O desaparecimento misterioso de galinhas e patos em
trabalho de choco e ninhadas de ovos sem deixar impressões patais despistou Luânio.
Os acontecimentos se tornaram frequentes, com regularidade calculada, mas
imprevisível. O sequestro desses habitantes do Sítio das Neves ocorre de dia e de
noite em horários incertos.
A desconfiança primeira recaiu sobre Tati e Dara, duas
cadelas da raça Vira-lata que apresentavam um invejável estado físico
incompatível com os ingressos nutricionais de sua profissão canina. Ambas foram
surpreendidas com a boca manchada de ovo. Tati foi encarcerada para reeducação.
Atacada pela síndrome da abstinência ovular, fugiu várias vezes do cárcere
privado e dizimou, numa noite, um número exorbitante de ovos que esperavam as
galinhas no dia seguinte. Tati tinha faro de ovo e detectava os ninhos em
locais secretos. Apreendida e trancafiada, foi julgada irrecuperável.
Reforçaram-se as paredes e a porta da prisão. Por razões humanitárias, passou a
receber refeições diversificadas e abundantes que lhe minoraram as crises de
depressão carcerária.
Dara, ladina, sonsa, largateira, foi despedida do
Sítio e devolvida à família urbana. Não tinha o mais leve sinal de progredir na
atividade rural de vigilante.
Eliminados os dois suspeitos, o continuado
desaparecimento de aves e ovos produziu em Luânio grave sentimento de culpa.
Teria ele condenado injustamente as indiciadas sem respeitar seus direitos de
defesa? Teriam sido elas ingenuamente coniventes e
cúmplices no aproveitamento das sobras abandonadas pelos verdadeiros
sequestradores?
Durante várias semanas em horas alternadas do dia,
observou o movimento das aves domésticas, acudiu aos alarmes dos galos, tentou
localizar de onde vinha o estardalhaço alegre das fêmeas ao parirem seus ovos
ao cabo de uma hora de esforços. Luânio tinha dificuldades de achar os
esconderijos das poedeiras porque depois de pôr o ovo se afastam do ninho e
cantam em outra direção. Despistam Luânio, mas não os sequestradores.
Galinhas e patas continuavam a desaparecer
misteriosamente de dia e de noite. Os ninhos apareciam desocupados. Luânio, ao
longo de cotidianas observações, seguimento de possíveis trilhas dos elementos
da selva, umas falsas outras prováveis de ocultarem pegadas elucidativas, aperfeiçoou
suas qualidades de detetive.
No dia do desaparecimento de uma pata que chocava
catorze ovos em estado adiantado de incubação, Luânio avistou, nas imediações
do ninho um enorme lagarto Teiú de aproximadamente um metro de comprimento, de
cor cinza e olhos amarronzados e brilhantes. O aligátor rastejava prudentemente
revolvendo os olhos, esticando a língua em V e balanceando a cabeçorra. Ia em
direção ao ninho que fora ocupado pela pata.
Luânio notou sinais de pegadas nas folhas. Algumas
penas brancas indicavam possível roteiro de fuga. Seguiu a trilha e, a alguns
metros adiante, ao pé de uma cajazeira centenária, avistou o corpo da pata em
decúbito dorsal. Aproximou-se do cadáver. Examinou-o. O sequestrador
chupara-lhe o sangue pelo pescoço, abrira-lhe o peito e lhe arrancara o coração
e o fígado.
O teiú, segundo pesquisas que realizou na clínica
veterinária de proteção aos animais selvagens, não se alimenta de cárnicos. Seu
prato favorito são os ovos. Pode chupá-los ou engoli-los inteiros.
Dias depois, em plena luz do sol, ao meio-dia, acudiu
ao alarme dos galos e ao desespero das galinhas que ciscavam sob as árvores.
Uma raposa de boa estatura caminhava decidida e sem temor na direção das
penosas.
Foram três meses de investigação, de seguimento de
pistas e de escutas dessa comunicação instintiva e sem palavras entre os bichos
da floresta. Uma divisão de tarefas garante a sobrevivência e a reprodução das
espécies e mantém a convivência respeitosa entre os bichos da selva.
Luânio, ao cabo de suas observações identificou e
classificou os sequestradores por suas ações especificas na apropriação
indébita, mas lícita, da comida cada dia mais escassa com a devastação do meio
rural.
A raposa, sagaz e matreira, abre caminho, abocanha as
fêmeas adormecidas pela paciência do choco. O lagarto teiú, rastejando sobre as
folhas, em silêncio abismal, abduz os ovos. Um exemplo de sociedade cooperativa
para a sobrevivência sustentável em tempos escuros de escassez.
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