quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

VELHO TAVARES

O velho Tavares, enfraquecido pelo tempo, sentiu o próprio fim ao ver e ouvir sinais vibrantes de vida de inquietas crianças e jovens exuberantes.
Em seu vilarejo, que se tornou depois grande cidade, era bem conhecido pelo número de mulheres que amou, pela voz de solista nas festas da igreja e da política ao interpretar canções populares e, também, pelas bebedeiras festivas que animava na praça. Não havia aniversário, casamento ou enterro em que o popular Tavares não estivesse com sorrisos ou lágrimas.
Foi prefeito durante muitos anos, eleito e reeleito por brancos e negros, ricos e pobres. Sabia dar a uns e a outros na medida certa e já não via quem pudesse tomar seu lugar na prefeitura. Havia quem dissesse que, sem ele, a cidade viraria um caos. As cidades vizinhas o queriam como prefeito e o recebiam como a um ídolo de futebol que vai salvar todos os clubes do mundo. E ele mesmo se oferecia para resolver problemas com um linguajar espontâneo, com soluções nunca antes conhecidas e expressões vulgares que qualquer frequentador de boteco compreende. E problemas não faltavam. Era a fome de uns, enchentes que inundavam cidades, banqueiros que precisavam de reforço de caixa, ladrões que ousavam roubar o que encontrassem na prefeitura, amigos que repartiam cargos e dinheiro sem que a polícia desse jeito.
O velho Tavares ia chegando ao fim. Voltou para casa cansado de tantas viagens e, pela primeira vez, percebeu a desordem nos quartos, na sala, goteiras no telhado e buracos no piso. Com sua vida agitada, raramente dormia em casa. A mulher nunca demonstrou habilidades domésticas e as serviçais iam jogando sujeira embaixo dos tapetes. A casa estava desordenada e cada empregado fazia o que lhe dava na cabeça.
O aniversário de 80 anos do Tavares foi festejado com farta bebida e boa comida da cozinha popular que o deixou remoçado. Acordou cedo, chamou a mulher e os serviçais, traçou um plano de arrumação da casa: trocar metade do telhado, refazer o piso da sala, por mármores do Espírito Santo, arrancar os tubos de esgoto, substituí-los por manilhas de 200 milímetros, refazer a rede hidráulica, substituir as torneiras de ferro das pias por outras banhadas em ouro, colocar vidros fumê nas janelas e pintar a casa por fora. Deu prazo de oito dias para o cumprimento do plano sob a coordenação da camareira.
A única obra que não conseguiu realizar antes de morrer, poucos meses depois, foi mudar a cabeça dos serviçais e, muito menos, substituí-los por outros menos displicentes.

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