terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

PAÍS EMERGENTE II

O Brasil, país emergente, com belíssimas praias e antigas florestas, carnavais sexiluxuosos e deslumbrantes, tem mania de lançar programas que se acavalam uns sobre outros, de inaugurar o começo de obras sem a real intenção de terminá-las. Grande número delas fica incompleto e ameaçado de ser modificado no meio da execução ou interrompido pela fiscalização quando é chamada a intervir por motivos menos nobres.
Vou me restringir a obras no Distrito Federal para dar oportunidade aos que vivem no Maranhão, no Piauí ou em Santa Catarina de comporem o rol das obras visíveis e inacabadas, já inauguradas e em uso precário.
− Começo com o projeto de urbanização da orla do Lago Paranoá para livre circulação e repouso dos brasilienses. A execução da obra esbarra nas cercas e molhes para atracação de barcos, edificados por cidadãos invasores, educados e pudentes, no tráfico de influência e nos trâmites dos processos judiciais que opinam em favor dos privilegiados.
− Alguns Postos de Saúdes foram construídos, na periferia de Brasília, com determinação de funcionamento “24 horas”, a fim de desafogar os hospitais superlotados de pobres malnutridos. Em pouco tempo, já não abrem no período prometido por falta de médicos, enfermeiras ou material de urgência.
− A rodovia BR 060 que liga Brasília a Goiânia – obra do Governo Federal − cuja duplicação dos 210 quilômetros estendeu-se por quase 15 anos, em menos de um ano de uso apresentou falhas graves e sofre permanente operação tapa-buraco. Acrescento um detalhe pouco observado pelo cidadão de país emergente: lixo e lixões dormem ao longo da rodovia. No km 30 da rodovia mencionada, no coração da Agrovila Engenho das Lajes, um monstruoso e desnecessário viaduto destruiu criminosamente a paisagem local. Os moradores da comunidade vêm solicitando sem conseguir, durante duas décadas, uma simples passarela para o trânsito de crianças nos horários escolares e uso dos serviços públicos localizados em ambos os lados da rodovia. No km 10 da mesma rodovia, dezenas de máquinas começaram operações de terraplanagem sem que se soubesse a finalidade, logo após a inauguração da duplicação da autoestrada. Um segundo viaduto, de prioridade absolutamente duvidosa, foi se erguendo. O efeito prático desses e outros viadutos é gastar o orçamento, contratar grandes empreiteiras com fins de financiamento eleitoral iminente, usar máquinas compostas por toneladas de ferro para incentivar a indústria, gerar uma centena de empregos temporários, chatear o cidadão e deixar obras inacabadas durante anos.
− A classificação do lixo urbano começou com uma demonstração de força publicitária, envolvendo artistas e estrelas do marketing, exibindo as características de um povo civilizado na capital da república e oferecendo um exemplo-modelo a ser exportado ao resto do mundo. Vá alguém constatar o que o cidadão brasiliense, exemplo de cidadão civilizado aos olhos do Cazaquistão ou da Bolívia, coloca nos contêineres do lixo orgânico ou seco.
Esses quatro exemplos são miniaturas do que não se vê num país emergente. A lista de obras inacabadas é constrangedora, mas é ocultada pela alta tecnologia de “inclusão digital”, pelo fantástico número de celulares por habitante e pelos novos 150 carros matriculados por dia, em Brasília, enfrentando repousantes engarrafamentos e falta de estacionamento. Ampliar e melhorar o transporte público são prioridades secundárias para um país emergente e uma capital às vésperas do cinquentenário com seu governador na cadeia por corrupção ativa.
Um país do tamanho do Brasil, com regiões tão distintas e uma população tão grande e diversificada, move-se lentamente, retardado por governos que programam sua administração tão provisória quanto o tempo de que dispõem para governar.
Raríssimos são os projetos do plano de um governo que se estendem por mais de um período administrativo. E raros são os governos que não mudam a direção das prioridades anteriores no início de cada quatriênio.
Todos sonham burilar no mármore o corpo escultural de um Davi, mas nem sempre se dispõe da força do pensamento artístico de um Miguelangelo.

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