Acompanhei, durante duas horas e meia, no Conselho de
Recursos Hídricos, do Distrito Federal, uma detalhada exposição de cenários que
antecipam a realidade de oferta de água em 2040. Sobrevoei a plateia com o
olhar e concluí que metade dos presentes não estará, nessa data, para comprovar
as profecias dos cenários apresentados. E como sobreviverá a outra metade é
problema dela.
O expositor impressionou a atenta assistência com números,
gráficos, curvas, colunas em variadas cores. As imagens apareciam e
desapareciam, magicamente, mostrando que a base da oferta de água dependeria de
cenários de crescimento econômico nacional e internacional, acelerado,
moderado, retraído. O PIB, evidentemente, será o general a comandar as forças
econômicas, os investimentos e o consumo que determinarão maior ou menor oferta
de água. A função divina do PIB é transformar toda a obra humana em um
percentual.
Na lógica pibeana, água escassa será mais cara e mais difícil
de comprá-la. Daí a necessidade de uma “estratégia de gestão hídrica”
consolidada num plano institucional integrado para chegar ao ano 2040 com falta
de água, mas bem gerenciada. Esse plano terá o suporte de leis, regulamentos,
normas de controle, fiscalização, um forte ingrediente educativo, instituições
especializadas, profissionais ligados a redes e satélites para coordenar a
guerra da oferta e demanda de água. Hoje, existe uma orquestra institucional
tocada por uma dezena de instrumentos desafinados, com partituras incompletas e
sem maestro. Todos, porém, querem tocar sua parte institucional sem ouvir os do
lado, nem olhar para o maestro e, menos ainda, para as reações da plateia
distraída que manda, como na sala Villa Lobos, mensagens pelo Iphone.
Em se tratando de água, sabe-se que a quantidade existente
no planeta é a mesma desde milhões de anos. O que varia é o número de
consumidores humanos, vegetais e animais. O cenário é simples: temos um volume
fixo de água, nem sempre no local desejado, e uma quantidade variável de
consumidores. A água disponível no DF, por exemplo, é a mesma de 1960, quando
Brasília foi inaugurada, com 140 mil habitantes, e a de 2012, com uma população
de 2,6 milhões de pessoas.
Estima-se que, em 2040, haverá uma população humana de 6
milhões. A oferta de água não se altera. Apenas que terá que ser canalizada de
muito longe. A projeção do consumo é aritmética. Passa-se de um consumo, hoje, de 520 milhões de litros/dia para 1 bilhão e 200 milhões em 2040 (consumo per capita de 200 litros/dia).
Essa demanda é apenas de consumo humano, isto é, o uso diário das pessoas. O
comércio, a indústria e a agricultura têm suas demandas setoriais.
A pergunta, então, é: quem vai ficar sem água? Os humanos,
os vegetais, os animais? Como reagirão eles à falta de água? Salta aos olhos
que o cenário demográfico, nas três dimensões, é mais importante do que
cenários macroeconômicos. Populações menores pressionam menos a economia e
gasta menos água. Quem se importa com o cenário demográfico em três dimensões?
As taxas de fertilidade humana vêm caindo, mas isto não
impede que a população cresça. E, hoje, vive-se alguns anos a mais. Portanto, se
gasta mais água. Nos cenários apresentados pelo competente expositor, ficou
claro que, em 2040, a água estará escassa e não alcançará democraticamente a
todos.
Estranhei que nas medidas aventadas para gerenciar os
“recursos hídricos” não se mencionasse a captação de águas da chuva que,
atualmente, têm sido abundantes. A civilização Zenú, nos Andes colombianos,
alguns séculos antes da imigração europeia à América do Sul, captava as águas
nas cheias do rio Madalena, nas áreas planas, por meio de canais em forma de
espinha de peixe. Os japoneses recolhem em galerias subterrâneas as imensas
águas que caem sobre Tóquio em volume mil vezes superior às que inundam Minas e
São Paulo.
Em vez de captação de águas pluviais, os sobreviventes de
2040 terão que preparar-se para o racionamento diário associado ao custo
implacável da água. Por essas falhas no planejamento demográfico humano e pelo
consequente aumento da população animal destinada a suprir a população de
proteína é que será quase impossível deter a invasão da Amazônia e do Cerrado.
Em consequência, a expansão de áreas de desertos rurais e urbanos torna ainda
mais difícil o suprimento de água.
Nenhum comentário:
Postar um comentário