quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A RAPOSA E O LAGARTO TEIÚ



O desaparecimento misterioso de galinhas e patos em trabalho de choco e ninhadas de ovos sem deixar impressões patais despistou Luânio. Os acontecimentos se tornaram frequentes, com regularidade calculada, mas imprevisível. O sequestro desses habitantes do Sítio das Neves ocorre de dia e de noite em horários incertos.
A desconfiança primeira recaiu sobre Tati e Dara, duas cadelas da raça Vira-lata que apresentavam um invejável estado físico incompatível com os ingressos nutricionais de sua profissão canina. Ambas foram surpreendidas com a boca manchada de ovo. Tati foi encarcerada para reeducação. Atacada pela síndrome da abstinência ovular, fugiu várias vezes do cárcere privado e dizimou, numa noite, um número exorbitante de ovos que esperavam as galinhas no dia seguinte. Tati tinha faro de ovo e detectava os ninhos em locais secretos. Apreendida e trancafiada, foi julgada irrecuperável. Reforçaram-se as paredes e a porta da prisão. Por razões humanitárias, passou a receber refeições diversificadas e abundantes que lhe minoraram as crises de depressão carcerária.
Dara, ladina, sonsa, largateira, foi despedida do Sítio e devolvida à família urbana. Não tinha o mais leve sinal de progredir na atividade rural de vigilante.
Eliminados os dois suspeitos, o continuado desaparecimento de aves e ovos produziu em Luânio grave sentimento de culpa. Teria ele condenado injustamente as indiciadas sem respeitar seus direitos de defesa? Teriam sido elas ingenuamente coniventes e cúmplices no aproveitamento das sobras abandonadas pelos verdadeiros sequestradores?
Durante várias semanas em horas alternadas do dia, observou o movimento das aves domésticas, acudiu aos alarmes dos galos, tentou localizar de onde vinha o estardalhaço alegre das fêmeas ao parirem seus ovos ao cabo de uma hora de esforços. Luânio tinha dificuldades de achar os esconderijos das poedeiras porque depois de pôr o ovo se afastam do ninho e cantam em outra direção. Despistam Luânio, mas não os sequestradores.
Galinhas e patas continuavam a desaparecer misteriosamente de dia e de noite. Os ninhos apareciam desocupados. Luânio, ao longo de cotidianas observações, seguimento de possíveis trilhas dos elementos da selva, umas falsas outras prováveis de ocultarem pegadas elucidativas, aperfeiçoou suas qualidades de detetive.
No dia do desaparecimento de uma pata que chocava catorze ovos em estado adiantado de incubação, Luânio avistou, nas imediações do ninho um enorme lagarto Teiú de aproximadamente um metro de comprimento, de cor cinza e olhos amarronzados e brilhantes. O aligátor rastejava prudentemente revolvendo os olhos, esticando a língua em V e balanceando a cabeçorra. Ia em direção ao ninho que fora ocupado pela pata.
Luânio notou sinais de pegadas nas folhas. Algumas penas brancas indicavam possível roteiro de fuga. Seguiu a trilha e, a alguns metros adiante, ao pé de uma cajazeira centenária, avistou o corpo da pata em decúbito dorsal. Aproximou-se do cadáver. Examinou-o. O sequestrador chupara-lhe o sangue pelo pescoço, abrira-lhe o peito e lhe arrancara o coração e o fígado.
O teiú, segundo pesquisas que realizou na clínica veterinária de proteção aos animais selvagens, não se alimenta de cárnicos. Seu prato favorito são os ovos. Pode chupá-los ou engoli-los inteiros.
Dias depois, em plena luz do sol, ao meio-dia, acudiu ao alarme dos galos e ao desespero das galinhas que ciscavam sob as árvores. Uma raposa de boa estatura caminhava decidida e sem temor na direção das penosas.
Foram três meses de investigação, de seguimento de pistas e de escutas dessa comunicação instintiva e sem palavras entre os bichos da floresta. Uma divisão de tarefas garante a sobrevivência e a reprodução das espécies e mantém a convivência respeitosa entre os bichos da selva.
Luânio, ao cabo de suas observações identificou e classificou os sequestradores por suas ações especificas na apropriação indébita, mas lícita, da comida cada dia mais escassa com a devastação do meio rural.
A raposa, sagaz e matreira, abre caminho, abocanha as fêmeas adormecidas pela paciência do choco. O lagarto teiú, rastejando sobre as folhas, em silêncio abismal, abduz os ovos. Um exemplo de sociedade cooperativa para a sobrevivência sustentável em tempos escuros de escassez.

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