quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DEMOCRACIA AUTORITÁRIA




A frágil e inconsistente democracia brasileira não se comprova pela falta de instituições, de mecanismos legais, agências reguladoras, audiências públicas, conselhos múltiplos e variados, dezenas de partidos políticos disformes, eleições periódicas, congresso nacional, câmaras legislativas, movimentos sociais, passeatas de protesto contra injustiças sociais e preconceitos diversos. Ao contrário, essa complexa rede de relacionamentos supõe o exercício da liberdade democrática.
Como tudo isto opera e como a inteligência política e administrativa faz funcionar a democracia para preservar o poder de governar é que se necessita compreender. Além do dito núcleo duro central que toma decisões ao sabor de seus humores, dirigidos ao alvo essencial que é a manutenção do poder no tempo, entram em jogo os chamados mandos médios, hierarquicamente organizados para sustentar e cumprir as ordens emanadas de cima.
A administração da democracia brasileira, apesar dos 36 ministérios que abduzem todos os suspiros da população, não configura um plano coerente a ser seguido por um período de 20 ou 30 anos. Ela é composta de ordens espasmódicas, semanais ou mensais, emanadas de uma estrutura esquizofrênica construída pelos agentes do poder.
A democracia é administrada por um grupo emergido do parto eleitoral cesariano que traz características históricas de conceitos, ideias e práticas arbitrárias, autoritárias e centralizadoras. As sequelas do centralismo monárquico e das ditaduras ainda persistem no organismo político brasileiro. Ordens, determinações, decisões, decretos, medidas provisórias surgem diariamente acolitadas por números, previsões, percentuais contraditórios, declarações de ministros, desmentidos da presidência.
Taxas de juros, índice de inflação, geração de postos de trabalho (sem a correspondente informação de demissões ou perda do emprego), renda média do trabalhador recebem explicações e justificativas sempre favoráveis aos desejos e expectativas dos governantes.
Táticas e experimentos na condução da economia, estratégias psicológicas de convencimento da população sobre os acertos das decisões, truques políticos, espertezas administrativas e judiciais são forjadas ininterruptamente para calar e eliminar qualquer reação ou oposição que tente discutir os assuntos antes das decisões anunciadas. Os que estão no poder sabem tudo.
Uma das fórmulas para silenciar e desmantelar o debate democrático é lançar espalhafatosamente programas por milímetro quadrado das necessidades populares predefinidas pela inteligência política e ratificadas pela participação de selecionado grupo da “sociedade organizada”. Não há o que não esteja pensado no campo da educação, da saúde, do esporte, da economia, da infraestrutura viária, marítima ou fluvial, do ambiente urbano e rural, da tecnologia, da habitação. Não importa que 100% das obras do PAC I e PAC II, segundo a revista Inteligência (editora Insight), estejam atrasadas de acordo com o projeto original. Nem é possível, nesse quadro confuso, saber quando sua execução estará completa. Com o anúncio e o funcionamento precário desses programas, ninguém mais acredita que haja famintos, embora se agrupem pedintes nas portas dos restaurantes, dos bancos, nos semáforos. A miséria foi extinta em nosso rico país porque as estatísticas do IBGE não captam os moradores de tugúrios rurais e favelas urbanas cercados de esgoto e lixo. Os 6% de desempregados não é soma que tire o sono dos estrategistas da sexta potência e são minimizados a ponto de causar orgulho aos economistas. Informam-nos que a renda dos mais pobres (R$ 622,00 por mês) cresce em taxas relativas superiores às dos mais ricos (R$ 100.000,00 por mês), o que não impede a ninguém de comprar geladeira, freezer, computador, celular, carro importado, reformar a casa, trocar a mobília herdada dos pais ou avós, frequentar restaurantes, viajar de avião e realizar o sonho nos indispensáveis divertimentos da Disneylândia.
O importante é deixar pública a capacidade de se antecipar: “Já pensamos nisso. O programa X ou Y será lançado às vésperas das eleições e terá início em 2013 para assegurar o desenvolvimento sustentável”. O coroamento desses programas esparsos, dispersos, disseminados sobre o território nacional e introduzidos homeopaticamente na cabeça da população é feito com a repetição martelada aos quatro ventos: “nunca antes neste país”.
Outro truque político eficaz que desarticula a oposição é apontar os erros de governos anteriores como causa da ineficiência administrativa em curso e, sagazmente, ocultar com estatísticas e percentuais manipulados as falhas da gerência atual.
Se a oposição política inteligente quiser ser útil à recomposição ética da democracia não será pela condenação de programas lançados nem pela queixa de não ser convidado a discutir as condições prévias para sua aprovação. O caminho mais útil será apontar as causas administrativas, gerenciais e profissionais de todos os atrasos das obras decorrentes desses programas e dos equivocados mecanismos de execução devoradores de orçamentos bilionários maculados por roubos, peculato e apropriação indébita, amparados pela impunidade e a leniência.

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