sexta-feira, 29 de abril de 2011

TRUQUES DE SOBREVIVÊNCIA


São três. Fé, esperança, caridade ou amor. Virtudes cardeais sobre cujos gonzos rola a vida de uma pessoa e de um povo. A fé leva à fidelidade a alguém ou a alguma coisa. A escolha é ampla. Vai da loteria, do sucesso profissional a um ser superior, maior do que o fiel e que entra como coringa salvador no jogo bruto da vida, recheado de blefes.
A fé conduz à felicidade de receber um prêmio em expectativa após a transposição de obstáculos na corrida competitiva. Antes mesmo de compreender as leis da natureza, a lógica inexpugnável das leis físicas às quais estamos integrados, os educadores oficiais – pais, professores, pastores, guias espirituais e gurus ensinam que a pessoa precisa ter fé. Fé em alguma coisa, em alguém, de preferência em um poder mágico fora e acima das forças conhecidas. Fé no desconhecido, num poder capaz de romper a lógica da natureza e produzir um milagre com endereço certo. A fé é um dos truques mais eficazes, a ponto de remover montanhas pela capacidade irresistível de iludir e cegar seu portador. Esse truque mantém a pessoa no irreal, projeta-o para fora de si. Os fenômenos ao seu redor, o real, sua caminhada, seus escorregões não fazem parte da vida normal. São apenas acidentes colocados no caminho e cobertos com a luz projetada por seus próprios olhos na direção do poder maior.
O truque da fé o arranca do real para viver em função do irreal em perspectiva. Cunha-se uma expressão propulsora para manter a pessoa na irrealidade: “quem tem fé, sempre alcança”. A pessoa salva do naufrágio, do incêndio, do deslizamento de um morro, da queda de um avião, de um acidente de carro, crê no milagre da fé em alguém que o estava protegendo. O ser superior, a força indiscutível o pinçou entre milhares de mortos. As leis físicas só funcionaram para os mortos. O milagre, para os vivos. É isso que se denomina fé no irreal, na ilusão piedosa, no engano salvador. O prêmio da fé leva ao agradecimento, à comoção, à submissão humilhante do predestinado aos humores de um poder mais alto e imprevisível.
Esperança. Desde que vivos, nunca se perde a esperança de se manter em vida. Esperar não é saber, diz a canção. Se alguém sabe o que quer ou onde está seu querer, não espera. Vai a ele. Só se espera quando o objeto do querer está a caminho ou longe. Quem espera não tem controle sobre o que pode acontecer ou sobre quem possa aparecer. A esperança é vaga e imprecisa. A surpresa pode mudar o rumo pela força ou satisfação do aparecimento. Pode-se esperar algo ou alguém e o fato ou a pessoa tanto podem alegrar quanto decepcionar. Mas o dito popular entusiasma: “esperança é a última a morrer”. Até o derradeiro momento há esperança que algo aconteça. Algo que está em expectativa. A esperança é uma espécie de conluio ou acordo com o imprevisível e o incontrolável. O que se pode  controlar ou determinar não entra no campo da esperança. O truque está em pôr-se na janela e olhar para o mundo exterior, para a linha do horizonte. De lá pode surgir o inesperado tanto tempo esperado. É o sabor antecipado da ilusão possível.
Caridade. Amor. Amar é difícil. Não há certeza de que amamos o outro pelo outro ou o outro em nós. A felicidade de ver, ouvir, falar e existir como parte do universo, formando um pluriverso é uma das facetas do amor. Isto se chama amar a vida. A que está dentro e fora de cada pessoa. Aparecem, mesclados a essa felicidade, o desejo de possuir e dominar, a paixão que invade o interior e o exterior alheios. A inveja, o ciúme, a gulodice de poder, a ambição da riqueza são pedras no caminho do amor. Elas nos fazem esquecer de nós para destruir o outro. Fica-se, então, só, quando o objeto do amor se desloca do núcleo central da vida interior para escravizar outras vidas. Esquece-se facilmente que, visto de ângulo diferente, o outro somos nós. O outro está dentro de mim, mesmo que tenha outro nome. A expressão “ame o próximo como a ti mesmo” se fundamenta na máxima socrática “conheça-te a ti mesmo”. É desse conhecimento que brota o amor à vida consciente e se espalha e multiplica ao redor de tudo o que se ama.
Essas três energias do espírito são preciosos truques para contornar as pedras do caminho da vida.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

LITERATURA PLEBEIA


Sou um escritor plebeu. Não pertenço à realeza literária. O séquito de príncipes e princesas passa pelas avenidas floridas, ovacionado pela plebe submissa. Os tronos estão ocupados. Os salões recobertos de espelhos de cristal refletem as imagens dos afortunados rebentos da família real. Correm os anos e as mesmas figuras repetem sua própria história. Eles mesmos são a história literária. A literatura real, a realeza literária são eles. O sangue azul das letras, das fábulas, dos versos, dos contos, dos amores, das aventuras só flui naquelas veias transparentes de prestígio e nobreza.
O poder, a força e o dinheiro estão com reis literários graças ao imposto cobrado aos leitores, iludidos de que pensamentos em forma de letras só podem emanar de poucos tronos. Um livro escrito e publicado por um rei literário enche de orgulho o súdito, sublimado com a assinatura real. O livro escrito pelo cocheiro do rei, ou pela empregada da princesa, ou pelo bobo da corte só desfila nas prateleiras e estantes de livrarias se a sorte o infiltrar na cama de algum fidalgo do palácio.
Nem por isso o livro e o escritor deixam de ser plebeus. Vieram de fora dos muros palacianos. Tem cheiro de povo, sinais de vassoura nas mãos e manchas no avental. Os escritores plebeus se reúnem em academias, associações e sindicatos literários também plebeus, formando a corte das letras da periferia e da orla dos palácios reais. O prêmio do escritor plebeu é deliciar-se com as anedotas da corte real e conceder nobreza a seus atos vulgares.

PENSAR É DIFERENTE



PENSAR É DIFERENTE

Uma das funções que pudessem talvez distinguir o ser humano de outros seres vivos seria a de pensar. “Estava, aqui, pensando” é uma expressão que mistura impulsos, desejos, cálculos ou simplesmente palavras para sondar possibilidades. Pensar é diferente.
Pensar é esquadrinhar as causas de qualquer fato ou acontecimento interior ou exterior ao pensante. Especialmente, é buscar o núcleo essencial do ser, do que é, do que pode ser e do vir a ser. Há uma cadeia longa, cuja sequência pode se desenrolar com ou sem o controle de quem projeta uma ideia, uma opinião, uma ação. Os seres vivos ou inanimados de qualquer natureza estão integrados num único sistema de inter-relações e interdependências. Quando um deles se move, seja uma pessoa, uma aranha ou uma pedra, tudo a seu redor se movimenta. Por não se estar atento a este majestoso  sistema integrado, perde-se frequentemente o controle dos fatos.
Os fatos consumados passam a comandar outros anéis da corrente e, na sociedade humana, empreende-se a carreira para contorná-los, retorná-los, modificá-los, eliminá-los. Nessa humilhante tarefa, gastam-se anos, séculos, milênios. Pensar o essencial, no exercício da existência, evita transformar o importante em urgente. Nosso mecanismo de administração da coisa pública inverte o processo de pensar. Inicia-se com o urgente, confundido-o com o importante, caracterizando-o como essencial.
Toma-se, hoje, a urgente proibição de venda de armas ao cidadão comum como medida essencial para evitar a repetição do Realengo, sem fazer alusão aos meninos da Candelária ou à esquecida chacina do Carandiru cometida pelo braço armado do Estado. Tornou-se, atualmente, essencial o urgente controle das inundações de nossas cidades plantadas sobre nascentes, antigas florestas e margens de rios. Esqueceu-se ou não se pensou que a água é essencial e que precisa de espaço para correr na direção do mar. Decidiu-se, sem pensar, que o importante, guindado à categoria de sonho, era a casa própria, não se importando com os obstáculos postos ao curso das águas. O desprezo pelo essencial gerou urgências no campo econômico, político, social e cultural. O país, sob inúmeros aspectos, soçobra manipulado por medidas urgentes.
Alguns exemplos. Presidente da República não pensa, manda. Administrador não pensa, decide sobre o mais vantajoso. Funcionário público não pensa, despacha papéis. Engenheiro não pensa, calcula. Jornalista não pensa, relata. Empregada não pensa, varre. Eleitor não pensa, vota. Professor não pensa, ensina. Sacerdotes, pastores, bispos não pensam, creem. Soldado não pensa, atira. Político não pensa, articula. Economista não pensa, compara números estatísticos. Só a criança pensa diante do universo imenso, quando pergunta e provoca risos aos adultos. A criança pergunta porque a faculdade de pensar nasce com ela. A escola, a TV, o Ipod, o Iphone, o celular desviam gradativamente a curiosidade do essencial para a manipulação autômata. As maquininhas importantes tornam-se urgentes e o essencial aparece como última opção para evitar a catástrofe.
Quem sabe, a principal função da escola primária, estendida até a universidade, seja a de propor um novo alfabeto para aprender a pensar sobre o essencial.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

CONFLITOS PELA ÁGUA



A guerra pelo acesso à água não se limita a árabes e israelenses, nem se restringe à batalha civil de Cochabamba (BO) ou põe só a Turquia em situação crítica. No Brasil, com 12% da água doce disponível na Terra, os conflitos pela água se expandem. Conflitos dessa natureza sempre existiram. Mas seu registro é recente e o número deles cresce assustadoramente. Não apenas no NE, onde a água é escassa e a transposição do Rio São Francisco pretende solucionar em parte e ilusoriamente essa dificuldade. Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, regiões abundantes em água registram, atualmente, uma dezena de conflitos em cada estado. Os conflitos envolvem milhares de famílias. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) passou a observar os primeiros oito conflitos denunciados em 2002, envolvendo 227 famílias, mais de mil pessoas, em vários estados do país. Em 2005, foram registrados pela CPT 71 conflitos, atingindo 32.463 famílias, num total aproximado de 160 mil pessoas. Em 2010, o número de conflitos registrados aumentou para 87.
Segundo Roberto Malvezzi, agente da CPT, há que se considerar múltiplas causas que geram esse tipo de conflito no meio rural: uso da água para irrigação de cultivos que não são de primeira necessidade como cana-de-açúcar para produção de álcool (etanol) e o próprio açúcar; poluição de mananciais de superfície e subterrâneos.
Há que acrescentar a interferência humana no uso do solo para urbanização, a consequente impermeabilização de vastas áreas próximas a mananciais, córregos e rios, práticas agrícolas inadequadas que prejudicam a preservação dos aquíferos pelo desmatamento, queimadas, lixo, superlotação de animais por hectare, agrotóxicos. Há causas menos mencionadas, mas causadoras de conflitos como a construção de açudes e grandes represas, tanto por proprietários rurais quanto pelo próprio Estado, entre elas a transposição do Rio São Francisco, hidrelétrica Belo Monte e dezenas de outras. Causas e ações que interferem no ciclo e na qualidade das águas.
A água é um bem vital e como tal deve ser tratado pela política pública das águas em benefício de toda a população. É um bem de Estado e, portanto, condenável a apropriação indébita da água. Água não pode ser vista como recurso econômico a ser explorado por empresas de capital. É um bem público a ser administrado com inteligência por organismos eficientes de prestação de serviço público.
A eficiência desse serviço público supõe como princípio básico e essencial a proteção dos mananciais, das nascentes de água, a preservação das matas nativas para detenção e contenção das águas das chuvas.
O segredo do acesso à água não está na torneira. Está no olho d’água.

BRASÍLIA, 51 ANOS


Brasília é.
O que sou, nela?
Quem sou, com ela?
Eu sou ela.
Meus  olhos filtram
A luminosidade dela.
Meu silêncio se junta
Ao silêncio dela.
Meus sonhos resistentes
Se ligam
Aos primeiros sonhos dela.
Ela envelhece em mim,
Eu envelheço nela.
Ela entrou em mim.
Eu ficarei com ela.

PROJETO OLHO D’ÁGUA

 

INTRODUÇÃO

O projeto Olho d’Água começou em 1980, no Sitio das Neves,. com a finalidade de proteger uma área de 70 hectares do bioma Cerrado. Localizada à margem esquerda da Rodovia BR 060, direção Brasília Goiânia, na altura do Km 26, no perímetro do Distrito Federal. Integra a bacia hidrográfica do Rio Santo Antônio do Descoberto e a micro bacia do Ribeirão das lajes..
A área total do DF é de 582.200 hectares (5.822 km2). Segundo o plano de ocupação regional do DF, 80% (450.000 ha) seriam reservados às atividades rurais, reflorestamento, preservação de nascentes e cursos de água, e 20% (132.000 há) à urbanização ( serviços, habitação, educação, comércio, lazer, rodovias).
Atualmente, a urbanização absorve 60% (348.000 há), restando para o rural, 40% (234.200 ha), com tendência galopante a se reduzir ainda mais a área rural.
Essa inversão do uso do solo desencadeou um processo de desertificação do Cerrado, com eliminação de nascentes, desmatamento indiscriminado, perturbação dos aquíferos subterrâneos por meio de poços tubulares, impermeabilização de grandes áreas, causando assoreamento do Lago Paranoá, de rios e córregos de imensa área adjacente do Distrito Federal.

OBJETIVOS DO PROJETO

A proteção de nascentes mediante vegetação nativa garante a sustentabilidade da água, da produção agrícola e da qualidade ambiental.
Sob o aspecto ecológico e ambiental, o Projeto Olho d’Água propõe-se, de forma continuada, a preservar essa área de 70 hectares de Cerrado (700 mil metros2), denominada Sítio das Neves, mantendo suas características originais de fauna e flora.
A preservação ecológica e ambiental tem, portanto, caráter contínuo a fim de proteger a área de ocupações inadequadas e prejudiciais à natureza, seguindo orientações técnicas e científicas sobre a fenomenologia climática.
A preservação da área mencionada se estende por três décadas, com práticas de contenção e detenção das águas pluviais, por meio de barragens simples de pedra ou barragens-castor (galhos secos e terra de cupim), de tamanho adequado à declividade do terreno e ao volume, peso e velocidade da água. O desenvolvimento vegetal e a recuperação da biodiversidade são resultados que podem ser comprovados.
As matas ciliares dos córregos perenes que nascem na propriedade, Córrego Capão Azul, Córrego da Onça e as das nascentes intermitentes se ampliaram geometricamente. As matas de galeria dos vários cursos de água se ligaram umas às outras. As águas pluviais contidas e detidas nas barragens, sombreadas pelas matas de galeria, permanecem durante todo o período seco. A umidade mantida nessas áreas modifica lentamente o ambiente e fortalece as nascentes perenes e estimula as intermitentes.
Conseguiu-se, ao longo de três décadas, aumento dos índices de umidade com o armazenamento de água nos quatro aquíferos:
− aquífero radicular, volume de água contida nas raízes das árvores, plantas e gramíneas, graças ao sombreamento da vegetação.
− aquífero vegetal, volume de água contida nos troncos, galhos e folhas das árvores, em consequência da captação de umidade do solo pelas raízes.
− aquífero superficial, volume de água que brota das nascentes e forma córregos e rios, alimentado pelas barragens de contenção das águas da chuva.
− aquífero subterrâneo, volume de água estocada entre as camadas de rocha, preservado pela recarga das precipitações que se infiltram no solo e percolam até os mares interiores, graças ao repouso das águas nos lagos temporários resultantes das barragens.

No âmbito da propriedade, a captação e detenção das águas da chuva são efetivadas por uma rede sistêmica de pequenas barragens de baixo custo e eficientes, que permitem a comunicação subterrânea das águas. Nas grotas e canais de escoamento, detém-se mais da metade do volume de água das chuvas do período, estimado em 400 milhões de litros, considerando um índice médio de precipitação de 1.300 mm/ano. É um processo fácil de multiplicar em todas as propriedades rurais.
A captação de água no Sítio das Neves atende a todas as necessidades de consumo humanas, criação de pequenos animais e produção de legumes e frutas.
O volume diário de captação e uso da água no Sítio das Neves foi determinado por um ato administrativo de outorga da água pela ADASA. Segundo cálculos técnicos, a vazão diária, no período de estiagem, da nascente de captação é de, aproximadamente, 30 mil litros de água. O consumo autorizado monta a 2.000 litros diários. A captação de água é feita por gravidade num percurso de 750 metros.
Graças aos resultados obtidos até o momento, a ADASA concedeu ao Sítio das Neves, em ato público, o PRÊMIO GUARDIÃO DA ÁGUA, no Dia Mundial da Água, em 22 de março de 2010. Está em curso, perante o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), solicitação de Reserva Legal e determinação de Áreas de Preservação Permanente (APP).
Sob o aspecto educativo, por meio de parcerias com ong’s ambientalistas, palestras em colégios e universidades, publicações na mídia e visitas guiadas, propõe-se despertar nas crianças e pesquisadores o apreço pela natureza e a possível reprodução do processo de preservação em curso por outros proprietários de terra, agricultores ou não.
O projeto Olho d’água está aberto a pesquisadores de universidades e institutos ou centros de pesquisa ambiental, alunos e estudantes, funcionários e técnicos de secretarias de agricultura com funções de extensão e educação rural.

EXTENSÃO E MORFOLOGIA

A área do Sítio das Neves tem uma extensão de 70 hectares, com um desnível de oitenta metros entre o ponto mais alto, rodovia BR 060, e o mais baixo, desembocadura dos córregos Da Onça e Capão Azul no Ribeirão das Lajes.
O acesso à sede da propriedade é feito por estrada de chão de 1.100 metros de extensão, a contar da porteira de entrada. A conservação da via é feita manualmente.
As terras da propriedade são banhadas por três cursos permanentes de água. Ao sul, pelo Ribeirão das Lajes, integrado à bacia do Rio Santo Antônio do Descoberto, a Leste, pelo Córrego Capão Azul e, a Oeste, pelo Córrego da Onça.
Os córregos que nascem nas terras do Sítio das Neves têm uma extensão de aproximadamente 1.200 metros e desembocam no Ribeirão das Lajes.




OBRAS DE PRESERVAÇÃO

Todas as obras e atividades de preservação ambiental se realizam de forma manual, em caráter contínuo, segundo as estações do ano, utilizando material local. Exceção feita da classificação de plantas e aves, executada por profissionais em colaboração com o Ibram e ONG’s.
Até o presente momento, os custos da preservação ambiental, incluindo a construção de barragens, de aceiros e proteção das nascentes, do transporte de material, do combustível e placas de avisos são sufragados pelo proprietário.
As principais despesas se referem à construção e manutenção de barragens, classificação de plantas, aves e animais selvagens, comunicação e combustível.

Brasília, abril, 2011


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Eugênio Giovenardi
RG: 139.828 SSP/DF
CPF: 090.928.381-87
Fone: 61 9981 2807

Endereço:
SÍTIO DAS NEVES – Rodovia BR 060, Km 26 – DF

Registros Institucionais:
Código do imóvel rural (INCRA) - 9410180282315
Código da pessoa (INCRA) - 014353407
Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) - 04132124057
Número do Imóvel na Receita Federal (Nirf) - 3407896-7

Obras do autor sobre o tema ambiental:
1)     Os pobres do campo, Tomo Editora, 2004, Porto Alegre.
2)     O retorno das águas, Editora Ser, 2005, Brasília
3)     A saga de um Sítio, LGE, 2007, Brasília:

terça-feira, 19 de abril de 2011

ÁRVORES



De minha janela, desfruto o cenário verde de várias espécies de árvores. A sibipiruna, o jatobá, a barriguda, o pinheiro, o hibisco, a mangueira, em convivência harmoniosa e pacífica. Os galhos e as folhas de cada uma delas dançam com ritmo próprio ao sopro do vento. As folhas tremulam, os ramos se inclinam com reverência, levantam-se e rodopiam. O tronco ereto sustenta em seus braços a galhada que se equilibra no ar com movimentos acrobáticos.
Silenciosas, trabalham sem parar. São laboratórios incansáveis, gratuitos. Produzem oxigênio e umidade. Equilibram o ar que respiro para que o carbono exagerado não ofenda meu organismo. A árvore sabe que o carbono é necessário para a sobrevivência dela e de todos os seres vivos. Sem ele, ela morreria. Ela apenas faz o equilíbrio, não luta contra ele. Não o tem por mau ou por inimigo. É a inteligência vegetal a serviço da felicidade vegetal coordenada pela inflexibilidade das leis físicas. O carbono que expilo de mim volta-me em forma de oxigênio.
Qualquer que seja o nome ou a espécie das árvores, elas cumprem, lado a lado, a mesma função natural. O desequilíbrio dessa função é provocado por um agente corruptor capaz de produzir carbono em quantidade superior à capacidade das árvores de transformá-lo em oxigênio. Uma cidade invadida por automóveis se corrompe pelo carbono que infesta o ar. Derrubar uma árvore é destruir um laboratório cuja função é preservar a vida. Queimar uma floresta é arrasar de forma insana as raízes da vida. Cortar árvores é transformar o carbono amigo em inimigo. É um ato irracional.
De minha janela, gozo da mesma felicidade vegetal de árvores que partilham o mesmo espaço e acolhem à sombra o caminhante rumo a qualquer direção.
As árvores vivem e eu, com elas, vivo.

sábado, 16 de abril de 2011

MINHA INFÂNCIA



Disse, ontem, a Pedro de Montemor que pretendia escrever um livro, não muito extenso, sobre minha infância. Ele apertou os lábios, ergueu as sobrancelhas e sorriu levemente. Fez longas considerações que eu traduzo livremente.
Quem, segundo ele, estaria interessado em saber que, aos dois anos, quebrei uma fita métrica, amarrada ao pé de uma cadeira, que minha madrinha costureira me dera para brincar? Os leitores de hoje, que nasceram com um Ipode na mão, mandando mensagens para o berço vizinho, acharão que estou contando episódios da época da pedra lascada.
Esses leitores de hoje que vão ao Google para saber quem foi Pedro Álvares Cabral ou Stalin acharão que é ficção científica o fato de eu ter feito meus primeiros cálculos aritméticos na lousa com lápis de pedra.
Esses leitores que atravessam a noite navegando na estratosfera virtual do universo rirão dos métodos arcaicos de meus pais que ensinaram as letras do alfabeto a um menino de cinco anos, nas noites frias, ao redor do fogão a lenha.
Esses leitores que vão à escola com transporte escolar privado, ou no automóvel do pai ou da mãe, não acreditarão que, aos seis anos, eu caminhava dois quilômetros a pé, sozinho, com meus cadernos e lousa numa pasta de couro cru, até o Educandário das Irmãs Franciscanas.
Esses leitores que aos 12 anos já se familiarizaram com crack, maconha, mistura de cerveja e vodca, devem achar ridículo que eu precisasse de licença de meu pai ou de minha mãe para colher ameixas ou figos no quintal da casa.
Esses meninos que voltam à meia-noite do cinema, depois de ter ficado com a amiguinha do colégio, fecharão o livro desse escritor quadrado a quem o pai indicava, depois do jantar, com um gesto de cabeça, o quarto de dormir.
Esses rapazes que informam o pai, pelo telefone celular, que acabam de bater o carro num sinal vermelho, se indignarão com as severas repreensões e até alguns golpes de vara no menino que perdeu o troco de 20 réis da compra do pão.
Esses leitores que têm liberdade de entrar em salas de aulas armados de revólver, celulares e Iphones, não podem imaginar que um menino de seis anos levava, a pé, um recado à tia, no outro extremo do povoado.
Que tempos eram esses em que as crianças iam à escola a pé? Pedro de Montemor tem razão. Vou deixar minha infância brincando à sombra de meus 76 anos, trepando nas macieiras, “camisa aberta ao peito, braços nus, correndo pelas campinas”.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Flor do Pau

Há belezas escondidas no cerrado desfilando sob os holofotes do Sol, aos olhos recatados das estrelas e sorrindo para a face pálida da Lua.
Leveza, simplicidade e graça.
Se não fizermos nada para protegê-las, a invasão imobiliária do DF as destruirá para sempre.

terça-feira, 12 de abril de 2011

UnB DEBAIXO D’ÁGUA

 

As águas retardatárias das chuvas de abril invadiram o ninho de arquitetos, engenheiros e geógrafos da UnB. Não faltaram avisos nem previsões sempre atribuídas aos agouros de cassandras. Não faltaram preparativos projetados para que as águas chegassem aos porões do saber e da tecnologia.
Os prédios da UnB estão bem situados nas ordenadas e coordenadas para acolher milhões de litros de água caídos de repente. Os amplos estacionamentos impermeabilizados para conforto dos automóveis e as vias em declive são inteligentemente desenhados e adequados a armazenar e canalizar água para as profundezas do subsolo.
A UnB, com esse puxão de orelhas das leis físicas, operado pela última tormenta poderá desenvolver uma nova disciplina para as próximas gerações de engenheiros e arquitetos: a inteligentsia da água. Tenho certeza de que será útil para conduzir sabiamente a urbanização da metrópole e preservação do patrimônio cultural da humanidade.

sábado, 9 de abril de 2011

AS MENINAS DO REALENGO

 

Wellington Menezes de Oliveira, um jovem de 23 anos, ex-aluno da Escola Municipal do Realengo (RJ), cidadão sem passagem pela polícia, massacra doze crianças. Fere uma dezena de outras, morre baleado por policial e por si mesmo. Quem era esse rapaz que, depois de morto, passou a ser descrito como atirador, monstro, covarde, assassino, desequilibrado, perturbado mental? Era um “vizinho estranho”, segundo comentários. Morava próximo à escola. Conhecido na vizinhança por ter hábitos incomuns, ninguém se mostrou interessado em prever comportamentos futuros. Sabe-se, depois de morto, que a mãe era esquizofrênica. O pequeno Wellington foi adotado por outra família. Passou por rápida terapia psiquiátrica.
Depois de morto, sabe-se que o “atirador monstro” quis deixar uma casa em Sepetiba para quem precisasse ou para quem cuida de animais abandonados. Ele mesmo era um desses seres abandonados que buscava cuidados, apreço, acolhida. Wellington deu tantos sinais em seus curtos 23 anos, mas passaram imperceptíveis aos aparelhos sofisticados de prevenção de desastres sociais desenvolvidos em universidades, laboratórios de psicologia e órgãos de segurança humana.
Sabemos detectar a trajetória dos ventos, a formação de nuvens, de furacões e tornados, tempestades, abalos sísmicos. Os cataclismos da alma humana, as variações do tempo na consciência, no inconsciente e no subconsciente são imprevisíveis pela nossa distraída ciência. Só depois de morto, ao ler a carta que Wellington deixou, os analistas identificaram as fraquezas psíquicas e mentais do jovem. Diz um psiquiatra (Luiz Renato Carrazai): “No cunho religioso sempre há dicotomia com a questão da sexualidade”. Atenção com padres, freiras e monges! Para outro psiquiatra (Antônio Geraldo da Silva), ao analisar seu “fanatismo religioso”: “Pessoas de frágil estrutura emocional podem ser facilmente arrebatadas por doutrinas ou seitas”. Carrazai reconhece nele um sentimento de culpa. “Wellington não tem perfil de psicopata já que demonstra necessidade de receber perdão”. A psicóloga Silvia Koller vê na compaixão aos animais abandonados o próprio abandono. “Não é que ele tenha vivido isso na realidade, era assim que ele percebia a realidade dele”. Depois de morto, sabe-se tudo a respeito da sexualidade reprimida, do fanatismo religioso, do complexo de culpa, do sentimento de solidão e abandono do rapaz. De sua vida escolar, nem uma palavra.
Somos ainda impotentes e atrasados em técnicas e programas de prevenção de desastres psíquicos cada vez mais comuns em nossa maluca sociedade que permite a venda e uso de armas letais. Talvez cada cidadão devesse escrever uma carta-retrato e enviá-la aos psicólogos, psiquiatras e analistas forenses para prevenir desastres sociais. Saberíamos, assim, quantos desequilibrados e potenciais atiradores andamos soltos pelas ruas de nosso bairro.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

ANTES QUE SEJA TARDE

 

Há que perguntar aos amigos, como estão. Os dias passam, os anos voam e, um dia percebemos que a pergunta ficou retida.
Não podemos perguntar mais nada ao amigo que acabamos de enterrar. Que perguntar aos vivos? Uma pergunta sobre a qual eles gostariam de dar sua opinião, expressar seus sentimentos de alegria ou de tristeza, de satisfação ou indignação.
Toda pessoa tem seu gato favorito dentro dela, cuida dele, acaricia-o e poucos se lembram de perceber esse felino escondido na alma do outro. Acertar no gato escondido é um segredo próprio de quem se interessa por saber das coisas que os amigos amam. É um truque para captar segredos. Segredos que gostaríamos de contar e ouvir.
Três dias depois que minha irmã morreu, lembrei-me que ela me prometera contar algo importante para ela e para mim. Posso supor mil coisas, menos o que ela me quisesse dizer. Ela se apagou de repente e levou consigo todos os segredos.
Nenhuma pergunta será a última, pois a existência prolongada das pessoas que se conheceram nesta caminhada é cheia de elos que as prendem numa corrente inacabada. Por isso, dizia-me Pedro de Montemor, visitem-me enquanto posso falar. Perguntem-me tudo o que possa responder. As flores sobre o tumulo não me falarão e, se falarem, não as ouvirei.
Minha tia Vanna determinou que não trouxessem flores em seu enterro. Ela não deu razões, mas creio que a rotina de levar flores ao morto se tornou mais importante do que o defunto que não as pode ver. O morto vai calado. As flores ficam falando sozinhas.

domingo, 3 de abril de 2011

A ARTE DE ENVELHECER


Cícero, esquecendo os inconvenientes da velhice, confessa: “Afigura-se-me (a velhice) repentinamente doce e harmoniosa”. A velhice é o preâmbulo do silêncio maior que se aproxima entre os dias e as noites. O acúmulo de horas, de fatos, de sentimentos, de palavras, a sequência de ilusões e decepções, as glórias da juventude expandidas na mocidade tiveram, em todas as ocasiões, sombras sobre sombras.
Nesta idade cheia de anos, escuta-se o eco de tudo o que foi. Compartilhar o que passou seja mais enfadonho, talvez, do que ter arriscado a dividir os possíveis sonhos que nos seduziam nos anos da inexperiência.
A velhice é inconsútil. É um manto inteiriço, indivisível. É uma história que avança sobre o futuro. São fatos inamovíveis, imutáveis. É dessa história que vive a velhice. O rumo dos acontecimentos futuros perturba a pessoa que já passou por tantos, os viveu e tenha sido quiçá, responsável por eles. Os que virão depois, mesmo ligados aos anteriores, estarão fora de seu controle. É diante desses novos acontecimentos que a velhice busca seu próprio assento virtual. Tudo vai acontecer sem ele e apesar dele. É diante desses imponderáveis que a sabedoria dos anciãos põe em ação a arte de envelhecer.
Não será uma filosofia de vida, mas uma filosofia da ordem natural das coisas. Da infância à velhice é uma sucessão contínua de aparecimentos e desaparecimentos. Na ordem da natureza, estamos sempre na linha de sucessão e desaparecimento. Fica, depois de cada árvore, de cada espécie de flor ou animal, a herança da existência. A centenária árvore atacada pelo caruncho, um dia, será abatida pelo próprio peso ao embalo de um vento desabrido. Cai. Caímos todos. O gorgulho oculto cumpre seu papel na sucessão dos seres e dos dias.
A velhice tem a seu favor a virtude de ser lúcida e paciente. Lucidez e paciência, duas virtudes cardeais da velhice.