sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O NARIZ DO REI

Já foi dito por uma autoridade bem conhecida que homens públicos, políticos profissionais que se envolveram em acontecimentos importantes da pátria, não podem ser tratados como pessoas ordinárias, mesmo cometendo atos imorais e perdulários nos cargos que atualmente ocupam. O ladrão de ontem é a pessoa extraordinária de hoje sem nunca ter sido preso.
Diante dessa declaração, Pedro de Montemor, em nossa caminhada matinal, comentava que a justiça tem um dos olhos cegos. O olho bom é para ver os grandes feitos do homem público. O olho branco é para não ver os deslizes cometidos.
Dizem que a filosofia de vida do inglês é prestar atenção às duas faces da moeda. Numa das faces está a cara e, na outra, a coroa. Levado pelo preconceito, admirando o ouro maciço, as esmeraldas e os diamantes incrustados na coroa, um súdito pode considerar que esse símbolo do poder não fica bem na cabeça do rei com cara feia e nariz longo. A multidão de súditos, ao passar o rei ou a rainha, aplaude e a maioria aprova a beleza da coroa não importa a cabeça que a sustenta.
− Poucos ousariam dizer, consentiu Pedro de Montemor, parando na sombra de um pequizeiro, que o rei tem cara de cavalariço com nariz alguns centímetros além dos narizes normais. Mas a multidão que recebe do rei o sorriso e a vênia de respeito astucioso não vê o tamanho do nariz. Os olhos dos súditos não descem da coroa ao nariz. Ficam nas esmeraldas e nos diamantes.
O preconceito de que a cara e o nariz devam ser proporcionalmente tão belos quanto a coroa impede e reprime o pós-conceito. Daí a máxima popular dos saxões: quem vê coroa, não vê cara. Por isso, nossas autoridades políticas abusam da coroa. Se algum súdito, baseado em pós-conceitos, protestar diante do desperdício de esmeraldas e diamantes, é acusado de preconceito contra o tamanho do nariz.
Ao final da caminhada, Pedro de Montemor, olhou para a Esplanada dos Ministérios, onde se guardam as coroas do poder e refletiu sem ânimo:
− Nossas autoridades exageram no tamanho do nariz, mas a coroa dourada impede o pós-conceito dos súditos contentes de terem visto as esmeraldas, os diamantes e o sorriso do rei.
Os amigos do rei e seus serviçais defendem o tamanho do nariz real e veem nele a expressão mais sublime da estética. Têm pela protuberância respiratória veneração religiosa. O nariz real se torna um modelo para os narizes dos súditos. Já não é possível sair à rua sem o prolongamento do nariz, peça que se adquire em qualquer esquina. Apresentar-se com um nariz normal soa preconceito diante de 80% que já prolongaram o seu. Só um nariz grande justifica uma coroa dourada revestida de esmeraldas e diamantes.
Rir do crescimento do nariz do rei por um impulso antiestético do pós-conceito pode ser visto como preconceito contra o nariz normal de Pinóquio.

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