terça-feira, 27 de outubro de 2015

COLUNA DO EUGÊNIO XIII


Resultado de imagem para lixo em brasilia

Desde 1987, brasilienses lutam desesperadamente em círculos acadêmicos e organizações comunitárias para manter incólume o glorioso prêmio conquistado pelo Plano Piloto de Brasília: Patrimônio Cultural da Humanidade. O Brasil se orgulha, por conveniência, em rodas oficiais e políticas. Brasília foi concebida como cidade-parque. Uma cidade dentro de um parque. Tenho fundadas suspeitas de que uma quase invisível minoria de brasilienses defende e propõe ações inteligentes para aperfeiçoar o desenvolvimento urbano de Brasília como cidade-parque. Isto quer dizer transformar todas as “cidades-satélites” numa imensa cidade-parque. O sonho da prancheta do Dr. Lúcio Costa parece irrealizável. Algumas forças organizadas desde o início de Brasília, corroboradas por agências de pseudoplanejamento urbano, determinam a forma, a arquitetura, a estética e o tamanho de Brasília. O Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF, as incorporadoras, os proprietários de terras, os grileiros acima da  lei, os movimentos organizados sem-teto e sem-terra, os funcionários de turno de órgãos e secretarias superpostas, um grupo legislativo sem compromissos públicos e a indiferença displicente e generalizada do brasiliense são forças sinérgicas que agridem não só a cidade-parque como também o Plano Piloto. Não há dia em que a guerrilha antibrasília não atente contra a urbe e a civitas com o sacrifício de seus cidadãos, das árvores e dos animais. A biocomunidade cidade-parque transita tristemente da biodiversidade para a monocultura esterilizante do homo sapiens.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

FINLÂNDIA E O CERRADO



COMITÉ DO MEIO AMBIENTE DO PARLAMENTO DA FINLÂNDIA



Ontem, 21 de outubro, o Commitee of Environment do Parlamento da Finlândia, composto por dez deputados, com a coordenação da Embaixada desse país, visitou o Sítio das Neves, biocomunidade da qual minha família faz parte. O objetivo imediato foi o de conhecer uma área recuperada de 70 hectares de Cerrado e o criativo sistema de barragens de captação de águas da chuva implantado no Sítio há 30 anos. Impressionaram-se com o material usado para construir as barragens: pedras, madeira seca, folhas de catolé e terra de cupim, amalgama que resiste a fortes aguaceiros. Estou orgulhoso de ter mostrado à Comissão de Parlamentares do Meio Ambiente da Finlândia, país mais florestado da Europa, a recuperação de um milésimo de área do Distrito Federal destruída pela insensatez da ocupação rural e urbana. É um fio de esperança que se espalha pelo planeta ao proteger nascentes, árvores e animais. Buda sorriu feliz! Um dos pontos que mais impressionaram os visitantes foi o lixo depositado ao longo das rodovias. Realmente, a atitude educada do brasileiro frente ao lixo líquido e sólido ainda não faz parte do pacote cultural de respeito ao ambiente em que vive.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

COLUNA DO EUGÊNIO XII



 (Foto Eugênio Giovenardi. Construção de barragens para captação de águas da chuva, Sítio das Neves.)


Os brasilienses estão sentindo na pele o calor de 37º. Pelas ruas, no supermercado, na farmácia as pessoas se abanam com o ar escaldante. De onde vem tanta secura? No mês de agosto de 2014 e de 2015 não caiu uma só gota de água no Distrito Federal. No mês de setembro de 2014, o tempo nos brindou com 31 mm e, em setembro de 2015, com 39 mm. No mês de outubro, até hoje, nenhuma gota. Essas águas do período chuvoso foram insuficientes para recarregar os aquíferos. A escassez de chuva e o alto consumo da população fazem os córregos correrem secos e as represas baixarem o volume a menos de 20% de sua capacidade. Enquanto a ordem oficial é poupar água da torneira, a Geodril Poços Artesianos, a Fluxor Poços Artesianos, a Capital Artesiano, a Alberton Poços Artesianos, a Hidroluz Poços Artesianos perfuram a rocha em busca de água para atender os que podem pagar 20 a 30 mil reais por ponto. A Adasa, dados de 2011, indica que dos 36.500 poços artesianos, 6.500 estão registrados no órgão fiscalizador e 20 mil são ilegais, em condomínios piratas e em invasões, ameaçando os aquíferos do DF. Se a Adasa sabe que são ilegais e onde estão, por que não foram interditados e os solicitantes multados?

Nem os consumidores clandestinos de água, nem os perfuradores de poços artesianos obedecem às normas de outorga estabelecidas pela Adasa. A fiscalização ao cumprimento das normas é uma deficiência crônica do serviço público. A indisciplina, a desobediência e indiferença do cidadão contribuem para a situação caótica do acesso à água. E a complicação não fica por aí. Brasília cresce na proporção de um Núcleo Bandeirante ao ano. Quem, em sã consciência, se diz capaz de administrar uma cidade que a cada ano aumenta em 44 mil habitantes? O tema superpopulação continua sendo um tabu cultural.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

COLUNA DO EUGÊNIO XI

Resultado de imagem para Paris

A COP/21, logo mais em Paris, primeira semana de dezembro/2015, aguarda propostas de países com desânimo antecipado. Água escassa em mais de 30 países. Córregos e ribeirões do Distrito Federal correm quase secos. Aumento implacável de CO2. Queima de combustível fóssil – petróleo e derivados. Fenômenos naturais devastam cidades que devastaram seu palco de manifestações. Esses velhos fenômenos continuarão presentes pela combinação de vários elementos: água, sol, derretimento de geleiras, ventos, calor, velocidade do planeta, evaporação dos mares, zonas desertificadas, rios desviados e represados, rompimento do sistema de inter-relação entre água e florestas. Administrar esses elementos parece estar fora da capacidade normal da espécie humana que prefere separá-los em departamentos e ministérios indialogáveis.
A COP/21, espera por metas de redução de CO2 olhando para 2030. Há, no ar, uma expectativa de milagre. 196 países estabelecerão, ou não, suas metas em percentuais de redução do CO2 com a esperança de que o milagre seja operado em 2030. Há inundação no Sul. Calores insuportáveis no Centro-Oeste. Enquanto isso, o governo e as empresas privadas do Brasil promovem a venda de automóveis e eletrodomésticos. Estimulam a agricultura superdependente de água bombeada de rios ou de fontes subterrâneas. Incentivam metrópoles antiecológicas sufocadas por gases de efeito estufa. O hoje fica para 2030. A consciência ecológica do cidadão não liga o hoje com 2030. Se o cidadão não administrar, hoje, sua própria meta de redução de emissão de gás de efeito estufa, o majestoso percentual que o governo pretende levar para a COP/21 será uma colorida fantasia.

                         

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

REPRESAS MEIO CHEIAS

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Por que o nível da água das represas está abaixo de 50% de sua capacidade apesar das chuvas? Vamos aos cálculos.
- 70% da energia vêm das hidrelétricas.
- para gerar um KW de energia são necessários 6.660 litros de água.
- cada pessoa usa por dia, em média, 190 litros de água para suas necessidades individuais.
- cada pessoa utiliza por dia, em média, 3KW de energia que multiplicado por 6.660 litros resulta em 19.980 litros. Somados aos 190, cada pessoa compromete, por dia, 20.170 litros.
- Os cidadãos brasilienses (2.800.000) chupam por dia 56, 476 bilhões de litros de água que vêm de represas fora do Distrito Federal.
- Brasil? É só multiplicar 200 milhões (habitantes) por 190 litros de água. Multiplicar 200 milhões por 3 KW e este resultado por 6.660 litros e somar os resultados.
Esta soma trilionária é por dia = 4,034 trilhões de litros. O ano tem 365 dias. Em 2030, quem viver, verá.
Não há chuva que dê jeito. Se quisermos água temos que apagar a luz. Ou investir em energia solar, eólica etc. e, ao mesmo tempo, frear o crescimento da população que, além de consumir água, destrói as nascentes e as florestas.



segunda-feira, 12 de outubro de 2015

COLUNA DO EUGÊNIO VIII




Perguntei-me, com algum espanto, por que as árvores não têm religião. Caminho pelo cerrado, entro na floresta à beira do ribeirão. Tudo é silêncio e paz. A convivência pacifica parece vir do fato de que cada uma delas põe suas raízes debaixo da terra em busca de água. Seria a água a inteligência das árvores? A água preserva a identidade de cada árvore para que dê suas flores e seus frutos. A espécie humana, equivocadamente, criou uma infinidade de deuses e em nome deles se destrói. Ideologia, política, poder, dinheiro, sexo, droga, religião, tecnologia produzem carnificinas diárias. No ano passado (2014) esses deuses provocaram o assassinato de 59 mil brasileiros. As árvores me revelaram que a convivência pacífica é possível quando cada um põe suas raízes sob a terra. Compreendi que a espécie humana ainda não conhece suas raízes, por isso não sabe onde pô-las. Seus deuses não têm colaborado e a evolução é lenta.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

COLUNA DO EUGÊNIO VII


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Amanhece devagarinho. Dou água às plantas que enfeitam o parapeito da janela. Ipês-roxos e amarelos, hibisco, samambaias que trouxe do Bosque das Borboletas Azuis, do Sítio das Neves, pimenteira da Amazônia que Mário me deu, jacarandá e flor-de-maio. Olho para as árvores que despertam lá fora. Assalta-me um estranho pensamento. Que me daria maior tristeza: uma árvore derrubada, uma criança morta ou um pássaro abatido? Que faria uma criança viva sem a água e a sombra da árvore e sem o canto do pássaro? Que faria o pássaro sem a árvore para construir seu ninho e sem a criança para ouvir seu canto? Que faria a árvore viva sem a tagarelice dos pássaros e sem a criança para trepar por seus galhos? Ficaria triplamente triste vendo a árvore derrubada, a criança morta e o pássaro abatido. E todos os dias derrubam-se árvores, morrem crianças e abatem-se pássaros. A vida é um constante prenúncio da morte.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

COLUNA DO EUGÊNIO VI



No alvorecer do dia, milhões de trabalhadores saem em busca do pão. Sentado na varanda, sorvo o mate amargo. Vejo, no lusco-fusco, a agitação rotineira e milenar da natureza. Árvores pingam gotas de orvalho. Pássaros cantam. Marcam seu território e protegem a ninhada. Colhem no chão e nos troncos a comida do dia. É a hora da feira geral. Todos têm pressa. Da corruíra ao jacu. Da lagartixa ao macaco-prego. Um de meus autores fascinantes por sua ironia fina – Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde – me diz que “ninguém realmente culto, hoje, fala da beleza do crepúsculo. Os crepúsculos estão fora de moda. Admirá-los é um sinal distintivo de cultura provinciana”. No tempo da tataravó Lucy, havia já curiosos que perscrutavam o firmamento. Esperavam o nascer do sol e temiam sua descida no poente. Li a informação de que em Marte escorre água salgada. Desde milênios, Marte é conhecida por guerras que se deram por lá. Tornou-se símbolo da guerra. A tradição oral não mente. O que sobrou das guerras em Marte? Água salgada. Quem sobrevive nessa lama? Bactérias. Sobraram bactérias em Marte. Acorda homo sapiens. Nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores. (G.Dias.)

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

COLUNA DO EUGÊNIO V


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Abraçar árvores. Ouvir delas mensagens repetidas de geração em geração, desde milhões de anos, dão-me a certeza de que partilhamos de parentesco existencial. Elas têm os pés na água. Água é um princípio de vida. Uma árvore está cheia de água. Acolhe em sua ramada milhares de vidas. Dos pássaros aos bichos grandes e pequenos insetos. Elas recomendam, indistintamente, a todas as formas de vida o segredo da sobrevivência: sombra e água fresca. Aprendi delas esse gesto generoso de acolher outras vidas sem discriminação. Eis o risco da generosidade silenciosa. Dizer: bom-dia! Sorrir a um desconhecido pode ficar sem resposta ou provocar temor. Espantei-me com a beleza natural, sem maquiagem, da moça do caixa do supermercado de minha quadra e lhe disse: “você é muito bonita”! Encabulada, respondeu: “eu não me acho bonita”. E das árvores são os desmatadores que não lhe percebem a generosa beleza.


terça-feira, 6 de outubro de 2015

COLUNA DO EUGÊNIO IV


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Elas são admiráveis em sua frescura juvenil. A obediente Ismena retruca à decisão da irmã: “Irás contra o que foi ordenado por Creonte?”  -  Antígona não se dobra à tirania de decretos reais: “Ele não tem poder para me separar dos meus.”  Tio Sófocles confiava na energia vital das mulheres. Não tanto para exercer poder de mando real ou presidencial, mas para praticar o poder social que rege a convivência humana desde o ventre. A mulher pensa exercendo a ação feminina.
Mais maduras, em tempos sombrios, outras duas mulheres me fascinaram. Hannah Arendt agigantando-se em Nuremberg e Marguerite Yourcenar, cujos livros foram concebidos em estações à espera do trem ou em passeios por entre ruínas romanas e gregas. Mulheres do mundo, uni-vos para extirpar a tirania do pensamento fálico. Antígona disse ao rei Creonte no processo do julgamento que a condenaria à morte: “Pode parecer-te que procedi como uma louca, mas é quase a um louco que dou conta de minha loucura”. Há tempos venho assumindo minha loucura neste imenso manicômio de ambições pequenas.

5.10.2015

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

COLUNA DO EUGÊNIO III



O bem-te-vi chegou cedo para comer o pão de centeio que lhe sirvo no beiral da janela. Esse pássaro pensa, sente e tem boa memória. Relaciona-se com independência e é agradecido. Depois de servir-se, vai ao galho seco, canta obrigado, bate as asas e voa.  Temos alguma coisa em comum, um parentesco evolutivo. Afinal, viemos todos da mesma molécula. Somos parentes pelo lado feminino da vida. Percebo a importância da ecossociologia.
Uma de minhas curiosidades recentes é saber de que se alimentava nossa tataravó Lucy, há 3,2 milhões de anos. A nova estrela humana, o Naledi, mais recente, é da época do trigo mourisco. Distraí-me com esses pensamentos atávicos durante a conversa que tive com tio Sófocles. Ele me apresentou duas belas jovens tebanas de longas melenas, vestidos talares, pés descalços, que frequentavam o palácio de Creonte. Simpatizei com as duas. Percebi que tenho, alternadamente, o caráter de ambas: o legalismo de Ismena e o anarquismo independente de Antígona. Sófocles, coçando a barba, me resumiu em duas mulheres. Todo cidadão político está envolto nesse dilema: a lei ou a desobediência civil. Apaixonei-me pelas duas filhas de Édipo.

sábado, 3 de outubro de 2015

COLUNA do EUGÊNIO II

(Publicado no Facebook)

É nessas horas matinais, entre uma coisa e outra, que leio e escrevo. Meus 16 livros foram escritos no tempo que vai do canto do sabiá-de-peito-amarelo à deposição do desnecessário. 
A cozinha é uma das peças do apartamento que realmente me atrai. O amor, quando há, se manifesta na realização da receita. Quando conheci a mulher com quem casei, ela me revelou que não sabia cozinhar. Não se preocupe, disse-lhe, eu sei. Preparo-lhe todas as manhãs uma salada de frutas. Minhas netas insistem que eu deva abrir um restaurante. Só se for para elas que são adoráveis. 
Minhas reflexões existenciais, meus pensamentos filosóficos, meus ataques de ironia alcançam seu ápice no manejo da cebola, do alho e da pimenta. Acho que foi na cozinha que me tornei agnóstico e ateu. E foi, se não me engano, preparando uma salada apimentada de berinjela, à moda de minha mãe Agnese, que eu disse em voz alta: eu não tenho alma, eu tenho cérebro. 
E, rindo dessa descoberta, constatei que muita gente tem alma, mas pouco cérebro. Tal é a quantidade de estultícia que lota os dias, os meses e os séculos da espécie humana.
2.10.2015

COLUNA DO EUGÊNIO I

(Publicado no Facebook)

Acordo cedo. Nesta época um sabiá cantador, às cinco da manhã, entoa uma longa canção. Vou à cozinha pôr a água do chimarrão para esquentar. Aproximo-me da janela para ouvir o pássaro. Gravo a melodia num minigravador. Ele finaliza o trinado com uma nota suspensa e vai cuidar dos filhotes. 
Eu preparo a cuia com erva mate moída grossa do Mazuti. Junto umas flores de marcela que têm a propriedade de lavar os intestinos. Mateio durante três horas. Ao mesmo tempo, como pedaços de mamão embebidos em sumo de limão-bergamota que se dá bem lá no meu Sítio. É de manhã que o corpo se livra do desnecessário. O mate, a camomila e o mamão assumem parte da responsabilidade para o descarrego. 
Sozinho, no banheiro higienizado, é que percebo quanto a espécie humana é menos nobre do que as árvores. Elas não passam por esta humilhação. Sentado no vaso, tenho um pensamento esquisito. As pessoas não se escondem para comer uma feijoada com pedaços de porco e beber latas de cerveja. Mas para livrar-se do desnecessário se trancam no reservado como se cometessem um crime ou uma contravenção.