terça-feira, 25 de outubro de 2022

UMA POPULAÇÃO DOENTE NAS CIDADES COMPROVADA PELA MATEMÁTICA

 

UMA POPULAÇÃO DOENTE NAS CIDADES

COMPROVADA PELA MATEMÁTICA

 

Hospitais lotados, SUS a meio vapor, farmácias repletas, remédios caros, um milhão e meio de carros e milhares de motos circulando diariamente pelas ruas, máquinas movidas a combustível fóssil (motosserras, roçadeiras), lixo amontoado nas quadras por meses, inseticidas poderosos contra mosquitos, baratas e escorpiões, dedetização obrigatória, detergentes disseminados em milhões de residências e banheiros, esgotos de limpeza a céu aberto, comida escassa, pedintes nas portas de supermercados, semáforos e esquinas. Qual é a razão de tanto sofrimento que poderia ser amenizado? Uma folha de árvore pode explicar e mostrar aos formuladores de políticas públicas uma fórmula ecológica de atenção à população e de respeito à biodiversidade de nossos ecossistemas.

Caminhando pela Quadra 407 Sul, Brasília, DF, colhi uma folha de mangueira, examinei-a com atenção e percebi uma lâmina de poeira que a cobria em toda sua extensão. Claro, concluí! As folhas das árvores recolhem o lixo do ar que respiramos. Compreendi o aviso das folhas das árvores e nele o serviço gratuito que elas nos prestam. Por que, então, podamos milhares de galhos e abatemos milhões de folhas de nossas árvores? Pensei na matemática e recorri a uma professora especializada em cálculos, pela UnB, Luiza Giovenardi, 24 anos.

Enviei-lhe foto da folha colhida (anexa a este texto). Reduzida a um quadrado, a folha examinada tem 87 cm². Examinando o quadrado de 87 cm, cada lado teria 9,33 cm, ou seja 93,3 mm. A espessura da poeira tóxica sobre a folha foi estimada em 0,01mm. O volume total do pó retido na folha será o resultado da multiplicação ─ comprimento × largura × espessura ─. Ou seja:  93,3mm × 93,3mm × 0,01mm = 87 mm³. O volume de pó retido na folha examinada seria de aproximadamente 87 mm³. Mil milímetros cúbicos é igual a um mililitro ou um milésimo de quilo. A folha examinada teria 0,087 mililitros de poeira. Mil folhas conteria 87 mililitros de poeira. Um milhão de folhas acumularia 87 litros ou quilos de poeira tóxica retirada do ar.

Como os podadores oficiais (Novacap) não contam as folhas que abatem com os galhos e não percebem que estão limitando a regeneração da árvore, ignora-se qual é o real efeito maléfico dessa atividade destruidora no ar que respiramos. As árvores são garis da natureza manifestando sua sociabilidade gratuita. Há que lembrar aos interventores oficiais da comunidade arbórea que um metro cúbico de madeira decepada das árvores contém um metro cúbico de água retirada do ambiente e do ar, agravando a baixa umidade. Retirar cem metros cúbicos de madeira das árvores significa eliminar cem metros cúbicos ou cem mil litros de água do ar aumentando o grau de toxicidade para humanos e não humanos. A derrubada de milhões de folhas verdes, pela prática da poda, elimina outro serviço gratuito essencial do ecossistema, o de reter parte considerável das águas da chuva no período invernal que se destina à recarga dos mananciais. Cada poda de árvore elimina milhares de folhas, intervenção que impede e retarda o prosseguimento normal da regeneração arbórea. Segundo entrevista eufórica de um funcionário graduado da Novacap, neste ano, haviam sido podadas ou retiradas 62.836 árvores (Correio Braziliense, 22.10.2022).

Em conclusão, com as podas de milhões de folhas, milhares de quilos de poeira tóxica ficam no ar que respiramos, intensificando a degeneração da saúde de crianças, adultos e velhos. A intoxicação é sistêmica, pois atinge humanos e não humanos, constituindo uma cadeia trófica de contaminação incontrolável. As podas, as queimadas, os milhares de carros e o lixo acumulado diariamente, nos contêineres ou no chão, durante horas a fio, desafiam o sistema público e privado de saúde urbana. As casas, as ruas, os ambientes de trabalho concentram grande parte dessa poeira tóxica. Nossas vias respiratórias, durante 24 horas por dia, em casa, caminhando por ruas desprotegidas, nos ônibus e automóveis, injetam nos pulmões da população um indesejável complexo de toxinas.

PLACE PETER GRAHAM

 


quarta-feira, 19 de outubro de 2022

SOCIABILIDADE DOS SERES VIVOS

 

SOCIABILIDADE DOS SERES VIVOS

 

Ao longo de dezenas de anos atuando como sociólogo, sou apresentado a meus colegas de academia do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal como filósofo. Continuo sociólogo. Sim, sou aficionado à sabedoria, como o eram os gregos e os chineses. As raízes da sabedoria se revelam quando as busco no íntimo da auto-organização da natureza geradora de vidas que se relacionam, interagem e interdependem. A sociologia, como a interpreto, é o estudo filosófico da sociabilidade congênita que se manifesta em todos e por todos os seres vivos humanos e não humanos. São cinco dezenas de anos dedicados a perceber, conhecer e compreender a essência da sociabilidade de todos os seres vivos, humanos e não humanos, comunicada pela interação e interdependência mútua num mesmo ecossistema planetário. Perceber, conhecer e compreender o funcionamento da auto-organização da natureza é a base da formulação política de atenção aos cidadãos e de respeito a todas as diferentes formas de vida de um ecossistema. Se a política da espécie humana falhar, todo o ecossistema se voltará contra ela. Os sinais deste possível cataclismo são visíveis na manifestação das mudanças climáticas agravadas pela contínua destruição de ecossistemas geradores de vidas. O princípio da precaução é a garantia da biodiversidade e da sociabilidade interativa e interdependente de todas as formas de vida.

17.10.2022


 

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

ARBORIZAÇÃO

ARBORIZAÇÃO

As árvores são necessárias para preservar as nascentes de água. Onde se cortam árvores, produz-se deserto. Quando se cortam árvores, as águas diminuem e as nascentes secam. As nuvens de areia que assolam cidades do Brasil são claros sinais do desmatamento. Quando se protegem os mananciais e se plantam árvores, acaba-se com o deserto e as águas voltam. O deserto do Saara está sendo contido com uma muralha verde de 10 mil quilômetros de extensão - do Congo à Tanzânia.
A riqueza da vegetação original suprimida pelas cidades foi comprometida com nossa arborização artificial. As árvores são sempre belas e sempre imponentes por sua arte natural. Mas foram privadas de um conjunto harmonioso de outras vidas vegetais ou animais que compõem a cadeia trófica e o controle de predadores.
A resposta que a natureza deu, através do ecossistema, foi diferente do desenho arbóreo disciplinado. A natureza achou acertado fazer nascer as gramíneas, a vegetação rasteira. Propôs juntar pequizeiros, buritis, jatobás, ipês, sucupiras misturadas com caliandras, chapéu-de-couro, pau-de-leite e marcelas douradas.
Se a arquitetura moderna tem em seus princípios o compartilhamento com o ambiente, o desenho de uma arborização artificial e estética não deveria conflitar com os caprichos milenares da natureza. Burle Marx revelou esse mistério em sua arte ecológica premiada, no Rio de Janeiro. A poda sistemática de árvores é uma atitude de desrespeito autoritário de quem trata esses entes vivos como objetos insensíveis. Antes de plantar uma árvore é preciso conhecê-la, compreender a complexidade de seu entorno, o espaço que necessita e o solo que a alimenta.
O tema “poda de árvores” deve ser discutido antes de plantá-las. Retirá-las de seu espaço nativo para simples embelezamento, sem respeito aos requerimentos biológicos ─ solo e espaço ─ é uma forma de exílio arbóreo. Ninguém gosta de exílio. Todos os exilados, dia mais dia menos, são podados. Melhor evitar o exílio ou abrir espaço social respeitando a identidade do exilado. Temos mania de melhorar a natureza e ensiná-la a produzir rosas.
(Trecho do livro À PROCURA DA BRASÍLIA PERDIDA, 2022, de minha autoria)

terça-feira, 4 de outubro de 2022

MANEQUIM ARBÓREO PARA A CIDADE-PARQUE

 

MANEQUIM ARBÓREO PARA A CIDADE-PARQUE

 

Os engenheiros modistas da Novacap se debruçaram sobre a prancheta iluminada para desenhar um manequim adequado a desvestir as árvores que desfilam nas passarelas do Plano Piloto. Os traços do genial manequim se inspiram na clássica nudez tropical para impedir a absorção do carbono venenoso, ressecar o ar e propagar molestos ruídos de dois milhões de máquinas automotivas e alaridos desesperados de implacáveis motosserras.

Galhos eretos no ar, másculos, desprezam os véus verdes que sombreavam os caminhos. As árvores da cidade-parque, despojadas de sua beleza feminina, humilhadas, com seus troncos nus, prestam continência aos ditadores ambientais. Nesta cidade-parque, onde a captação de águas das chuvas é escassa, os modistas ambientais preferem árvores seminuas, submissas, esquartejadas, empobrecidas, esterilizadas. A estética urbanizada tenta ludibriar os fenômenos físicos e remodelar as formas artísticas da natureza que se manifesta com o idioma singelo e pacífico das árvores.

2.10.2022