terça-feira, 29 de abril de 2014

DUAS PERNAS OU QUATRO RODAS



(Foto: Brasília, 2014)

O fascínio humano pela velocidade faz supor que a espécie homo sapiens guarda nos genes a nostalgia de, um dia perdido na história milenar da evolução, ter voado. As asas de Ícaro se desprenderam ao se aproximar do Sol. “Subi além do Olimpo, além dos cimos, que Pégaso alcançou com seu voo”, diz Milton (O Paraíso Perdido, VII Livro). Belerofonte tentou voar até o céu em seu corcel alado. O cavalo, picado por um moscardo enviado por Júpiter, atirou ao chão o cavaleiro. O homem sonhava em aumentar a velocidade do cavalo.
A luta contra o tempo desafiante faz o homem correr e voar. Produzir mais em menos tempo. A loucura da produtividade.

Com insistência, noticiários, administradores públicos e especialistas mostram que nossas cidades estão chegando ao caos do trânsito. O automóvel, inventado para ganhar tempo, está corcoveando pelas vias e derrubando seus cavaleiros. Um milhão e quinhentos mil carros multiplicados por seis metros quadrados de ferro, vidro e plástico reviraram nossa cidade.
Eles impuseram ao homem a obrigação de alargar ruas, abrir avenidas, vias expressas, viadutos e estacionamentos. Milhares de sinais de trânsito, das placas aos semáforos, do policiamento aos controles eletrônicos, insaciáveis, querem sempre mais. Brasília se encheu de gente e se entupiu de carros. A capital da República está diante de salomônica alternativa: diminuir a população ou reduzir o número de carros. Quem se atreve a escolher?
As duas pernas do pedestre vão tomando a característica de enfeite orgânico substituídas pelas quatro rodas do pégaso moderno. A cidade de Brasília está desenhada para o automóvel. Todos os pontos da cidade ficam perto do automóvel e longe do pedestre. Este, a meu juízo, é o ponto essencial que dificulta a mobilidade do cidadão brasiliense.
Como chegar saudavelmente ao ponto distante do pedestre tomando um automotor adequado para fazê-lo no menor tempo possível? Diante do fracasso das iniciativas para lograr esse alvo, anuncia-se que, daqui a seis anos, o protótipo da velocidade urbana congestionará e paralisará o trânsito em Brasília.
Fala-se, há uma década, de caos urbano como se fosse um personagem vivo. Há expressões que se repetem com frequência, mas seus efeitos não acontecem com a mesma velocidade que os carros enchem as ruas. Eis algumas:
“Falta planejamento urbano e uma política de trânsito e transportes para a capital.”
“Falta gestão de trânsito por parte do Departamento de Trânsito (Detran).”
“A presença de mais fiscais de trânsito poderia aliviar a sensação de caos no centro da cidade.”
“O governo terá de adotar medidas de restrição ao uso do automóvel.”
“Nós precisamos melhorar a gestão do sistema (!). Criar políticas de incentivo ao uso compartilhado do veículo particular e coletivo.”
“O problema principal é a própria configuração da cidade, com núcleos urbanos afastados do centro de atividades básicas.”

Diante desses pronunciamentos inócuos, a resposta da população é queimar ônibus, obstruir vias, impedir a circulação e parar o funcionamento da cidade.
O deslocamento de 2,6 milhões de cidadãos brasilienses esparramados sobre 5.822 km2 se faz, preferencialmente, pela superfície urbana. Este é o primeiro complicador, o primeiro nó a ser desfeito. A superfície de Brasília tem limites. O subsolo, tão bem usado em Paris, Londres, Nova Iorque, São Petersburgo, Quebec e dezenas de outras grandes cidades, ainda não foi convenientemente trabalhado em Brasília.
A preferência dos administradores públicos se dirige a usar mais intensamente a superfície urbana com modos coletivos de transporte, linhas de ônibus convencionais, uma linha de metrô rudimentar e o debutante BRT (Bus Rapid Transit). As vias expressas do BRT causam um impacto ambiental doloroso e requerem construções gigantescas cujo custo/benefício econômico e ecológico ainda está para ser justificado. Importante questão ecológica deveria ser respondida por especialistas de diferentes disciplinas sobre o número e uso do carro particuar: qual é o limite de emissão de gases de efeito estufa tolerável capaz de manter o ambiente saudável para todas as formas interdependentes de vida no espaço urbano?
Além dessa resposta, qual é o espaço físico adequado em metros quadrados para determinar inteligentemente a densidade populacional de uma área habitável com as características do bioma cerrado? No Distrito Federal, o espaço físico por habitante decresceu de 41.000 m2, em 1960, para 2.220 m2, em 2013.
O superpovoamento da cidade provocou perda de grande parte da vegetação nativa, soterramento e extinção de mananciais, desaparecimento de cursos d’água, redução de áreas de recarga de aquíferos, impermeabilização de vastas extensões sem estudos ecológicos.
Uma característica de Brasília é que os principais pontos de destino e de interesse da população, pelo projeto urbanístico da cidade – local de trabalho e serviços públicos – foram localizados longe do cidadão sem prever os meios e os modos integrados de transporte para alcançá-los.

A capital como centro de decisões políticas do país centralizou também os pontos de maior interesse da população que se acomodou, ao longo dos anos, em áreas distantes.

Sem uma revisão drástica do funcionamento da máquina urbana de Brasília, as profecias apontam para uma queda espetacular do cavaleiro que não conseguirá refrear os corcovos de seu pégaso voador sobre quatro rodas.
Há evidências de que os requerimentos dessa revisão estão muito acima da capacidade dos administradores públicos que se revezam nos cargos sem a devida preparação política e conhecimento técnico da gestão urbana.

(Leia  o ÚLTIMO PEDESTRE, Kiron editora, 2013)



segunda-feira, 28 de abril de 2014

APUD MAIAKOVSKY


Na primeira eleição,
Eles se apresentaram
À porta de nossa casa.
Trouxeram uma flor e,
Sem medo do cão de guarda,
A plantaram no jardim
E feliz a gente aceitou.

Na segunda eleição,
Com atabaques e guitarras,
Reclamaram nossas flores,
Levaram nosso cão
E nós achamos bom.

Até que na terceira eleição,
O mais astuto dentre eles
Entrou sozinho em nossa casa.
Adonou-se de todos os pertences
Da sala, da cozinha, da varanda e,
Conhecendo nosso medo e covardia,
Trancou-nos a voz na garganta.
E porque felizes aceitamos
E achamos muito bom,
Fez-nos inquilinos desta casa
Que ele diz ter construído
Sobre um vasto chão vazio
Sem ajuda de ninguém.


domingo, 27 de abril de 2014

ARQUITETOS E ECOLOGIA



Ao ler inúmeros textos, críticas, artigos, comentários, ataques e defesas do PPCUB, LUOS, PDOT, bons autores da área urbanística e observar o desenvolvimento da cidade capital do país, compreendi a limitação de arquitetos que projetaram Brasília, isto é, o Plano Piloto e arredores.
O projeto extraordinário do arquiteto das formas – Lúcio Costa – ficou preso à prancheta. Se o idealizador de Brasília tivesse olhado um pouco mais longe, teria percebido o previsível impacto de um projeto tão moderno e arrojado que mereceu o prêmio da arquitetura internacional. E nós não estaríamos, hoje, quebrando a cabeça para arrumar e conservar a casa desenhada.
Há evidências de que não se fizeram cálculos rigorosos para se determinar as taxas adequadas aos tipos de moradia e uso da terra conservando, ao mesmo tempo, a vegetação nativa e o regime de águas, mananciais, captação de águas pluviais e recarga dos aquíferos. Em outras palavras; onde se pode e onde não se pode edificar sob o rígido controle da lei urbana para proteção ecológica e ambiental e preservação de valores sociais.
Li, recentemente, uma biografia resumida do planejador e arquiteto de projetos urbanos, Ian McHarg (1920-2001). É presumível que Lúcio Costa o tenha conhecido. Mas o arquiteto brasileiro não teve os mesmos cuidados, a mesma paciência científica, os mesmos valores e a mesma amplitude sobre as consequências do legado de um projeto urbano das dimensões de Brasília que brotou do zero como Woodlands New Town (Huston, Texas, 1971, projeto de 80.000 ha para 50 mil pessoas).
Compare-se a generosidade do espaço oferecido aos habitantes de Brasília e aos de Woodlands. Brasília, por falta de estudos geográficos, geológicos e ecológicos obstruiu os canais de planejamento urbano que determinasse a densidade da população na ocupação da terra. Os 582 mil hectares foram descontroladamente ocupados por mais de 2,6 milhões de habitantes, cabendo a cada brasiliense 2.240 m2, menos de um quarto de hectare. Woodlands foi projetada para 50 mil habitantes, correspondendo a cada cidadão 16 mil m2, mais de um hectare e meio. O ambiente natural, a vegetação, as plantas, as características do bioma, o regime de águas foram preservados em sua totalidade. A ideia de parque foi projetada e executada. Guardadas as proporções planejadas e executadas do projeto urbano de Woodlands, Brasília emergiria do parque natural do cerrado com população de 400 a 500 mil habitantes, com águas cristalinas já detectadas pela missão Cruls, e horizontes tão vastos quanto o céu luminoso e infinito.
Penso que faltou a Lúcio Costa ligar seu monumental projeto a um centro universitário multidisciplinar de planejamento urbano, de pesquisa ecológica e ambiental e não apenas confiar açodadamente a execução física a mestres de obra improvisados, a incorporadoras e ao negócio imobiliário. O que vem acontecendo ao redor do Plano Piloto segue o mesmo processo sem estudos cuidadosos que determinem os requisitos da expansão urbana para manter os valores sociais representados pelo ambiente natural.
Em Brasília, no Distrito Federal e na área metropolitana há uma guerra declarada entre população e natureza. Dessa guerra participam com armas letais os organismos públicos, os projetistas da expansão urbana, os administradores de turno, os habitantes de quadras, superquadras e condomínios. Decisões são tomadas da noite para o dia. Fatos consumados são irredutíveis. Não é de estranhar que a guerra urbana produza o caos do salve-se quem puder.
Ultimamente, na quase impossibilidade de se preservar o que resta do Plano Piloto, apelou-se para o registro em cartório internacional do vasto céu de Brasília como patrimônio imaterial da humanidade. Há, nessa guerra urbana, quem planeja retalhar e condominiar o céu de Brasília?

Devastado o cerrado, extintos os mananciais, ameaçadas as árvores, impermeabilizado o chão, estrangulado o trânsito da convivência social dos habitantes da cidade, resta salvar o céu de Brasília.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

MACONDO



Hilkka Máki, jornalista, e eu, Conselheiro da OIT, na Colômbia, em1989, decidimos conhecer Macondo. Atravessamos a Cordilheira dos Andes entre vales e precipícios. Chegamos a Aracataca, país do Macondo. Ruas do tempo da colônia bolivariana da Grande Granada. Sentamos num enorme bar de esquina ao som de um vallenato. Muitos olhares das mesas vizinhas. Carajo, daqui. Hijo de madre, dali, corriam histórias e gargalhadas. Quem não é queimado do sol tropical é americano do Norte.
A jornalista se diz finlandesa. Eu, brasileiro. As mesas se juntam. As saudações tímidas se tornam velhas amizades.
– Macondo es esto, respondeu um deles à pergunta de Hilkka. Es un estado del alma colombiana.
Não passaram cinco minutos, aqueles cinco ou seis colombianos que bebiam no bar por volta das 11 horas se diziam amigos de Gabo desde a infância. Trepavam nas mangueiras, pulavam muros para colher granadilhas no quintal dos vizinhos, metiam-se em domingueiras brigas de futebol.
Era um menino pobre o Gabriel como a maioria dos meninos da época. Uma avó o levou a Barranquilla para estudar. De onde tirou esse nome Macondo? Ninguém sabia.
– Macondo es esto: Aracataca, repetiu um senhor mais velho. E será sempre Macondo, concluiu, com a aprovação sorridente dos companheiros de bar.

O amigo de infância deles, Gabriel Garcia Marques, Gabo, morreu. Fica o AMOR EM TEMPOS DE CÓLERA.

terça-feira, 15 de abril de 2014

CIDADE– PARQUE











A esmagadora maioria dos que vieram morar em Brasília o fez por mil razões compreensíveis, menos por querer habitar conscientemente numa cidade-parque.

Parque da cidade ou cidade-parque? Este último é um aposto que identifica  a cidade de Brasília, capital da República Federativa do Brasil. Brasília cidade-parque é Patrimônio Cultural da Humanidade.
Há parques famosos, uns mais conhecidos do que outros. Distinguem-se por si mesmos e têm vida e luz própria. Jardim de Luxemburgo, Paris, criado pela rainha Maria de Medici. O Hyde Park (Londres), o National Park (NY) estão entre os mais conhecidos. São parques, praças e ruas que compõem o conjunto das cidades em que se localizam como a Place Clichy (Paris) ou 5ª Avenida (NY).
Brasília é diferente e única. Brasília é o parque. O morador de Brasília vive no parque, embora tenha um parque suplementar; o Parque da Cidade. Diz-se que no Brasil tudo acaba em pizza. Pela nossa inconstância crônica, pelo jeitinho esperto, fácil e preguiçoso, a cidade-parque não passou dos limites do Plano Piloto.
O sonho de Lúcio Costa, ao projetar a cidade-parque sugerindo árvores majestosas consorciadas a outras menores, começou com o equívoco consciente de arrasar as espécies nativas e extinguir a biodiversidade vegetal já adaptada nesta região há milênios.
A escala bucólica ganhou duas faces: a periférica nativa, sujeita a fogo e a lixo e a arborizada em torno da escala residencial. Ao incluir no projeto urbanístico as escalas gregária e monumental, a cidade-parque ganhou a primeira poda conceitual. Os edifícios monumentais da Esplanada, longa, horizontal e gigantesca não deveriam ter sua majestade molestada pela trivial galhada de árvores plebeias.
Com a consistente e persistente imagem urbana de que Brasília é essencialmente o Plano Piloto, e pelo efeito pizza, os bairros ou cidades-satélites não foram abrangidos pelo conceito de cidade-parque.
Presumo que a esmagadora maioria dos que vieram morar em Brasília o fez por mil razões compreensíveis, menos por querer habitar conscientemente numa cidade-parque. Não é de estranhar que os habitantes de Brasília, seus administradores, todas as energias econômicas e políticas disponíveis tentem adaptar a cidade ao cidadão e não conciliar o cidadão ao conceito de cidade-parque. Um conflito quase insuperável. Assim, a grande maioria dos habitantes de Brasília trocou apenas de cidade. Trata-se a cidade-parque com métodos e comportamentos velhos e roceiros. Transferem-se para Brasília os vícios e as virtudes da cidade de origem. Para o moderno habitante de Brasília, árvore, facão, machado e motosserra têm tudo a ver.
Para mascarar a ignorância sobre o novo conceito de cidade-parque inventam-se termos: engessamento, puxadinhos, adensamento, PPCUP, LUOS.
Em conclusão, o conceito internacionalmente reconhecido de cidade-parque monumental deveria ter gerado, desde seu início, um órgão administrativo com autoridade e poder autônomos, como o Ateliê de Planification Urbaine de Paris (APUP). Esse órgão técnico garantiria a consistência e a permanência do equilíbrio entre urbanização e parque, e o intercâmbio saudável entre a vida humana e a vida vegetal.
O essencial urbanístico, em Brasília, que identifica o cidadão brasiliense e sua organização, é preservar a nova forma de convivência social e a beleza acolhedora da cidade dentro de um parque tão essencial quanto a cidade. Falta incluir todos os bairros de Brasília – as cidades-satélites – no conceito de cidade-parque.

11.4.2014

segunda-feira, 7 de abril de 2014

SÍNDROME DO SENHORIO


Entro numa farmácia para comprar um medicamento controlado.
Farmácia também vende crédito para telefone pré-pago. Na Colômbia, drogarias vendem bebidas alcoólicas. Também são drogas.
O atendente voltou com o remédio solicitado. Antes que pudesse me perguntar se era só isso que eu queria, uma senhora entre 40 e 45 anos, da nova classe média, se antecipou com um telefone supermoderno na mão.
– Pode me botar dez reais de crédito? – disse oferecendo o aparelho ao atendente.
O moço, sozinho no balcão, apresentou a máquina Cielo à senhora e lhe pediu que compusesse o número. Ela compôs, lentamente, sem o indicativo de Brasília e a máquina não o reconheceu: número inválido.
O atendente lhe pediu que refizesse a operação e começasse com o indicativo 61. Irritada, a senhora, do alto de sua tecnologia celular, repreendeu o moço.
– Por que você mesmo não põe o número. Você está aqui para quê?
A senhora deve ter ouvido essa pergunta muitas vezes no curso da escravidão.
Ela tinha todos os sinais de que fora escrava até dias antes de comprar ou ganhar o telefone celular. Agora, estava um degrau acima, graças ao telefone e passara automaticamente para a categoria de senhora. O atendente desconhecido passou a ser um anônimo serviçal. Está aí para quê?

Não há prazer maior, ainda que mesquinho, do que ser servido por um subordinado ou escravo. 

sábado, 5 de abril de 2014

ALERTAS CLIMÁTICOS


 
Nestes dias, o relatório das mudanças climáticas deveria produzir o impacto de um terremoto. Estamos vivendo a mudança climática em várias regiões do nosso país. Chuvas diluvianas no Norte. Escassez de água no Sudeste com ênfase na grande São Paulo.
Os especialistas se detêm no atraso das chuvas e no alto consumo de água que esgotou a represa Cantareira, tida como reserva controladora do abastecimento, diante de instabilidades pluviais.
Regular, racionalizar e até racionar o consumo são medidas em perspectiva que assustam os administradores e políticos sob a mira de reações populares em época de eleições.
Chegamos atrasados em todas as medidas e análises referentes à água. Os pontos irreversíveis que provocaram a escassez de água são clamorosos e de difícil solução.
A ocupação desordenada e descontrolada das áreas adjacentes aos mananciais provocou a derrubada da vegetação natural. A diversidade e a densidade vegetal nas encostas e vales captavam e detinham as águas da chuva, alimentavam e protegiam os mananciais existentes na serra.
A urbanização mudou o ambiente. Influiu nos índices de umidade e na direção dos ventos. Impermeabilizou o solo e redirecionou o curso das águas. A cidade de São Paulo continua sendo inundada por qualquer chuva mediana.
A preocupação maior dos administradores e especialistas é com o consumo de água de 20 milhões de habitantes empilhados numa área relativamente exígua.
Falta levar à prática, e já é tarde, estudos e projetos de captação, armazenamento e intercomunicação de reservatórios. A extensão e a densidade da ocupação urbana não podem ser obstáculos insuperáveis para uma captação inteligente de águas pluviais.
Investem-se imensos recursos monetários e com indiscutível velocidade para construir estádios de futebol sob a nova denominação romana de arenas.
Com respeito às águas, orgulha-se a administração do país de erguer enormes e desafiadoras estruturas de contenção de águas rio abaixo. Poucos olham rio acima para descobrir que os grandes rios nascem de um olho d’água atacado de cegueira.
Água não pode ser dissociada do superpovoamento e da vegetação intensa necessária, especialmente nas encostas e vales, para proteger os mananciais.

Nas cidades, a preocupação maior da administração inteligente deveria ser, como em Tóquio, captar as águas da chuva em galerias subterrâneas e em canais alimentadores de represas.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

CRIATIVIDADE E COMPETIÇÃO ECONÔMICA


As propostas que economistas e cientistas sociais, biólogos e antropólogos oferecem à sociedade para humanizar a vida da espécie humana, corrigindo a compulsão do ter coisas em detrimento de ser, encontram barreiras surpreendentes.
Compreende-se que os ferrenhos adeptos do crescimento econômico sem limites cedam à ambição dos empreendedores e não aceitem freá-lo. Porém, os interlocutores mais delicados de se lidar são os que adotam um discurso de expressões ecológicas e ambientalistas ambíguas mescladas de velhos conceitos.
Um desses, que ainda está no meio do caminho do amadurecimento conceitual, afirmava com segurança, numa conversa entre amigos, que o capitalismo não é responsável pela desigualdade econômica e social, pois estimula abertamente a criatividade e a competição. A competição, segundo ele, é benéfica para a eficiência na produção de bens.
A invenção da roda, exemplo de criatividade antes do capitalismo, em épocas imemoriais, nasceu da necessidade de chegar a novos lugares e transportar alimentos de sobrevivência para reprodução da população tribal. A relação sobrevivência-criatividade tem a ver com o grupo tribal em toda sua extensão. A criatividade no crescimento econômico, baseada na superioridade de um povo sobre outros e na exploração sem limites dos bens naturais, pode levar à fabricação de aviões ou de celulares como de bombas atômicas ou equipamentos de destruição da humanidade.
Confunde-se, por comodismo mental, competição econômica, empresarial com exploração dos colaboradores do processo produtivo que são os trabalhadores e os consumidores de bens. Determina-se, em consequência, o lucro da atividade e do capital. Esse processo funcional garante a estabilidade econômica temporária com altos e baixos. Aumento do emprego e do consumo. Diminuição do consumo e desemprego. O impacto ecológico dessa atividade econômica linear é esquecido e os investidores quase sempre descuram do fato de a riqueza natural ser finita e de difícil regeneração.
A competição econômica não é o mesmo que competição social. A competição social é impulsionada pelas leis biológicas da sobrevivência e reprodução da espécie. A competição social e a cooperação entre os membros da mesma espécie são inerentes à essência da vida e ambas têm limites. Os limites são determinados pela consciência do eu e reconhecimento da consciência do outro.
A espécie humana é constituída geneticamente de igualdade estrutural. É esta igualdade estrutural que deve comandar a frágil e insegura igualdade funcional. A competição econômica ou “criatividade” mal-interpretada aponta para a igualdade funcional – todos podem colaborar para o crescimento econômico com emprego e renda – e facilmente descarrila para a submissão da maioria aos interesses da minoria.
A busca da igualdade funcional pela competição econômica é parte da utopia. A igualdade estrutural é inquebrantável porque é consequência da constituição biológica e psíquica do ser humano. Independe da igualdade funcional, embora esta possa contribuir e de fato contribui para o convívio feliz da espécie humana. A igualdade estrutural do ser humano pode ser ignorada pela ambição, manipulada pelo poder, por regimes políticos ou religiosos, mas não extinta. Ela surge com maior ou menor intensidade ao longo do tempo. Este é o ponto básico do qual deve partir toda a ação humana destinada à felicidade da espécie humana.
Ao perder o foco da igualdade estrutural, descamba-se para a utopia da igualdade funcional de ter coisas e ter posição fictícia ou real na sociedade para garantir a linearidade do crescimento econômico. O equívoco da igualdade funcional consolida a divisão de classes sociais. Todos ou a maioria podem ter carro, mas se estabelece ao mesmo tempo sólida diferença não só entre os carros em uso como entre as pessoas que o possuem.
A produção de bens para o conforto material da espécie humana, usando as capacidades técnicas e tecnológicas, as habilidades intelectuais, as energias e a força, pode alcançar altos níveis de prosperidade material sem atentar para a sobrevivência da biodiversidade necessária à vida.

A convivência social e a felicidade existencial da espécie humana dependem fundamentalmente da igualdade estrutural das pessoas e do respeito permanente aos limites da riqueza natural finita para a reprodução e sobrevivência de todos os seres vivos do planeta.

ÁGUAS DE MARÇO - 2014


 
No mês de março de 2014, a precipitação no Sítio das Neves medida pelo pluviômetro instalado pela Agência Nacional de Águas foi de 326,7 mm (326,7 litros por m2 , somando 228,6 milhões de litros de água sobre a área.
164,9 mm (164,9 litros por m2), somando 115,4 milhões de litros de água sobre a área.
Esse volume dá uma média diária de 7,6 litros por metro quadrado. As chuvas se distribuíram com mais ou menos precipitação durante quase todos os dias do mês A maior precipitação se deu no dia 8 alcançando 49 mm (49 litros por m2).
O volume total de água, no mês de março, 2014, foi menor do que a precipitação de março de 2013 que foi de 401,9 mm, isto é, 401,9 litros por metro quadrado. A média diária do mês de marco de 2013 alcançou 12,9mm litros por m2, superior à de março de 2014 com 5,8 mm por m2.

COMPARATIVO 2013/2014 (em mm) no Sítio das Neves
JANEIRO
2013
JANEIRO 2014
FEVEREIRO
2013
FEVEREIRO 2014
MARÇO 2013
MARÇO
2014
457,8
169,8
132,7
164,9
401,9
326,7

SEQUÊNCIA DE CHUVAS 2013/2014 (em mm)
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
Janeiro
Fevereiro
3,1
42,3
179,55
304,44
311,6
169,8
164,9

Março
TOTAL
326,7
1.599,49
Memória de cálculo: 1.599,49 mm X 700.000 m2  (área do Sítio)

De agosto 2013 até o fim de março de 2014, o Sítio das Neves recebeu 1.119.643.000 litros de água (1.119.643 m3) proporcionando excelente recarga dos aquíferos graças à vegetação intensa regenerada e ao sistema de barragens de captação, contenção e retenção das águas em todas as vertentes e canais de esgotamento.

O Distrito Federal foi fartamente agraciado pela chuva. Chuva não é pouca. Pouca é a inteligência humana para aproveitá-la em benefício da biodiversidade incluída nela a espécie humana. No mês de março o DF recebeu 1,897 trilhão de litros de água ou 1,897 bilhão de m3. Muito pouco dessas águas puderam se infiltras no solo para recarga dos aquíferos em razão da impermeabilidade urbana. A maior parte da água desceu para os córregos e ao Lago Paranoá arrastando todo o lixo que encontrou pela frente.