sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

CONFUSÃO MENTAL

Fui à ótica receber os óculos que havia encomendado a dez dias. A conversa se encaminhou para a ecologia em razão de uma frase dita pelo atendente. “Por onde passam, os gaúchos deixam desenvolvimento agrícola”. Disse isso para me agradar, sabendo que minha origem é do Sul. Opus-me à simplificação e retruquei: “desenvolvimento e desmatamento radical”.
Mostrei ao atendente, piauiense, que existem processos de produção agrícola menos devastadores do que os praticados por gaúchos nas regiões do Cerrado, incluindo Maranhão e Piauí. Lembrei os corredores vegetais preservados entre áreas de plantio o que permite reter parte da água da chuva e proteger o solo contra a erosão.
Um assunto puxa o outro e a conclusão dos argumentos que fluíam é desanimadora. Ouvem-se e repetem-se números ouvidos e vistos em jornais, rádios e TV, como verdades absolutas. Números que sobem e descem, contraditórios, simplificados, para manter alta a autoestima da economia consumista.
Os governantes, com sua maleável retórica verbal e informativa, conseguiram convencer o cidadão brasileiro que estamos no melhor dos países porque mais pessoas consomem, melhoram a casa, comem mais, o número de pobres subvencionados aumenta e a classe média se expande à base de dívidas bancárias. Estamos melhor hoje do que ontem, como se isso fosse novidade. Há os que imaginam que, até poucos anos atrás, a indústria, o comércio e os governos que se sucederam trabalharam coordenadamente para regredir. Felizmente, avançamos. Talvez não nas áreas em que a desigualdade pudesse diminuir mais rapidamente: educação e saúde.
O governo e a sociedade industrial e comercial, obedecidos pela imprensa, instalaram na cabeça dos cidadãos, cujo conhecimento da aritmética não saiu do grupo escolar, o princípio de que o sonho se realiza com mais dinheiro no bolso e emprego com carteira assinada. Infelizmente, os doutrinadores e os promotores da euforia econômica não têm tempo para uma longa e minuciosa conversa com a diarista que toma dois ônibus para chegar ao trabalho ou conhecer a casa e o bairro onde mora. Ou, menos ainda, uma visita a um agricultor familiar para saber qual é o preço real que recebe por seu produto.
O mais grave é que essas informações estraçalhadas em números incalculáveis e percentuais misteriosos levam de roldão pessoas que comprovam ter concluído curso universitário.
É óbvio salientar que, nos últimos 15 anos, houve e está havendo melhora quantitativa nas condições de vida da maioria do povo brasileiro embora com graduações diferentes. Não se poderia desejar ou esperar que o Brasil andasse para trás, sendo empurrado para frente pelas economias desenvolvidas do resto do mundo. Ainda assim, temos pobres demais, sem perspectivas de melhoras substanciais para eles nesta geração..
O que se esperava e se desejava com a subida de dois governos esquerdistas – assim ditos −é que o país caminhasse no rumo de substancial e inequívoca melhora qualitativa e democrática baseada na educação pública em todos os níveis sociais e não somente para um pequeno grupo de privilegiados, com artifícios políticos e propaganda eleitoral. Educação primária, secundária, supletiva, profissional, informal e formal, que promovesse não só a compra e a operação mecânica do telefone celular, como também rudimentos eletrônicos de seu funcionamento.
Do ponto de vista qualitativo democrático pode-se afirmar que o país regrediu. Temos imensos estoques de tecnologias em universidades e empresas e a mais crassa ignorância em vastas camadas da população. O desinteresse crescente pela ação política das novas classes sociais, a aceitação quase fatal da corrupção e impunidade nas altas esferas do legislativo, judiciário e executivo estimulam que os alvos do cidadão se fixem nos aspectos do conforto econômico ou se alimentem de subprodutos da cultura..
As escolas não ensinam a pensar nem dão aos alunos instrumentos para operar a razão no dia a dia. Tudo se encaminha para o emprego com carteira assinada, qualquer que seja o trabalho oferecido. Meu mestre de ética respondia, há quarenta anos, sobre soluções a questões importantes ou necessárias: “também isto, mas não só isto.
O próximo governo tem ali, diante dos olhos, itens para compor um vasto programa capaz de impulsionar o desenvolvimento qualitativo do cidadão e garantir o desenvolvimento quantitativo e equilibrado dos bens úteis ao conforto do cidadão sem devastação ambiental e sem confusão mental.

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