GLORIA E QUEDA DO HOMO SAPIENS
MENSAGEM AOS SOBREVIVENTES
Eugênio
Giovenardi
Escritor e
Ecossociólogo
2020
Há quatro décadas, observo as relações de convivência
e de interdependência da espécie humana com milhares de outras espécies da
biodiversidade, especialmente no Cerrado brasileiro.
Todos os caminhantes deixam pegadas de seus passos.
Por caminhos abertos passam os que vêm depois. Nestas respostas, deixo minhas
pegadas. Tenho certeza de que as medidas nem sempre servem a todos os pés. Vivo
numa nova capital e na antessala de um novo mundo. Lanço um novo olhar sobre o
planeta e especificamente sobre a natureza.
Estamos numa encruzilhada. Andamos muito. Cometemos
afoitezas. Corremos, quando devíamos andar devagar. Atropelamos a natureza.
Empobrecemos o planeta. A resposta ecológica do planeta está clara. A covid/19
é um alerta global
A água, os esgotos, o lixo matam vidas e, nessa onda,
vamos nós, a insigne espécie sapiente. Há que ouvir a natureza. Ouvir as
árvores e seus gritos silenciosos. Comover-se com os clamores dos pássaros e
sentir-se culpados pelas mortes de animais nas rodovias.
Como sairmos desse labirinto ou desta prisão que
construímos sem prever uma porta de saída? Temos riqueza contrabalançada com
extrema pobreza. Não sabemos o que e como fazer com elas.
Nesta comunicação, em forma de entrevista, colecionei vinte
perguntas que me fiz e que outros mais jovens me fazem diante das certezas,
incertezas e alertas de nosso tempo às voltas com um vírus invisível.
-– Há milhares de anos, os hominídeos
vêm enfrentando mudanças climáticas. Nossos antepassados próximos, os
Neandertais, abriram caminho para o Homo Sapiens. Eles se extinguiram. Nosso
destino poderá ser o mesmo?
O degelo no Hemisfério Norte, os desertos do
Hemisfério Sul tenham talvez provocado o encontro entre Neandertais e Homo Sapiens, ao longo de séculos.
Mudança de rumos na história da espécie humana. O homo sapiens se adaptou ao frio, ao calor, aos vales e às
montanhas. Arriscou-se à travessia de rios e mares, por terra, mar e ar.
Mudamos permanentemente, mesmo sem perceber que mudamos. O tempo é testemunho das
mudanças, das adaptações, de êxitos e fracassos. Da GLÓRIA E QUEDA DO HOMO
SAPIENS. Nossa época e nossa cultura são o resultado de contínuas mudanças.
Saímos da coleta de folhas e frutos, da caça individual ou cooperativa, há 15
ou 20 mil anos. Domesticamos cereais, e animais. Construímos cidades, palácios,
impérios, templos, universidades, bibliotecas, teatros, arenas para os mais
variados esportes.
Parece que a tão almejada felicidade ou o paraíso
prometido ficaram para trás ou se mantêm escondidos das elucubrações do cérebro
humano.
Há fenômenos naturais ou a natureza das coisas que
atropelam a rotina ou os planos da espécie humana. Somos o único mamífero cujo
cérebro é capaz de perceber, compreender e acompanhar o funcionamento das leis
físicas.
- Fala-se, cientificamente, em mudanças
climáticas com ênfase no aquecimento global. Como olhar esse tema? A espécie
humana corre risco de extinção?
Todas as espécies vivas que se originaram há milhões
de anos podem desaparecer com a mesma naturalidade com que apareceram, ou por
fenômenos naturais, ou por violenta e continuada ação depredadora da espécie
humana. A vida depende grandemente das condições climáticas que podem mudar o
ambiente favorável à reprodução dos seres vivos. A vida é um milagre que inclui
seu desaparecimento. O milagre da vida é inexplicável. O universo não tem como
objetivo servir à espécie humana. Ela é apenas um dos habitantes de um planeta.
. – Que fazer para deter o esgotamento
das riquezas do planeta?
Todos
os sinais acenam para um novo olhar compreensivo sobre a natureza. O planeta é conformado
por ecossistemas e biomas. Neles se origina o milagre da vida que engloba a
biodiversidade unida pela interdependência de todos os seres vivos. A chegada
lenta e gradual do homem sapiente, neste planeta, introduziu uma nova maneira
de tratar a interdependência de todos os seres da biodiversidade da qual ele
faz parte. Seu cérebro e suas mãos tentam adaptar a natureza a suas
necessidades essenciais e da forma como considera mais adequada a alcançar esse
fim. Nesta trajetória, a espécie humana optou erroneamente a utilizar a
natureza apenas como objeto de exploração econômica, rompendo os processos
estruturais da regeneração ecológica dos ecossistemas.
- Qual é nossa parte na devastação ou no
esgotamento do planeta?
A ação de todos os seres vivos sobre os ecossistemas e
respectivos biomas modifica com maior ou menor intensidade, o ambiente externo.
Os seres vivos, que se alimentam de vegetais ou de proteínas não vegetais,
exigem da natureza uma energia contínua de regeneração. Parece claro que grandes
animais necessitaram volumes proporcionais de alimentos. É razoável pensar que
muitas espécies, ao longo de milênios tenham desaparecido no meio de mudanças
climáticas que os deixaram sem comida. A ação do homem sapiente, graças a seu
desenvolvimento cerebral, sua capacidade de intervenção, invenção e inovação,
pode alterar drástica, contínua, e perigosamente as relações da interdependência
dos seres vivos. A mão humana tanto pode extinguir espécies animais como
florestas. Este comportamento incontrolado compromete a biodiversidade, rompe e
retarda o ciclo da regeneração dos sistemas vivos.
– A sobrevivência da espécie humana se
baseia na busca permanente de alimentos. Como salvar a biodiversidade?
As ações complexas da espécie humana sobre os ecossistemas,
sobre a biodiversidade, definidas como econômicas, culturais, sociais,
religiosas, políticas, tecnológicas, cibernéticas, se orientam a preservar, antes
de tudo, sua sobrevivência e reprodução. A intensidade da exploração das
riquezas do planeta pelo aumento da população nos cinco continentes está
gerando efeitos globais que afetam basicamente a água dos rios e do mar, e o ar: elementos essenciais para a
biodiversidade em todos os ecossistemas. Segundo o Atlas Mundial da Desertificação (2020), três
quartos do solo do planeta estão degradados As
mudanças climáticas assumem proporções incontroláveis diante dos efeitos
maléficos da ação humana sobre a água que tomamos e o ar que respiramos. Os
vírus, as bactérias e as doenças atacam e matam populações e espécies da
biodiversidade por esses dois caminhos. Todos tendem a defender a própria vida,
sejam seres visíveis ou invisíveis como os vírus. Nós pertencemos à
biodiversidade e também defendemos nossa vida. Mas sempre há riscos nessas
relações de sobrevivência. Busquem-se, nas águas sujas e nos esgotos ao redor
do planeta, os restos mortais de muitos vírus.
– Temos tecnologia, meios, instrumentos
para prever mudanças climáticas. Terremotos, maremotos, altas e baixas
temperaturas. Isso não é suficiente para nos defender?
A espécie humana tem se adaptado aos mais diferentes
ambientes do planeta. Nas regiões polares ou no equador. Sua experiência de
mais de 300 mil anos lhe deu conhecimentos para resistir e se defender de
grandes mudanças climáticas.
Temos, hoje, séries históricas de fenômenos
climáticos. Produzimos sensores de grande alcance. Operamos cálculos
matemáticos e estatísticos que permitem antever alguns eventos. Os animais
também pressentem mudanças ou eventos perigosos e buscam abrigo. Uma coisa é
prever a ameaça de fenômenos físicos, outra, muito diferente é prever nosso
comportamento diante deles. Alguns, como inundações, são favorecidos pela
urbanização em espaços inadequados, pelo desmatamento, pelo desvio de cursos de
água, ou pelo esgotamento de lagos.
O planeta é sacudido desde sempre por fenômenos
físicos e mudanças climáticas. A esses fenômenos naturais se associa a ação
humana em seu afã de extrair do planeta mais do que ele pode dar. Arrasa
montanhas, desvia cursos de rios, esgota aquíferos superficiais e profundos,
destrói florestas, polui águas, o solo e o ar com a queima de combustível
fóssil, petróleo e gás.
As mudanças climáticas, aquecimento local e global,
cataclismos imprevisíveis, secas, inundações, tormentas, vendavais arrasadores,
tornaram-se o pão de cada dia em todos os países e com frequência perturbadora.
Perdemos vidas e o produto do trabalho, da técnica e da arte empregados.
– O conhecimento cada vez maior da
espécie humana poderia retardar ou evitar seu desaparecimento? A tecnologia não
dará os meios para vencer os obstáculos naturais, especialmente as doenças?
Há dois momentos em que o conhecimento pode prolongar
nossa presença no planeta. Ciência preventiva e ciência curativa.
O que sabemos sobre a natureza? Sobre seus segredos?
Sobre os riscos da rota do planeta no Sistema Solar? Sobre seu potencial
positivo ou negativo para a manutenção da vida? Sobre terremotos ou maremotos?
E, agora, sobre vírus? Ou bactérias? Se soubéssemos antecipadamente, pela via
da ciência preventiva como parte da biodiversidade, não teríamos 100 mil mortes
causadas por um vírus, no Brasil, até agora.
A ciência preventiva está ainda em cueiros. Os
complicados caminhos no labirinto da biodiversidade e da interdependência de
todos os microssistemas de vidas não foram devassados. Estultos os que acham
que se pode criar um vírus. Pode-se
criar o ambiente favorável para que vírus e bactérias apareçam sem avisar. O
vírus também defende a própria vida e busca seu espaço. O vírus tanto pode
viajar de avião quanto na patinha de um canário. Com toda a tecnologia
acumulada em 20 mil anos, ainda estamos na antessala do desbravamento da
natureza que nos sustenta. Nossa corrida, no estágio atual, é apelar
desesperadamente para a ciência curativa, no afã de vencer a força das
calamidades, de guerrear vírus invisíveis, nos livrar de suas ameaças, de fugir
delas ou de conviver com elas.
O vírus é um ser vivo, animado. E todos os seres
animados assumem sua cota de predador para sobreviver. Os humanos também são predadores
e lutam para se reproduzir. Atacam outros seres vivos e se defendem na luta
pela vida. É a natureza das coisas. O vírus é um alerta da natureza.
– Como mudar a forma de coparticipação da
espécie humana na interdependência e na regeneração da biodiversidade?
A lei da gravidade econômica nos lançou num abismo do
qual teremos que sair para sobreviver. Por algum tempo ainda, estaremos sob o
efeito da lei da inércia capitalista arrasadora que arrastou a espécie humana
ao consumismo destruidor.
O fracasso do capitalismo, do crescimento econômico,
do consumismo, das inversões no supérfluo para oferecer felicidade à espécie
humana é um alerta para o homo sapiens.
Se quiser sobreviver tranquilo no conjunto de vidas da biodiversidade terá que rever
a maneira de se relacionar com a natureza.
Há que ter humildade para reconhecer o fracasso, as causas do fracasso,
os efeitos do fracasso sobre os elementos vitais da sobrevivência, como água e
florestas, poluição do ar e das águas. Mas também reconhecer o fracasso nas
relações humanas, na distribuição de oportunidades, na repartição dos bens
comuns da natureza para saciar a fome de milhões, no tratamento solidário e
respeitoso a culturas milenares.
Os quarenta milhões de trabalhadores brasileiros que o
crescimento econômico excluiu do bem-estar não terão mais lugar nas empresas
que os demitiram.
Não serão, com certeza, os donos do poder que, hoje, ditam
normas autoritárias e corporativas de convivência desigual, os que se apressarão
a mudar de rumo. São os que enfrentarão a vida nos próximos cinquenta anos.
Eles já estão gritando e exigindo o início de uma nova era. A era deles. Preparada por eles. Nossa herança cultural é
indefensável. Em todas as partes do planeta há demonstrações de que os jovens não
querem propriedades industriais globalizadas nem contas bancárias sujas de
sangue e de exploração das pessoas e da natureza.
– Quem e quando, então, começará um
movimento de mudança cultural tão global quanto as mudanças climáticas?
O que e como se fará essa mudança faz parte de um
processo de regeneração cultural que se inicia nas comunidades locais e se
prolongará lentamente por toda a floresta humana. A globalização econômica,
submetida ao poder dos detentores da riqueza acumulada, pasteurizou as
diferentes culturas e lhe deu um caráter de modernidade à qual parece
indispensável aderir. Há quem sugira uma nova glocalização, ou seja, trazer para o local a solução das
dificuldades locais, com recursos locais proporcionais às necessidades da
população e adequados à preservação do ambiente. A tecnologia da informação
será o instrumento para dar vida às comunidades locais. Em vez de bancos
centrais para explorar gigantescamente as riquezas globais do planeta, bancos de solidariedade poderão
apoiar-se mutuamente para que o ambiente local seja preservado em favor da
população.
– A
invenção, a criatividade, a ambição do poder cederiam ao gigantismo
incontrolável da globalização?
Descuramos e até afrontamos o princípio da precaução
que orienta a não se tomar medidas que provavelmente trarão resultados
negativos. Avançamos o sinal na ilusão de não sermos punidos com um tremendo
acidente. O momento que vivemos não é de concertar o vaso quebrado, mas de
criar novos instrumentos de trabalho e novos caminhos para a paz social e econômica
no planeta.
As condições de vida que as novas gerações irão
encontrar dependem do que se faz hoje. O que se deseja encontrar no futuro não
acontecerá no futuro. O futuro começa a acontecer no presente. É o presente,
com as lições do passado, o tempo de pensar, decidir e fazer.
Parece-me que três atitudes devem ser adotadas no
presente:
a)
Conhecer e
respeitar a força do funcionamento das leis da natureza e não atentar contra
ela.
b)
Compreender a
interdependência de todos os seres vivos para alcançar conhecimentos
científicos preventivos que possam enfrentar fenômenos naturais repentinos.
c)
Preparar
estruturas diversificadas para contornar os efeitos de fenômenos naturais
físicos (terremotos, tormentas) ou de conflitos nas relações de
interdependência dos organismos vivos (bactérias, vírus).
. – Que podemos prever para o futuro,
diante das dificuldades atuais e da urgência de enfrentar as mudanças
climáticas e os fenômenos naturais imprevisíveis?
Gostamos de números. O homem sapiente usa os números
do passado e joga para o futuro como se eles fossem obedientes ao nosso
raciocínio. Números não expressam a realidade. A realidade não tem compromissos
com estatísticas. Números são apenas nossas referências, são convenções. Os
números geraram uma doença intelectual incurável: os percentuais. Achamos que
os percentuais explicam mais claramente do que um número inteiro para mostrar
uma suposta realidade. Mil mortos são mil mortos cujo desaparecimento do convívio
arranca lágrimas de pelo menos outras dez mil pessoas, entre parentes e amigos.
Nada se acrescenta se esses mortos representam 5,79% de uma população. Claro
que uns mortos têm mais amigos que outros. De que adianta buscar um percentual
para saber quantos tiveram mais amigos ou parentes que outros? Cometemos
diariamente esses absurdos.
– Todos os sinais visíveis da natureza
indicam que mudanças radicais se aproximam e outras já estão em curso. Teremos
força e vontade para mudar nossas atitudes diante dessas mudanças?
Acumulamos conhecimentos importantes durante 20 mil
anos. Mais intensamente, nos 5 mil anos passados. E mais proximamente, nos
últimos 200 anos. Mudanças não são novidade na existência dos hominídeos e do
homem sapiente.
Mas, parece claro que as mudanças provocadas por nós e
as que a natureza nos impõe serão enfrentadas de outra maneira pelas novas
gerações.
O que muda no ambiente exterior que circunda a espécie
humana a obriga a se adaptar às mudanças para não ser extinta por elas. A
realidade é a sirene do alarme. A natureza não é virtual. É real. Tentamos fugir
da realidade. Queremos transformar a realidade das coisas em realidades
virtuais com as quais podemos lidar, mexer, trocar. Eis a ilusão que nos faz
desviar do caminho.
Mudanças acontecem, no universo há bilhões de anos.
Nosso planeta passou do fogo à água. Vulcões e terremotos frequentes atestam as
mudanças climáticas de um remotíssimo passado.
Desde que a vida surgiu das águas, os seres vivos, ao
se diversificarem, foram se adaptando ao meio, à alimentação necessária para a
reprodução e sobrevivência. Mas a interdependência dos seres vivos é uma lei
natural. Nossos antepassados nos deixaram esta herança: sobreviver às mudanças.
Mudanças de clima, mudanças geológicas, nascimento e extinção de espécies,
obedecendo ao processo de regeneração lenta, mas contínua, no conjunto da
natureza.
– Como conciliar cooperação e
competição?
Uma compulsiva tendência à cooperação, presente já no
período coletor e caçador, levou a espécie humana a dominar energias naturais,
a inventar meios técnicos para facilitar sua sobrevivência e reprodução. O
princípio da cooperação conduziu os diferentes grupos, estabelecidos em
distintos espaços geográficos, com variadas oportunidades de viver e conviver,
para definir normas, códigos e leis com o fim de ordenar a convivência. A
cooperação não elimina a energia da competição que pode servir de vitamina para
novos movimentos ou germe para conflitos a serem resolvidos.
A energia das mudanças atinge a espécie humana pelo
inestimável fato de ela possuir um cérebro capaz de perceber, compreender e
acompanhar os fenômenos físicos, e o impacto das atividades do homo sapiens sobre eles.
Atingimos um ponto elevado na história da convivência
humana, da ciência, da organização social, da exploração econômica dos bens do
planeta. Esse ponto da escalada vertical parece indicar que as mudanças a serem
enfrentadas, podem catapultar o homo
sapiens para um patamar mais equilibrado e calmo, mas não sem sofrimento e
pesadas perdas.
.– Como avaliar as grandes conquistas
que deram energia à espécie humana para tantas vitórias sem eliminar o risco da
própria extinção?
As revoluções parecem ser nossa glória e, ao mesmo
tempo, nossa queda. Todos os impérios conhecidos tiveram sua glória.
Pouquíssimos resistiram à queda. Convém dividir a espécie humana em dois tempos
mais visíveis. O primeiro é o que, nos últimos 200 anos, parece ter achado o
caminho do êxito, da glória, da felicidade, do paraíso por caminhos pedregosos
com uma engenharia de labirinto. O segundo tempo é representado pela nova
geração, por um novo homo sapiens,
com células cerebrais cibernéticas que questionam todos os valores sociais,
familiares, religiosos, culturais, econômicos, políticos, sexuais e raciais.
Os jovens, neste segundo tempo, atual e moderno,
constroem um novo cenário de relações com um vocabulário tirado de um
dicionário que a velha guarda tem dificuldades de interpretar.
A nova história da espécie humana não borra o passado.
O passado será um museu histórico no qual se evidenciam as eras culturais da
turbulenta convivência humana ao longo de milhares de anos.
Como a energia das mudanças, em nossa época, afetará a
velha guarda do homo sapiens e a nova
geração cibernética é a questão a ser respondida pelas duas partes ao mesmo
tempo. Os conflitos durante esse lento e longo período de mudanças aparecerão e
serão solucionados com as ferramentas de cada etapa.
No período de mudanças, ou no tempo em que elas se
anunciam como fenômeno sociocultural irreprimível, de pouco adianta querer
indicar rumos ou situações possíveis ou previsíveis. Há que ater-se à realidade
dos fatos que as mudanças impõem no presente. O passado é indestrutível. O
futuro se constrói no presente. O futuro são nossos netos e bisnetos quando
completarem 50 ou 80 anos. O trabalho cerebral dos dois grupos, simultaneamente
tocados, terá que se dobrar à realidade, sem deixar-se conduzir pela fantasia.
O planeta, a natureza é real. Não virtual.
Num terremoto há mortos que serão enterrados. Há
prédios destruídos que serão reerguidos com diferentes técnicas e engenharia.
Num terremoto cultural, de abrangência universal, haverá perdas estruturais que
sustentavam concepções afetadas pela obsolescência. Em compensação, longos e
fatigantes esforços de regeneração das energias levarão as novas gerações para
outras plataformas com novos paradigmas de convivência.
–
Não parece ameaçador o confronto entre mudanças e capacidade de adaptação?
O que determinará a boa e racional adaptação às novas
circunstâncias provocadas, simultaneamente, pelas mudanças climáticas e pelo
esgotamento e obsolescência do modelo e do paradigma cultural, social e
econômico vigente, estará condicionado a uma nova resposta verde, a um novo
olhar sobre a natureza. Esse novo olhar
significa melhor compreensão do sentido da interdependência dos seres
componentes da biodiversidade nos diferentes ecossistemas do planeta.
As mudanças levam tempo. A reação contra a segregação
racial se arrasta por mais de cem anos. A diferença no tratamento ou a
discriminação de gênero avança a passos lentos. Quanto mais cresce a população
mundial e quanto mais se criam grupos racialmente independentes, economicamente
desiguais, regidas por leis discriminatórias, mais difícil será consolidar um
novo paradigma para a mudança. Por isso, a globalização dos comportamentos
estereotipados está ruindo.
O caminho em direção à mudança de paradigma da
convivência humana é imposto pelo fracasso da exploração econômica que condena
2 bilhões de pessoas à pobreza, à miséria, à desilusão da vida. Pelo fracasso
político das nações em guerras localizadas. Pelo fracasso ecológico revelado na
destruição de ecossistemas favoráveis à vida. Pelo ataque sistemático à
interdependência dos seres vivos.
O Brasil, hoje, parece estar na rabeira das mudanças
estruturais para um novo caminho, pois algumas lideranças insistem em
retrocessos éticos, morais, culturais e ambientais. A nossa geração arrisca de
deixar aos descendentes uma dívida impagável.
– A urbanização cada vez maior da
população não torna mais difícil enfrentar as mudanças climáticas e culturais?
A urbanização, a atividade de produção de alimentos e
indústrias correlatas são elementos ou atividades que necessariamente serão
cenários de mudanças. Essas atividades se atrelam ao crescimento da população.
Maior população exigirá maior ocupação de espaços, maior invasão dos
ecossistemas, tanto pelo desmatamento implacável, pelo uso diversificado e
poluição das águas, desvio do curso de rios, alteração do ambiente pela
poluição e produção sistêmica de lixo e esgotos.
Na década de 1970, demógrafos avaliavam a capacidade
de suporte do planeta diante do risco da bomba populacional (The population bomb, Paul Eherlich,
1968). No começo dessa década, a população humana (3 bilhões) teria atingido o
número adequado (ideal) para manter o equilíbrio das riquezas limitadas que o
planeta dispõe para benefício equitativo da espécie humana. Ao mesmo tempo, estaria
preservado o equilíbrio reprodutivo da biodiversidade e facilitaria a regeneração
das espécies vivas.
A superlotação do planeta, estimulada por fatores
econômicos, culturais ou religiosos, é um tema a ser tratado com seriedade,
franqueza e urgência. A superlotação de um espaço inibe a cooperação entre as
pessoas e a natureza, acirra a competição para o uso dos elementos essenciais à
vida e dificulta a solução de conflitos sociais e ambientais. A racionalidade é
uma das virtudes do homo sapiens que
lhe permite ordenar o equilíbrio entre as limitações das riquezas naturais do
planeta e a intensidade do uso dos bens essenciais: água, alimentos e energia
físico-eletrônica. O controle do crescimento da população, em todas as regiões
do planeta, é uma decisão racional e urgente, cujos efeitos abrangem a
biodiversidade em todos os ecossistemas.
Somos, hoje, 7,8 bilhões de humanos a consumir as
riquezas do planeta, a começar pela água. Em duas décadas, haverá cerca de 11
bilhões.
“Essa progressão, no entanto, vai terminar, afirma o
sociólogo Jeremy Rifkin (Denver Unv.). As razões para isso têm a
ver com o papel das mulheres e sua relação com a energia. Na antiguidade, as
mulheres eram escravas, eram provedoras de energia, tinham que manter o
abastecimento de água e alimentar o fogo para cozinhar.”
As mulheres acumularam sabedoria e prudência para dar
continuidade à vida, estimular e introduzir mudanças nas relações sociais e
econômicas adequadas às limitações da casa comum que habitamos. Cabe a elas
decidir.
- Por que ainda se insiste em
indicadores que dependem um do outro e não saímos do lugar: Produto Interno
Bruto (PIB), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Felicidade
Humana (IDFH)?
Há alguns anos penso num Índice de Conservação e
Regeneração da Biodiversidade e dos Ecossistemas a ser aplicado em comunidades
locais sem contaminá-lo com médias nacionais ou globais. Pode não ser um indicador ideal para os que
insistem no crescimento econômico. Nos novos tempos, há que se medir a ação
humana sobre a globalidade de seus efeitos em relação com a capacidade de
regeneração dos ecossistemas e da biodiversidade com um paradigma de economia
ecológica. A preservação racional do conjunto da biodiversidade propicia um
ambiente de sustentação da vida. Esse novo olhar sobre a natureza dignifica a
espécie humana e dá sentido universal ao milagre da vida.
A dita classe política, as empresas preocupadas com o
crescimento econômico não perceberam nem ouviram o grito dos que enfrentarão o
novo milênio. Os milenares, os jovens deste milênio já estão nascendo e
deixando para trás seus antecessores.
Que sentido terá e que lugar ocupará o PIB numa era
cibernética na qual os valores culturais, sociais, ambientais e econômicos
serão reordenados e sustentados por novos códigos éticos? Como e até quando se
sustentará a economia baseada em combustíveis fósseis, em consumo irracional de
supérfluos, em urbanização massiva do planeta, em redução constrangedora da
vegetação milenar e em esgotamento de mananciais aquíferos?
Vozes jovens, como a de Greta Thunberg e da brasileira
Valentina Ruas, lideram outros milhões da geração deste milênio e reclamam por
um novo cenário em que viverão nos próximos cinquenta anos. A geração que
dominou no século 20 será substituída, mesmo a contragosto, pelos novos chegados
a este milênio. Os 3 bilhões de pirralhos conscientes de hoje terão pela frente
um novo mundo com outras decisões.
– Quais são os pontos sensíveis para a
biodiversidade em meio às mudanças climáticas atuais?
Todo alerta deve ser respeitado para termos tempo de
tomar medidas adequadas a compreender e adaptar-se às mudanças.
No ritmo das mudanças climáticas, cientistas
consideram evidente o impacto da ação da espécie humana sobre o agravamento dos
efeitos negativos, especialmente sobre a poluição do ar e das águas. Durante a
pandemia provocada pelo novo Coronavírus, as medidas de restrição à circulação
de pessoas, fechamento de fronteiras, interrupção de transporte por vias
aéreas, marítimas e terrestres, constatou-se sensível melhora na qualidade do
ar. No entanto, o volume de lixo não coletado para reciclagem continua comprometendo
os ecossistemas. Os esgotos não tratados afetam a qualidade das águas
superficiais e profundas e são uma reserva viva de bactérias e vírus.
A ação da espécie humana agride, ao mesmo tempo, o
ventre, a pele e os pulmões do planeta: águas, solo e vegetação. Destruímos grande
parte do passado do planeta. Imensas jazidas de material fóssil já não existem.
Viraram combustível de máquinas poderosas e espalham CO2 na
atmosfera. O planeta levará milhões de anos para se regenerar. Por isso, não
são apenas ameaças de extinção de espécies e do próprio homem sapiente. É uma lei da natureza. Por isso, o crescimento
zero de nossa ação econômica destruidora é uma imposição da natureza.
– Novos paradigmas, novas atitudes,
novas soluções serão possíveis em pouco tempo ou teremos décadas de ansiedade
para romper as estruturas que sustentam o insustentável?
Nossos tataranetos, daqui a 60 anos, talvez não
discutam mais aposentadoria, nem carteira de trabalho. Eles não compreenderão
porque tentamos, durante décadas, guardar os dedos e os anéis.
Antes de 1800, ninguém falava em aposentadoria. Eram
tempos de trabalho escravo e defendido por normas sociais e apelos filosóficos.
Humanizou-se, depois, legalmente o trabalho. Essas leis, chamadas trabalhistas,
já não se sustentam. Criar-se-á um novo paradigma a sustentar a criatividade
humana, as iniciativas econômicas restritas à limitação do planeta.
Não houve um planejamento explicito para chegar à
Revolução Industrial, nem à Revolução Tecnológica, nem à Revolução Cibernética
Digital. A espécie humana foi levada pelos fatos, pelas necessidades de cada
época. Hoje, os fatos são outros, as necessidades são outras. As soluções serão
outras. A revolução será outra. A Quarta Revolução não é para derrubar
governos. A Revolução do século 21 é proteger e plantar árvores para
devolver ao planeta o que extorquimos dele.
A realidade indica que nossos métodos econômicos não
conseguem resolver os problemas crônicos e cada dia mais presentes. É bom, e com
urgência, lançar os fundamentos para que as futuras gerações encontrem novas
soluções às dificuldades do relacionamento da espécie humana consigo e com
todas as espécies da biodiversidade, que a natureza insiste em defender.
Os fenômenos da natureza não costumam se anunciar com
antecipação, nem o lugar onde irão aparecer, nem escolhem ou discriminam
possíveis vítimas ou expectadores.
A natureza é fatalista e, por isso, temos que estar
preparados para eventuais cataclismos, infestações de vírus e bactérias. Há
evidências de que a complexa atividade humana tem gerado pandemias porque
alterou o ciclo da água e do ecossistema que mantém o equilíbrio ecológico do
planeta. As mudanças climáticas, desde milhares de anos, provocam movimentos de
populações humanas e de outras espécies. Atualmente, quase oito bilhões de
humanos estreitaram, com outras vidas animais, suas relações de convivência e
subsistência. Em consequência as mudanças climáticas atingem a saúde de todos
os seres vivos. Vírus e bactérias viajam juntos no mesmo avião.
– Temos parte no empobrecimento do
planeta. Qual é nossa parte na reconstrução e na regeneração dos ecossistemas?
Na era do antropoceno, (como relata Eugene Stoemer, biólogo americano),
parte importante das mudanças climáticas e ambientais sobre o ecossistema entra
na conta da espécie humana.
Nos últimos 200 anos foi
intensa a exploração da Terra. O solo se havia mantido quase intato até
estriparmos o ventre do planeta para lhe roubar o gás, o carvão, o petróleo,
além do ouro, da prata e do diamante.
Depende da espécie humana construir, no presente,
infraestruturas que a levem a olhar a natureza e o planeta de maneira distinta.
E isto é possível. As novas gerações revelam a necessidade de nova visão, uma
visão distinta do futuro. Infelizmente, os líderes dos principais países não demonstram
essa visão. A manutenção dos investimentos e da riqueza acumulada continua na
mesa das decisões. São as novas gerações a pôr, sobre a mesa, novas formas de
atuar. Elizabeth Kolbert alertou a
humanidade sobre a sexta extinção silenciosa de espécies animais e vegetais,
sequer percebida pela maioria distraída. A principal autora é a espécie humana.
Milhares de espécies de animais se extinguem pela perda do habitat, das fontes
de alimentação e de água. A cegueira e o sonambulismo anestesiam os
consumidores, cada dia mais vorazes para ter mais e mais. Frente a essa anunciada
catástrofe que atingirá a natureza, é animador ouvir milhares e milhares de
jovens a bradar a declaração universal de uma emergência climática e pedem um
novo olhar verde sobre o planeta. Sim, há esperança!
(Nota: Ecossociologia é a observação crítica das
relações entre todos os seres interdependentes da biodiversidade que habitam a
mesma casa planetária.) WA: 9 9981 2807 -
Blog eugeobservador
28.6.2020