sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

OÁSIS PRODUTIVOS



Na vivência de quase quarenta anos, numa área de cerrado original, acumulei experiências úteis tanto para produzir alimentos quanto para preservar a natureza integrando-me nela. O segredo para construir o que chamo de oásis produtivos é alcançar um equilíbrio congruente e previsível das distintas energias e forças da natureza que atuam sobre um espaço físico.

As energias e forças não são lineares. Em consequência, o equilíbrio depende da organização lenta dos diversos elementos que se combinam assimetricamente obedecendo à complexidade e ação constante das leis físicas. Os fenômenos físicos se manifestam incontrolavelmente segundo tempos e regiões. E é para eles que deve apontar a observação permanente, ao longo dos anos.

A tendência do ser humano na luta pela sobrevivência é transformar pragmaticamente a complexidade da manifestação das energias e forças da natureza em linearidade com artifícios técnicos. Essa tentativa torna a linearidade tão ou mais complexa do que a complexidade das forças e energias naturais. Tão complexa que embaraça o caminhar dos humanos em sua busca de soluções técnicas e tecnológicas a problemas por eles criados.

Nessa inversão da canalização de forças e energias naturais reside a origem do desequilíbrio ecológico e ambiental. A forma rudimentar de produção agrícola, na qual o fogo é um auxiliar primitivo e arrasador, ou o uso de alta tecnologia por meio de máquinas, fertilizantes químicos e defensivos tóxicos de efeitos prolongados, ambos produzem desequilíbrios difíceis de corrigir.

A linearidade das práticas produtivas e de ocupação do solo está substituindo gradativa e perigosamente a complexidade da organização natural. Ela impõe agressivos mecanismos na exploração de elementos necessários à produção de alimentos e o uso abusivo de riquezas disponíveis à sobrevivência, ao conforto e à convivência humana.

Para administrar o rompimento da complexidade das forças e energias naturais, a criatividade da inteligência humana recorre a truques e fórmulas técnicas e tecnológicas cada dia mais apuradas sem, no entanto, alcançar o desejado equilíbrio rompido. É palpável o conflito atual entre a filosofia tecnológica de que é possível resolver problemas e situações criadas pelo desequilíbrio no funcionamento complexo das forças e energias naturais e a filosofia ecológica da interdependência de todos os seres vivos em igualdade de condições. Este confronto requer pelo menos a revisão cuidadosa da rota seguida, se não uma corajosa mudança de rumo. Não se trata de uma visão catastrófica em curto prazo e, sim, da impossibilidade de incluir a humanidade inteira, disseminada em distintas regiões do globo, nessa estratégia suicida de contornar o desequilíbrio apenas com alta tecnologia teoricamente democratizada.

A desigualdade dentro de países, de regiões e no contexto global, fruto da desinteligência relativa ao funcionamento das leis naturais, aguça o desequilíbrio e produz o impasse atual em aspectos financeiros, econômicos, políticos e ecoambientais.

A formação de oásis produtivos em pequenos ou grandes espaços físicos, no meio rural ou urbano, pode ser uma forma de minimizar os desequilíbrios ocasionados pela pegada humana. O principio básico assenta na observação cuidadosa do funcionamento, da relação e do comportamento sazonal das energias e forças que compõem a complexidade dos elementos naturais. Água proveniente das chuvas ou de nascentes (mananciais), ventos, luminosidade, altitude (montanhas e vales), variedade da vegetação (frutífera e madeireira), fauna (aves, animais silvestres, insetos), são elementos que, com o ser humano, formam a cadeia de interdependência imprescindível para a continuidade da vida no planeta. O rompimento da corrente de interdependência, seja pelo desmatamento programado para produção agrícola, seja pela construção de barragens e desvio de cursos naturais de água ou pela urbanização não planejada, causa inundações nas cidades, perda irreparável de espécies de vegetação, da fauna e de seres humanos. A recomposição do equilíbrio, nestas circunstâncias, nem sempre é possível, se não impossível.

O desequilíbrio ambiental, muitas vezes não seguido de desequilíbrio ecológico, causado por fenômenos naturais, tem capacidade intrínseca para se recompor ao longo do tempo. Os tempos da natureza nem sempre coincidem com os tempos das necessidades e interesses humanos. Metas impostas para justificar programas políticos e econômicos nem sempre respeitam o tempo necessário para a recomposição do equilíbrio ambiental. Secas e inundações, na maior parte desses eventos, ocorrem em espaços naturais modificados pela mão humana. São denominados equivocadamente “desastres naturais”. Na verdade, são fenômenos naturais conhecidos e previsíveis que se manifestam com forças incontroláveis. Podem alagar planícies, derrubar árvores, matar pessoas e animais, cujas consequências atingem todas as formas de vida em seu caminho. Se este caminho foi, de alguma forma, interrompido pela mão humana, as forças e as energias contidas nos elementos como água e vento encontram situações favoráveis para multiplicar sua velocidade e capacidade destrutiva para arrastar com violência os obstáculos que se lhes antepõem.

Terremotos, vulcões, maremotos, tempestades, tufões, tornados, ventanias ou períodos de seca são fenômenos naturais incontroláveis com os quais as espécies vivas têm que aprender a conviver. A ocupação humana dos espaços de campos e florestas para a produção de alimentos (cereais, animais domésticos) ou para a urbanização provoca a formação de imensos desertos, cenário propício para a manifestação descontrolada dos fenômenos naturais.

As florestas foram substituídas por vegetação rasteira ou por cidades e rodovias, ocasionando mudanças nos cursos dos rios e canais de esgotamento das águas pluviais, na direção e contenção dos ventos. O desconhecimento e a imprevidência dos efeitos e impactos da expansão e da pegada demográfica sobre vales e montanhas recebem em troca a cobrança pelo choque da natureza, suas forças e energias liberadas sobre o ser humano e suas obras.

Trata-se, então, simplesmente, de recuperação de espaços perdidos à invasão descuidada das pessoas em áreas necessárias à manifestação dos fenômenos naturais. A natureza devolve o impacto causado sobre ela com intensidade e força multiplicadas por anos de agressão.

É sensato constatar que a recuperação do equilíbrio perturbado pela manifestação incontrolável dos fenômenos naturais – erupção vulcânica, terremoto, tornado – toma anos ou séculos. E, com a volta do equilíbrio natural, as circunstâncias não serão exatamente as mesmas de outrora. Vidas se perderam, rios mudaram de curso, montanhas deslocaram-se. O equilíbrio reclama uma readaptação das espécies vivas. Um novo ciclo de interdependência se inicia para a continuidade da vida no planeta. Quando a ação dos fenômenos naturais atinge as obras humanas, seja em seus campos de produção de alimentos e exploração das riquezas disponíveis, seja no conjunto cultural de seus agrupamentos urbanos, a recomposição do equilíbrio costuma sugerir inovações, mudança de hábitos, revisão da arquitetura, abandono de locais, deslocamento provisório ou definitivo dos habitantes para áreas mais seguras e/ou reestudo das formas de ocupação do solo.

O descuido com o funcionamento implacável das leis físicas que atinge com mais frequência, hoje, a obra humana, induz à reflexão sobre as relações entre o ser humano e a natureza. Truques, aparentemente inteligentes, com artifícios técnicos ou tecnológicos, pragmáticos e funcionais em busca de resultados imediatos para desfrutar os poucos anos da curta vida nem sempre são aprovados, aceitos e respeitados pela manifestação explosiva dos fenômenos naturais.

As circunstâncias tendem a se agravar quando a displicência desrespeita os espaços necessários à manifestação desses fenômenos naturais, muitos deles previsíveis no tempo e na intensidade. 

Oásis é uma pequena região que conjuga um afloramento de água com fertilidade do solo. A vegetação que se forma ao redor do manancial, ao longo de séculos, fertiliza o solo, favorecendo a prática agrícola em escala reduzida ao oásis. O essencial, portanto, é a água.

São famosos os oásis de Awjila, Ghadames e Kufra, na Líbia, pontos vitais para as rotas Sul/Norte e Leste/Oeste, no deserto. Para esses oásis eram degradados os criminosos do império romano. A previdência dos nômades e caravanas do deserto preserva os oásis durante séculos como garantia de sobrevivência na travessia.

Oásis é sinônimo de esperança, de sobrevivência e de vida. Sua perenidade depende da água, das plantas nativas e da consequente fertilização formando um sistema de interdependência ininterrupta desses elementos. A preservação desse conjunto simples de fatores possibilita o desfrute permanente da ocupação e uso do solo para satisfazer às necessidades humanas. O risco de extinção do oásis consiste em substituir a complexidade natural desses elementos integrados por uma complexidade artificial. Ao invés de adaptar-se com sabedoria à natureza, a aventura humana prefere, muitas vezes, adaptar a natureza a seus interesses com artifícios tecnológicos. Até onde e até quando essa inversão se sustenta é uma questão que pertence ao tempo, aos séculos, aos milênios.

As observações acumuladas nesses quarenta anos, numa pequena ilha de cerrado no Planalto Central, dão-me algumas indicações para sugerir a formação de oásis produtivos no meio rural ou urbano. Ao mencionar oásis produtivos não significa necessariamente cultivar o solo para extrair algum produto.

O elemento essencial e vital da existência e preservação do oásis, vale insistir, é a água. A vida depende dela. Em regiões de chuvas regulares, com duas ou quatro estações, mesmo com incidências de períodos mais secos ou mais chuvosos, o primeiro cuidado será preservar a água. A água não é um bem privado. É um bem público, universal. A preservação de mananciais e cursos de água é de responsabilidade do Estado como gestor do patrimônio comum, e do cidadão como usuário desse bem vital.

Na vida cotidiana, dá-se maior importância ao uso da água e quase nenhuma à sua captação na estação chuvosa ou à preservação dos mananciais nos períodos de estiagem. “Produzir” água é tão importante quanto usá-la e saber poupá-la.

Para a formação de oásis produtivos, entre outras iniciativas de âmbito público e particular, estão a captação de águas pluviais e o plantio ou preservação de árvores nativas da região, adaptadas ao clima e resistentes às condições adversas de seu hábitat.

Civilizações que antecederam a ocupação europeia da América do Sul, como a Zenu, na Cordilheira Andina da Colômbia, controlaram as cheias do rio Madalena por meio de canais, em forma de espinha de peixe, os quais continham a água e os sedimentos férteis para produzir milho e batas no período seco.

As formas de captação das águas pluviais variam de pequenas barragens (como as que construí em meu Sítio), a grandes galerias no subsolo urbano como em Tóquio. A presença de água na superfície ou a umidade acumulada sob a vegetação impulsionam a diversidade de plantas nativas. Tanto as áreas destinadas à produção de alimentos e à extração controlada de minérios ou as de urbanização precisam ser protegidas por corredores vegetais ou cortinas verdes. Sua função é dupla: captar e guardar parte considerável das águas da chuva e facilitar sua infiltração no solo para recarga dos aquíferos; e transformar carbono em oxigênio. (Uma árvore absorve 2kg de gás carbônico por hora e devolve à atmosfera, no mesmo tempo, 2kg de oxigênio.)

Graças à água, à umidade e aos bosques nativos, estabelecem-se refúgios de pássaros, animais e insetos que encontram alimentação adequada para sua reprodução, assegurando a biodiversidade e a interdependência das espécies vivas. É possível criar condições que garantam equilíbrio aceitável e administrável entre ocupação e utilização do solo, minimizando-se os efeitos mais agressivos da eventual manifestação atípica dos fenômenos naturais.

Em alguns países (Finlândia, Suécia), o equilíbrio entre áreas de ocupação humana, vegetal e animal é garantido com delimitação de espaços para cada um desses agrupamentos. Florestas atravessadas por rodovias e ferrovias, são cercadas por telas para impedir o atropelamento de animais selvagens.

Os oásis produtivos, sejam pequenos ou grandes, sugerem uma nova concepção da ocupação, uso e exploração racional e cuidadosa do solo. Implica tomar em consideração todos os elementos sistêmicos, forças e energias que se combinam para garantir a permanente recomposição do equilíbrio ecoambiental e a relação de interdependência de todos os seres vivos e a própria continuidade da vida no planeta.



Eugênio Giovenardi

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