quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


BRASÍLIA, DISTRITO FEDERAL E PLANEJAMENTO


Um professor emérito da UnB comentou-me sobre sua participação num grupo que se propõe a planejar o desenvolvimento da metrópole brasiliense com vistas ao ano 2060. Diante de um futuro tão incerto e distante, o grupo recuou para 2032.
Fotografando os fatos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em 2012, percebe-se que nossos governantes de turno, funcionários de carreira, centenas de congressistas que se sucederam nos últimos 50 anos, empresários da indústria, do comércio e da agricultura não têm demonstrado experiência nem vocação para o planejamento de longo prazo.
Administram os apagões de cada dia. Sua visibilidade é o período de quatro anos, renováveis por mais quatro. Os planejadores contam, hoje, com meios tecnológicos que poderiam facilitar a análise dos dados e elementos possíveis de associar, fatores favoráveis e adversos, elaboração e aprovação de projetos integrados para enfrentar as realidades não lineares que se alcançam vislumbrar.
Exemplos de planejamento de longo prazo deram os mandarins da ex-União Soviética, Japão e Israel. A Finlândia selecionou uma prioridade – educação – e a projetou para um período de 50 anos, à qual estavam submetidos os governos e o congresso que se sucedessem. Três critérios regem o plano educativo: ensino público universal gratuito; preparação de professores selecionados entre os melhores alunos; salários e recursos financeiros adequados. Desenharam uma situação futura de igualdade diante das oportunidades baseada na educação como forma de cooperação qualitativa de todos os cidadãos na construção do bem-estar comum.
Nos bancos da universidade aprende-se que planejar é pintar ou marcar circunstâncias e situações que se almejam obter no futuro, num lugar e para uma população definida. Trata-se de avançar menos sobre números e estatísticas e mais sobre as circunstâncias que figurarão no futuro, aptas a satisfazer plenamente uma população, preservando as riquezas naturais ao longo da execução de projetos e programas.
Dr. Lúcio Costa projetou uma cidade para ser capital do país. Não planejou o desenvolvimento da cidade. Estimou-se uma população de 500 mil habitantes para a capital sem combinar com políticos e empresários da construção nem com a própria população. Estabeleceu quatro pontos cardeais – gregário, bucólico, residencial e monumental – para definir a arquitetura, a arte e a estética do Plano Piloto. Niemeyer ocupou-se do monumental.
Se o Plano Piloto conserva, bem ou mal, essas quatro características de seu projeto, a expansão da cidade-capital nos bairros – cidades satélites– obedece ao impulso das migrações atendidas no dia a dia pela administração pública e pelo apetite do setor imobiliário da construção civil. Arquitetos, professores universitários, geógrafos, urbanistas e ecologistas têm criticado em publicações e conferências a ausência flagrante do planejamento urbano para Brasília.
No projeto descritivo de Lúcio Costa, definiu-se que 80% da área do Distrito Federal seriam reservados para a agricultura, abastecimento da população residente e preservação dos mananciais, da fauna e da flora do cerrado. Somente 20% da área seriam destinados à urbanização e à construção da cidade que pelo seu ineditismo arquitetônico foi guindada a Patrimônio Cultural da Humanidade.
O crescimento geométrico da população comandou a improvisação de todos os serviços decorrentes para satisfazer suas necessidades, requerimentos e sobrevivência, executados no dia a dia segundo as injunções políticas do momento. Inverteu-se o fluxo de adaptação. A cidade adaptou-se à população ao invés de os assentamentos humanos adaptarem-se ao projeto da cidade.
Fora do espaço do Plano Piloto, que seria o protótipo do desenvolvimento da cidade modelo, a urbanização seguiu o exemplo de qualquer outro agrupamento urbano, transformando-se numa metrópole massiva, de limites indefinidos, trânsito caótico, invasões de áreas verdes, multiplicando os erros urbanos que pretendia evitar.
Brasília, em sua majestosa aparência, congrega as mais contundentes contradições e desigualdades do país. Os maiores e os menores salários. Academias públicas e privadas, a elite intelectual e política, escolas de ensino fundamental deficientes ou depredadas, mansões e tugúrios. Mas todos têm em comum a glória e o orgulho de ostentar um endereço único: sou brasiliense.
Brasília, como o Brasil, finge de se propor a tarefa de planejar e antecipar situações futuras. Os governos estão equipados com múltiplas instituições que se sobrepõem em competências e jurisdições. O DF conta com 34 secretarias entre elas: Secretaria de Planejamento e Orçamento, Secretaria de Assuntos Estratégicos, Secretaria de Habitação, Regulamentação e Desenvolvimento Urbano, Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Os planos e propósitos, os programas e projetos tendem a se exaurir na retórica, nos discursos, nas proclamações, nos desabafos administrativos. Demora-se a começar. Podem os planos nunca se iniciar. Interrompem-se com razões que se justificam por deficiências orçamentárias. Abandonam-se projetos iniciados. Planos e projetos obedecem à lei da flexibilidade e entregam-se com a qualidade do mais ou menos.
O planejamento se esgota, por cansaço, no que é possível fazer no dia a dia.  O dia a dia comanda, hoje, no DF e no Brasil, a execução dos serviços dando exíguo espaço ao planejamento. O amanhã dirá se o começo de um projeto deve ou não continuar. Percebem-se obras em andamento. Não sabemos para onde vamos nem quando chegaremos. Os planejadores dos governos se defrontam com o mais ladino e imprevisível dos inimigos: o próprio governo.

15.12.2012

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