quinta-feira, 30 de agosto de 2012

OPINIÃO PÚBLICA


OPINIÃO PÚBLICA

“É direito absoluto do Estado supervisionar a formação da opinião pública”. Não foi Thomas Jefferson, nem George Washington, nem Winston Churchill, nem De Gaulle e menos ainda o rei da Suécia que emitiram essa intrigante declaração. Foi Josef Goebbels, ministro da propaganda nazista.
Ditadores e presidentes eleitos democraticamente aprenderam a lição e a aplicam para adaptar os fatos históricos às realidades dos interesses presentes do poder que exercem.
A opinião pública é o resumo dos programas oficiais, das declarações das autoridades, dos comentários de âncoras dos noticiosos diários, das manchetes dos jornais, da força indutiva das revistas semanais, reforçados por estatísticas e percentuais incontestáveis.
Os fatos históricos são cadáveres do passado. Ao desenterrá-los, parte deles apodreceu. A ossatura não se mantém de pé. Há que se lhe pôr recheios, escoras e deitá-los cuidadosamente sobre um estrado protegido por paredes de vidro.
A face do cadáver é a que os donos do poder apresentam. Não importa que seja deformada ou embelezada. Em muitas ocasiões, para os donos do poder, o cadáver sequer existiu. Ou dizem que não sabiam de sua existência. Ou não querem saber para não se comprometer. Esse cadáver histórico que está exposto é apenas um fantoche. E, num boneco de pano, quem há de crer.
Os fatos da história mudam rapidamente todos os dias e se superpõem sem dar tempo a que se possa distinguir uns dos outros. Os atos de violência se confundem com os de corrupção, os assassinatos com os acidentes de trânsito. Tudo é resumido em percentuais.
Só existe e da forma como existe o que a mídia orquestrada pelo poder ou cooptada por ele despeja em milhões de lares, nas ruas, nos cinemas, nos estádios. Quem é a mídia?
O cidadão é bombardeado e socorrido pelos mesmos aparelhos e pelos mesmos operadores e acredita na verdade dos fatos que lhe mostram como sua história.
Essa mesma pedagogia de imposição de verdades passa da política para a literatura, para a música e a arte, para a ética e a religião. Os que resistem têm lugar assegurado no limbo social e entram para a categoria de preconceituosos ou confinados na minoria de céticos cujo único prêmio é a liberdade de pensar.
Por isso, em alguns momentos da história, forçada pelos fatos, a mídia se volta para a minoria e assume a pretensa autoridade de mudar a opinião pública em casos como o que hoje se apresenta espalhafatosamente liderado pelo Supremo Tribunal Federal ao aplicar a justiça a criminosos acobertados pelo poder.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O CRÉDULO CONSUMIDOR E O CÉTICO PESQUISADOR




Um professor de física, em momentos distintos, perguntou a dois alunos: “quando digo ciência, a que você a relaciona”? O primeiro, sem titubear, olhou confiante para o professor e respondeu: celular, computador, carro, avião. O segundo, cauteloso, apertou os lábios, olhou para um ponto indefinido à sua frente e disse: laboratório, ampolas, microscópio, pesquisa.
O conhecimento científico conduz à produção de objetos e aparelhos para uso humano que despertam curiosidade, admiração e levam as pessoas a utilizá-los e consumi-los. O consumidor confia no funcionamento do aparelho. Acumula satisfações adicionais à sua capacidade de falar, ouvir, locomover-se e tende a aumentá-la e aperfeiçoá-la adquirindo aparelhos cada vez mais eficientes sem dar maior importância à geração de conhecimentos sobre os objetos que usa. Acomoda-se ao consumo e está atento às informações, ao marketing, à tecnologia de ponta, ao mais novo, confiante no milagre do funcionamento do aparelho. A geração consumista reduz sua vida a aparelhos e concentra sua curiosidade no melhor artefato. A felicidade sentimental, o sucesso profissional, o cotidiano emocional estão intimamente ligados aos produtos originados da ciência. O consumista é um crente. Confia no melhor aparelho. Troca o ineficiente pelo eficiente. Satisfaz-se com os resultados.
O aluno que associa a ciência ao laboratório, à pesquisa busca o conhecimento. Uma dose de ceticismo, de dúvida alimenta seu desejo de descobrir, de experimentar, de pesquisar. O que alcança pelo olho do microscópio sugere-lhe que há algo mais escondido por trás do que pode ver. O tipo de satisfação que o invade nasce de seu espírito cético e curioso em relação ao “tudo” que até agora conhece. A dúvida o liberta para dar outro passo, embora não saiba se achará o que procura. Quem pensa vê diante de si uma encruzilhada. Há caminhos desconhecidos a trilhar. Neles estão os desafios da consciência, da inteligência, das descobertas, dos segredos do universo, do mistério da vida e do destino das pessoas.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

PLANEJAMENTO URBANO



(Foto: qualquer semelhança não é coincidência).

Está na pauta de decisões administrativas do GDF a liberação da área denominada Quadra 901 Norte para investimentos imobiliários. Os efeitos propalados provenientes dessa decisão se referem à oferta de habitações hoteleiras para atender a demanda dos participantes de eventos ocasionais futuros: jogos de campeonatos de futebol. Dependurados no frágil gancho da escassez de hotéis no DF, que os arquitetos defensores do Projeto Lúcio Costa contestam, estão outros motivos reais. Os lucros provenientes desses investimentos, a geração de empregos temporários e fixos, aumento da circulação da renda no consumo de serviços e, ponto ômega, o crescimento da riqueza local imobilizada refletida no PIB do DF.
Que tem a ver essa decisão que envolve investidores da construção civil, deputados distritais, secretários de governos e o próprio governador do DF com planejamento urbano? Uma cidade se expande pela força de dois vetores básicos: população e serviços para suas necessidades vitais. São esses fundamentos que, teoricamente, orientam o planejamento urbano. Uma cidade é essencialmente um espaço de circulação de pessoas, de convivência humana, de interdependência de todas as formas de vida sustentadas pela Natureza, garantidos por serviços múltiplos que satisfaçam a população envolta numa espécie de placenta cultural que a identifica ao longo do tempo.
Comunidades e países, no curso da história, se expandiram e desenvolveram científica, técnica, tecnológica e culturalmente sem a presença arquitetônica de uma Esplanada de Ministérios. Esse modelo arquitetônico que Brasília ostenta, pela sua inovação moderna e singular, mereceu o prêmio mundial de Patrimônio Cultural da Humanidade.
Supostamente a maioria dos serviços que atenderiam as necessidades da população está nos prédios alinhados ao longo da Esplanada. O modelo arquitetônico do Plano Piloto deu nova vida à arquitetura e à concepção teórica dos espaços. Na prática, esse modelo de concentração espacial de serviços à população melhorou a qualidade da educação, da saúde, da segurança, das condições ambientais, da convivência cultural, da aceitação da igualdade civil e social dos brasileiros?
Para restringir estes comentários à área da Quadra 901 Norte, autorizada a se transformar em palco de hotéis e serviços correlatos, vale a questão: para qual população se destinam os prédios e os serviços e sua funcionalidade no tempo?
A informação oficial veiculada se refere à população flutuante, pontual e restrita que visitará Brasília durante 20 dias, em 2013 e 2014, quando se realizam jogos de um campeonato de futebol. À parte a agressão ao tombamento e às escalas previstas e sancionadas no projeto arquitetônico do Plano Piloto, a ocupação da área 901 Norte responde fundamentalmente a uma proposta imobiliária de investidores da construção civil.
A concepção de planejamento urbano está irremediavelmente excluída. Trata-se de um implante de prédios na arcada urbana para instalar serviços múltiplos sorteados entre os mais comuns para uma população desconhecida, flutuante, temporária e específica durante 20 dias.
Segundo informações colhidas junto a um tradicional hotel de 15 andares, no Setor Hoteleiro Sul, com 424 quartos, requer-se um corpo diário de 90 funcionários para atender, em média, 600 hóspedes. Os oito hotéis previstos para a 901 N concentrarão, nesse serviço, mais de cinco mil e quinhentas pessoas, número que será ampliado por outras construções anexas e seus respectivos habitantes e trabalhadores.
O fluxo de circulação dessa população incidirá sobre as vias de trânsito, estacionamentos, poluição aérea e sonora e, o mais grave, a eliminação definitiva da vegetação original dessa área, empobrecendo o ambiente bucólico. Essa desnecessária e acintosa decisão administrativa se impõe à população em nome da ganância, da irresponsabilidade administrativa e da ilusão estatística do percentual do PIB.
Brasília é refém de decisões imobiliárias tecnocráticas do consórcio construtoras e governo, sem critérios de planejamento urbano, cujo princípio básico é proporcionar serviços adequados e conforto à população da cidade.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

CICLOVIAS PARA QUEM?



Ciclovias é bom. Adaptam-se à geomorfologia de Brasília. A cidade é plana. A bicicleta é ambientalmente correta. É alternativa para o uso do automóvel. Desafoga o tráfego. Os países nórdicos têm ciclovias há mais de cinquenta anos. A China, o Japão e a Índia têm milhares, se não milhões de trabalhadores que usam a bicicleta para ir ao trabalho, ao cinema, aos supermercados, a passeios. Os reis da Suécia e Dinamarca vão a seus compromissos reais de bicicleta. A França inovou. Pôs milhares de bicicletas à disposição dos usuários mediante taxa módica de aluguel. Eis alguns dos estereótipos sobre a justificativa de ciclovias em Brasília.
Missões oficiais de observação e estudo compostas  de governadores, deputados e empresários não poderiam se lançar à aventura de ciclovias em Brasília sem constatar como funciona essa iniciativa em Paris. Não é para copiar, mas para adaptar às nossas condições e à realidade da metrópole brasiliense. Os quatro últimos governadores fizeram da ciclovia uma promessa de campanha. De tímidos vinte a espetaculares 600 quilômetros de ciclovias, os números foram anunciados em escala crescente.
Neste momento, em frente a minha janela, às margens da L-2 Sul, escavadeiras removem o piso das calçadas de pedestres para transformá-las em ciclovias. “Vai virar calçada com outro nome. Pouca gente vai usar”, disse-me o responsável de plantão.
Para quem as ciclovias de Brasília? As ciclovias ligam o que com quê? Levam de onde para onde? Quais são os pontos previstos de chegada? Correspondem à demanda declarada da população? Dá para chegar ao Palácio dos Despachos saindo do Palácio da Alvorada ou do Jaburu? Dá para chegar à UnB e outras universidades? Aos shoppings? Aos hospitais? Aos colégios? Aos ministérios? Aos cinemas e teatros? Aos bancos? Os estacionamentos para esses milhares de bicicletas já estão projetados?
– Você não vai querer que a presidente Rousseff vá de bicicleta à reunião com trinta ministros ao Palácio dos Despachos. Ou senadores e deputados, ao Congresso Nacional. Ou ministros, ao Supremo Tribuna Federal e a outros tribunais. Ou que médicos e enfermeiros saiam do Lago Sul ou Norte, de São Sebastião ou Santa Maria para socorrer pacientes nos hospitais. Ou que milhares de funcionários e empregados do comércio abandonem seus carros para pedalar, faça sol ou caia chuva.
Para os que moram na parte leste da cidade e têm interesses a satisfazer em centros literários, musicais, religiosos ou no Parque da Cidade que se localizam no lado oeste de Brasília, por onde passa a ciclovia? Brasília é vista sempre de Sul a Norte e vice-versa. O trânsito Leste/Oeste é um enigma.
Então, para quem são os 600 quilômetros de ciclovias que estão tomando o espaço de calçadas de pedestres? Os visitantes oficiais perceberam em Paris (esta é a dúvida!), ou Helsinque, ou Estocolmo que calçada é calçada para pedestre e ciclovia é para bicicleta?
Minha suspeita, política e culturalmente correta, é que as ciclovias se reduzirão a deliciosos passeios ao redor das quadras, com risco de perder a vida na travessia de ruas ocupadas por automóveis. Na melhor das hipóteses, teremos enfim calçadas sólidas e melhoradas para os intrépidos e teimosos pedestres que preferem saborear a quietude das árvores e as surpresas 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O RETORNO DAS ÁGUAS



Quando publiquei o pequeno livro O RETORNO DAS ÁGUAS (edição bilíngue), em 2005, meus experimentos em ações de preservação de nascentes, no Sítio das Neves, completavam mais de vinte anos. Durante esse tempo, dediquei-me a observar o comportamento das águas no período seco e na estação das águas.
A primeira lição que o cerrado me deu referia-se à rápida evasão das águas da chuva pelas grotas e canais milenares de esgotamento que as levavam para os córregos e ribeirões. O escoamento rápido era favorecido pela nudez do solo provocada pelas queimadas anuais estimuladas pela cultura popular composta de crendices e falsas informações.
Duas iniciativas pareciam brotar do chão sugeridas pelas leis físicas da natureza. Primeiro, impedir as queimadas; segundo, captar, conter e reter as águas da chuva por meio de barragens. O resultado óbvio previsível: as águas permaneceriam mais tempo na área, a vegetação se expandiria e reteria nas folhas e nas raízes maior volume de umidade.
Leituras e consultas a especialistas ampliaram minha curiosidade de sociólogo observador. Interessei-me por compreender o ciclo das águas, os aquíferos subterrâneos, os processos de infiltração e percolação, a lei da inércia aplicada aos fluxos líquidos, a espetacular solidariedade dos vasos comunicantes.
O diálogo permanente e intenso com a natureza me fez compreender que eu faço parte dela. Concluí que eu preciso da água e a água precisa de mim ou de minhas atitudes coerentes com as leis da natureza.
Minhas observações, reflexões e mensurações conduziram-me a perceber, depois de alguns anos, sinais de nascentes ou olhos d’água em pontos mais altos da área. A restauração da vegetação, nesses locais, antecipava o afloramento da água logo nas primeiras chuvas. Meu Sítio tem, no período chuvoso dezenas de afloramentos de água que se esgotam com o final das chuvas. Há outros, porém, que resistem aos veranicos e se prolongam por pouco tempo depois do término da estação chuvosa.
Atento às leis físicas, ao processo de infiltração e percolação resultante da captação, contenção e detenção das águas pluviais, acalentei a certeza de que seria possível emendar as águas da chuva com os aquíferos subterrâneos. A recarga do lençol freático formaria pressão suficiente para que se restabelecesse a vida das nascentes.
As leis físicas não me enganaram. Levei amigos, estudiosos e especialistas da Agência Nacional de Águas para comprovar o retorno das águas, numa das nascentes intermitentes, depois de quase 30 anos de espera paciente.
Uma tremenda emoção me sacudiu o espírito diante do milagre da natureza operado pelas 

O ASSESSÓRIO SEM O ESSENCIAL



Os princípios da convivência entre as pessoas e do exercício da democracia participativa encontram rotineiros obstáculos para serem concretizados na prática política e social dos cidadãos.
Os que são guindados ao poder pelo voto ou pela confiança dos eleitos atribuem-se o direito e a obrigação de propor programas, projetos, mudanças, decretos e ordens de serviço a funcionários e à população.
O que vinha sendo feito recebe nova marca, nova orientação, nova nomenclatura, nova maquilagem, novas variações sobre o mesmo tema. Os novos administradores não contestam a essência da educação ou da saúde, por exemplo. Apresentam, investidos de autoridade, nova forma de mantê-los em funcionamento.
Os dois grupos que perseguem o poder, como as mariposas, rodeiam a lâmpada. O grupo de oposição e o que defende a nova situação parece não quererem distinguir entre o anúncio, o corpo e a execução de um programa. Os que elaboraram o programa sabem que a oposição não sabe distinguir. A essência do programa está em anunciá-lo. Seus efeitos serão, antecipadamente, acomodados em estatísticas iluminadas por projeções convincentes. “Estão previstas obras para o setor e os recursos já foram orçados para financiar os projetos que serão aprovados”.
No rosto da educação, as maquilagens feitas nos últimos anos não esconderam as rugas que o tempo deixou nas várias gerações que passaram pelas escolas, antes ditas colégios. A redefinição oferecida por ilustres pedagogos e burocratas, especialistas em decoração da expressão linguística, ameaçou tirar a educação brasileira do marasmo histórico, melhorando o vocabulário sem lhe alterar a essência. De “instrução pública” a “educação pública, de primário a primeiro grau, deste para ensino fundamental, de tecnólogo para curso superior de tecnologia, de Artigo 99 para Supletivo, de alfabetização para letramento, essas modificações na forma sem alterar a essência, isto é, o projeto educativo nacional, não fizeram que o Brasil avançasse mais do que         a 84ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (entre 187 países) ou à 57ª no exame Pisa (entre 67 países).
O que dizer de Ministros de Estado que lamentam o stress hídrico em vez de referir-se claramente à falta de água limpa ou que troquem o impacto negativo das queimadas anuais, antes ditas focos de incêndio devastadores, por “focos de calor”?
São esses estereótipos generalizados e eufemismos saltitantes que gradualmente e alarmantemente inibem a capacidade de pensar dos cidadãos, venham eles da escola primária, do primeiro grau ou do ensino fundamental da nova educação pública.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O LIXO É SUSTENTÁVEL


 

Somos sete bilhões de seres humanos empenhados em produzir toneladas de lixo diário nos mais variados modelos e nas mais estranhas espécies. Do copo plástico do cafezinho ao sofá desmantelado, do saco de supermercado ao carro despedaçado, do toco de cigarro a restos de comida, embalagens diversas e entulho de construção depositam-se à beira de rodovias, enchem-se contêineres, caminhões, lixões, usinas de reciclagem, rios, córregos, lagos e o mar. Gases-estufa, lixo atômico, usinas elétricas, carros e aviões, indústrias de todo tipo emitem CO2 e concorrem para o aquecimento global do planeta.
O lixo é sustentável por duas razões em consequência de nosso estilo de vida: lixo gera lixo, isto é, para recolher lixo precisa-se de algo que terminará no lixo; a reciclagem do lixo o transformará em nova modalidade que, depois de usada, será jogada no lixo. Esta corrente é sem fim e tem seu primeiro anel no próprio produtor de lixo: o homo sapiens.
As quantidades são enormes e escapam à capacidade aritmética e à possibilidade de imaginar o que significam em números. E o que mais assusta é o volume de lixo que não se vê. Há dejetos produzidos pela agricultura, mineração, indústria, energia elétrica e resíduos líquidos que alcançam cifras de bilhões de toneladas. Para onde vai esse lixo? Ao mar, à terra, ao ar.
Essas montanhas que os lixões do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília apresentam na TV para comover os produtores de lixo são apenas o que se vê. A ONU estima uma produção de lixo humano visível de 1 bilhão de toneladas por ano. Isto quer dizer o equivalente a 140 quilos por pessoa no período de um ano ou quase meio quilo por habitante dia.
O que se deve observar é que apenas pequena parte dessa montanha de lixo é reciclada. Mais de três quartas partes é puro desperdício. Vai para o chão. No Brasil, recolhem-se diariamente ao redor de 240 toneladas de lixo, ou seja, mais de um quilo por cidadão. No Distrito Federal, a média de produção diária de lixo visível por habitante é de um quilo.
Somos incansáveis na produção de lixo e sequer percebemos. Quando entramos no supermercado, na farmácia, no restaurante, no posto de gasolina, na sala de cinema ou teatro, na oficina, na loja de material elétrico, na gráfica, na livraria, no automóvel, ou saímos à rua, ou pegamos a estrada para curtir as férias, grande parte do que compramos é ou será lixo. O lixo é insinuante, nos engana e seduz. Produzimos lixo desde o berço. Nossa casa é uma indústria de lixo que será aperfeiçoada na escola, receberá diploma acadêmico na universidade e será remunerada com altos salários em nossa vida profissional.
Há, porém, uma espécie de lixo do qual pouco se fala por discrição, pudor, vergonha ou delicadeza social. Não menciono os cemitérios para não ofender a reputação dos mortos ilustres. Aldous Huxley – Admirável mundo novo – introduziu nos majestosos edifícios do Crematório de Slough equipamentos para transformar o P2 e o O2 em fósforo ao invés de poluir o ar da Inglaterra. Os filtros extraiam mais de um quilo e meio de fósforo por corpo de adulto cremado.
Refiro-me, com circunspecção, a outro tipo de dejeto produzido do qual não estão livres reis, papas, presidentes, pobres e ricos, grandes e pequenos, precedido ou seguido de flatos cujo gás inunda os ares. A flatulência gasosa se soma ao dejeto sólido. Esse lixo invisível, à razão de 250 gramas diários, produzidos por 190 milhões de cidadãos brasileiros, coletados em vasos de porcelana, é ainda desaproveitado. Alguns rios que outrora passavam sonhadoramente por nossas cidades hoje cumprem o sanitário dever de levar ao mar milhões de metros cúbicos de restos que o organismo humano despreza. Temos tecnologia para aproveitar os dejetos de aves, bovinos e porcinos, ovinos e muares, mas as fezes do homo sapiens ainda jazem sob os nossos pés ou misturadas com as águas recicladas rio abaixo. A Microsoft está patrocinando a construção de sanitários capazes de converter fezes e urina em fertilizante. O futuro da tecnologia está assegurado
Tudo somado, o visível e o invisível, conclui-se que o lixo em sua multifária variedade e inacreditável tamanho é um produto autossustentável, renovável, durável e abundante. É um potencial inesgotável mais que o petróleo para o futuro do crescimento da economia, da importação e exportação, dos investimentos públicos e privados e para um PIB mundial e nacional robusto e otimista.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

TRÊS PILARES DA SUSTENTABILIDADE


 

Especialistas, teóricos ambientalistas, economicistas, equilibristas ambientais acomodaram o conceito de sustentabilidade sobre três pilares: social, econômico e ambiental. Outros acrescentam a coluna “cultural” pondo o edifício conceitual sobre quatro pés. O cultural é vasto e engloba tudo o que os outros três escondem: comportamentos, educação, planejamento, gestão. Com esta maquete parece resolvido o impasse da sustentabilidade.
A referência principal desse esquema está posta sobre as desigualdades globais, não só nacionais ou regionais. A proposta é produzir comida e bens para alimentar e dar conforto a toda a população mundial. O social e o econômico dependem do pilar ambiental, isto é, dos biomas espalhados pelo planeta que propiciam a fertilidade da terra para cultivá-la.
Parece que a preocupação do social e do econômico, diante da realidade desigual do planeta, visa a satisfazer as necessidades de dois bilhões de pessoas desnutridas que continuam a se reproduzir em velocidade maior do que a da produção e distribuição de alimentos.
A miséria e a riqueza se reproduzem ao mesmo tempo. Ambas se confinam no mesmo espaço e no mesmo tempo. Uma ínfima parte da riqueza chega até a miséria. Isto é, o econômico e o social se respeitam, se controlam, mantêm distância. Há frequentemente contradição entre as decisões dos gestores econômicos e sociais. Antes a feitura do bolo e depois sua repartição? Ou faz-se a repartição da renda para fabricar o bolo? O bolo que os dois bilhões de famintos querem é o mesmo que requerem os ultrassaciados? O ambiental arca com o peso dos dois pilares. É possível produzir alimentos e bens sobre um bioma em alta velocidade usando os artifícios tecnológicos disponíveis. Mas o tempo e a velocidade da renovação do bioma são inversamente proporcionais aos do econômico e do social. Essa assimetria de tempo e velocidade é um forte obstáculo à desconstrução da desigualdade. O conceito de sustentabilidade esbarra no pilar ambiental. O pilar ambiental não tem o mesmo tamanho, a mesma medida e a mesma robustez do econômico e a mesma flexibilidade do social. O governo pode tomar medidas de distribuição de renda, isto é, repartir o orçamento entre os que não têm salário suficiente para mover o comércio. É medida aceitável do ponto de vista estritamente social. Mas a resposta sobre o ambiente pode ser catastrófica.
O ponto de equilíbrio está no tamanho da população e na velocidade de sua reprodução. Dois bilhões de famintos podem gerar milhões de pessoas que forçam os três pilares e pesam mais sobre o ambiental do que sobre o econômico e o social. Não é apenas sobre a produção de alimentos. É espaço físico, moradia, transporte, comunicação, ar puro, água limpa, escolas, hospitais. A velocidade da agricultura para a produção de alimentos não é a mesma da bolsa de valores onde se geram bilhões de dólares para a economia financeira, abrindo a fossa entre ricos e pobres. Quanto dessa massa de dinheiro é canalizado para a renovação dos biomas e preservação da biota?
Quem sustenta quem? A renda sustenta o consumo que sustenta a indústria e o comércio que sustam as bolsas que sustentam os bancos. Trata-se, pela lógica, de sustentabilidade do sistema econômico vigente com a retórica adjetivável do “sustentável”.
A renovação e a reprodução evolutiva dos biomas no conjunto da natureza global garantem a biodiversidade e a produção de alimentos associadas ao controle do crescimento da população mundial. A prática racional e adequada de utilização das riquezas naturais e a observação dos tempos necessários asseguram a renovação e a reprodução vegetal dos biomas, a consequente fertilidade do solo e a preservação da biota existente e associada a eles.
As desigualdades têm razões que a razão pretende desconhecer. Quem, objetiva e sinceramente, quer a igualdade econômica, social, ambiental e cultural?

quinta-feira, 2 de agosto de 2012


SUPREMO TRIBUNAL DA MENTIRA

Os olhos de parte dos cidadãos brasileiros estão voltados para o Supremo Tribunal Federal. A verdade e só a verdade, dizem, está na mira dos togados. Eles condenarão ou não os acusados de crime contra o erário público. Os acusados e seus advogados provarão serem inocentes. Por que, então, esse teatro todo diante de 38 inocentes? Um dos fatos, a menos que tenham sido um fenômeno explícito de ilusão ótica quando filmados, é que mãos entregaram a outras mãos dinheiro vivo. E dinheiro foi encontrado em cueca, em meias, em bolsas, em pastas 007. De quem eram as mãos, as cuecas, as meias, as bolsas e as pastas? Eis a questão que atormentará o juízo dos ministros do supremo tribunal da mentira.
As relações sociais, econômicas e políticas da sociedade brasileira são orientadas pelas cláusulas gerais do código nacional da mentira. Os meios de comunicação repetem, de hora em hora, parte dos fatos, sejam de sequestros, assassinatos, acidentes de trânsito, roubos, peculatos, assaltos a bancos, mortes de crianças em hospitais, secas no Nordeste, inundações na China ou no Amazonas. Os números absolutos são seguidos de percentuais imprescindíveis à compreensão do cidadão comum. Sem o percentual, obsessão do jornalista repórter, seria incompreensível a notícia. O 0,2% ou o 23,79% dão credibilidade aos fatos. É a verdade estatística que se modifica de hora em hora. E de tanto serem repetidas por distintos organismos públicos e privados, por figuras do governo ou de grandes empresas criam um lastro de autoridade sobrenatural a que se dá crédito irrestrito. Haverá quem diga “a grande verdade” é a seguinte, sem se perguntar se existem pequenas verdades.
Ouço, diariamente, entrevistas e pronunciamentos das mais graduadas autoridades da república, incluindo assessores e presidentes, dos ministros de Estado, de empresários de renome. Leio artigos de jornais e revistas, projetos e programas de âmbito nacional e, comparando-os com a efetiva realização, descobri uma gama razoável de indicadores detectores de mentiras oficiais. Esses indicadores poderiam auxiliar os togados do STF a detectar as mentiras formuladas pelos acusados inocentes e seus defensores.
São indicadores de uso comum de qualquer cidadão, seja doutor ou analfabeto. Os principais são: nada, nunca, nenhum, sempre, todos, tudo, ninguém. Em geral, eles precedem a mentira ou a trama da mentira. Alguns exemplos:
Este programa de governo não tem NADA a ver com as próximas eleições.
As nossas ações de governo visam SEMPRE a população pobre e a inclusão social, mesmo em se tratando de isenção de impostos.
NUNCA antes neste ministério, neste estado, neste país.
Neste projeto, NINGUÉM tem privilégios.
A lei é para TODOS. Ou: TODOS são iguais perante a lei.
Não há NENHUM interesse em prejudicar os adversários e NENHUMA relação com os fatos por eles mencionados.
Em razão dos acontecimentos, foram tomadas TODAS as medidas cabíveis.
TUDO será apurado com o rigor da lei e TODOS os envolvidos serão punidos.
Quanto mais vezes esses termos forem usados por advogados de acusação ou de defesa, mais próximos estaremos da mentira. Mas, como o Supremo Tribunal da Mentira não se reúne para condená-la, será possível provar a TOTAL inexistência do mensalão e que NENHUMA evidência de crime será constatada dos autos do processo.


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