quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

GRITO DE FIM DE ANO

GRITO DE FIM DE ANO

Deixo aqui, arrancado de meus 83 anos, o grito de Edvard Munch. Contra o grupo de corruptos, cínicos, mentirosos, falsários, arrogantes, debochados, caras-de-pau, chantagistas, imorais que comanda o mundo político brasileiro, destroça as virtudes do cidadão, desencoraja o bem e incita o mal.
O clamor de 2018 depende do grito de cada um.

28.12.2017

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

CARTA A LULA



CARO LULA,

Votei teu nome, em 2002, para presidente da república, na esperança de construirmos um país menos desigual e sem medo de ser feliz.
Lula, tu mexeste com o Brasil. Mexeste com o mundo. Ainda hoje, parte do Brasil reconhece o muito que fizeste. E meio mundo ainda acredita que es o cara.
Guarda esse troféu.  É teu, caro torneiro. É pessoal e intransferível. Poucos brasileiros o conseguiram.
Ouço, leio e vejo que pretendes voltar à presidência do país. Antes da decisão, lembro-te um provérbio chinês: NUNCA VOLTES AO LUGAR ONDE FOSTE FELIZ.
Esse lugar mudou, Lula. Não existe mais.
Aceite com orgulho, no meio dos revezes, o patrimônio cívico que construíste. Não voltes ao lugar que já não existe.

11.12.2017

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

BRASÍLIA DA HUMANIDADE

(Foto, Eugênio Giovenardi: Brasília bucólica, SQS 406 Comercial)
Caro Lúcio Costa,
Escrevo-te 30 depois. Brasília continua sendo Patrimônio Cultural da Humanidade. Título sempre festejado e ameaçado.
Há os apaixonados por Brasília que ressaltam a grandiosidade, organização, a tranquilidade, a beleza e a diversidade generosa.
Há os que a detestam, a exploram, a desconfiguram. O teu gênio criativo nos contaminou. Abrimos grandes avenidas, no espírito da monumentalidade, para nossos milhares de automóveis e seus estacionamentos em vez de transporte público. Reduzimos a escala bucólica. Não aguentamos os largos espaços “vazios”. Arrasamos as nascentes e enfrentamos o racionamento de água, outrora cristalina.
Aqueles 500 mil felizardos, previstos para morar na capital do país, multiplicaram a escala residencial para abrigar, hoje, 3 milhões espalhados em 33 subBrasílias. Criamos, com imaginação gregária, a cultura dos puxadinhos.
Caro Lúcio Costa, nada embaça tua genialidade. O Planalto Central embala com orgulho o Patrimônio Cultural da Humanidade.
Mais que prédios, monumentos, ipês floridos, os que recebemos teu impulso criativo – crianças, jovens e velhos – somos o patrimônio humano, afetivo e sentimental de Brasília.

7.12.2017

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

FINLÂNDIA, 100 ANOS

(Foto, Eugênio Giovenardi83, Prédio de Escola Pública Primária, Töölö, Helsinque, onde minha mulher, Hilkka Mäki cursou o ensino fundamental)

FINLÂNDIA 100 ANOS DE INDEPENDÊNCIA

A mão e o idealismo político de Lenin ajudaram a tenacidade dos finlandeses a consagrar sua independência em 1917. Conheço a Finlândia desde maio de 1968 e casei-me com Hilkka Mäki, jornalista finlandesa, em 1969.
Impressionou-me a informação de que a Finlândia, depois de ser dominada pela União Soviética, e resistido durante anos de guerra, havia pago toda sua dívida externa.
Mais me comovem os 150 anos do programa educativo que estabelece educação gratuita para TODOS, com a mesma qualidade e eficiência ministrada por professores com nível de doutorado.
Visitei a Finlândia mais de 30 vezes, em companhia de Hilkka. Minha filha Aino Alexandra, minhas netas Luiza e Laura e eu pudemos constatar o que significa educação. Ao ver o comportamento das pessoas, na rua, no bonde, nos parques, nos teatros percebe-se que a educação não é apenas uma prioridade. Ela transparece como prioridade na construção das escolas e ateliês de primeira grandeza, na rede de bibliotecas públicas e na formação de professores que fazem jus a sua remuneração.

A Finlândia tem 187 mil lagos, coberta de pinheiros e bétulas, rebanhos de renas, ursos e lobos, refúgio de gansos, cisnes e patos, mas isso pouco valeria se a educação fundamental não tivesse inculcado nos finlandeses um entranhado respeito pela natureza.

domingo, 3 de dezembro de 2017

POR QUE, EM 2018, OS RESERVATÓRIOS NÃO ALCANÇARÃO 50% DE SUA CAPACIDADE



POR QUE, EM 2018, OS RESERVATÓRIOS

NÃO ALCANÇARÃO 50% DE SUA CAPACIDADE

Ofereço alguns pontos inquietantes que poderiam constar das estratégias da administração pública e das mudanças de atitudes e comportamentos da população para enfrentar a transição hídrica reclamada pela escassez de água no Distrito Federal.
SUPERFÍCIE DOS LAGOS DE RESERVA
A extensão do Descoberto é de 17 km2 = 17 milhões m2. Para saber o volume de chuva sobre a área multiplica-se a quantidade de mm marcado nos pluviômetros pelos metros quadrados da área. Características do Descoberto: mananciais desprotegidos, espaços abertos, devastados, sugados pelos produtores, impermeabilizado pela urbanização.
A extensão do Santa Maria é de 6,1 km2 = 6,1 milhões m2. Mesmo procedimento sugerido acima. O reservatório está inserido no Parque Nacional com 42.389 ha e 28 mil ha de área cercada. – Protegido, favorecido pela captação realizada graças à vegetação.
A do Lago Paranoá é de 42 km2 = 42 milhões m2. Mesmo procedimento. Área aberta, desnuda, desprotegida, impermeabilizada pela urbanização. Recebe enxurradas, lama, lixo das vias e dos córregos.
Capacidade dos reservatórios
O reservatório do DESCOBERTO, DF, inaugurado em 1974, foi projetado para armazenar 102 trilhões de litros de água ou bilhões de m3. Chegou a 5% no mês de novembro/2017 (ou 5 trilhões de litros). O SANTA MARIA foi projetado com capacidade de armazenamento de 58 milhões de m3 ou 58 bilhões de litros. Estava, em novembro/2017 com 22% (ou 12 bilhões de litros). O LAGO PARANOÁ, do qual se retiram 2 e meio milhões de litros/dia, se alimenta, em parte, das águas do Santa Maria, de outros tributários agonizantes e das torneiras do brasiliense. Os obstáculos que podem impedir que os reservatórios alcancem sua capacidade, em 2018, se referem a um conjunto de causas simultâneas e não dialogáveis: fenômenos naturais e atos humanos.
I.  Consequência de fenômenos naturais
Alertas constantes, medições matemáticas e estatísticas reafirmam o avanço das mudanças climáticas com características extremas: aquecimento global e regional, secas prolongadas, irregularidade de chuvas, tempestades, inundações, furacões, agravados com terremotos, erupções vulcânicas e tsunamis. O Brasil está sendo afetado por alguns desses fenômenos estremos. O Nordeste e o Distrito Federal enfrentam escassez de água. A última década nos deu sinais claros de que, por razões climáticas, teríamos dificuldades de acesso à água. Não foram tomadas as precauções a tempo e os efeitos se refletem no racionamento que representa uma restrição ao mal-uso da água.
Circunstâncias geográficas deram ao Planalto Central a função de ser o berço das águas. Pequeninos olhos d’água, ao longo de muitos quilômetros, formam rios ao Sul, ao Norte e ao Nordeste do país. E por ser berço das águas, o Planalto Central é um ambiente geográfico frágil e delicado. A água, criança indefesa desse berço, precisa de cuidados especiais, de atenção, de maternal afeto. O Planalto Central é um bebê no berço das águas e reclama atenção permanente. Quando percebi a degradação do berço das águas do Planalto Central, tornei-me babá do Cerrado
A capacidade de resistência deste berço e deste espaço é limitada. Silêncio, paciência, repouso contrastam com o atropelo e a pressa em ver a criança crescer.
O que está acontecendo no espaço do berço das águas é a invasão, o atropelo, a pressa, o desrespeito à identidade do bioma e seus ecossistemas geradores do DNA geográfico de outras regiões.
II - Causas antropogênicas (geradas pelo homo sapiens)
O consumo de água pela população e todos demais seres vivos do DF é permanente e progressivo, com ou sem chuva. A oferta de água dos mananciais é permanente, mas em volumes descendentes pelas razões que se apontam a seguir.
A primeira causa é o aumento progressivo da população do Distrito Federal e as consequências que dele decorrem. O planejamento da expansão urbana foi atropelado pela ocupação desrespeitosa das áreas de mananciais por parte da administração pública, da ação política eleitoreira, da indústria imobiliária e da própria população premida pelas condições sociais e econômicas. A desigualdade social e econômica gera a desigualdade ambiental e ecológica da população brasiliense.
A deficiência do transporte público induziu o uso do carro individual que, por sua vez, impôs um sistema viário antiecológico e depredador dos ecossistemas. As vias asfaltadas, durante o período chuvoso, funcionam como canais de escoamento da água arrastando terra, lixo, folhas e dejetos contaminantes para os córregos e reservatórios.
A ocupação de áreas de mananciais ou de proteção ambiental permanente é agravada, anualmente por queimadas e desmatamento, e impedem que a infiltração das águas da chuva se faça com eficiência. Obstrução dos fluxos de água, a canalização inadequada e a impermeabilização de áreas de recarga dificultam radicalmente a função precípua da vegetação nativa de captar as águas da chuva nas áreas de mananciais. 
O mal-uso da água pela população se faz na cidade e na agricultura. A água retirada do reservatório e que não retorna à fonte de onde foi extraída é considerada de uso consuntivo ou eliminada. Pode ser reusada, mas não volta à fonte original. Na agricultura, o volume de água de uso consuntivo, isto é, que não volta ao rio ou ao aquífero profundo costuma ser de 50 a 60%. Os processos produtivos devem considerar a reposição da água utilizada mediante técnicas de captação por meio de corredores vegetais e preservação de mananciais. As águas retiradas de poços artesianos não voltam mais às fontes e devem ser consideradas de uso consuntivo – águas eliminadas - e precisam ser rigidamente controladas e fiscalizadas pela administração pública.
Embora viver na cidade seja a tendência universal da espécie humana, a urbanização horizontal e vertical, no DF, é contrária à lógica hídrica desta região. A disponibilidade de água, mesmo durante o período chuvoso, não comporta o atual crescimento da população de 50 a 60 mil habitantes/ano. O aumento da população é acompanhado pela crescente diversidade do uso da água em razão da limpeza urbana, da higiene pessoal, dos hospitais, da alimentação, da indústria e do comércio.
Soluções à vista
A água é uma necessidade de cada dia. Por isso, o cuidado com a água deve ser diário e indefinido no tempo. Integramos a natureza que não tem prazo para acabar e participamos da biodiversidade do bioma no qual ela se manifesta com identidade específica.
É necessário rever a capacidade de suporte do espaço físico em relação ao crescimento da população. Determinar as consequências hídricas para o ecossistema e para a população do DF.
Identificar a área mínima (dois a três hectares) em torno dos mananciais e garantir a formação e consolidação da vegetação nativa capaz de abastecer as nascentes de água.
Adotar nascentes com técnicas de captação de águas da chuva por meio de barragens simples nos canais de esgotamento.
Estabelecer e delimitar zonas ambientais de recarga (ZAL) de aquíferos, como parques, áreas de circulação de animais, refúgio de pássaros ou corredores de segurança florestal.
Disseminar técnicas e práticas do reuso de água para fins de limpeza ou regadio.
Promover e estimular empresas que produzam equipamentos adequados a casas e edifícios para captação de água da chuva, bem como subsídios financeiros para implantação dos artefatos por parte dos interessados.


quinta-feira, 30 de novembro de 2017

CHOVE CHUVA BOA

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Em doze horas, 29 e 30 de novembro, choveu 60mm ou 60 litros de água por metro quadrado. Informa-se que o Reservatório do Descoberto ganhou dois pontos na régua. Passou de 6 para 8 por cento da capacidade. Desses dois pontos provocados pela enxurrada que correu sobre asfalto e áreas desnudas, quanto é água e quanto é terra, pedra, pau, plástico e dejetos? Teria sido muito mais útil ao reservatório do Descoberto se essa água toda tivesse caído sobre os mananciais que havia nas cabeceiras. Qualquer veranico de 5 dias invalida esses pontos atribuídos à enxurrada que levou água e terra ao reservatório. Não me enganem, que eu não gosto. Quem não tem árvores, não tem água.

sábado, 25 de novembro de 2017

PLANTAR ÁGUA PLANTANDO ÁRVORES




(Foto, Eugênio Giovenardi, barragem-castor de contenção de águas da chuva para recarga no manancial)

O Terceiro Seminário Águas Acima, realizado em março de 2017, promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico do DF, com vistas ao Oitavo Fórum Mundial da Água, que acontecerá no mês de março de 2018, em Brasília, lançou o GRITO REVOLUCIONÁRIO DO SÉCULO 21 – PLANTAR ÁRVORES.
No dia da árvore é praxe o governador de turno, rodeado de assessores e fotógrafos, plantar simbolicamente uma muda. Escolas públicas e privadas, organizações ambientais compreenderam a relação entre água e plantas, entre plantas e tempo de crescimento. Sem água não há plantas. Sem plantas não teremos água. As plantas são captadoras e infiltradoras de água da chuva e garantem a vida dos mananciais de onde brotam as nascentes que formam os córregos que enchem os reservatórios. A maior parte dos mananciais do DF está invadida e, mesmo com boas chuvas os reservatórios recebem pouca água. Mais de 40 anos protegendo nascentes e a participação no Programa ADOTE UMA NASCENTE me indicam que, ao redor dos mananciais de onde elas brotam, se deve manter dois a três hectares de vegetação nativa intocável. A recuperação de áreas degradadas pelo desmatamento ou pela urbanização pode levar dez, vinte ou mais anos. As crianças que aprendem a plantar árvores e respeitar os mananciais terão água no presente e no futuro.

 Em março de 2010, no dia Mundial da Água, fui honrado com o primeiro Prêmio criado pela Adasa -  GUARDIÃO DA ÁGUA - pelos benefícios da recuperação das nascentes da Biocomunidade Sítio das Neves.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

EM 56 ANOS


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Em 1957, ano da decisão do presidente Juscelino Kubitscheck de construir Brasília, a população local era de 12.700 almas, cerrado espeço, águas cristalinas.
No ano da inauguração, a população já era de 141.720. Quarenta anos depois, no ano 2000, ultrapassamos os 2 milhões. Hoje, a população do DF é de 3 milhões e as cidades vizinhas colaboram com mais 1,5 milhão de pessoas.
Quantos de nós conhecíamos o ecossistema que iria nos acolher? Que ideia tínhamos do bioma Cerrado? O que fizemos nesses 56 anos?
Construímos uma cidade para morar, ser felizes, trabalhar, gerar filhos para a pátria. Avançamos sobre um ecossistema desconhecido. Ignoramos as 11 mil espécies vegetais, com 60 milhões de anos de experiência em guardar água da chuva para sobreviver aos seis meses de seca. Em seu lugar cultivamos soja e trigo irrigados acompanhados de agroquímicos e emissão de gases de efeito estufa com intensa modificação no ecossistema e no espaço geográfico da região.
O Cerrado abriga 5 por cento da biodiversidade do planeta.  Ignoramos as mais de 800 espécies de aves e 200 tipos de mamíferos. Muitos dos que restam estão ameaçados por caçadores, por condutores de automóveis insensíveis, pela urbanização desregrada, pelas técnicas ainda primitivas de produção de alimentos sem preservação dos ecossistemas que nos acolheram.
 Destruímos mais de 60 por cento da vegetação. Arrasamos mananciais que alimentavam centenas de nascentes, dezenas de córregos e ribeirões, hoje agonizantes, mal chegam em nossos esgotados reservatórios.
Há 70 mil anos, ao sair da África, a espécie humana ocupou a Europa e Ásia e mudou, com sua presença, a ecologia do planeta. Há 12 mil anos, com a descoberta da domesticação de grãos e animais milhões de hectares de florestas desapareceram. A população mundial se expandiu graças a abundância de grãos, porcos, cabras, vacas, galinhas. E mais e mais terras foram ocupadas para alimentar bilhões de humanos.
Em 56 seis anos, construímos uma cidade-metrópole, capital da república, Patrimônio Urbanístico da Humanidade, ocupamos o interior do país com todos os sotaques regionais. Elegemos governadores, garantimos a democracia e a ineficiência administrativa na gestão dos elementos essenciais à convivência, como a água, a saúde e o transporte coletivo.
Nesses 56 anos, olhamos para nosso umbigo antropocêntrico e descuidamos do ambiente no qual viverão nossos netos e bisnetos. Os 56 anos pouco nos ensinaram sobre o bioma Cerrado, nem nos acordaram para a variedade de ecossistemas e, de repente, despertamos sem água.
56 anos depois, é hora de acordar a sociedade, comprometer o governo distrital, seus funcionários, a câmara legislativa e mobilizar todos os que vieram ocupar este singular espaço do Planalto Central, feito de silêncio, amplitude, beleza e um imenso céu estrelado.
14.11.2017


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

CONFUSÃO ENTRE RETIRAR E CAPTAR


(Foto, Eugênio Giovenardi: Biocomunidade Sítio das Neves)

CONFUSÃO ENTRE RETIRAR ÁGUA DE RESERVATÓRIOS E CAPTAR ÁGUAS DA CHUVA. 

Dizem os administradores que estão captando água do Lago Paranoá, do Bananal e, futuramente, do Corumbá para levá-la em maior volume à população. Retirar é remover, tirar, deslocar alguma coisa de um lugar e levá-la para outro. Captar é colher alguma coisa para guardar e usar oportunamente.
O que se faz atualmente é retirar águas represadas de rios e transferi-las às torneiras dos usuários. Ou seja, mais água na torneira e menos água no reservatório. Retirar não é captar.
Confunde-se a tecnologia, desinforma-se e deseduca-se o cidadão. Captar água da chuva é recolhê-la com técnicas simples, como a reflorestação, para aumentar o estoque de água disponível nas raízes das árvores e nos mananciais que alimentam nascentes e córregos. Ou com técnicas de engenharia para acumulá-la em reservatórios e posterior distribuição à população. Com técnicas adequadas pode-se captar água da chuva em prédios, em cisternas, em espaços de condomínios e telhados de casas.
O uso alternativo da água da chuva reduz fortemente a pressão sobre os aquíferos, nascentes, córregos e rios que alimentam os reservatórios. Um edifício de seis andares com uma superfície de 2.400 m2 pode recolher 240.000 litros com uma precipitação de 100 mm na temporada chuvosa (a média de chuva por temporada é de 1.600 mm), quantidade suficiente de água para o uso alternativo. Alguns prédios, em Brasília, adotaram essa prática com reservatórios de 60.000 litros para limpeza, irrigação e outros usos.
Captação da água da chuva é uma atividade essencial que pode levar anos até os resultados serem considerados satisfatórios. Os administradores da água, com a colaboração de universidades, deveriam patrocinar estudos, promover incentivos financeiros e disseminar práticas adequadas para criar um sistema de captação ampla de águas da chuva em comunidades, no campo e na cidade. A captação inclui a preservação da vegetação nativa de grande extensão em volta das nascentes. A vegetação do Cerrado tem 60 milhões de anos de experiência no ramo da captação, retenção e infiltração da água das chuvas. Há algo errado nos céus da nação brasileira. Temos tecnologia, temos engenheiros, temos dinheiro descendo pelos ralos abertos. Por que não temos uma política pública para captação de águas da chuva?

Chuva é a principal fonte de água para dessedentar seres vivos, reavivar nascentes, formar rios e alimentar reservatórios.

domingo, 5 de novembro de 2017

CONSUMIR MENOS ÁGUA

Eugênio Giovenardi

Para Pedro Grigori
(Publicado no Correio Braziliense, 5.11.2017)


As chuvas, ainda que atrasadas e irregulares, chegaram. Elas não irão aos reservatórios nem de repente, nem todas. As primeiras chuvas escorrem sobre o chão ressequido, quente, impermeabilizado. Sobre telhados sujos, empoeirados de fuligem de queimadas e da fumaça dos carros. Arrastam lixo e terra para os córregos e lagos. Os reservatórios, no início das chuvas, recebem água suja que descem das enxurradas, dos córregos, das sarjetas. À medida que a chuva se espalha sobre uma área e o solo se umedece, com a colaboração das plantas a água se infiltra lentamente até alcançar os aquíferos. Quando a chuva é irregular ou pouco abundante, pode levar meses para se infiltrar no solo e abastecer as reservas subterrâneas que se esgotaram pelo contínuo uso durante o período seco. As áreas intensamente reflorestadas, especialmente em volta de nascentes, captam mais rapidamente e guardam mais água aumentando o curso dos rios. Por isso, é importante cuidar da vegetação. A relação humana com a água não começa na torneira nem no reservatório. Ela se inicia na proteção da vegetação nativa do olho d’água. A água não está sendo tratada como prioridade, nem pelo governo, nem pela sociedade. Nem basta ser prioridade, tem que parecer prioridade. Medidas urgentes: reduzir drasticamente o uso de água voluntariamente, ou por controles administrativos, ou por racionamento generalizado. Captação da água da chuva é uma atividade essencial que pode levar anos até os resultados serem considerados satisfatórios. Estudos, incentivos, técnicas adequadas podem criar um sistema de captação de água no âmbito da comunidade, do condomínio, do prédio, da quadra, da rua. Ampliar a área de proteção de nascentes, captar água da chuva não é para consumir mais e, sim, para tê-la suficiente ao consumo diário de todos os seres vivos. Nas circunstâncias atuais, em Brasília, é prudente preparar-se para a redução do consumo diário de água e para a probabilidade de racionamento severo nos próximos anos.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

QUARENTA ANOS DEPOIS




A Secretaria de Agricultura-DF, com recursos da Fundação Banco do Brasil, aplicará um milhão de reais na “revitalização” da Bacia do Descoberto. A Bacia está morta. São 224 áreas de preservação e 222 nascentes mortas. Quarenta anos depois de enterradas sob o pisoteio de 940.000 consumidores de água de quatro cidades, propõe-se a revitalização. A proposta de revitalizar não é ruim. O dinheiro e o tempo propostos é que se revelam inadequados. É impossível ecologicamente revitalizar 224 áreas (não se menciona o tamanho) e 222 nascentes, no Cerrado, “até o fim do próximo ano”, conforme anunciado. É inacreditável. Minha experiência na recuperação de duas nascentes, na biocomunidade do Sítio das Neves - DF (70 ha), indica que a consolidação de um manancial, em área degradada, leva de 10 a 15 anos. A Agência Nacional de Águas (ANA), a Adasa e o Ibram acompanharam a realização dessa atividade, iniciada em 1974. A natureza tem suas leis, seu ritmo, seu tempo e não se submete a decisões pessoais ou institucionais. A escassez atual de água é uma resposta inequívoca da natureza a nossa imprevidência e presunção. Teremos o que dizer ao Oitavo Fórum Mundial da Água, em 2018, aqui em Brasília?

FAIXA VERDE



Dias passados, ao dizer que superpopulação também tem a ver com escassez de água, alguém me tachou de neomalthusiano.
Em 1974, quando se inaugurou o Reservatório do Descoberto,
Brasília toda tinha 600.000. Criou-se, em torno do Descoberto, uma prudente área de faixa verde para garantir a proteção da bacia. Hoje, a FAIXA VERDE está ocupada por Brazlândia, Taguatinga, Ceilândia e Águas Lindas com uma população de 940.000 habitantes. Juntando mudanças climáticas, irregularidade das chuvas, urbanização desertificadora, impermeabilização do solo, produção agrícola superirrigada, fogo no cerrado, imprevisão administrativa e 4 milhões e meio de consumidores temos necessariamente escassez de água. Como ninguém produz água, racionar é sobreviver enquanto as nuvens não chegam.



sábado, 21 de outubro de 2017

O CAMINHO DA ÁGUA


( Foto: Nascente Água Azul, Sítio das Neves, DF. Por que esta nascente tem água.)

Antes de sair pela torneira, a água percorreu um longo caminho. Do ventre da Terra ao olho d’água e dali ao chuveiro são muitos quilômetros. Na manutenção da vida humana, vegetal ou animal, há três requisitos essenciais: ter água, preservar a água e usá-la com moderação. Esta ordem determinada pela natureza das coisas e pelas coisas da natureza está sendo invertida, há alguns séculos, pela espécie humana. Usamos mal a água, não temos compromissos com a preservação da água e acabamos por não ter água. Culpa-se o Estado como se um país não tivesse gente. O racionamento imposto aos cidadãos é uma punição ao mal-uso da água, à falta de compromisso dos cidadãos em preservar as nascentes para ter água. A água não nasce nos reservatórios que o Estado constrói com nosso dinheiro. O reservatório, águas abaixo, contava com o olho d’água que destruímos com o mal-uso. O caminho da água, em tempos de mudanças climáticas no planeta, é preservar os mananciais, águas acima, captar as águas da chuva e usá-la com moderação. 

terça-feira, 17 de outubro de 2017

DISPONIBILIDADE E USO DE ÁGUA NO DF



Informações da Caesb indicam que a vazão disponível de água para o uso dos brasilienses é de 9,5 m3 por segundo ou ao redor de 782.080.000 litros por dia. Ao se aplicar a simples aritmética da água e relacionar com o aumento da população no DF chega-se aos resultados que seguem. Vamos calcular a reposição de água no organismo humano de 3 litros por dia.
No ano 1970, a população do DF era de 537.000 e consumia por dia 1,601 milhão de litros, 0,20% da vazão diária.
No ano 2000, a população do DF era de 1.927.800 e já consumia, por dia, 0,24% da vazão.
No ano 2010, a população era de 2.086.700 e consumia 0,26%.
Em 2017, a população de 3.000.000 consome 0,34% da água diária disponível no DF, apenas com a reposição de 3 litros no organismo.
Se aplicarmos a aritmética da água ao volume mínimo de consumo recomendado pela OMS de 110 litros diários, no ano 2000 a população consumia 2,7% da disponibilidade diária; em 2010, 2,9% e, em 2017, estamos dobrando o consumo estritamente pessoal, por dia, 4,2% da vazão estimada. A população cresce, a urbanização se expande e com elas a diversidade do uso da água para o lazer, a produção de alimentos, a indústria e comércio, a limpeza urbana causando a impermeabilização de grandes áreas. O fato concreto da diminuição das águas é fisicamente revelado pelo nível das represas.
Construíram-se reservatórios ignorando a preservação dos mananciais. Contou-se passivamente com as chuvas abundantes que o DF recebia em décadas passadas. Agora, temos chuvas irregulares e menos abundantes. E, o que é vergonhoso, não podemos contar com nossos antigos mananciais descritos pela Missão Cruls nem com nossos humildes e velhos córregos. Hoje, humildemente, dependemos das chuvas e das mudanças climáticas que as regulam.
A transição hídrica se faz necessária: da escassez à sobrevivência. Da produção agrícola fartamente irrigada a culturas poupadoras de água. Da urbanização arrasadora de nascentes à contenção da avidez dos lucros imobiliários. Da economia capitalista e do crescimento a qualquer custo à economia humana e ecológica. Governar é administrar populações, prestar-lhes serviços essenciais, preservar a biodiversidade e respeitar os limites dos ecossistemas.
De onde vem essa estranheza de escassez de água no DF?

Por que essa indignação contra o racionamento? O controle do uso da água é tarefa pessoal monitorada pela consciência do cidadão. Nem Caesb nem Adasa controlam o uso da água. Somos todos responsáveis, os eleitos e os eleitores.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

RESERVATÓRIO DO DESCOBERTO: 14%

TRANSIÇÃO HÍDRICA

Nossa república é atraída por extremos: ou tem inundações ou vai ao racionamento de água. Nem por isso deixa-se de produzir soja irrigada ou um kg de carne com 15 mil litros de água.
Transição hídrica foi o alerta que a reunião sobre clima na Suécia, reforçada pelo grito do Clube de Roma, em 1972, lançou à espécie humana. Transição hídrica quer dizer novas atitudes, novos comportamentos no uso da água diante de dois fenômenos incontestáveis: mudanças climáticas no planeta e aumento linear da população mundial, regional e local.
Medidas ainda possíveis: preparar-se para captar águas da chuva, proteger mananciais que abastecem reservatórios, restringir o uso de água às necessidades essenciais, investir em obras águas acima na preservação de nascentes.
Brasília partiu mal desde o começo soterrando nascentes, urbanizando e impermeabilizando áreas de domínio das águas.
Temos água. Água suja que custa caro limpá-la.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

BRASÍLIA, NÍVEL DOS RESERVATÓRIOS


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BRASÍLIA, NÍVEL DOS RESERVATÓRIOS


A gestão das águas não basta ser prioridade. Ela tem que parecer prioridade em atitudes, comportamentos, inteligência e investimentos águas acima na direção das nascentes. Os investimentos águas abaixo não resolvem o estado de escassez.
O reservatório do DESCOBERTO, DF, inaugurado em 1974, foi projetado para armazenar 103 trilhões de metros cúbicos de água. Hoje está com 14,9%. Perde 81,10% de sua capacidade de armazenar. O SANTA MARIA foi projetado com capacidade de armazenamento de 58 milhões de m3 está hoje com 27,9%. Perde 72,1% de sua capacidade. O LAGO PARANOÁ, do qual se retiram 2,520 milhões de litros/dia, se alimenta, em parte, das águas do Santa Maria e de outros tributários agonizantes. Consequentemente deve ter perdido volume.
O que está acontecendo? Chuvas escassas, quase zero captação de águas pluviais, população aumenta mais de 40 mil habitantes/ano, a urbanização galopante arrasa APPs, impermeabiliza o solo e as águas se afundam.  

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

ÁGUAS DO PARANOÁ


(Nascente Água Azul, Sítio das Neves, DF, Foto: Eugênio Giovenardi)


O Lago Paranoá recolhe as águas da extensa bacia que lhe dá o nome. É formado por dezenas de córregos que vinham dar, antes da construção de Brasília, ao rio Paranoá que descia pela cratera formada há milênios. O Ribeirão Santa Maria, os córregos Vargem Grande, Milho Cozido e Três Barras formam o lago Santa Maria, inserido no Parque Nacional de Brasília, área de 101 km2 com capacidade de armazenamento de 58 milhões de m3 , 45,7 milhões de m3 de volume útil e vazão de 1,26 m3/s. Esse conjunto de águas se une aos córregos Bananal, Torto, Riacho Fundo, Gama, Urubu-Sagui, Palha, Jerivá, Taquari, Vicente Pires, Guará, Águas Claras, Cabeça de Veado, tributários do Rio Paranoá e constituem o Lago Paranoá, com 510 milhões de m3 de água acumulada, 38 milhões de m2 de extensão (3.800 ha), 38 m de profundidade, com média de 13m, e perímetro de 80 km. (Geração máxima de 30 MW/hora de energia, um MW = 1.000 KW x 5.760 litros por KW gerado. Hoje, reduzida para 13 MW/hora ou 13.000 KW/h = 74.880.000/l/hora). Um dos principais tributários do Lago, com chuva ou sem chuva, são as torneiras de nossas casas que, de todos os quadrantes, despejam nele mais de 1 bilhão de litros/dia de água suja. Tirar água do Lago Paranoá para alimentar nossas torneiras não significa aumentar o volume de água da Bacia do Paranoá. O que pode aumentar o volume de água, ao lado da captação de águas das chuvas periódicas, é proteger as nascentes e aumentar as margens ciliares dos cursos de água, acima mencionados, que contribuem para a formação do Lago Paranoá. Quase todos esses córregos estão agonizando e despejam águas poluídas no Lago. A ocupação desrespeitosa das margens de recarga, a urbanização impiedosa, a impermeabilização desastrosa, as queimadas mortíferas, o lixo disseminado ao longo de rodovias, a poluição do ar provocada pelo tráfego de milhões de automóveis é a receita eficaz da escassez de água do Distrito Federal. Desprezam-se os princípios básicos da gestão das águas. Há que se conhecer e acompanhar os índices de vazão de cada nascente e de cada córrego para tomar as medidas oportunas que garantam a saúde do bioma e de seus habitantes. As nascentes do meu Sítio das Neves, DF, mantêm vazão de 30 m3/dia durante o período seco graças à preservação da extensa vegetação nativa e original com 60 milhões de anos de experiência e sabedoria. Antes de Brasília, todos esses cursos d’água eram saudáveis. A bacia do Paranoá foi a inspiradora da construção da nova capital do país.

Publicado no Facebook em 3.10.2017

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

UMA TRANSIÇÃO NECESSÁRIA

(Foto: Pimenta de macaco)

Estamos acostumados a discutir aspectos da superestrutura das relações humanas na economia, na política, na cultura. Nestas notas, penetra-se na infraestrutura da sobrevivência e reprodução da vida e da interdependência de todos os seres vivos.
A transição da economia capitalista para a economia ecológica requer um novo olhar sobre a organização da natureza. A satisfação das necessidades vitais de reprodução da vida está relacionada ao uso dos bens oferecidos pela natureza: água e alimentos.
Os bens que garantem a continuidade da vida são limitados no espaço do planeta e no tempo de sua disponibilidade. A economia ecológica obedecerá a um sistema de administração desses bens para satisfação de necessidades vitais. O ponto de equilíbrio entre o uso ou produção de bens e o tempo de regeneração e recomposição dos elementos orgânicos é uma garantia de durabilidade da oferta natural. A experiência humana registra um sério descompasso: a natureza leva anos ou milênios para recompor o que se subtraiu dela em poucos meses.
O reinvestimento da natureza para o oferecimento de novos bens, no mesmo espaço, requer tempo. É possível determinar o ponto de equilíbrio entre o uso ou produção de bens e o tempo de sua reprodução. Os ciclos naturais e as estações do ano são os elementos fundamentais da equação.
Mas o uso dos bens disponíveis para conservação e reprodução da vida depende do número de consumidores. O número de consumidores deve adequar-se à quantidade de bens naturais para que a regeneração se faça no espaço limitado e no tempo diferenciado para cada item da oferta.
Um espaço do qual se retirou uma tonelada de alimentos com o consumo de 1.000 litros de água só alcançara o ponto de equilíbrio se houver tempo para o retorno da água e dos elementos necessários à reprodução de nova safra. Hoje, os processos produtivos esgotam o solo e sua recomposição se faz artificialmente com elementos químicos e pivôs centrais de irrigação. Processos produtivos que ao longo dos anos destroem a biodiversidade e estendem as zonas de desertos.

O sistema capitalista de produção de bens é antinatural. Contraria os fundamentos matemáticos e se afasta irracionalmente do ponto de equilíbrio sugerido pela economia ecológica.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

CARTA DA ÁGUA

CARTA DA ÁGUA:
DA ESCASSEZ À TRANSIÇÃO HÍDRICA

Newton Castro, Engenheiro Civil
 Eugênio Giovenardi, ecossociólogo e escritor

O Oitavo Fórum Mundial da Água, que será sediado em Brasília, março de 2018, mobiliza o governo federal, os governos estaduais e municipais e um grande número de institutos acadêmicos e organizações não governamentais. As decisões que serão tomadas nesse evento terão efeito não só para o Brasil. Elas contemplarão os mais de 7,5 bilhões de habitantes humanos, além de muitos outros bilhões de seres vivos que constituem a biodiversidade do planeta.
As mudanças de comportamento climático, pelas quais atravessa o planeta, afetam o regime de chuvas e provocam situações extremas de longas estiagens ou inundações desastrosas. Esses eventos, com maior ou menor intensidade, se fazem sentir em todas as regiões do planeta.
Na organização da natureza, a água está disponível para todos os seres vivos. Alguns deles, como as árvores, são protetores dos cursos de água. Com exceção da espécie humana, todos os seres vivos convivem harmoniosamente com a água. Ao se tratar do uso da água pela espécie humana, deve-se considerar a demanda crescente e diversificada. Não existe no conjunto de riquezas naturais uma oferta específica de água para a espécie humana.
A intervenção humana no cenário natural, relacionada à reprodução e à sobrevivência, ocasiona distúrbios que podem ser danosos a todos os seres vivos que formam a biocomunidade de um bioma.
Na administração da captação e retenção das águas disponíveis para uso humano há que se considerar duas questões fundamentais: quanta água há e quantos são os que precisam de água, incluindo todos os seres vivos de um bioma. Um terceiro elemento, não menos importante, se acrescenta aos dois anteriores: quanto custa satisfazer equanimemente a gama diversificada de necessidades da população humana.

1)   Situação atual

O Oitavo Fórum Mundial da Água, com a participação dos órgãos oficiais e não governamentais do DF, se debruçará particularmente sobre as circunstâncias físicas específicas do Planalto Central. Por ser o berço das águas, O DF requer uma sábia e gradual mudança de paradigma dos habitantes brasilienses sobre a natureza.
A atual situação hídrica de escassez resulta do aumento da população, da urbanização desgovernada e de sua demanda diversificada. Agrava-se com a irregularidade e diminuição das chuvas como efeito de mudanças climáticas. O conjunto desses fatores reduzem a capacidade de suporte geográfico do DF e conduzem ao empobrecimento da biodiversidade regional.
A inexistência ou o inadequado acompanhamento do balanço hídrico, o ineficiente gerenciamento de bacias hidrográficas, a consequente devastação de matas ciliares, a extinção de nascentes e pequenos cursos d’água obrigaram os gestores a decidirem, com atraso, pelo racionamento generalizado no fornecimento de água.
Outros aspectos importantes que provocaram a escassez hídrica se referem ao descontrole do uso de águas subterrâneas por meio de poços artesianos (mais de 40 mil), a ações técnicas e políticas pouco significativas de captação de águas pluviais e ao escasso reuso de águas servidas.
Essas dificuldades são acrescidas pela pouca integração com as comunidades vizinhas que formam a Área Metropolitana, pelas perdas significativas (mais de 30%) de água tratada e pela especulação imobiliária desenfreada. Esses fatores provocam demandas fora de controle.
Agregue-se que a paralização das obras de Corumbá IV (GO) afetou igualmente o fornecimento de água à população do DF. Está, no momento, em curso a construção de usina de tratamento para fornecimento de água para 180 mil brasilienses retirada do Lago Paranoá com vazão inicial de 700 litros por segundo ou 60,5 milhões de litros por dia.

2)   Situação desejável

O consumo responsável e racional da água, fruto da educação ambiental e da aplicação rigorosa da legislação pertinente, propiciará um volume diário democrático e igualitário à população atendendo à indicação de órgãos de saúde pública nacionais e internacionais.
A irregularidade e a escassez de chuvas, segundo informações divulgadas, podem continuar por longo tempo. Esse alerta deve ser intensamente comunicado à população para despertar atitude consciente diante da escassez e gerar novos comportamentos. É prudente assumir que as mudanças climáticas afetam fortemente o Planeta e, particularmente, o Cerrado brasileiro, o que implica em mudança de costumes no uso da água, tanto na cidade quanto nas lavouras produtoras de alimentos.
Propõe-se para isso um processo salutar de transição hídrica.
A transição hídrica significa alteração de atitude, substituição de hábitos, mudança de conceitos, passagem, em relação à água, do modo atual de comportar-se a outro mais adequado. Trata-se de mudança de paradigma que implica em olhar de maneira diferente a natureza.

Ainda que os reservatórios cheguem a 100% e novas captações sejam feitas, é necessário que a população mude seu comportamento em relação ao uso da água.

(Nascente recuperada no Sítio das Neves, DF. Foto: Eugênio Giovenardi)

É imprescindível realizar o balanço hídrico do DF e Área Metropolitana tanto no uso pessoal quanto na produção agrícola e industrial cujos resultados devem ser apresentados, com transparência, à população.
Entre ações importantes e urgentes propõe-se:
·       investir fortemente no gerenciamento das bacias;
·       criar programa específico de repovoamento das matas ciliares com espécies nativas;
·       estabelecer, com a participação dos comitês de bacias, um monitoramento eletrônico das nascentes e pequenos cursos d’água para informação permanente à população;
·       estimular e promover forte integração da população do DF com municípios vizinhos para avaliar a variação do potencial hídrico dos cursos d’água;
·       fomentar ações de reuso da água e utilização da água da chuva;
·       reduzir as perdas de água tratada a níveis não superiores a 10% e, ao mesmo tempo, intensificar sistemas de controle de perdas de rede.
·       A ocupação irregular e a especulação imobiliária devem ser combatidas com rigor e sem tréguas.
·       Orientar a população sobre a outorga e a finalidade do uso das águas subterrâneas e fiscalizar sistematicamente o volume utilizado através de relógios medidores.

3)   Transição Hídrica

Entre as ações para o êxito da transição hídrica e a mudança de paradigma, sugere-se:
·       Mapear e divulgar amplamente todos os nascimentos de corpos d’água da região do Distrito Federal e adjacências;
·       Programar investimentos adequados a montante (águas acima) com a finalidade de proteção dos mananciais, mantendo uma linha intransponível de vegetação nativa;
·       Ampliar o sistema de captação de águas da chuva nos prédios urbanos e rurais que favoreçam, por um lado, a recarga dos aquíferos e, por outra parte, reduzam a pressão sobre os reservatórios;
·       Desenvolver tecnologias adequadas para reuso da água de acordo com a modalidade de seu uso;
·       Informar a população sobre o consumo de água embutido na geração de energia elétrica. O consumo de dois quilowatts/dia por habitante necessita de 13 mil litros de água (6.600 litros para gerar um quilowatt). Não é de estranhar que as represas hidrelétricas se esvaziam.  
·       Incentivar alternativas de geração de energia elétrica. Poupar energia hidrelétrica é poupar água;
·       Universalizar a educação ambiental para o correto uso da água;
·       Avaliar o Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE) no que tange ao uso da água nas diversas atividades humanas, urbanas e rurais;
·       Considerar os habitantes de municípios vizinhos afetados pela mesma situação da capital federal, pois pertencem ao mesmo ecossistema;
·       Buscar intensa Cooperação com os Estados de Goiás e Minas Gerais no que tange aos recursos hídricos;
·       Criar Comitês de Risco para as diversas atividades econômicas;
·       Elaborar planejamento de curto, médio e longo prazos para implementação de medidas de caráter permanente;
·       Cumprir a legislação que decreta a água como bem natural, de uso comum do povo, não sendo propriedade nem de órgãos públicos, nem de corporações ou pessoas físicas. Aos órgãos públicos compete o gerenciamento da água e não sua propriedade;
·       Criar o Fundo de Gerenciamento e Controle do Uso da Água, (Bolsa Água) com a responsabilidade de propor ações especiais e apoiar iniciativas educacionais, científicas ou outras pertinentes ao uso e conservação dos corpos d’água. O Fundo será gerido pela sociedade civil, com participação de especialistas, empresas públicas, privadas e universidades;
·       Assumir institucionalmente o estado de Transição Hídrica, estimulando ações continuadas e perenes;
·       Estabelecer, com urgência, metas consistentes para os próximos meses; para os anos 2018 a 2022;
·       Pôr em ação, com o apoio da mídia, um sistema de comunicação permanente sobre a escassez hídrica;
·       Criar PORTAL DE TRANSPARÊNCIA com a disponibilização de todos os dados, estatísticas, consumos, disponibilidade hídrica e demais informações necessárias à participação e fiscalização da população;
·       Incentivar a organização popular de grupos de observação e informação sobre ações de proteção de nascentes e da vegetação nativa realizadas no âmbito do DF.

A caracterização do estado de Transição Hídrica permitirá a todos, permanentemente, travar contato com a realidade da escassez de água e da necessidade de cada um fazer sua parte de forma consciente.
Tratando-se de uma situação muito grave, todos somos responsáveis: órgãos públicos e privados, pessoas físicas e jurídicas, centros de ensino e pesquisa, além de outros agentes que podem agir de forma positiva.
O objetivo é a discussão de medidas e soluções para a atual e as próximas gerações, que podem não encontrar água suficiente e adequada às suas necessidades.
A ênfase deve ser dada à mudança de comportamento dos diversos agentes sociais, desde o cidadão comum até os organismos de controle e execução.
A Transição Hídrica há que ultrapassar governos, pois a natureza do problema não comporta desvios em relação ao tema central. Requer reavaliações permanentes, sem mudanças de curso ou paralização de ações.
A transição necessariamente perpassa toda a sociedade. A comunicação adequada e transparente estimulará a participação da população sem empecilhos burocráticos às soluções propostas.

O estabelecimento de algumas metas de curto prazo, imediatamente propostas, poderá estancar problemas crônicos.

As metas de médio e longo prazo deverão se estender, pelo menos, aos próximos 25 anos, de tal forma que as futuras gerações, por nossa desídia, não sofram consequências maiores.
Os meios de comunicação e a organização popular em defesa dos mananciais têm papel fundamental neste esforço de conscientização, divulgação e êxito da Transição Hídrica.
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Esta Carta da Água resume os debates realizados no Terceiro Seminário Águas Acima, realizado em 30.3.2017, preparatório do Oitavo Fórum Mundial da Águas. Foi promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico/DF, com a participação do Conselho de Arquitetos Urbanistas/DF, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia/DF, da Ordem dos Advogados do Brasil/DF, da Embrapa e Emater/DF.