sexta-feira, 29 de março de 2013

O MITO DA OPÇÃO PELOS POBRES OU POBREZA SUSTENTÁVEL




Que seria dos finlandeses, suecos, dinamarqueses e noruegueses se, em vez de administrar a riqueza produzida por todos e para todos os cidadãos, os governos daqueles países tivessem optado, há duzentos anos, pela assistência aos menos favorecidos, filhos de agricultores ou de serviçais de reis, rainhas, príncipes e princesas?
Esses países fizeram a opção pela educação pública para todos, independentemente de origem ou localização geográfica. Todos os cidadãos são iguais perante o conhecimento. As oportunidades futuras esperaram por eles.
O mito da opção pelos pobres sugere uma categoria de pessoas inválidas, incapazes, deficientes com marca biológica e genética específica, cuja debilidade requer cuidados permanentes do Estado invasor, semelhantes aos que se destinam a tribos indígenas. Conclui-se que pobres geram pobres num espaço de pobreza, assim como os indígenas se reproduzem na selva.

Quem é o pobre?

A opção pelos pobres corresponde à ideia que se tem deles para justificar as ações propostas para atendê-los. O critério básico dessa opção é que o pobre precisa de dinheiro para sobreviver e se reproduzir. Leia-se: O pobre não é. O pobre precisa ter. Não dispõe de dinheiro para construir uma casa decente, ter água potável, canalização do esgoto, recolhimento de dejetos e lixo. Mora em agrupamentos improvisados, favelas, mangues, palafitas com quase todas essas deficiências. Padece de desnutrição. Alimenta-se mal. São características de pobreza material.
Há uma escala de pobreza e miséria com graduações variadas, o que permite aos governos produzir estatísticas da eventual ou real mobilidade de um patamar de pobreza a outro sem afetar a opção pelos pobres. Nunca se sabe ao certo qual dessas graduações é mais numerosa ou mais importante para a elaboração de programas: se os miseráveis, os que vivem em extrema pobreza ou os simplesmente pobres, acima ou abaixo da “linha de pobreza”. Uns são mais excluídos que outros, por isso as ações empreendidas não alcançam a todos ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. Ou seriam tipos de pobreza cada qual com sua genética e sua patologia biológica e social?
Qual é o tamanho da população pobre do Brasil? Ninguém sabe. Ninguém. O que se sabe é um número contido num percentual. É sobre esse percentual impreciso que se elaboram cadastros, se concebem, produzem e executam todos os programas para os pobres.

Por que a opção pelos pobres?

Qual será o fundamento filosófico que anima a permanente opção pelos pobres e gera, ao mesmo tempo, um estado de pobreza sustentável? Num Estado democrático ou autoritário há sempre um jogo e uma disputa política pela manutenção do poder e da autoridade em mãos de um grupo, de um partido, de uma ideologia.
Os pobres de espírito, isto é, os que reconhecem seu estado de pobreza e aceitam viver em tais condições de penúria material e social são “dignos do reino dos céus”, isto é, dos benefícios paternais do governo. Pobres, nesse contexto, são os que reconhecem seu estado de pobreza pública e estatisticamente declarado com direito a benefícios e favores. Adquirem, portanto, o direito a favores programáticos que ninguém ousa contestar para não ser acusado de elitismo ou neoliberalismo. Os pobres aceitam o estado de pobreza por ser útil a eles e conveniente aos que o sustentam.
O jogo do poder conta com um amplo leque de bondades e favores distribuídos preferencialmente aos que apoiam, alimentam e sustentam os governantes. Nesse jogo do poder, conta-se com o reconhecimento dos beneficiados pelos favores recebidos. Uma forma de reconhecimento é não contestar o poder; é aplaudi-lo, defendê-lo e mantê-lo funcionando nesse ritmo de concessão de favores.
Mas os obséquios não são distribuídos uniformemente. O poder sabe manter divisões de classes, distintas categorias de grupos e astutamente adéqua o discurso, a distribuição de benefícios e as justificativas. Possui meios para controlar a luta entre os mais e os menos favorecidos. Tolera os desafios e sabe que as diferentes classes requerem atenções especificas. Há categorias de súditos que exigem mais favores que outras e manifestam sua vontade de tempos em tempos. Há outras categorias de beneficiados que, pela sua posição no tablado social, não reclamam melhores favores. É a categoria dos pobres. Pobres não fazem greve. Eles têm, hoje, o que nunca tiveram. Reclamar mais é correr risco de perder o que lhes deram. O poder instituído conta com a barreira do medo e os pobres não a ousam ultrapassar. Nem, por isso, são menos reconhecidos pelos favores recebidos. A gratidão é o mais sublime gesto do reconhecimento da dependência do favor recebido.
  
Justificativas

Os de cima, os governantes sabem o que é bom para os pobres. Dão-lhes gratuitamente meios materiais como se tirassem do próprio bolso. Transformam-se em pais e benfeitores para criar a dependência afetiva, dominar as emoções dos pobres com atos formais de atenção. Ao mesmo tempo, cria-se o fascínio amoroso pelo pobre para que outros doem o supérfluo. Preparam-se ocasiões especiais em que os pobres são convidados a festejar o Natal, a Páscoa, o Carnaval, o Dia da Criança pobre, o Dia das Mães pobres sem esquecer o dia das urnas. Publicam-se por todos os meios de comunicação as emoções públicas da generosidade dos doadores e reconhecimento lacrimoso dos beneficiados.
Forma-se uma corrente de apoio à retórica, aos programas e ações envolvendo pessoas, ministérios, igrejas, ONGs, meios de comunicação de massa para consolidar a dependência e criar a consciência de pobreza sustentável. Há que se repetir nos discursos, nos programas, projetos e ações públicas a contínua opção pelos mais pobres.
Toma-se o cuidado de desvincular o poder benfeitor de comportamentos antiéticos e imorais que rolam a seu redor para que a imagem paternal não se manche diante dos favorecidos.
Intensifica-se a publicação de estatísticas complexas, detalhadas (por idade, sexo, cor), com percentuais abundantes para comprovar a existência dos pobres, a atenção dada a eles, as melhorias obtidas, preservando a sustentabilidade da pobreza. O Estado consegue, ao dar comida e acesso aos bens materiais a milhões de pobres, a mágica social de manter neles a consciência da pobreza sustentável e a dependência política.

Ferramentas

Como sustentar o estado de pobreza e como fabricar pobres? Uma das ferramentas é mantê-los a uma prudente distância geográfica, social e política de todos os centros de decisão. As técnicas e métodos participativos se destinam também e, em muitos casos, a ter consciência da própria realidade. As decisões sobre as ações programadas são comunicadas e justificadas segundo critérios de pessoas ausentes à realidade estudada. As obras e os orçamentos, executados ou não, formam, antecipadamente, parte das estatísticas como fatos consumados.
Os programas obedecem a mapas geográficos da pobreza que indicam onde estão os pobres e a rota de sua mobilidade. A área rural, as periferias das cidades, os locais que oferecem subempregos (estacionamentos, semáforos, portas de banco e supermercados), as funções semiescravas de crianças, mulheres e homens (empregados domésticos, vigilantes noturnos), ruas, marquises, casas e edifícios abandonados, pontes e viadutos compõem o mapa da pobreza. Esse mapa engloba todos os graus da exclusão, desde a extrema pobreza miserável até a elite da pobreza nas favelas de grandes cidades.

Processo gradual da pobreza sustentável

Introduzir a população pobre nas estatísticas é o primeiro passo da sustentabilidade. É preciso saber quantos são e onde estão para mantê-los num rigoroso controle de reprodução social. A sustentabilidade da pobreza não conflita com o ter, com obter objetos. Estabelece-se a ilusão da igualdade do ter, de entrar nos centros comerciais, de adquirir bens de uso comum. O que a pessoa é, reveste-se com o que tem. Transforma-se a possibilidade de consumir bens em sonhos de realização pessoal: aparelho de TV, computador, celular, geladeira, fogão, máquina de lavar, carro, casa e dezenas de outros objetos de conforto disponíveis a todos. Nada disso seria importante sem a cédula de identidade e o título de eleitor, portas de entrada para as manipulações estatísticas.
Na produção criativa da riqueza, há uma reserva de áreas de trabalho para os pobres onde a remuneração é baixa, insuficiente para as necessidades básicas e ao conforto: lixões, agricultura de subsistência, subempregos diversos e improdutivos. No processo de sustentação da pobreza, separa-se a comercialização dos produtos da etapa de produção, seja primária ou processada. Mecanismos fundamentados na proteção do consumidor tendem a desconsiderar certos custos da produção (tempo, mão de obra, investimentos) para que a intermediação feita por agentes externos lucre com os preços de venda.
Fomenta-se, dessa forma, uma economia solidária para os pobres. Elabora-se a cadeia produtiva da pobreza, isto é, os elementos de manutenção da pobreza produtiva são solidários: baixa produção, comercialização terceirizada, processamento de produtos de qualidade inferior se integram num sistema de autogestão da pobreza. Os dados da economia solidária dos recicladores indicam a existência de 30 mil empreendimentos dessa categoria, congregando 3 milhões de trabalhadores, muitos deles com renda menor do que um salário mínimo.
  
Nova ética da dependência

Em reuniões de avaliação de programas destinados à população pobre (Bolsa Família, Luz para Todos, cisternas, Minha Casa Minha Vida, dezenas de outras ações de ONGs, prefeituras, secretarias de bem-estar, associação de moradores) são correntes as expressões formuladas espontaneamente pelos beneficiados desses programas: “o lugar é pobre, o bairro é pobre, aqui a maioria é pobre, aqui é longe de tudo”. Sentem-se parte dessa pobreza coletiva. Adquirem a certeza de que são pobres. Essas manifestações não consideram a TV, a geladeira, o celular e outros objetos da chamada inclusão como extintores do estado de pobreza.
Por astúcia e medo de perder o direito de viver no estado de pobreza com os benefícios que recebem, é humano apelar para as limitações em que vivem comparadas com a riqueza exposta nas propagandas, no desperdício de dinheiro público, no roubo ou desvio de milhões de reais ou nas novelas de TV. É uma tática política para permanecer na fila da distribuição de sobras e liquidações de orçamentos.
Consolida-se a consciência da pobreza como condição humana, social e política para continuar recebendo atenção especial. Prolonga-se indefinidamente o estado de dependência com um sistema de aprendizagem e ensinagem deficiente, limitado; com serviços públicos de saúde e transporte inadequados. Toma-se a precaução de consolidar a dependência mantendo a população pobre longe dos centros de decisão cultural e política (teatros, cinemas) oferecendo, de tempos em tempos, diversões de massa.
O ponto mais delicado para garantir a sustentação do estado de pobreza e a dependência de favores do Estado é dosar prudentemente o acesso da população pobre ao conhecimento crítico, limitando a capacidade e a liberdade de pensar.
Por que será que os governantes de nosso país não se propõem a fazer da educação a principal ferramenta para que toda a população brasileira, em todos os estados e regiões, se aproprie das imensas oportunidades que a evolução social, cultural, política e econômica lhes oferece? Seria optar por uma ação universal que atingiria indistintamente toda a população em qualquer lugar do país.
Ao invés de preparar os cidadãos para responder aos desafios que se apresentam na construção de uma sociedade justa, os governantes lamentam a falta de capacidade e de conhecimento da população para agarrar as oportunidades e executar com eficiência, eficácia e segurança os projetos mais e mais complexos do dia a dia. A continuar nesse rumo, o que será desastroso para o país, as perspectivas apontam para a consolidação das desigualdades nos vários Brasis.
Estou convencido de que somos uma população excessivamente grande num país demasiadamente imenso e complexo para depender das precárias capacidades administrativas de governantes que ensaiam experimentos casuísticos, perdidos na selva sem bússola.

domingo, 24 de março de 2013

AS DIATRIBES DE UM PRONOME POSSESSIVO




A mulher com quem convivo há quarenta e quatro anos, não ininterruptamente, pois o próprio tempo mutante, o espaço e as circunstâncias humanas conspiram contra a convivência linear, não é minha.
A mulher com quem se convive também é definida como esposa (do latim spondere) que responde afirmativamente ao compromisso com o varão; consorte (no sentido de consorciar) do contrato social; cônjuge na caminhada (jungir com); companheira que comparte do pão (cum panis). Lembrem-se de que o português é a “última flor do Lácio”.
A mulher é o todo feminino da espécie humana, assim como o varão é o todo masculino. Macho e fêmea fazem parte do código biológico da reprodução. A lei da convivência entre os da mesma espécie, porém, é afetada por um pronome possessivo.
O pronome possessivo “minha” esposa ou “minha” mulher deriva dessa resposta dada ao homem forte, viril, varão. Resposta, na lei biológica, significa que a mulher aceitou ou foi submetida à fecundação. O ato da fecundação não gera direito de propriedade. As diferentes culturas, ao longo do tempo, compuseram rituais distintos para essa resposta.
O pronome possessivo se generalizou na prática da propriedade privada sujeita à defesa incondicional, à pilhagem, à alienação, ao roubo. O possessivo não é absoluto nem intransferível. Pode-se dar toda ou parte da propriedade ou simplesmente desfazer-se dela, abandoná-la. Ou desejar possuí-la. Ou destruí-la.
Pensei longamente nesse pronome possessivo durante os doze dias em que a mulher com quem convivo por mais de quatro décadas permaneceu na UTI de um hospital entre a vida e a morte.
Que sentido tem o pronome possessivo em se tratando de vida? O possessivo se refere a que aspecto da vida? O que pode ser meu do mistério vida alheia, vida de outro ser? O que fica da vida compartida, consorciada? Até onde ou em que ponto a lei, os códigos da convivência participante da vida se confundem com as leis biológicas que separam uma vida da outra?
Duas vidas paralelas caminham lado a lado para separar-se no infinito. Um infinito intemporal, súbito, imprevisível. O pronome possessivo é uma deturpação do mistério vida. A convivência, na singeleza desse mistério vida, parece-me o privilégio transcendental dos seres vivos que se reconhecem no olhar e nas palavras que brotam de seus pensamentos.
A vida compartida, sem a diatribe do pronome possessivo, é a expressão mais generosa da liberdade de ser, de estar, de viver e de reintegrar-se no universo.

terça-feira, 12 de março de 2013

UM ESPAÇO À MINHA ESPERA



         O filósofo Agostinho de Hipona alertou seus leitores, por volta do ano 415, com esta frase: “Um caminho está à sua espera”.
Inconscientemente, eu procurava lugares, espaços, ambientes, caminhos com os quais ou com um deles me poderia entender. Então, determinaria sua configuração, sua maneira de me receber, obedecer e seguir minhas ordens. Todos esses espaços que eu projetava em mim, que eu desenhava para mim, se dissolveram como grandes nuvens cheias de promessas de chuva. Os ventos as levaram para outras regiões. Compreendi, então, que não são os seres vivos que esperam por espaços. São os espaços que esperam por eles.
Certo dia, um espaço, um pedaço do bioma Cerrado se ofereceu gratuitamente à minha desatenção. Insinuou-se sorrateiramente. Usou sua delicada e frágil maneira de sedução. Quando percebi, estava amarrado a ele por laços firmes e inquebrantáveis. A linguagem entre nós se tornou comum. A compreensão das mensagens recebidas ajustava-se às aspirações desejadas. Um novo universo exterior se revelou ao mundo interior que eu procurava. Denominei esse espaço: Sítio das Neves.
Defini esse novo estado de espírito como felicidade vegetal. Nesse momento senti com emoção e inteligência que as árvores e todos os animais desse ambiente viviam em estado de graça. Eram felizes porque possuíam tudo gratuitamente e ofereciam essa felicidade para o desfrute de quem a quisesse saborear.
Que ordens seguiam todos esses seres vivos que destilavam felicidade para aproveitamento de quem passasse por eles? Lição por lição, diálogo por diálogo, compreendi que um código irrecusável, contendo leis físicas, biológicas e genéticas, governava todos os tipos de inteligência dos seres vivos.
Todos os seres vivos são iguais perante estas leis e todos têm direito fundamental à vida. Mas a vida não pertence individualmente e exclusivamente a cada ser vivo. Todas as vidas brotadas das mesmas leis genéticas dependem umas das outras. As leis biológicas e genéticas determinam a interdependência dos seres vivos. O gás carbônico que eu emito é necessário à vida das plantas. E elas me pagam com uma porção de oxigênio. A cadeia da interdependência amarra os seres uns aos outros.
Quase ao final do meu caminho, encontrei o espaço que me esperava há milhões de anos. Um espaço verde, cheio de vidas às quais misturei a minha. Uma felicidade vegetal me inunda como as águas que molham o chão.
12/3/2013

sexta-feira, 1 de março de 2013

ÁGUAS DE FEVEREIRO 2013



    O mês de fevereiro (2013) apresentou apenas três dias de boas chuvas na região do Sítio das Neves. Nos dias 2, 6 e 10, com 36.2mm, 38.5mm e 21.4mm. Foram 19 dias sem chuva diminuindo o fluxo das nascentes e baixando o volume dos córregos e ribeirões. O volume total de chuvas do mês foi de 132.7mm, com média diária de 4,7mm. O volume foi de 92 milhões de litros no mês (92 mil m3), com média diária de 3,2 milhões de litros (3.290m3).


Comparação dos volumes dos meses de novembro, dezembro (2012), janeiro e fevereiro de 2013.
NOVEMBRO
DEZEMBRO
JANEIRO
FEVEREIRO
TOTAL
228,3mm
235,1mm
457,8mm
132,7mm
1.035.9
7,61mm
7,83mm
15,2mm
4.7mm
8.6mm

Na segunda linha, leem-se as médias diárias de cada mês e a média diária dos quatro meses.
Note-se que o volume de águas do mês de fevereiro (2013) é bem inferior ao registrado em novembro de 2012.

Nas áreas cobertas de vegetação, como no Sítio das Neves, as nascentes se mantiveram ativas. As barragens contribuíram fortemente para a infiltração e percolação. Nas áreas vizinhas, com pisoteio de gado, queimadas e aração, as fortes chuvas de janeiro arrastaram volumes imensos de sedimentos aos córregos.

Área do Sítio das Neves: 700.000 m2.

1.3.2013