quinta-feira, 28 de julho de 2011

EMPREGO VERDE

A urbanização acelerada, e geralmente descontrolada, é um fenômeno de nossa época. Pequenas cidades subiram à categoria de médias e estas estão alcançando o tamanho de metrópoles. Brasília, capital do Brasil, a quarta metrópole do país, prevista para chegar ao ano 2000 com 500 mil habitantes, naquele ano, atingiu quase dois milhões de pessoas, ultrapassando, hoje, os 2,5 milhões.
Brasília, na expressão de seus governantes e empresas de construção, orgulha-se de projetar e executar o primeiro bairro ecológico da América Latina – o Setor Noroeste – gerando empregos verdes. Por que verdes?
O setor da construção urbana concentra, no mundo, 25 a 40% do uso da energia disponível produzida por usinas atômicas, hidrelétricas, eólicas e outras. Produz 30 a 40% do total das emissões de gases causadoras do efeito estufa. O emprego verde se relaciona a esses aspectos.
O emprego verde não significa pintar de verde os prédios e apresentar maquetes rodeadas de coqueiros. O emprego verde se refere fundamentalmente à redução de emissões de dióxido de carbono e à descontaminação gradativa do ar no ambiente local. Entre as principais tarefas dos construtores é conseguir pelo emprego verde a instalação de tetos isolantes, aquecedores de água solares, dispositivos de iluminação com baixo consumo energético, reduzindo-se o gasto com eletricidade e captando as águas pluviais para uso doméstico e irrigação das áreas verdes, jardins e parques.
O emprego verde tem a ver com as áreas adjacentes que compõem um ambiente saudável e agradável com arborização adequada e suficiente para melhorar os índices de umidade, impedir a erosão, evitar a impermeabilização do solo e facilitar a infiltração de parte das águas da chuva para recarga dos aquíferos.
O emprego verde requer o uso de transporte alternativo ao carro individual. O desenho das rotas inteligentes do transporte público também é importante para evitar a circulação em ruas exclusivas de prédios habitacionais, deixando vias expressas para bicicletas e de pedestres.
Um aspecto pouco observado no emprego verde é que, só por ser assim definido, não constitui automaticamente um trabalho decente e seguro para os trabalhadores. Os dados de vários países e os apresentados quase diariamente pelos noticiários brasileiros indicam que as mortes de trabalhadores do setor da construção são três a quatro vezes superiores às de outros ramos de atividade.
O setor da construção civil e industrial é particularmente ativo nos países em desenvolvimento ou emergentes. Emprega número cada dia maior de trabalhadores e contribui eficazmente para o aumento da riqueza nacional podendo oferecer democraticamente melhor habitação aos cidadãos. Nestes países, portanto, existem oportunidades de liderança mundial na adoção de medidas práticas encaminhadas a abordar as dificuldades ambientais e gerar empregos verdes dando ao trabalhador condições decentes de trabalho.
Caberá às autoridades governamentais, por meio de auditorias ambientais, garantir que os empregos verdes o sejam em toda sua extensão e significado e não apenas como marketing das empresas de construção.
(Mais informações em documentação oficial publicada pela OIT)


terça-feira, 26 de julho de 2011

CONVITE

Aos que preferem livros para explorar
as grutas e os salões da alma,
apresento meu novo romance.

CONVERSA DE MORDOMO

– Senhor Xavier, Gugu está delgado, fininho. Não será falta de comida?
Gugu é um cão Pinscher miniatura. Valente, esperto, atento, late a qualquer ruído, separa com autoridade as brigas de galos por questões de ciúme. Gugu sabe a que horas se fazem as refeições do pessoal do Sítio e está ao pé deles nas duas casas em momentos distintos.
– Não falta não, senhor. Ele quase não come. Sirvo a comida para ele e as galinhas é que comem. Ele treme é de frio.
O senhor Xavier é o caseiro do Sítio, mas tem vocação para mordomo. Educado, respeitoso e, ao mesmo tempo, astuto e interesseiro. Tosse antes de se aproximar de minha casa ou assovia. Acompanha os movimentos de longe, disfarçando desatenção.
Gugu seguiu nossa conversa, procurando saber de que lado tiraria vantagem, se de seu dono ou do senhorio. Olhou para mim quando lhe perguntei: “É verdade, Gugu? Você quase não come”? Se pudesse falar, ele teria me dito que o senhor Xavier não tinha razão. Gugu sabe, por faro canino, que na minha casa há coisas diferentes para comer. Como entendeu que eu disse ao mordomo “vamos almoçar” é um segredo dele, do Gugu. Faz parte da inteligência intuitiva do animal. O tom da voz, a hora, a rota das pessoas, uma para cá, outra para lá. Gugu não se engana.
Fui preparar meu almoço. Estou sozinho no paraíso, nesses dias, e Gugu foi comigo sem eu o convidar. Sentei à mesa. Gugu sentou educadamente a uma distância conveniente. Disfarçava suas olhadas ao garfo que ia do prato à boca. Não gostou da aproximação de uma choca com dois pintos e veio sentar mais próximo de mim. Gugu sabe que os pintos ganham pão esfarelado sempre que aparecem na varanda.
– Gugu, Xavier disse que você não come. Que você é fininho de raça e treme de frio.
Dei-lhe um pedaço de pão embebido no molho de carne. Em duas mastigadas o pão desapareceu. Olhou para o chão e para mim.
– Ué! Xavier disse que Gugu não come.
Cortei uns pedaços das linguiças de frango que compunham meu prato forte, acompanhadas de rúcula e alface. Dei um deles ao Gugu. Engoliu-o e olhou para mim com focinho agradecido e reafirmando que Xavier diz qualquer coisa sobre ele, o fininho.
Decidi repartir meu prato forte com Gugu. Intercalava pão e linguiça. Quando era a vez do pão, Gugu cheirava, revirava, duvidava. Logo compreendeu que depois do pão viria a linguiça e, meio a contragosto, comia o pão na esperança de mais carne.
Acabou a linguiça no meu prato. Metade para mim e outra para Gugu.
– Gugu, Xavier disse que você não come.
Meu mordomo, apesar de quilos de carne congelada no freezer para os cães, ainda não se livrou do trauma da fome da infância sofrido na Paraíba e teme pelo dia seguinte.
Gugu nasceu na época da fartura e não compreende esse racionamento sem sentido imposto pelo mordomo. Gugu leva uma vida de cão.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

AS ÁRVORES TAMBÉM MORREM

Quando adquiri uma pequena área de cerrado, no Distrito Federal, hoje Sítio das Neves, convertido em paraíso, percebi que grandes árvores centenárias haviam sido abatidas. O senhor Elizeu a havia transformado em carvão. Era sua fonte de renda para sustentar o filho com síndrome de Down.
Naquele mês de outubro de 1973, salvei da foice de um peão um arbusto de metro de altura com feições ternas que me impulsionaram a deixá-lo vivo. Revelou-se, depois das chuvas, um angico (Piptadenia, Mimosoideae) e alcançou a altura de 25 metros. Aos 30 anos, atraiu as atenções de um raio inclemente. Rachou-o ao meio e o matou. Naqueles dias em que tomei contato com as árvores do Sítio, não existiam angicos adultos. Todos haviam virado carvão, inclusive as aroeiras e as sucupiras. O angico salvo cresceu, deu flores e jogou semente no ar. Teve muitos filhos e netos.
Acompanhei o nascimento, o crescimento, a adolescência e os dias adultos de muitos angicos. Admiro alguns deles com 20 e 25 anos. Um deles, com 26 anos, foi arrancado por um vento furioso que chegou do Sul sem aviso prévio. Caiu sobre os três fios da rede de alta tensão e os rompeu. (A turma de consertos da Companhia Energética de Brasília – CEB – tardou dois dias para atender a emergência e seis para restabelecer a energia).
Outros angicos, com mais de 20 anos, de repente, começam a secar e morrem. Fico triste ao vê-los mortos, secos, eretos, dignos, decentes. Os galhos secos parecem braços erguidos espetando o ar. Há predadores nas raízes das árvores. Eles vivem da morte delas. E, depois de mortas, vem o pica-pau João Velho cavar no tronco seco e duro seu ninho em madeira nobre.
Eu morrerei. As árvores também morrem. Ficam meus descendentes e os das árvores para que a vida continue. Morrer faz parte da vida não importa o tempo nem o tamanho de quem viveu.

O BRASILEIRO TÍPICO

Quem é ele? De onde provém? Dos habitantes históricos de nossas florestas e praias, da selva da África, dos desertos da Arábia, da mouraria espalhada pela Península Ibérica, o brasileiro típico tem um pouco. As cartas genéticas se misturaram e no meio delas apareceram coringas de feições estranhas, preenchendo funções adicionais, complementares e suplementares. Tornaram-se tão importantes que tomaram conta do jogo e as outras cartas esperam ansiosamente por eles. Sem coringa não há jogo. Os ases são poucos e grande parte do naipe é apenas figurante.
O brasileiro típico é dotado, ao mesmo tempo, de astúcia e ignorância autossuficiente. A astúcia lhe é necessária para apresentar no jogo as heranças de sua história genética. Tanto pode ser um Lampião, como um fatalista que gera filhos por que Deus quer ou deixa para amanhã o que poderia fazer hoje na certeza de um novo dia com aquele sol de sempre. A ignorância autossuficiente é um truque para usar o coringa a seu bel-prazer premido por interesses imediatos. É pau pra toda obra. Seu currículo só tem uma profissão: faço de um tudo. Zomba do doutor que lhe corrige uma tarefa na qual ele é mestre desde criancinha. Nunca diz que não sabe, a não ser que lhe perguntem onde mora seu amigo Zé Pitoco procurado pelo oficial de justiça. É afoito e quase sempre se dá bem especialmente no campo de futebol. É dado à música e a festas. Expande-se no carnaval e não duvida de se endividar para celebrar os 15 anos da primogênita.
Usa o coringa para receber favores. Vota no coringa porque ninguém sabe o futuro do jogo. O brasileiro típico é o forte, é o que sobrevive com salário mínimo ou bolsa família e se diz feliz porque o muito sem Deus é nada e o pouco com Deus é tudo.
É o que se vê no cassino iluminado deste imenso e belo país. Um jogo em que os coringas jogam e ganham aplaudidos pelo resto do baralho.

domingo, 17 de julho de 2011

AS ELITES

O que é elite? Ou as elites, como a elas se referia o ex-metalúrgico-presidente. Pode-se defini-las pela fisiologia. É aquele grupo endinheirado que faz compras em Paris, na Rue de Rivoli, têm mansões nas Ilhas Seychelles, contas bancárias nas Ilhas Caimán, sustentam creches nas favelas, asilos nas periferias, defendem meninos de rua, organizam chás de aniversario de cadelinhas e ceias de Natal para os pobres. Viajam em seus jatinhos privados, festejam a passagem do ano em seus iates de luxo. Convidam presidentes e autoridades oficiais para solenidades especiais, aniversários e velórios. São invisíveis, embora os nomes circulem de boca em boca. Ninguém os vê ocupando postos em primeiro escalão do governo, nem pedindo audiência a presidentes da república ou do senado ou da câmara de deputados. Ninguém já viu um representante da elite ser preso e algemado ou encarcerado no Carandiru. As elites sustentam as Giseles da moda e as grifes que decoram todos os cm2 do corpo humano.
As elites estão onde sempre estiveram mesmo que se arruínem em débitos bancários. São débitos elitizados e causam admiração pública. Suas entrevistas que narram as vicissitudes da vida os beatificam como santos de nossa sociedade injusta e ingrata.
Não se confunda elite com os subservientes que lhe servem de garçons. Vestem ternos Armani, movem-se nos mesmos salões com bandejas de croquetes e taças de vinho Chateau Neuf du Pape. Sorriem às damas que os olham cobiçosas, reverenciam os príncipes da noite ao oferecer a lula empanada ou a lagosta ao molho de vinho branco. Agradecem sensibilizados as propinas e as gorjetas dadas generosamente pela deferência superior dos anfitriões. Aceitam levar para casa os restos da festa e as lembranças finas que já caíram em desuso nas mansões das elites.
Quem são esses garçons de luxo que lambem os pratos das elites acusadas por eles de não quererem o fim da violência, da pobreza, da fome, das injustiças e das desigualdades? Às vezes, quando cai um helicóptero no mar, revelam-se alguns nomes desses garçons. Esses também podem ser definidos pela fisiologia. Ocupam o Palácio da Presidência, as salas e os plenários do Congresso Nacional, os gabinetes dos ministérios na Esplanada, em Brasília, os palácios de governos estaduais. São, em geral, sócios do mesmo sindicato de arrivistas que perseguem as lantejoulas do poder.
É notícia diária que garçons que servem as elites são pegos com a boca na botija roubando dinheiro público para comprar ingresso no clube das elites. Mas não alcançam mais que seguir sua função de garçons vestindo ternos Armani nas festas das elites.
No ataque às elites, pelo tom e pelas insinuações, infere-se que as farpas se dirigem às elites intelectuais. Aquelas que tiveram berço no epitálamo do poder econômico e político e aqueles que se encastelaram nas universidades e academias. Ambas vacinaram-se contra as bactérias da ignorância do chamado saber popular. É possível que ambas as elites defendam e alimentem com teorias, ideologias ou interesses superiores o sindicato dos garçons de luxo para que sirvam com eficiência os anfitriões invisíveis.
Os garçons de luxo apoderados do sindicato do poder distinguem as categorias de elites e sabem a qual delas premiar. Por isso, quando  o sindicato dos garçons chega às instâncias superiores do governo e ataca as elites é conveniente ler nas entrelinhas dos discursos proferidos em praça pública a qual delas quer atingir. Qual das elites está sendo fustigada? Não certamente aquelas às quais servem de garçons de luxo.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

ALÉM DE MIM

Conhecimento pelos livros



 (Notas preliminares de um livro que preparo sobre o desconhecido, o impalpável, o indecifrável também dito Ser Supremo. O título é provisório.) 

Para Mina, minha ex-professora de italiano, Deus é o conhecimento, a descoberta do que pode ser apreendido pela inteligência. O conhecimento é infinito diante da reduzida capacidade individual do intelecto. É intocável, mesmo expresso pelo verbo. É indestrutível e, portanto, eterno. Tudo o que se pode conhecer não elimina nem diminui o potencial disponível a ser conquistado. O conhecimento não se restringe às leis físicas que regem os astros, à combinação e arranjos dos seres, das coisas. O conhecimento mais complexo é o que penetra a alma para desvendá-la e provoca a liberdade de pensar e querer. É chantageado pelos sentimentos de amor e medo, iludido pela certeza e torturado pelo porquê da morte. Tudo isto, para Mina, é Deus. Deus espalhado em átomos a serem juntados, unidos, organizados diariamente para ordenar e suportar as traquinices do destino. Sua angústia existencial está resolvida. Basta-lhe o conhecimento.
O que fazer com o conhecimento? Saber usá-lo. Aqui, o conhecimento entra em pânico. Somos surpreendidos por um Deus de guerras, de fome, de amor e ódio, de desastres que o mero conhecimento não é capaz de evitar. Saber. Sabedoria. É um estágio que se alcança com escaladas permanentes, com espírito de alpinista para alcançar o topo. Quem nos comanda não é o conhecimento apenas e, sim, o grau de sabedoria para agir na complexidade do universo e do pluriverso.
Somos regidos consciente ou inconscientemente por leis físicas, pois giramos a bordo de um planeta do sistema solar cercado de galáxias. Essas leis existem independentemente de nós, fora de nós e acima de nossas forças. Elas são a base de todas as leis, inclusive das leis morais da convivência humana. Elas se disseminam e penetram todos os seres e produzem o princípio da interdependência. Dependemos uns dos outros nas mínimas necessidades da existência. Do Sol que nos acalenta. Do feijão ou da batata que nos alimenta. Do sentimento de amor que nos une ao amigo ou ao cão. Da liberdade que nos faz dignos.
Onde está isto que chamamos Deus? Viver é isto: ter liberdade de pensar e querer a caminho da sabedoria. Ter o benefício da dúvida, quando não a certeza da dúvida.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

SILÊNCIO - meu novo romance

Vale Silencioso da Islândia

Meu quinto romance – SILÊNCIO – será lançado neste mês de julho, 2011.
A seguir, algumas notas introdutórias para os leitores interessados. 

Na construção de Silêncio, combinam-se episódios verídicos e ficcionais. Ao redor deles, o silêncio fala de maneira intemporal. O cérebro, envolto pelo silêncio interior e exterior, fabrica associações intermináveis, superpostas e contrastantes de fatos, palavras, gestos, atos e pensamentos, expectativas e desejos produzidos no passado, memorizados no presente e lançados ao futuro. O silêncio é desordenado. As vozes do silêncio interior se atropelam e nem sempre respeitam a ordem e a sequência de sua origem. A liberdade do silêncio libera o inconsciente e exacerba o consciente. Toda essa história pessoal é personificada e projetada nos indivíduos e grupos que intermitentemente formam os laços da convivência social.
Há personagens que se ligam ao narrador – Pedro de Montemor – por laços tênues, imprecisos e independentes. Eles se comunicam por atos interpessoais que chegam de alguma forma e por alguma circunstância a seu conhecimento ou fazem parte de sua vida. O relacionamento nem sempre alcança a intimidade da amizade, ainda que aparente e persistente. O personagem que produz emoções mais profundas é Lídice. Aparece e desaparece. Está presente e ausente. Tem vida própria e instiga o mistério de ser um mundo em rota paralela a outro.
Neto e Helena são os mais próximos pela coincidência ideológica com Pedro de Montemor na busca das origens do universo. Eles buscam entender a linguagem matriz da natureza e a eternidade dos elementos físicos do pluriverso galáctico independentemente da vontade humana.
Fragoso e Rita encarnam todos os conhecidos que cercam o narrador sob o título genérico de amigos. Têm em comum a época, o local e as circunstâncias que os aproximam e os afastam num movimento de gangorra.
Brígida, Leônidas e Katrina simbolizam as distintas e surpreendentes relações que se tramam no correr dos anos. Mudam os tempos, mudam as pessoas, mudam os valores e os critérios. As pessoas ficam nas encruzilhadas, ou recuam, ou avançam. Encontram-se. Despedem-se. Somem. Reaparecem. Morrem. Aura é uma nuvem que a memória desfaz infinitamente sem extingui-la.
Todos os personagens do livro são desdobramentos de Pedro de Montemor. Há um só personagem com muitas faces. Leônidas representa a fantasia masculina. Katrina é a liberdade feminina. Brígida é a transgressão das normas, da ortodoxia, do estabelecido. Aura é um meteoro que passa pelo céu deixando apenas um rasto luminoso. Neto é o monge hindu que todos trazem por dentro e se alimenta da mística dos segredos escondidos no universo. Fragoso é o anúncio permanente da fragilidade da vida. Rita é a figura da esposa condenada ao lar esperando a volta diária do marido para, um dia, enterrá-lo.
Todas essas imagens e fatos vividos são revividos no silêncio de cada um. Pedro de Montemor recupera imagens, palavras, gestos, fatos e os combina e reinterpreta numa vida paralela, em silêncio e em segredo absoluto, não compartilhado. Revela tudo o que o silêncio lhe comunica e lembra. Uma espécie de re-vida, cujo árbitro é ele, metafisicamente só. Sua vida exposta, pública, pode ser distinta de sua re-vida no estrito âmbito da consciência solitária. Ele é juiz de si mesmo, sem advogados de acusação ou defesa.
Ao final da caminhada, despede-se dos caminhantes que a seu modo, ao longo destas trilhas, levaram consigo o próprio e intransferível silêncio. Os silêncios se despedem sem deixar pegadas. 

ALGUNS LIVROS SOBRE O SILÊNCIO: 

1.   O SILÊNCIO DOS LIVROS – VALÉRIO VIDALI
2.   EM SILÊNCIO – DONALD SPOTO
3.   O SILÊNCIO DOS LIVROS – GEORGE STEINER
4.   NO SILÊNCIO DE MEUS OLHOS – CLAUDIA DE CASTRO
5.   O SILÊNCIO DOS AMANTES –  LYA LUFT
6.   A BOOK OF SILENCE – SARA MAITLAND
7.   O SILÊNCIO DE DEUS – ANDREW PETERSON
8.   O SILÊNCIO DE DEUS – MARY JO MCCONNELL
9.   OS CAMINHOS DO SILÊNCIO – MICHEL HUBAUT 

ALGUNS FILMES: 

1.   O SILÊNCIO – I. BERGMAN (TRILOGIA: ATRAVÉS DE UM ESPELHO, LUZ DE INVERNO, SILÊNCIO)
2.   O SILÊNCIO DE MELINDA – JESSICA SHARZER
3.   O SILÊNCIO – MOHSEN MAKHMALBAF
4.   O SILÊNCIO DOS INOCENTES – JONATHAN DEMME
5.   REFÉM DO SILÊNCIO – GARY FELDER




sexta-feira, 1 de julho de 2011

O PODER DOS DELINQUENTES

Josimar, antes da alcunha que lhe coube – Batata – nascido na periferia da Samambaia, frequentou os quatro primeiros anos de escola. Gostou da rua. Não voltou às aulas. Como um milhão de outras crianças teria tido chance de ser jogador de futebol ou trabalhador de salário mínimo. Dependeria de vagas às suas habilidades polivalentes como bom brasileiro. Enquanto a vaga não aparecia, Josimar vagava pelas ruas e, um dia, foi preso em flagrante de roubo numa padaria. Passou duas noites na DP 52. Apanhou de cassetete, assinou a ocorrência e foi solto por falta de vaga. Já na rua, com fome e medo de apanhar do pai, não voltou a casa. Ficou matutando encostado a uma parede pichada: não tem vaga na construtora do bairro e não tem vaga na delegacia.
Meses depois, Batata foi apreendido com a quadrilha que roubava aparelhos de som em carros e celulares de idosas distraídas em compras na feira ou na fila do caixa do supermercado. Levados ao presídio de Ceilândia, lá foram recusados por falta de vaga. No camburão, esperaram resposta da cadeia de Águas Lindas. Negativo. “Joga eles pra São Sebastião”, disse uma voz pelo rádio. Ao chegar ao presídio de São Sebastião com as 90 vagas ocupadas por 170 apenados que se amontoavam nas celas, o delegado com voz debochada e um muxoxo de lábios perguntou: “Cabem mais quatro”?
O crescimento da “demanda” por vagas nos presídios supera em 200 mil as existentes. A indústria de presídios não responde com a mesma eficiência das montadoras de automóveis o suprimento da demanda. O poder de pressão da demanda dos delinquentes está a exigir a pronta oferta de vagas nesses condomínios penais que, segundo cifras oficiais, custam por ano ao erário dois bilhões de reais, R$ 4.166 por condômino. Enquanto o Bolsa Família subsidia os miseráveis da pátria com R$ 920 por pessoa/ano.
A demanda insatisfeita dos delinquentes pôs o governo contra a parede: ou cria mais vagas com modernas e confortáveis cadeias ou libera vagas soltando metade dos presos. Por enquanto, o governo vai liberar 100 mil vagas, insuficientes para satisfazer a crescente demanda diária que pipoca em todo o país. Está planejando, com a lentidão conhecida, a construção de 398 presídios. Os 480 mil presos (0,25% da população) são uma minoria poderosa. Minoria que constitui uma demanda ativa polivalente. Vai da cocaína pura ao crack barato, do assalto a joalherias aos caixas eletrônicos de bancos, do sequestro relâmpago às cargas de caminhões. Isto requer abertura de vagas para uso contínuo. Enquanto a prioridade do governo está voltada à construção de estádios de futebol, os novos presídios previstos terão vagas limitadas, só disponíveis mediante reserva antecipada e pagamento de caução.
Pedro de Montemor, com quem discuto esses magnos problemas da brasilidade, é de opinião que muitos delinquentes poderão mudar de profissão para obter melhores favores a suas organizações. Uma delas seria tornarem-se políticos, banqueiros ou donos de seguradoras de saúde. Outros optariam por construir seus próprios presídios como o fez Pablo Escobar na Colômbia.
Estamos em época de terceirização de aeroportos para atender à pressão da nova classe média e dos torcedores de futebol. Por que não entregar a construção de cadeias de segurança máxima ao Fernandinho Beira Mar ou aos engenheiros do PCC? Eles abriram vagas preferenciais aos aloprados de Presidência da República, aos mensalões do Congresso Nacional, aos negociadores da Caixa de Pandora, aos sócios de outras organizações criminosas ligadas a bancos, à Receita Federal, ao INSS cujos suspeitos são dotados de contas bancárias milionárias, no país e no exterior, capazes de pagar uma prisão confortável, decente, digna e perpétua.