segunda-feira, 17 de junho de 2013

SE VOCÊ


 


(Foto: Recordando George Orwell, 1984)

Se você pensa que foi incógnito ao bar ou ao supermercado e que o olhar bisbilhoteiro do vizinho não descobriu com quem você falou ou o que você traz na sacola;
Se você acha que a conversa reservada com a ex-esposa, ex-amante ou a atual, ou a bronca dada à filha adolescente pelo celular, ficaram em sigilo;
Se você tenta trocar de operadora porque a atual não satisfaz a suas exigências e acha que todas as demais não sabem de sua decisão de emigrar para outra igualmente enervante;
Se você acha, aliviado, ao estacionar o carro num lugar público e que não há, nessa hora, nenhum flanelinha a vista para cobrar o pedágio e o estágio;
Se você acredita que funcionários de bancos não têm acesso a suas contas bancárias e a seus cartões de crédito;
Se você pensa que aquela aplicação em previdência em seu banco de confiança não foi comunicada “on line” a outros bancos pela rede central de bisbilhotices e às empresas de telemarketing e telepesquisas de satisfação do cliente;
Se você comprou um carro e acha que, incontinenti, todas as operadoras de seguro não sabem com qual você o contratou;
Se você pensa que seu telefone, seu endereço eletrônico são privativos e que só você tem a prerrogativa de oferecê-los a seus amigos ou a pessoas de suas múltiplas relações;
Se você tem certeza de que aquela importantíssima confidência revelada entre quatro paredes e que o segredo “morre aqui”,
Você foi redonda e quadradamente enganado(a) sobre aquele conhecido direito à privacidade. Todos sabem tudo sobre o que gostaríamos que não soubessem. Somos um livro aberto a câmeras de vigilância, a helicópteros e modernas naves espiãs, a binóculos de policiais que registram nossos passos, a microfones que nos escutam, ao olho da vizinhança.
Não se iluda com o aparente isolamento e silêncio ao seu redor. A representante do telemarketing entrará em contato com você ou alguma operadora lhe enviará um MSM anunciando que seu telefone foi sorteado e você ganhou uma casa de cem mil reais, ou uma viagem a Disney com direito a acompanhante, com tudo pago exceto a passagem. Além de vigiá-lo, o sistema considera você um idiota.

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Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).

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