Na vivência de quase quarenta
anos, numa área de cerrado original, acumulei experiências úteis tanto para
produzir alimentos quanto para preservar a natureza integrando-me nela. O
segredo para construir o que chamo de oásis produtivos é alcançar um equilíbrio
congruente e previsível das distintas energias e forças da natureza que atuam
sobre um espaço físico.
As energias e forças não são
lineares. Em consequência, o equilíbrio depende da organização lenta dos
diversos elementos que se combinam assimetricamente obedecendo à complexidade e
ação constante das leis físicas. Os fenômenos físicos se manifestam
incontrolavelmente segundo tempos e regiões. E é para eles que deve apontar a
observação permanente, ao longo dos anos.
A tendência do ser humano na
luta pela sobrevivência é transformar pragmaticamente a complexidade da
manifestação das energias e forças da natureza em linearidade com artifícios técnicos.
Essa tentativa torna a linearidade tão ou mais complexa do que a complexidade
das forças e energias naturais. Tão complexa que embaraça o caminhar dos
humanos em sua busca de soluções técnicas e tecnológicas a problemas por eles
criados.
Nessa inversão da canalização
de forças e energias naturais reside a origem do desequilíbrio ecológico e
ambiental. A forma rudimentar de produção agrícola, na qual o fogo é um
auxiliar primitivo e arrasador, ou o uso de alta tecnologia por meio de
máquinas, fertilizantes químicos e defensivos tóxicos de efeitos prolongados,
ambos produzem desequilíbrios difíceis de corrigir.
A linearidade das práticas
produtivas e de ocupação do solo está substituindo gradativa e perigosamente a
complexidade da organização natural. Ela impõe agressivos mecanismos na
exploração de elementos necessários à produção de alimentos e o uso abusivo de
riquezas disponíveis à sobrevivência, ao conforto e à convivência humana.
Para administrar o rompimento
da complexidade das forças e energias naturais, a criatividade da inteligência
humana recorre a truques e fórmulas técnicas e tecnológicas cada dia mais apuradas
sem, no entanto, alcançar o desejado equilíbrio rompido. É palpável o conflito
atual entre a filosofia tecnológica de que é possível resolver problemas e
situações criadas pelo desequilíbrio no funcionamento complexo das forças e
energias naturais e a filosofia ecológica da interdependência de todos os seres
vivos em igualdade de condições. Este confronto requer pelo menos a revisão
cuidadosa da rota seguida, se não uma corajosa mudança de rumo. Não se trata de
uma visão catastrófica em curto prazo e, sim, da impossibilidade de incluir a
humanidade inteira, disseminada em distintas regiões do globo, nessa estratégia
suicida de contornar o desequilíbrio apenas com alta tecnologia teoricamente
democratizada.
A desigualdade dentro de
países, de regiões e no contexto global, fruto da desinteligência relativa ao
funcionamento das leis naturais, aguça o desequilíbrio e produz o impasse atual
em aspectos financeiros, econômicos, políticos e ecoambientais.
A formação de oásis
produtivos em pequenos ou grandes espaços físicos, no meio rural ou urbano,
pode ser uma forma de minimizar os desequilíbrios ocasionados pela pegada
humana. O principio básico assenta na observação cuidadosa do funcionamento, da
relação e do comportamento sazonal das energias e forças que compõem a
complexidade dos elementos naturais. Água proveniente das chuvas ou de
nascentes (mananciais), ventos, luminosidade, altitude (montanhas e vales),
variedade da vegetação (frutífera e madeireira), fauna (aves, animais
silvestres, insetos), são elementos que, com o ser humano, formam a cadeia de
interdependência imprescindível para a continuidade da vida no planeta. O
rompimento da corrente de interdependência, seja pelo desmatamento programado
para produção agrícola, seja pela construção de barragens e desvio de cursos
naturais de água ou pela urbanização não planejada, causa inundações nas
cidades, perda irreparável de espécies de vegetação, da fauna e de seres
humanos. A recomposição do equilíbrio, nestas circunstâncias, nem sempre é
possível, se não impossível.
O desequilíbrio ambiental,
muitas vezes não seguido de desequilíbrio ecológico, causado por fenômenos
naturais, tem capacidade intrínseca para se recompor ao longo do tempo. Os
tempos da natureza nem sempre coincidem com os tempos das necessidades e
interesses humanos. Metas impostas para justificar programas políticos e econômicos
nem sempre respeitam o tempo necessário para a recomposição do equilíbrio
ambiental. Secas e inundações, na maior parte desses eventos, ocorrem em
espaços naturais modificados pela mão humana. São denominados equivocadamente
“desastres naturais”. Na verdade, são fenômenos naturais conhecidos e
previsíveis que se manifestam com forças incontroláveis. Podem alagar
planícies, derrubar árvores, matar pessoas e animais, cujas consequências
atingem todas as formas de vida em seu caminho. Se este caminho foi, de alguma
forma, interrompido pela mão humana, as forças e as energias contidas nos
elementos como água e vento encontram situações favoráveis para multiplicar sua
velocidade e capacidade destrutiva para arrastar com violência os obstáculos
que se lhes antepõem.
Terremotos, vulcões,
maremotos, tempestades, tufões, tornados, ventanias ou períodos de seca são
fenômenos naturais incontroláveis com os quais as espécies vivas têm que
aprender a conviver. A ocupação humana dos espaços de campos e florestas para a
produção de alimentos (cereais, animais domésticos) ou para a urbanização
provoca a formação de imensos desertos, cenário propício para a manifestação
descontrolada dos fenômenos naturais.
As florestas foram
substituídas por vegetação rasteira ou por cidades e rodovias, ocasionando
mudanças nos cursos dos rios e canais de esgotamento das águas pluviais, na
direção e contenção dos ventos. O desconhecimento e a imprevidência dos efeitos
e impactos da expansão e da pegada demográfica sobre vales e montanhas recebem
em troca a cobrança pelo choque da natureza, suas forças e energias liberadas
sobre o ser humano e suas obras.
Trata-se, então, simplesmente,
de recuperação de espaços perdidos à invasão descuidada das pessoas em áreas necessárias
à manifestação dos fenômenos naturais. A natureza devolve o impacto causado
sobre ela com intensidade e força multiplicadas por anos de agressão.
É sensato constatar que a
recuperação do equilíbrio perturbado pela manifestação incontrolável dos
fenômenos naturais – erupção vulcânica, terremoto, tornado – toma anos ou
séculos. E, com a volta do equilíbrio natural, as circunstâncias não serão
exatamente as mesmas de outrora. Vidas se perderam, rios mudaram de curso,
montanhas deslocaram-se. O equilíbrio reclama uma readaptação das espécies
vivas. Um novo ciclo de interdependência se inicia para a continuidade da vida
no planeta. Quando a ação dos fenômenos naturais atinge as obras humanas, seja
em seus campos de produção de alimentos e exploração das riquezas disponíveis,
seja no conjunto cultural de seus agrupamentos urbanos, a recomposição do
equilíbrio costuma sugerir inovações, mudança de hábitos, revisão da
arquitetura, abandono de locais, deslocamento provisório ou definitivo dos
habitantes para áreas mais seguras e/ou reestudo das formas de ocupação do
solo.
O descuido com o
funcionamento implacável das leis físicas que atinge com mais frequência, hoje,
a obra humana, induz à reflexão sobre as relações entre o ser humano e a
natureza. Truques, aparentemente inteligentes, com artifícios técnicos ou
tecnológicos, pragmáticos e funcionais em busca de resultados imediatos para
desfrutar os poucos anos da curta vida nem sempre são aprovados, aceitos e
respeitados pela manifestação explosiva dos fenômenos naturais.
As circunstâncias tendem a se
agravar quando a displicência desrespeita os espaços necessários à manifestação
desses fenômenos naturais, muitos deles previsíveis no tempo e na intensidade.
Oásis é uma pequena região que
conjuga um afloramento de água com fertilidade do solo. A vegetação que se
forma ao redor do manancial, ao longo de séculos, fertiliza o solo, favorecendo
a prática agrícola em escala reduzida ao oásis. O essencial, portanto, é a
água.
São famosos os oásis de
Awjila, Ghadames e Kufra, na Líbia, pontos vitais para as rotas Sul/Norte e
Leste/Oeste, no deserto. Para esses oásis eram degradados os criminosos do
império romano. A previdência dos nômades e caravanas do deserto preserva os
oásis durante séculos como garantia de sobrevivência na travessia.
Oásis é sinônimo de
esperança, de sobrevivência e de vida. Sua perenidade depende da água, das
plantas nativas e da consequente fertilização formando um sistema de
interdependência ininterrupta desses elementos. A preservação desse conjunto
simples de fatores possibilita o desfrute permanente da ocupação e uso do solo
para satisfazer às necessidades humanas. O risco de extinção do oásis consiste
em substituir a complexidade natural desses elementos integrados por uma
complexidade artificial. Ao invés de adaptar-se com sabedoria à natureza, a
aventura humana prefere, muitas vezes, adaptar a natureza a seus interesses com
artifícios tecnológicos. Até onde e até quando essa inversão se sustenta é uma
questão que pertence ao tempo, aos séculos, aos milênios.
As observações acumuladas
nesses quarenta anos, numa pequena ilha de cerrado no Planalto Central, dão-me
algumas indicações para sugerir a formação de oásis produtivos no meio rural ou
urbano. Ao mencionar oásis produtivos não significa necessariamente cultivar o
solo para extrair algum produto.
O elemento essencial e vital
da existência e preservação do oásis, vale insistir, é a água. A vida depende
dela. Em regiões de chuvas regulares, com duas ou quatro estações, mesmo com incidências
de períodos mais secos ou mais chuvosos, o primeiro cuidado será preservar a água.
A água não é um bem privado. É um bem público, universal. A preservação de
mananciais e cursos de água é de responsabilidade do Estado como gestor do patrimônio
comum, e do cidadão como usuário desse bem vital.
Na vida cotidiana, dá-se
maior importância ao uso da água e quase nenhuma à sua captação na estação chuvosa
ou à preservação dos mananciais nos períodos de estiagem. “Produzir” água é tão
importante quanto usá-la e saber poupá-la.
Para a formação de oásis
produtivos, entre outras iniciativas de âmbito público e particular, estão a captação
de águas pluviais e o plantio ou preservação de árvores nativas da região,
adaptadas ao clima e resistentes às condições adversas de seu hábitat.
Civilizações que antecederam
a ocupação europeia da América do Sul, como a Zenu, na Cordilheira Andina da
Colômbia, controlaram as cheias do rio Madalena por meio de canais, em forma de
espinha de peixe, os quais continham a água e os sedimentos férteis para
produzir milho e batas no período seco.
As formas de captação das águas
pluviais variam de pequenas barragens (como as que construí em meu Sítio), a
grandes galerias no subsolo urbano como em Tóquio. A presença de água na superfície
ou a umidade acumulada sob a vegetação impulsionam a diversidade de plantas
nativas. Tanto as áreas destinadas à produção de alimentos e à extração controlada
de minérios ou as de urbanização precisam ser protegidas por corredores
vegetais ou cortinas verdes. Sua função é dupla: captar e guardar parte
considerável das águas da chuva e facilitar sua infiltração no solo para
recarga dos aquíferos; e transformar carbono em oxigênio. (Uma árvore absorve
2kg de gás carbônico por hora e devolve à atmosfera, no mesmo tempo, 2kg de
oxigênio.)
Graças à água, à umidade e
aos bosques nativos, estabelecem-se refúgios de pássaros, animais e insetos que
encontram alimentação adequada para sua reprodução, assegurando a biodiversidade
e a interdependência das espécies vivas. É possível criar condições que
garantam equilíbrio aceitável e administrável entre ocupação e utilização do
solo, minimizando-se os efeitos mais agressivos da eventual manifestação atípica
dos fenômenos naturais.
Em alguns países (Finlândia,
Suécia), o equilíbrio entre áreas de ocupação humana, vegetal e animal é
garantido com delimitação de espaços para cada um desses agrupamentos. Florestas
atravessadas por rodovias e ferrovias, são cercadas por telas para impedir o
atropelamento de animais selvagens.
Os oásis produtivos, sejam
pequenos ou grandes, sugerem uma nova concepção da ocupação, uso e exploração racional
e cuidadosa do solo. Implica tomar em consideração todos os elementos sistêmicos,
forças e energias que se combinam para garantir a permanente recomposição do
equilíbrio ecoambiental e a relação de interdependência de todos os seres vivos
e a própria continuidade da vida no planeta.
Eugênio Giovenardi
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