Fatos inexplicáveis acontecem. Meu cartão de crédito do
Banco do Brasil sumiu para sempre, em duas ocasiões, no decorrer de um ano.
Trago comigo, por imposição do Dr. Sistema, dois cartões de
bancos diferentes para pagar contas. Lembro-me que, na cidade de Tromsa, no norte
da Noruega, em 2009, quando Hilkka e eu fomos comprar as passagens de ônibus
para Oslo, a agência de viagens não aceitava dinheiro. A humanidade evoluída chegou
ao ponto de não confiar na moeda do próprio país.
Meus dois cartões do Banco do Brasil simplesmente sumiram de
meu bolso da camisa. Nenhum nem outro dos dois foram encontrados ou achados.
Não houve saques criminosos nem indícios de que tenham sido utilizados como
tentativa de comprar um carro sem IPI.
Perder ou extraviar um cartão de crédito é uma dor de cabeça
virtual e real. Há que bloquear o uso do cartão e exercitar a paciência pela
rede telefônica. O bloqueio atinge o usuário. A atendente estagiária, com
autoridade bancária, recomenda o pedido de outro cartão, com pagamento de
segunda via. O dito será entregue num prazo que varia de cinco a catorze dias
dependendo dos sábados e domingos que se interpõem no período.
Vi-me diante da máquina eletrônica cheia de dinheiro e
instruções. Ela me olhava indiferente como se eu fosse um marciano. Minha
cidadania brasileira, minha prova numérica de contribuinte pessoa física eram
impotentes diante do olhar frio da tela iluminada.
Senti-me derrotado, um joão-ninguém, um pária, um marginal
do sistema bancário. A máquina insensível escondia o dinheiro que me pertencia.
Em pé, diante dela, olhando desanimado para aquela frieza amarela, percebi o
horror de ter minha humanidade reduzida a um cartão de plástico.
A política da igualdade econômica dos cidadãos se baseia na
importância pessoal de possuir ou não um cartão de crédito. Somos todos iguais
perante a máquina eletrônica. O acesso livre, democrático e igualitário ao
nosso próprio dinheiro depende de um cartão de plástico aprovado pelo Dr.
Sistema. A fidelidade à palavra honrada está substituída pelo cartão
fidelidade.
– Para facilitar nosso atendimento, tenha em mãos o número
de seu cartão, me disse uma voz virtual quando, humilhado, tentei comunicar ao
Dr. Sistema minha temporária situação de marginalidade cidadã.
Como pôde a humanidade sobreviver durante 30 ou 40 mil anos
sem cartão de crédito?
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