Vez por outra, ocasiões raras, reúnem-se amigos para conversar.
Nos últimos anos, as circunstâncias do mundo e do país mudaram drasticamente e
já não se sabe quem está do lado do colonizado ou do colonizador, descontados
os arroubos da retórica de circunstância.
Há comentários ditos por críticos da situação e outros
proferidos por privilegiados do sistema em vigor. O crítico, com ou sem
alternativa possível ao regime vigente, vê o lado fraco dos acontecimentos
políticos, como a corrupção ou obras gigantescas, antiecológicas e pseudoprioritárias,
e se expressa, por vezes, em tom duro e negativo. As opiniões do privilegiado,
que usufrui do bom e do melhor que o governo estabelecido lhe oferece, tendem a
ser positivas, otimistas e mostram os avanços na forma de tomar decisões
políticas.
O privilegiado crê que os administradores temporários do
poder precisam ser tolerantes em graus flexíveis com os aliados para manter-se
na cadeira e decidir o melhor para o país. Não importa a quem se deva tolerar,
mesmo que o passado dos aliados seja cronicamente torpe e reprovável. O grito “tolerância
zero” não se aplica com rigor à política, segundo o privilegiado. Sim, são
intoleráveis o roubo de bens particulares, o sequestro de pessoas, o assalto a
bancos, o latrocínio, a infração de trânsito contra a lei seca que causa
mortes, o uso e comércio de drogas, o contrabando, a grilagem de terras, a invasão
de áreas públicas urbanas, a prostituição de menores, as agressões contra a
mulher, o trabalho escravo, os juros extorsivos, os altos impostos e outros
crimes mais. A ética do privilegiado aceita a aplicação da “tolerância zero” em
qualquer um dos fatos cotidianos desse grupo de contravenções.
Já o desvio de verbas para atender a projetos pessoais, indenizações
milionárias por supostos danos morais, concessões de contratos de obras sem
licitação, favorecimentos de empresas ou ONGs para fortalecer partidos
políticos e garantir suporte à dita governabilidade, alianças com
personalidades condenadas pelos tribunais ou processadas por ilícitos
gritantes, nomeação de ministros publicamente conhecidos por sua duvidosa
conduta ética ou por arrombamento dos cofres do Erário, são tratados com
flexibilidade jurídica e panos quentes.
Essa corrupção oficial entra no jargão dos analistas
políticos ligados ao poder com justificativas tais como: “a corrupção não é de
hoje, existe em todos os países, nunca se prenderam tantos suspeitos (provisoriamente)
e se demitiram tantos ministros e funcionários acusados de peculato e improbidade
administrativa, mas democracia é tolerância ao voto popular”.
Dos milhares de prisões provisórias efetuadas, contam-se nos
dedos das mãos os criminosos de gravata e colarinho branco que foram punidos ou
que tivessem devolvido o produto do roubo. Ao contrário, voltam ao poder como
deputados, senadores, ministros, altos funcionários de empresas públicas. Este
estado mole, flexível, usa os artifícios da máquina administrativa e a
ignorância democrática da população para garantir o êxito eleitoral com forte
alienação política. Consolida-se, assim, administração do privilégio.
Em matéria de ética política é preciso ser radical sem perder
a ternura. Num partido político, não há apenas ladrões, aproveitadores,
arrivistas insubstituíveis. O amadurecimento político de governantes supõe que
negociações, concertações e alianças se façam com as partes sadias dos
agrupamentos representativos das opiniões ecumênicas e diversificadas da
sociedade.
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