade.
– São bilhões e bilhões de astros, galáxias, estrelas e de seres vivos, disse Carl Sagan para espanto de todos.
– O desespero é atitude digna e sinal de inteligência diante do que é desconhecido, refletiu Hannah Arendt.
– E todas aquelas pessoas se reconhecem pelos remendos, pela roupa suja, pela imprevidência, pela alegria, acrescentou Graciliano Ramos com uma pitada de angústia.
– A eternidade, o que é? A mesma coisa de outra forma, revelou Marguerite Yourcenar com sorriso indefinido.
– Somos uma raça anã teimosa que um dia vai talvez reivindicar o direito ao grito. Será a hora da estrela desconhecida, sussurrou Clarice Lispector olhando para Carl Sagan.
– No silêncio tique-taque da sala de jantar, informei mamãe que não havia Deus porque Deus era a natureza, contou Oswald de Andrade.
– Viver pelo prazer! Nada envelhece tão bem quanto a felicidade, disse Oscar Wilde.
Da esquina da mesa, lembrando que a “felicidade se acha em horinhas de descuido”, mudo e atônito, olhei para aqueles rostos brilhantes e desejei estar com eles na eternidade.

2/12/2012

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Passagem de pedestre


 

(Foto: Convivência moderna)


Moro num dos blocos da SQS 406, Asa Sul, em Brasília. A maior extensão das áreas livres não ocupadas pelos 21 edifícios de apartamentos se destina à circulação, à mobilidade e ao estacionamento de carros. Na áreas verdes não há um só banco para sentar e pensar.
O cidadão pedestre compartilha com o automóvel esses espaços quando ousa ou precisa deslocar-se a pé. A recomendação é: cuidado com os carros!
Há 10 ou 15 mil anos, o agrupamento se origina da decisão de pessoas de se instalarem num espaço de onde saem para pescar e caçar e a ele voltam com as presas. A sobrevivência garantida pela proteção mútua.
Os urbanites, três séculos antes de nossa era, estabeleceram-se às margens do Metauro, rio que atravessa a Úmbria, Urbino, na Itália. Com eles nasceu, segundo estudiosos, a urbe. Os gregos criaram o termo polis (eõs) para definir a convivência grupal de pessoas. A cidade, a polis, a urbe é o lugar da convivência humana. É o agrupamento de lares que reúnem famílias, tribo, povo. A cidade é para o compartilhamento da vida das pessoas. Civitas, de onde vem civilidade.
As ruas estreitas ligam as casas e os cidadãos. A distância entre a urbe e o campo era vencida a passos. Do campo se extraíam as proteínas vegetais e animais em estado natural. O cavalo, por mais de 10 mil anos, foi o meio de transporte e mobilidade de pessoas e de artefatos, mais tarde atrelado a carroças, coches, diligências e seges.
O desdobramento da revolução industrial, nos séculos XIX e XX, transformou o habitat humano. Introduziu um novo personagem nas cidades. As casas, os edifícios, os templos, as ruas submeteram-se à autoridade, à ditadura, ao imperialismo do automóvel e à cumplicidade do avião.
A cidade das pessoas virou cidade do automóvel. A polidez deu lugar à rispidez. O código de urbanidade transmudou-se em código de trânsito.
De meu edifício, dirijo-me a pé ao posto do Correio, distante 850 metros. Atravesso uma rua que divide o comércio local graças a um semáforo que dá preferência aos automóveis. De nada adianta oprimir o botão localizado no poste, pois ele está programado para servir o trânsito de carros. O pedestre espera, faça sol ou caia chuva.
O ir e o vir do pedestre são controlados pelo código de trânsito de automóveis. Brasília, imitando costumes de cidades civilizadas de países europeus, concedeu a seus habitantes o direito de passagens de pedestre. Quem determina o lugar dessas passagens é o Detran, não o conselho de cidadãos.
Em cruzamentos de vias, onde os carros tomam distintas direções, há semáforos que obrigam à parada total do veículo. Nas passagens de pedestres, a segurança do cidadão depende da polidez e da urbanidade do condutor.
Brasília tornou-se referência nacional com a implantação de passagens de pedestres e espalhou-se a informação de que os condutores brasilienses respeitam o cidadão a pé. Mais e mais a cidade de Brasília se entope de automóveis e seus condutores pretendem chegar aos mesmos pontos ao mesmo tempo. A impaciência, o nervosismo, a pressa e o poder do carro estão mudando a alma do condutor.
Postei-me, dias passados, em pontos diferentes, próximos a algumas passagens de pedestres, para averiguar o grau de urbanidade dos condutores. Nesses locais, não havia semáforos nem câmeras fotográficas.
Voltei a casa com sentimentos mistos de decepção e uma leve esperança com risco de ser frustrada. De cada quatro condutores que transitavam em sentido oposto, em todos os pontos de minha observação, dois apenas deram ao pedestre pleno direito de chegar ao fim da passagem. A outra metade, ou não parou ou arrancou quando o pedestre havia alcançado o meio da rua.
Brasília tem que recalcular sua posição na régua da referência nacional como cidade que respeita o pedestre. Em ritmo veloz, o automóvel está levando os condutores a comportamentos desurbanos. A convivência urbana transferiu-se para as filas duplas dos engarrafamentos cotidianos ao longo de largas avenidas e viadutos nem sempre necessários.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

AS ÁRVORES FALAM À LEITORA


Eugênio,

Recebi seu livro. Não queria escrever-lhe sem antes lê-lo.
As árvores falam, mas eu fiquei muda diante da singeleza e da força com que você escreve.
Digo singeleza porque os diálogos com Laura e Luiza são mágicos. São delicadas teias que unem a família Giovenardi ao reino vegetal. E digo força pela indignação dessa mesma linda família diante do fogo, da árvore doente, da morte de sabiás.
Seu livro é mais que um objeto para a estante. É um chamado. Quem o ler certamente ouvirá esse chamamento familiar. Eu ouvi. Afinal, “somos todos da mesma família da Natureza”.

Um grande e agradecido beijo,
Ana Maria
28.11.2012
Nota: Ana Maria Lopes Nogueira é poeta consagrada.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

INUNDAÇÕES EM BRASÍLIA



As inundações em Brasília, ano a ano mais frequentes e com maiores prejuízos para a população, em novos locais, demonstram a cegueira administrativa dos planejadores urbanos.
A captação das águas da chuva é uma das medidas que ainda não bateram à porta da inteligência urbana. A captação começou a ser eliminada do conjunto de ações e projetos urbanísticos com a erradicação da vegetação.
Asfalto, calçadas e cimento em lugar de árvores formam rios e canais para o curso das águas. A declividade, a velocidade e a lei da gravidade não foram calculadas para localização das bocas-de-lobo coletoras. Nem sequer os administradores consultaram as previsões meteorológicas para conhecer o volume máximo de precipitação por m2 com o fim determinar a bitola dos bueiros.
Os prédios de Brasília, com raríssimas exceções, não coletam parte da água pluvial para uso alternativo à água potável. Galerias subterrâneas para armazenamento de água com o fim de usá-la no período seco não despertaram o interesse de urbanistas, engenheiros, arquitetos e administradores da cidade.
O exemplo das galerias de Tóquio poderia ser seguido aqui com mais facilidade do que lá. Temos engenheiros capacitados, tecnologia adequada e muito dinheiro (desviado para bolsos, bolsas e meias).
Por que não construir, em pontos mais críticos, algumas galerias de captação e armazenamento de águas da chuva?

27/11/2012

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

AS ÁRVORES FALAM




La crónicas que forman tu libro "As árvores falam", me prestaron alas; fuí llevado de la mano, convocando recuerdos; me sentí transportado: Iva paseando, sentiendo el palpitar de la vida, expresado en ese árbol solitario que soportó la tumba y la quema que se practica en la Amazonía; en ese Algarrobo milenario que en nuestros desiertos alientan la vida y que terminan siendo carbón.
Recorrí, entonces, bosques de reducida dimensión como el de Boulogne en París, y la "selva negra" en Alemania; también los bosques de la Amazonía tan densos, que la luz se hace esquiva...y fuí incorporándome a ese pasar queriendo ser.
Volví sobre mis pasos y el encuentro con Vasconcelos fue inevitable escuchar su testimonio del diálogo entre los árboles en "Rosinha minha canoa"; el significado a flor de piel de "Meu pé de laranja-lima".
Transportado, remontado me encontré, con el alma puesta en el "Sitio das Neves" disfrutando de tu decir, del afecto de Hilkka, de las ocurrencias de Alexandra, de las aguas del córrego, del silencio acompasando el roce de las hojas, queriendo intepretar el lenguaje de las aves, de las aguas, del silente germinar de las semillas, del botón de flor que acontece en flor y en promesa de fruto.
Acontecido y aconteciendo en aromas y sinfonías de color, conjugando y conjugado en nuestros intentos siempre, del retorno a los orígenes. Afirmando una amistad que es búsqueda y encuentro, que es el permanente desafío de ser más nosostros.
Invitada la imaginación a hacer lo suyo, proyecté escenas donde tus diálogos ora con Luiza, ora con Bruna; también con Laura y Valentina e Ingrid, se me antojaban ser un Ágora griega donde se aprende a querer ser, al buen vivIr, a acontecer, a adultecer en ternura.
Respondiendo a mi sentir, siento que debo dar testimonio de tu consecuencia siempre vigente, de tu vocación de servicio, irrenunciable; de tu apuesta por el Hombre y por um mundo justo y solidario, expresado en forma contundente, irrevocable, en hacer del "Sitio das Nieves” un Área de Proteção Permanente.
Ese es mi amigo Eugenio a quien le rindo hoy homenaje.
Jaime Llosa
(Engenheiro Agrônomo peruano, escritor, ecologista)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A RAPOSA E O LAGARTO TEIÚ



O desaparecimento misterioso de galinhas e patos em trabalho de choco e ninhadas de ovos sem deixar impressões patais despistou Luânio. Os acontecimentos se tornaram frequentes, com regularidade calculada, mas imprevisível. O sequestro desses habitantes do Sítio das Neves ocorre de dia e de noite em horários incertos.
A desconfiança primeira recaiu sobre Tati e Dara, duas cadelas da raça Vira-lata que apresentavam um invejável estado físico incompatível com os ingressos nutricionais de sua profissão canina. Ambas foram surpreendidas com a boca manchada de ovo. Tati foi encarcerada para reeducação. Atacada pela síndrome da abstinência ovular, fugiu várias vezes do cárcere privado e dizimou, numa noite, um número exorbitante de ovos que esperavam as galinhas no dia seguinte. Tati tinha faro de ovo e detectava os ninhos em locais secretos. Apreendida e trancafiada, foi julgada irrecuperável. Reforçaram-se as paredes e a porta da prisão. Por razões humanitárias, passou a receber refeições diversificadas e abundantes que lhe minoraram as crises de depressão carcerária.
Dara, ladina, sonsa, largateira, foi despedida do Sítio e devolvida à família urbana. Não tinha o mais leve sinal de progredir na atividade rural de vigilante.
Eliminados os dois suspeitos, o continuado desaparecimento de aves e ovos produziu em Luânio grave sentimento de culpa. Teria ele condenado injustamente as indiciadas sem respeitar seus direitos de defesa? Teriam sido elas ingenuamente coniventes e cúmplices no aproveitamento das sobras abandonadas pelos verdadeiros sequestradores?
Durante várias semanas em horas alternadas do dia, observou o movimento das aves domésticas, acudiu aos alarmes dos galos, tentou localizar de onde vinha o estardalhaço alegre das fêmeas ao parirem seus ovos ao cabo de uma hora de esforços. Luânio tinha dificuldades de achar os esconderijos das poedeiras porque depois de pôr o ovo se afastam do ninho e cantam em outra direção. Despistam Luânio, mas não os sequestradores.
Galinhas e patas continuavam a desaparecer misteriosamente de dia e de noite. Os ninhos apareciam desocupados. Luânio, ao longo de cotidianas observações, seguimento de possíveis trilhas dos elementos da selva, umas falsas outras prováveis de ocultarem pegadas elucidativas, aperfeiçoou suas qualidades de detetive.
No dia do desaparecimento de uma pata que chocava catorze ovos em estado adiantado de incubação, Luânio avistou, nas imediações do ninho um enorme lagarto Teiú de aproximadamente um metro de comprimento, de cor cinza e olhos amarronzados e brilhantes. O aligátor rastejava prudentemente revolvendo os olhos, esticando a língua em V e balanceando a cabeçorra. Ia em direção ao ninho que fora ocupado pela pata.
Luânio notou sinais de pegadas nas folhas. Algumas penas brancas indicavam possível roteiro de fuga. Seguiu a trilha e, a alguns metros adiante, ao pé de uma cajazeira centenária, avistou o corpo da pata em decúbito dorsal. Aproximou-se do cadáver. Examinou-o. O sequestrador chupara-lhe o sangue pelo pescoço, abrira-lhe o peito e lhe arrancara o coração e o fígado.
O teiú, segundo pesquisas que realizou na clínica veterinária de proteção aos animais selvagens, não se alimenta de cárnicos. Seu prato favorito são os ovos. Pode chupá-los ou engoli-los inteiros.
Dias depois, em plena luz do sol, ao meio-dia, acudiu ao alarme dos galos e ao desespero das galinhas que ciscavam sob as árvores. Uma raposa de boa estatura caminhava decidida e sem temor na direção das penosas.
Foram três meses de investigação, de seguimento de pistas e de escutas dessa comunicação instintiva e sem palavras entre os bichos da floresta. Uma divisão de tarefas garante a sobrevivência e a reprodução das espécies e mantém a convivência respeitosa entre os bichos da selva.
Luânio, ao cabo de suas observações identificou e classificou os sequestradores por suas ações especificas na apropriação indébita, mas lícita, da comida cada dia mais escassa com a devastação do meio rural.
A raposa, sagaz e matreira, abre caminho, abocanha as fêmeas adormecidas pela paciência do choco. O lagarto teiú, rastejando sobre as folhas, em silêncio abismal, abduz os ovos. Um exemplo de sociedade cooperativa para a sobrevivência sustentável em tempos escuros de escassez.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

AS ELITE




Os administradores urbanos, diante de inundações crônicas, nos mesmos lugares, ruas e bairros, culpam a chuva. Os atrasos no início de eventos, reuniões e compromissos são debitados na conta do trânsito caótico.
Os apagões registrados em todos os estados do país se originam da queima de transformadores, desligamento automático de turbinas e falta de investimentos de governos relapsos do século passado.
As desventuras frequentes dos exames do Enem, os roubos do erário, o superfaturamento de projetos do governo, os atrasos colossais de obras essenciais, o descaso geral para modernizar o transporte público são provocados pela elite extravagante que promove festa de aniversário da cadela Cissy, ou por esses estômagos delicados que não digerem linguiça nem aceitam caipirinha, dois sinais evidentes de atraso cultural da plebe ignara.
São as elites, conforme alegam os detetives do governo, o maior empecilho do avanço do país, da redução da pobreza e da extinção da miséria. A elite, por definição, é minoria. Na sociedade. Na polícia. Na hierarquia das igrejas. Na criminalidade. As elites somadas formam uma enorme força de resistência, mas nem todas agem no mesmo sentido.
Na política brasileira, nas manifestações eleitorais, no discurso e na retórica dos partidos que reivindicam exclusividade do pensamento social da inclusão da população na festa do consumo, na ciranda financeira e na rede do cartão bancário, a elite é exorcizada. No entanto, ela representa quase metade do eleitorado. É a elite perdedora e derrotada. Neste caso, elite é oposição.
Sabemos, Eratóstenes, da dificuldade matemática de medir o diâmetro e a circunferência da esfera política. É vasta a literatura que especula sobre a elite e complicadas as fórmulas para resolver a equação. As forças gravitacionais que arrastam opiniões, interesses, desejos, vontades, expectativas, direitos, obrigações não são lineares nem previsíveis. As surpresas nem sempre estão incluídas nas fórmulas estatísticas.
Por exemplo, os seis milhões de empregadas domésticas são sustentados pelas elites que fazem parte do governo e das que estão fora dele. Igualmente, os milhares de cuidadores de carros nas ruas e estacionamentos improvisados ou cobertos. Também os milhares de vigilantes de nossos blocos pagos para proteger os automóveis. Em Brasília, temos a elite da pobreza que vem de outras cidades, trocam suas casas por lonas pretas para descolar presentes de Natal.
É certo, Eratóstenes, a elite brasileira não frequenta filas de aeroportos e terminais de ônibus. Tem hangares próprios. Aqueles lugares confusos e mal-organizados são praias da classe média consolidada e viciada. Ela se rebela contra a invasão desses novos cristãos do consumo a crédito. Afinal, quem essa elite? De onde veio?
A cultura indefesa de meu país, sexta potência econômica mundial, foi assaltada por um grupo de espertalhões que impuseram pela ação política novos códigos de raciocínio para o exercício da inteligência. A origem do raciocínio e da lógica dos fatos é a tabula rasa, o nunca antes, o nada histórico.
Nessa lógica, o julgamento de 40 criminosos de lesa-pátria, pela mais alta corte do país, onde atuam respeitados juristas da republica, não é senão um grunhido da “mídia conservadora” e um processo similar ao dos campos de concentração nazista. Em resumo: a elite jurídica.
Inconformada com os avanços do crescimento econômico, com o surgimento de uma novíssima categoria de consumidores, a elite, dizem, esperneia. Segundo a interpretação desse grupo seleto de ideólogos espertos, a elite não suporta que os atuais donos do poder, tendo vindo do nada, do nunca antes e de baixo, não queiram sair de cima.
A elite excêntrica, extravagante e fútil composta de neófitos da riqueza fácil, de berço duvidoso, incrustada no bas-fond de nossa cultura, não alcança tirar o sono dos donos do poder.
A elite rica, aristocrática, independente, alheia à política partidária, dada a chás beneficentes e a ceias de Natal para os menos favorecidos da sorte é frequentemente elogiada e procurada por seus similares que estão no poder.
A elite empresarial, profissional, dona do capital e do trabalho, governa diretamente os destinos da economia confundida com os do país. Sabe negociar, forma negociadores e faz crer que são os governantes os verdadeiros negociadores.
A elite política, dona do poder e das decisões, por decretos ou medidas provisórias, determina o quantum dos pobres, os níveis aceitáveis de pobreza e negocia o quantum contábil da elite empresarial, industrial e bancária com a retórica do “nunca antes”.
Os que desembarcam no cais da elite política, pela via democrática ou do golpe de estado, tendem a considerar que a oposição, os contraditores e os críticos estão afetados pelo vírus do elitismo.
Se o grupo de governo, especialmente o que supõe controlar as rédeas do poder decisório, define elite como sinônimo de riqueza, defensora de patrimônios milionários e culpada de todos os males do país, então acusa-se a si mesmo. O grupo no poder, com suas ramificações no alto escalão civil, militar e jurídico, é a elite do país.
Minha conclusão, Eratóstenes, é que sem elite não há governo e sem governo não há elite. É pena que uma oposição política ineficiente, comprometida com seus próprios interesses, permita que um governo democrático a confunda com extravagâncias de uma elite inofensiva.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

PAÍS GRANDE E RICO



Meu caro Eróstato,
Vivo num país grande e rico. O país precisa de grandes obras e de exímios administradores. Eu, ao contrário, necessito de pequenos serviços e bons executores.
Ao ouvir as declarações e interpretações sobre os experimentos e tentativas de soluções econômicas dadas pelo eminente ministro Mantega e sua governanta Dilma, parece-me que um coelho vai saltar da cartola para os aplausos de banqueiros e vendedores de automóveis. Tudo funciona, no país, às mil maravilhas.
Ao precisar de um reparo  na antena da televisão, abri o guia telefônico 2011/2012. O serviço que eu procurava era de reparos na antena parabólica. Já precisei de pintor, marceneiro, eletricista. Nessas ocasiões, tive um ataque de nervos e quase um enfarto. No momento, queria sanar a pane da antena. Os telefones mencionados no guia não existem. Os números mudaram. A operadora com sede em Campo Grande ou Goiânia informa um contato. Sem resposta. O celular está desligado ou fora da área de serviço.
Quando finalmente topo com um telefone em serviço, a secretária ou operadora promete contatar-me com o departamento técnico. Cinco minutos de música e propaganda. Dão-me a lista de ofertas de que posso me beneficiar. De repente:
– Todos os nossos representantes estão ocupados. Deixe seu nome e telefone. Retornaremos a ligação em alguns instantes.
Esses instantes podem significar horas, dias ou esquecimento completo. Como alguns ou muitos programas de governo que não começam ou não terminam, o técnico que prometeu ir examinar o defeito da antena me deixa em suspenso por oito dias pospondo e reiterando a hora de sua vinda.
Insisto, pressiono, imploro. As mais das vezes o telefone está ocupado, desligado, fora de área de cobertura e não tem caixa de mensagens. Nessa insistência se vão horas de tempo e paciência.
Como você sabe, vivo na sexta potência econômica mundial. A antena de televisão precisa apenas de uma nova peça para substituir a que o raio queimou. Já caía a noite quando o técnico me telefonou:
– Infelizmente, hoje, não posso ir. Meu carro enguiçou e a chuva atrapalhou. Amanhã, pode ser?
– Claro, claro, amanhã, disse eu para não perder a chance da boa vontade do técnico.
Consertada a antena, o ministro Mantega, em entrevista a uma jovem jornalista, afirmou com semblante sério e invocando a autoridade maternal da governanta que o PIB de 2013 ultrapassará os 4%. O percentual não me disse nada. Como você sabe, acho ridícula essa obsessão de prever percentuais sobre o desconhecido. Mas, ao vê-lo na tela, fiquei contente com o conserto da antena. O aparelho está pronto para um próximo raio.

14.11.2912

terça-feira, 13 de novembro de 2012

PRECONCEITO




O preconceito existe desde que a espécie humana se atreveu a expor opiniões, ideias e conceitos sobre fatos ou pessoas em suas relações de convivência.
O papel vital do homem e o da mulher, o fraco e o forte, o enfermo e o sadio, o bom e o ruim, o conquistador e o dominado, a cor da pele ou os ritos religiosos, quem pode mandar e quem deve obedecer são personagens ideológicos do drama diário do preconceito, de ideias preconcebidas no âmbito subjetivo da verdade impositiva.
A palavra preconceito mais e mais é aplicada como alarme de trânsito de opiniões, ideias e interpretações dos fatos ou do comportamento de pessoas. Chamar uma pessoa negra de negro, criticar políticas ou programas de governo dirigidos aos que não podem decidir por serem pobres, ou recusar o crescimento econômico pela via do consumo, ou indignar-se com o comportamento impróprio de um líder político proveniente da classe trabalhadora ou de família indigente logo soa a sirene do preconceito. Não concordar é preconceito e discriminação.
O preconceito se tornou o código filosófico, ético, moral. Atinge o pensamento mediano, as opiniões de massa fortalecidas por estatísticas e percentuais indiscutíveis. O pensamento ético ou político se torna linear, uma espécie da trilha única, sem alternativa. Ou se admite a verdade proposta ou se cai preso na armadilha e vítima da conspiração do preconceito.
É uma forma sutil de  monitorar opiniões e ideias. Faz parte dos regimes totalitários, verticais, ditatoriais e dogmáticos para submeter o pensamento à disciplina dos quartéis.
A acusação de preconceito é usada para preservar o poder e alinhar os fatos a ideias e programas e não à liberdade de expressão. O preconceito tremula no ar como azorrague do patrulhamento ideológico dos que empunharam a mentira econômica e o engodo social como bandeira.
O mais trágico diante do tribunal da consciência é submeter-se ao domínio do preconceito e acomodar-se às grades da liberdade vigiada por câmeras de segurança patrimonial.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

CÂMERAS DE VIGILÂNCIA


 

A paranoia tomou de assalto a liberdade de ir e vir do brasiliense. Há ladrões, assaltantes, sequestradores e drogados em cada esquina.
Mas, contra todas as expressões de medo das pessoas entrevistadas, vítimas ou não, de que não se pode mais sair à rua de dia ou de noite, os bares e restaurantes andam lotados.
As filas nos bancos e caixas de supermercados são cansativas e irritantes.
As agências de automóveis nunca venderam tantos carros alvos de sequestradores.
Os shoppings borbulham de curiosos e consumidores compulsivos.
Os estacionamentos, em qualquer ponto da cidade, não oferecem vagas e o papel dos desempregados é alinhá-los em filas duplas, triplas ou quádruplas.
Mesmo que o Distrito Federal seja palco de vinte assaltos por dia, ainda assim nosso sistema de vigilância, proteção e repressão se revela falho, ineficaz, ineficiente e sem competência social. A população do Distrito Federal (2,6 milhões), toda a organização burocrática do governo com suas dezenas de secretarias, polícia civil e militar, empresas de vigilância privada, zeladores e porteiros de prédios são dominados diariamente por 20 meninos e adolescentes, gênios da astúcia, da argúcia e do destemor.
A solução tecnológica proposta é a câmera vigilante como detetive auxiliar para localizar o ladrão depois do roubo executado. Onde estão as câmeras? Nos bancos, nos hotéis, nos shoppings, nos hospitais privados e outros logradouros onde se concentra o dinheiro. Câmera, portanto, é um chamariz.
O síndico de meu bloco decidiu agregar câmeras fotográficas à vigilância precária do vigia noturno e da presença inócua do porteiro. A câmera é um indicativo de que existe algo a ser protegido e, portanto, um sinal de possível interesse de assaltantes virtuais. Há carros novos estacionados e dentro deles sofisticados e tentadores aparelhos.
É preciso saber para que serve a câmera e para quem. Para o assaltante ou para o possível assaltado? Em todos os casos, há uma dúvida e uma certeza: a possível prisão ou apreensão do assaltante e o trauma doloroso do assaltado.
Enquanto as câmeras apenas fotografam o cidadão que passa e o assaltante que rouba, a paranoia aumenta por medo dos 20 jovens infiltrados na vida cotidiana de 2,6 milhões de brasilienses.
Parece que o buraco é mais amplo e mais embaixo onde as câmeras não alcançam. Quem se dispõe a descer até suas profundezas?
Ofereço uma corda: antigamente falava-se em justiça distributiva que ia da educação ao trabalho digno. Hoje, apregoa-se o crescimento econômico sustentável baseado no consumo.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

CICLISTAS BRASILIENSES



Ciclovias para quê? Ciclovias para quem?
Quem são os ciclistas de Brasília? Quantos são? Para onde pedalam? Para onde vão e por quê?
Desde que o Eixo Rodoviário, também chamado Eixão (18 quilômetros de extensão), que risca a cidade de Sul a Norte, foi restrito, nos domingos e feriados, aos pedestres, ciclistas, esqueitistas e patinadores, muitos brasilienses aderiram ao ciclismo como esporte semanal.
Funcionários públicos e de empresas privadas, de ministérios e autarquias, bancos e hotéis, de músculos embotados pelo sedentarismo semanal se encontrariam no Eixão aos domingos e feriados, antes de ir aos clubes assar carnes, comer pastéis e beber cerveja.
O que é que o Plano Piloto tem? Tem ciclovias? Por que Sobradinho não tem? Por que o Lago Sul não tem? Por que Taguatinga e Ceilândia não têm? A pergunta virou bandeira política. Promessa de campanha de todos os candidatos ao governo distrital. Justificou-se.
A planura de Brasília é adequada à bicicleta como alternativa de transporte.
O exercício físico colabora com a saúde mental, relaxa os músculos, retarda o envelhecimento do corpo.
O uso da bicicleta é ambientalmente correto e necessário. Reduz drasticamente a emissão de poluentes na cidade.
Diminui os espaços de estacionamento perto de prédios e estimula o plantio de árvores em torno deles.
O custo da bicicleta é menor do que os requeridos para manter um carro em circulação.
A primeira estimativa, além da manutenção do Eixão como recreio ciclista, entremeada de ameaças de extinção, anunciava a construção de mais 10 quilômetros de ciclovias. A extensão delas aumentou com o advento festejado do milionésimo automóvel para 250 quilômetros. Neste ano de 2012, a meta foi erguida para 600 quilômetros disseminada em todo o Distrito Federal.
Quem é contra a ciclovia? Quase ninguém. Quem defende as ciclovias? Quase todos.
Quantos usam as ciclovias para divertimento saudável? Não sei, mas pressuponho que muitos aos domingos e fins de tarde no horário de verão.
Quantos usam a ciclovia como alternativa de transporte para chegar ao local de trabalho? Os institutos de pesquisa, os ambientalistas, as empresas contratadas para abrir ciclovias poderiam nos dizer.
Minha diarista não vem de Valparaíso ao Plano Piloto em bicicleta. Enfrenta duas horas e meia de ônibus para vencer escassos 40 quilômetros.
Os governadores que prometeram ampliar a quilometragem de ciclovias vêm a seus gabinetes de carro oficial ou helicóptero. Os deputados distritais que aprovaram os orçamentos para ciclovias acabam de renovar a frota de carros flex “ecológicos”. Os deputados federais e senadores da república, grande número deles acima do peso ideal, não são vistas rodando de bicicleta pela Esplanada.
Ministras e ministros não saem de suas mansões do Lago a bordo de suas bicicletas para dar testemunho das convicções do governo em defesa do ambiente.
Quantos dos mais de 300 mil cidadãos, que vem ao Plano Piloto ou nele estão para defender o pão de cada dia, se decidirão a pedalar pelas amplas vias de nosso Patrimônio Cultural da Humanidade?
Tenho bons amigos, defensores das ciclovias, com irrefutáveis argumentos para estar a bordo de carros automáticos que saíram das garras dos tigres asiáticos.
Sobram 600 quilômetros de ciclovias. Faltam ciclistas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

RESERVA LEGAL E APP


Foto: Flores do Cerrado, Sítio das Neves, DF


Recebi, hoje, 5 de novembro de 2012, do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), a Certidão de Aprovação de Legalização de Reserva Legal de 14,144 hectares e Área de Proteção Ambiental de 41,212 hectares do Sítio das Neves cuja extensão total é de 70,695 hectares, no Distrito Federal.
Há 39 anos o Sítio das Neves vem sendo protegido para refúgio e reprodução de milhares de espécies vivas.
Ao inconsciente humano da sobrevivência, ao subconsciente da dominação da natureza e ao consciente da acumulação de riquezas finitas sobrepõe-se o ímpeto implícito e explicito de terra devastada. Substituir o natural pelo artificial. Acomodar a natureza à estética da prancheta, às navalhas de máquinas monstruosas, ao fogo devorador, à eliminação insensata de milhões de vidas que compõem a biodiversidade.
O Sítio das Neves continuará sendo, por dezenas de anos, uma ilha verde onde todas as espécies de vida terão o direito de viver segundo a lei sábia da natureza em seu artigo primeiro, parágrafo único: interdependência dos seres vivos. Será uma área para a vida, imune à venda, ao comércio de terras e ao impulso imobiliário.
A vida de todos os seres vivos, hóspedes do Sítio das Neves, depende da água cujas nascentes são protegidas desde o olho até a desembocadura.
O maior obstáculo para a preservação dessa ilha verde é a espécie dita inteligente. Queimadas, caça a pequenos animais, lixo à beira das rodovias representam a ignorância, a displicência, o descaso, a negligência de grande parte da população pobre ou rica, letrada ou iletrada.
A ilha verde, cercada de desertos por todos os lados, faz jus à beleza do cerrado do Planalto Central. Nela cantam os sabiás, os canários, as saracuras, os jacus, os bem-te-vis entre mais de uma centena de outras espécies. Nela vivem a raposa, o mão-pelada, o guaxinim, o tamanduá, a paca, o tiú, o sagui, o macaco-prego, o ouriço. Nela deslizam a jararaca, a jararacuçu, a cascavel, as corais, a cobra-verde, a jiboia, a caninana, a muçurana, dezenas de aranhas de diversos tamanhos e cores e milhares de insetos. Nela jorram águas límpidas. Vivem milhares de plantas e arbustos que se cobrem de flores e frutos e alimentam todas as vidas que ali nascem.
Sítio das Neves, ilha verde, esperança de um planeta alegre e feliz.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

BRASÍLIA TEM CICLOVIAS



Brasília tem ciclovias. É uma dignificante iniciativa. Terá 600 km de ciclovias dentro de alguns meses ou anos. Falta combinar com os ciclistas para as utilizarem. Os pedestres, com isso, ganharam calçadas novas ao lado das antigas malcuidadas.
As bicicletas foram inventadas antes das ciclovias. No Brasil, é diferente. Antes de mais nada, uma decisão política com sabor eleitoral oferece 600 km de ciclovias para um indefinido e imprevisível número de ciclistas.
No Brasil e em Brasília, quando os administradores, finalmente, executam, com quarenta anos de atraso, alguma obra que torna mais cômoda a vida do cidadão, o fato aparece na imprensa como um modelo para o mundo. Produto de exportação. As ciclovias de Brasília já são, nas entrevistas de geniais administradores, um modelo para estados brasileiros e países emergentes.
Os trechos estão incompletos. Os cruzamentos de vias não têm sinalização. Cortam calçadas de pedestres sem aviso. De repente, interrompem-se e não se sabe se continuam por terra ou se levantam voo.
Em Helsinque, Finlândia, as ciclovias, há mais de 40 anos, são parte da calçada de pedestre com sinalização. Pedestres numa banda, bikes, na outra. As travessias se fazem nos semáforos quando o sinal vermelho detém ônibus, carros particulares e bondes. Pedestres e bikes atravessam em segurança.
Nos trezentos metros de ciclovias que ocupam a antiga calçada de pedestres, na extensão da Quadra 406 Sul/L-2, desde sua construção há um mês, vi passar um ciclista a passeio.
Quando o governo inventar um programa social tipo MOBILIDADE CARINHOSA, por meio de uma Bolsa Bicicleta, as ciclovias brasilienses serão um modelo para a “sustentabilidade”do planeta Terra.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O CARTÃO DE CRÉDITO E EU



Fatos inexplicáveis acontecem. Meu cartão de crédito do Banco do Brasil sumiu para sempre, em duas ocasiões, no decorrer de um ano.
Trago comigo, por imposição do Dr. Sistema, dois cartões de bancos diferentes para pagar contas. Lembro-me que, na cidade de Tromsa, no norte da Noruega, em 2009, quando Hilkka e eu fomos comprar as passagens de ônibus para Oslo, a agência de viagens não aceitava dinheiro. A humanidade evoluída chegou ao ponto de não confiar na moeda do próprio país.
Meus dois cartões do Banco do Brasil simplesmente sumiram de meu bolso da camisa. Nenhum nem outro dos dois foram encontrados ou achados. Não houve saques criminosos nem indícios de que tenham sido utilizados como tentativa de comprar um carro sem IPI.
Perder ou extraviar um cartão de crédito é uma dor de cabeça virtual e real. Há que bloquear o uso do cartão e exercitar a paciência pela rede telefônica. O bloqueio atinge o usuário. A atendente estagiária, com autoridade bancária, recomenda o pedido de outro cartão, com pagamento de segunda via. O dito será entregue num prazo que varia de cinco a catorze dias dependendo dos sábados e domingos que se interpõem no período.
Vi-me diante da máquina eletrônica cheia de dinheiro e instruções. Ela me olhava indiferente como se eu fosse um marciano. Minha cidadania brasileira, minha prova numérica de contribuinte pessoa física eram impotentes diante do olhar frio da tela iluminada.
Senti-me derrotado, um joão-ninguém, um pária, um marginal do sistema bancário. A máquina insensível escondia o dinheiro que me pertencia. Em pé, diante dela, olhando desanimado para aquela frieza amarela, percebi o horror de ter minha humanidade reduzida a um cartão de plástico.
A política da igualdade econômica dos cidadãos se baseia na importância pessoal de possuir ou não um cartão de crédito. Somos todos iguais perante a máquina eletrônica. O acesso livre, democrático e igualitário ao nosso próprio dinheiro depende de um cartão de plástico aprovado pelo Dr. Sistema. A fidelidade à palavra honrada está substituída pelo cartão fidelidade.
– Para facilitar nosso atendimento, tenha em mãos o número de seu cartão, me disse uma voz virtual quando, humilhado, tentei comunicar ao Dr. Sistema minha temporária situação de marginalidade cidadã.
Como pôde a humanidade sobreviver durante 30 ou 40 mil anos sem cartão de crédito?

UMA LEITURA POÉTICA DA NATUREZA


Foto: Sítio das Neves, 
ouvindo as árvores.

João Carlos Taveira
           
Lançado recentemente em Brasília, o livro As Árvores Falam (Ed. Movimento, 2012), de Eugênio Giovenardi, vem comprovar a vocação inequívoca de seu autor para os assuntos relacionados com a Natureza, o meio ambiente e, enfim, a vida no planeta Terra. Ambientalista e estudioso do cerrado há quase quarenta anos, Giovenardi não descuida não só do presente (tão ignorado) como também — e principalmente — do futuro de nossos descendentes (tão comprometido e incerto).

          Neste livro escrito em forma de crônicas prepondera um diálogo permanente entre o narrador e alguns personagens mirins, que vai desaguar na grande preocupação de todos: ou renovamos nossa maneira de pensar a respeito da natureza que nos cerca e da qual fazemos parte, ou sucumbiremos à degradação e destruição da fauna e da flora por nossas próprias ações comportamentais; ou, pior ainda, em alguns casos, pela ausência delas. Para o autor, o homem precisa urgentemente repensar o seu habitat, se quiser preservá-lo e garantir sua sobrevivência.

          E assim o diálogo se abre aos seres animados e inanimados. A conversa que Eugênio Giovenardi estabelece com pedras, paus, cupins, flores, galhos, ramos e árvores termina por seduzir insetos e passarinhos. Mas não só. Vez por outra, ouvimos e presenciamos palpites e sugestões de cobras, lagartos, macacos, tatus, gatos do mato, bem como de pacas e outros pequenos roedores — preocupados com a derrubada de árvores, poluição das águas e, o que é terrível, a ação criminosa do fogo.

          Esse universo fantástico e miraculoso é recriado a partir do Sítio das Neves, do qual o autor se diz hóspede (a propriedade pertence a todos os seres que lá habitam) e que foi tombado pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram) como Área de Preservação Permanente, por apresentar características muito próximas de uma política estabelecida pela Unesco em todo o mundo. Ali, com a ajuda inestimável de cupins, foram construídas e estão sendo preservadas mais de 100 represas de cabeceira, que protegem diversas nascentes e garantem a vida saudável de mil e uma espécies dos reinos vegetal e animal.

          Estendendo-se por quase 200 milhões de hectares, o cerrado é o segundo maior bioma do nosso país. E, como sabemos, a vegetação é única, por suas características especiais. Por isso, devia ser preservado com mais rigor, para impedir que as estatísticas continuem sendo favoráveis à Amazônia, quando se trata de devastação e de ocupação indevida. Lá, devido a uma série de fatores e circunstâncias, dentro de 20, 30 anos as áreas devastadas se reconstituem automaticamente. Aqui, infelizmente, não há salvação para a devastadora e predatória ação do homem. Nas áreas de cerrado destruído só há duas expectativas: ou o solo vira deserto ou cede às erosões.

          As Árvores Falam é um livro muito pertinente ao momento político que o país atravessa. E é um alerta para as gerações presente e futura. Depois da construção de Brasília, que mudou a face da nossa história e alterou o mapa do Brasil, a preservação do cerrado passa a se constituir — para todos nós — numa preocupação permanente. Eugênio Giovenardi, com esse livro, dá o exemplo e aponta com clareza e desvelo os desastres que ainda podem ser evitados. É leitura urgente, se não obrigatória.  
  
Brasília, 8 de outubro de 2012.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

RAÇA, COR, SEXO E RELIGIÃO



As relações entre seres humanos são sutilmente afetadas por preconceitos de raça, cor, sexo e religião. Eles surgem do DNA familiar e crescem conosco desde o berço. Prolongam-se, convivem sorrateiramente em qualquer grupo e se manifestam com intensidade diversa, mas permanente e enraizada nos pensamentos, nas palavras e nos gestos. Algumas manifestações históricas retratam a trajetória de inúmeros preconceitos.
Numa das épocas áureas da história, ressaltou-se a Grécia. O império cultural, político, militar se impunha com a força da língua grega. A Grécia e o resto do mundo conhecido. Os helenos e os bárbaros. Não entendendo a língua dos dominados, os gregos desprezavam esse idioma ridicularizando populações inteiras e suas palavras indecifráveis. O que pretendiam dizer esses povos com o que os gregos, rindo, imitavam: bar bar bar? Os dominados só sabiam dizer, gritar e chorar em bar bar bar. Esses eram os bárbaros. O racismo nascente. Temos, hoje, uma versão para desprezar a opinião alheia: o blá, blá, blá.
Os romanos, estendendo seu império do Ocidente ao Oriente, excluíram igualmente da cidadania os bárbaros dominados.
Logo, a sociedade da nova era se dividiu em cristãos e pagãos. Os que se destinavam ao céu e os que se reuniriam no inferno. Formou-se em poucos séculos o sangue azul de um filão da nobreza. O sangue vermelho do povo substituiu os bárbaros.
Evoluímos para a esquerda e a direita. Formamos o progressista e o reacionário. Defendemos o capitalismo ou o socialismo. Uma guerra se fez em nome da raça ariana contra a judaica. Cunhou-se o patriota nacionalista e o antipatriota internacionalista. Com a bandeira pátria hasteada, propôs-se adesão voluntária ao expurgo emocional: ame-o ou deixe-o.
Criou-se um vezo antagônico entre o Norte e o Sul do globo para ressaltar a divisão de ricos e pobres, de exploradores e explorados, de imperialistas e dominados. Não bastasse a insolência de invasões de terras continentais ocupadas por culturas milenares, praticamos o barbarismo civilizado contra índios sem alma e sem cidadania. Opressão de brancos contra escravos negros aos quais se galardoam cotas de cidadania sem esconder o preconceito racial, apelidado de dívida histórica.
Alternamos a importância do masculino e do feminino, do sêmen e do ovário, e discutimos machismo e feminismo, homo e heterossexualismo. Há revoltas surdas, greves, protestos entre chefes e subordinados, entre o capital e o trabalho, entre o lucro e o salário.
E, na vida política brasileira, alcançou-se o fundo do poço como um balde vazio empurrado pelo lulismo e o efeagacismo.
O preconceito, composto de deuses e demônios assola o vasto mundo das relações entre os homo sapiens sapiens, dotados de inteligência e capazes de imensas descobertas. Poucas, pouquíssimas pessoas não são afetadas por um ou mais desses preconceitos.
A esperança tênue é de que, nos próximos cem anos, a espécie humana ultrapasse a fase ainda persistente da divisão entre helenos e bárbaros.

8.10.2012

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DEMOCRACIA AUTORITÁRIA




A frágil e inconsistente democracia brasileira não se comprova pela falta de instituições, de mecanismos legais, agências reguladoras, audiências públicas, conselhos múltiplos e variados, dezenas de partidos políticos disformes, eleições periódicas, congresso nacional, câmaras legislativas, movimentos sociais, passeatas de protesto contra injustiças sociais e preconceitos diversos. Ao contrário, essa complexa rede de relacionamentos supõe o exercício da liberdade democrática.
Como tudo isto opera e como a inteligência política e administrativa faz funcionar a democracia para preservar o poder de governar é que se necessita compreender. Além do dito núcleo duro central que toma decisões ao sabor de seus humores, dirigidos ao alvo essencial que é a manutenção do poder no tempo, entram em jogo os chamados mandos médios, hierarquicamente organizados para sustentar e cumprir as ordens emanadas de cima.
A administração da democracia brasileira, apesar dos 36 ministérios que abduzem todos os suspiros da população, não configura um plano coerente a ser seguido por um período de 20 ou 30 anos. Ela é composta de ordens espasmódicas, semanais ou mensais, emanadas de uma estrutura esquizofrênica construída pelos agentes do poder.
A democracia é administrada por um grupo emergido do parto eleitoral cesariano que traz características históricas de conceitos, ideias e práticas arbitrárias, autoritárias e centralizadoras. As sequelas do centralismo monárquico e das ditaduras ainda persistem no organismo político brasileiro. Ordens, determinações, decisões, decretos, medidas provisórias surgem diariamente acolitadas por números, previsões, percentuais contraditórios, declarações de ministros, desmentidos da presidência.
Taxas de juros, índice de inflação, geração de postos de trabalho (sem a correspondente informação de demissões ou perda do emprego), renda média do trabalhador recebem explicações e justificativas sempre favoráveis aos desejos e expectativas dos governantes.
Táticas e experimentos na condução da economia, estratégias psicológicas de convencimento da população sobre os acertos das decisões, truques políticos, espertezas administrativas e judiciais são forjadas ininterruptamente para calar e eliminar qualquer reação ou oposição que tente discutir os assuntos antes das decisões anunciadas. Os que estão no poder sabem tudo.
Uma das fórmulas para silenciar e desmantelar o debate democrático é lançar espalhafatosamente programas por milímetro quadrado das necessidades populares predefinidas pela inteligência política e ratificadas pela participação de selecionado grupo da “sociedade organizada”. Não há o que não esteja pensado no campo da educação, da saúde, do esporte, da economia, da infraestrutura viária, marítima ou fluvial, do ambiente urbano e rural, da tecnologia, da habitação. Não importa que 100% das obras do PAC I e PAC II, segundo a revista Inteligência (editora Insight), estejam atrasadas de acordo com o projeto original. Nem é possível, nesse quadro confuso, saber quando sua execução estará completa. Com o anúncio e o funcionamento precário desses programas, ninguém mais acredita que haja famintos, embora se agrupem pedintes nas portas dos restaurantes, dos bancos, nos semáforos. A miséria foi extinta em nosso rico país porque as estatísticas do IBGE não captam os moradores de tugúrios rurais e favelas urbanas cercados de esgoto e lixo. Os 6% de desempregados não é soma que tire o sono dos estrategistas da sexta potência e são minimizados a ponto de causar orgulho aos economistas. Informam-nos que a renda dos mais pobres (R$ 622,00 por mês) cresce em taxas relativas superiores às dos mais ricos (R$ 100.000,00 por mês), o que não impede a ninguém de comprar geladeira, freezer, computador, celular, carro importado, reformar a casa, trocar a mobília herdada dos pais ou avós, frequentar restaurantes, viajar de avião e realizar o sonho nos indispensáveis divertimentos da Disneylândia.
O importante é deixar pública a capacidade de se antecipar: “Já pensamos nisso. O programa X ou Y será lançado às vésperas das eleições e terá início em 2013 para assegurar o desenvolvimento sustentável”. O coroamento desses programas esparsos, dispersos, disseminados sobre o território nacional e introduzidos homeopaticamente na cabeça da população é feito com a repetição martelada aos quatro ventos: “nunca antes neste país”.
Outro truque político eficaz que desarticula a oposição é apontar os erros de governos anteriores como causa da ineficiência administrativa em curso e, sagazmente, ocultar com estatísticas e percentuais manipulados as falhas da gerência atual.
Se a oposição política inteligente quiser ser útil à recomposição ética da democracia não será pela condenação de programas lançados nem pela queixa de não ser convidado a discutir as condições prévias para sua aprovação. O caminho mais útil será apontar as causas administrativas, gerenciais e profissionais de todos os atrasos das obras decorrentes desses programas e dos equivocados mecanismos de execução devoradores de orçamentos bilionários maculados por roubos, peculato e apropriação indébita, amparados pela impunidade e a leniência.