quarta-feira, 26 de junho de 2013

TELERRUASCÓPIO


 
O universo Rua, há alguns anos-luz, vem emitindo sinais em variadas e não codificadas ondas sociais e políticas. Os telerruascópios do planeta Brasil não são suficientemente sensíveis para captar os sinais orbitais da Rua. Os sinais intermitentes do organismo social chegam ao estetoscópio em forma de números transcendentais que não se encaixam nas equações da matemática política dos governantes do planeta Brasil.
O pi social extraído da circunferência econômica, e que dá a medida imprecisa do diâmetro dos problemas encontrados na rotação dos governos, se liga ao infinito. Todas as aproximações requerem intermináveis operações. Torna-se cada dia mais difícil decodificar os quasares distantes e os pulsares fugazes da explosão do pensamento que se expressa em palavras mágicas ou em atos de convulsão turbulenta.
Os telerruascópios dos governantes do planeta Brasil recebem sinais que formam números primos de significados transcendentais. Os analistas não conseguem dividi-los a não ser por si mesmos. Os números primos desafiam a aritmética, a álgebra e a geometria de que dispõem os burocratas em seus laboratórios antiquados e obsoletos.
O universo Rua possui equipamentos e ferramentas mais avançadas do que as civilizações confinadas nos gabinetes presidenciais e ministeriais. Os sinais da quântica social avariaram os primitivos radioscópios do Congresso Nacional. Os leitores dos quasares, aturdidos pela alta frequência dos sinais, apresentam um palimpsesto com interpretações acomodadas às próprias necessidades de sobrevivência em seu planeta Brasil.
O universo Rua requer a construção de radioscópios e ferramentas ultrassensíveis nos laboratórios do planeta Brasil para interpretar os sinais que chegam dessa desconhecida galáxia chamada Povo.
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Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).


terça-feira, 25 de junho de 2013

AS CHAVES DO COFRE


Quem venceu o poder monolítico do partido comunista da ex-União Soviética? A alfabetização universal e, na teoria, a informação generalizada de uma classe única dos trabalhadores, com os mesmos direitos, deveres e necessidades. Diante da real-politik, quando todos sabem ler, o próximo passo iniludível é começar a pensar. A força do pensamento derruba qualquer império. Oficializar os meios de informação é a sentença de morte do autoritarismo partidário e pessoal. A glasnost, a transparência dos fatos explode.
Quem estraçalhou o autoritarismo instalado no Brasil pelos militares? A abertura lenta, gradual e segura. O substantivo se impôs aos adjetivos e a volta à democracia se fez com atos de impressionante participação popular nas decisões tomadas em clima de insegurança, mas também de convicções em amadurecimento.
Quem esfrangalha, nas ruas, o autoritarismo do pensamento único que destruiu os canais de diálogo político nos últimos anos? O acesso à informação universal on line à população por meio de modernos meios e equipamentos de comunicação: cento e catorze milhões de celulares, computadores, internet (facebook, twitter, youtube, instagram, Google, Amazon...), TV, rádio, automóveis desonerados, pacotes aéreos a perder de vista. A população jovem penetrou nas caixas pretas do governo e suas dezenas de ministérios e secretarias, do Congresso Nacional, do STF, do TCU, das empresas de construção e de transporte, dos supermercados e bancos, e descobriu o caminho do pensar. Violou os segredos de Estado e jogou nas ruas as cartas que se escondiam nas mangas do poder.
Só os donos do poder não perceberam, por arrogância e pobreza mental, o que se passava nas redes de intercomunicação eletrônica. A Internet e os meios de comunicação eletrônica, invisível e silenciosa não serviam apenas para clonar cartões de crédito, assaltar contas bancárias ou desviar milhões de reais do erário público.
Os segredos da república foram revelados publicamente. Os guardiães dos segredos não compreenderam, tomados de surpresa e ainda adormecidos no leito autoritário, que lhes resta apenas reconhecer que a chave do cofre está em outras mãos. Nem é possível mudar a chave, pois não há segredos a guardar no cofre roto.
Assim caminha a humanidade. Avançamos graças aos erros dos que nos precedem.
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Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).


sexta-feira, 21 de junho de 2013

MARTÍRIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

(Nota: Pelo tom profético, republico esta crônica escrita e publicada em agosto de 2010)


Concebido e gerado no ventre das Comunidades Eclesiais de Base criadas pela Igreja de Roma no Brasil, entrando pelo caminho nivelado por Golbery da Costa e Silva, general do exército, o Partido dos Trabalhadores foi batizado e crismado pelo DNA fundamentalista cristão, católico e esquerdista com tintura de ética na política. Catolicismo e petismo têm relações de mãe para filho. O traço genético que os une é o arcabouço institucional autoritário. A mesma burocracia eclesiástica e clerical do Vaticano se reproduz na organização estrutural do PT.
Os cardeais da Igreja e os do PT definem as regras do jogo, dos ritos, da fé, das crenças e dos sacramentos. A Igreja sem papa não subsiste. O PT sem Lula se extingue. O papa é a Igreja. Lula é o PT. O papa é infalível, não erra. Tudo o que diz é aceito como verdade irretocável e repetido pelo rebanho de bispos e padres. Lula decide, ordena, orienta, não sabe o que fazem seus bispos e vigários e os inocenta. A Igreja impõe a verdade única porque é divina. O petismo lulista determina o pensamento único porque é fascista.
A Igreja é conservadora e se acomoda ao andar da sociedade para sobreviver. O PT imita a mãe e usa os mesmos cosméticos e se veste obedecendo à moda política e econômica dos novos tempos.
A corrupção moral e financeira de cardeais, bispos e sacerdotes não pode alcançar o papa. As maracutaias dos aloprados petistas, a corrupção dos revolucionários, o mensalão e os recursos não contabilizados do caixa dois de senadores, deputados e do alto clero do PT não atingem Lula.
O papa é aclamado pela alta cúpula clerical e pela plebe. Lula é o papa do Brasil. A Igreja almoça com os poderosos, mas não esquece os pobres do mundo porque deles é o reino dos céus. O PT se uniu aos banqueiros e aos grandes empresários, mas cuida dos excluídos do país porque deles é que vêm os votos que o manterá no poder. A Igreja acomodou os poderosos e os pobres. O PT se aliou aos ricos, formou uma nova elite consumidora e pacificou os pobres. Mas os pobres, cuja capacidade de receber é infinita, poderão abandonar Lula como abandonaram a Igreja ao não lhe dar tudo quanto pediram e esperaram. Na rebelião dos excluídos, Lula não controlará nem os ricos nem os pobres.
A Igreja, quando não consegue impor sua doutrina, contemporiza, coopta, sublima ou arrasa culturas. Justifica adaptações em nome de Deus. O PT, não podendo impor ao país sua revolução socialista idealizada nas portas das fábricas, convenceu os trabalhadores a domesticar o capitalismo da direita, eliminando qualquer possibilidade de oposição por osmose doutrinária e simbiose política e moral. A cereja sobre o bolo totalitário e fascista é extinguir a oposição política. A oposição está morta, mas insiste em dar dignidade ao velório.
Na Igreja, encontram-se adeptos das doutrinas morais, econômicas e políticas da extrema direita à ponta esquerda. No PT, a revolução socialista foi esquecida, mas a nostalgia totalitária por ditadores de direita e de esquerda reacende o ânimo dos estrategistas do poder absoluto.
Os erros, as mentiras, os equívocos doutrinários da Igreja são apagados com um pedido de perdão histórico. Lula pediu perdão pelos atropelos dos aloprados. O petismo justifica seus erros e sua corrupção ideológica alegando que o mundo evoluiu e seus revolucionários acompanharam as mudanças.
O petismo subsistirá na medida em que, à imitação de sua mãe católica, seja capaz de manter Lula no Vaticano pátrio e garantir a manipulação de todos os departamentos da máquina governamental entregues a subordinados submissos. O cinismo dos cardeais petistas os faz dispostos a darem a própria vida na arena política sem medo de ser felizes no paraíso ou no inferno.
O país está diante de uma imponderável perspectiva democrática além do fugaz voto eleitoral. Não há indícios de que a Igreja pretenda amaldiçoar seu filho pródigo por ter desperdiçado o patrimônio revolucionário querido e ordenado pelo Deus do Vaticano.
O lulismo petista será vencido por si mesmo, pelo cansaço, pelo esgotamento de sua fantasia de poder e pela náusea moral que a promiscuidade ideológica e a mentira cínica provocarão na sociedade em poucos anos.


Blog 02.08.2010

QUEM DERROTA A MAIORIA



Observando o rumo das manifestações populares, desses dias, podem-se distinguir três grupos: maioria ordeira, pacífica, irônica, crítica, com referências humorísticas e alguma dose de hostilidade aos administradores da coisa pública e às graves lacunas dos serviços precários à população; a força de segurança e repressão, em pequeno número, mas armada para uma guerra e treinada para matar; e grupos desgarrados, que decidem mostrar sua frustração com depredações, agressões e violência contra equipamentos físicos e contra a força armada.
Quem pode derrotar a maioria ordeira?
Uma ação conjunta entre o grupo de depredadores conscientes ou inconscientes de seus atos e a força de repressão armada e treinada, com seus múltiplos dispositivos eficazes para destruir vidas, pode vencer a maioria.
Em resumo: a multidão mira o descontrole da administração pública da riqueza comum; os depredadores miram os equipamentos físicos e o patrimônio cultural; e a polícia mira os vândalos.

A força bruta militarizada e a dos depredadores barbarizados podem derrotar a maioria democrática para que tudo continue como antes na terra de Abrantes.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

O CAVALEIRO E O CABRESTO


A insatisfação, a indignação, a náusea civil, a mentira econômica, a corrupção política são os ingredientes do basta! que milhares de cidadãos estão gritando pelas ruas e pelas janelas. Até as depredações que vieram no bojo das manifestações são simbólicas do vandalismo explorador do sistema econômico e da devastação de nossas florestas pela ganância insana de investidores. Nem uma nem outra são aceitáveis.
Enganam-se os que tomam apenas decisões intempestivas e amedrontadas de eliminar centavos no preço do transporte que continuará ruim. O buraco é mais embaixo. O que está podre é a desigualdade imposta pela filosofia do crescimento econômico que canaliza os lucros para poucas mãos e garante migalhas à periferia do grande banquete em nome da sustentabilidade do consumo.
Expressões como “tirar milhões da miséria”, participar do “mercado de trabalho”, integrar os pobres ao “consumo de bens” revelam a pobreza mental e a limitação intelectual dos que se aferram ao poder a qualquer custo. Mantêm intocada a sólida ignorância nacional consolidada pela aplicação da máxima que os cônsules romanos, em prístinas eras, sugeriam aos imperadores: pão e circo.
Talvez o cidadão brasileiro esteja cansado de ter só esse cardápio que exige fabulosos investimentos em arenas que servem de vitrina para vender jogadores aos mercadores e exploradores do corpo humano, de chuteiras e uniformes.
O recado das ruas é outro. Educação universal e gratuita, conhecimentos básicos e sólidos, ampliação da capacidade de pensar, criticar e agir são os ingredientes da receita que ainda não alcançou os políticos, os ideólogos e os manipuladores do poder.
Pão e circo é o cabresto que os cavaleiros do poder usam para se equilibrar no lombo do povo. Nessa corrida, há os que foram amansados e convencidos pelo cavaleiro de que precisam de cabresto. Há os que aceitam o cabresto na esperança de ganhar cenoura ou milho. Há os que se rebelam contra o cabresto e o cavaleiro. Vivemos numa alvorada em que a cidadania começa a sentir o incômodo do cabresto e a arrogância do cavaleiro.

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Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).


terça-feira, 18 de junho de 2013

UMA ZONA LIBERADA


(Foto: Zona livre e intocada do Sítio das Neves. Pedras, água, árvores e macacos-prego.)


Neste meu lugar, onde passo dias da semana – Sítio das Neves – que declarei zona liberada da ganância industrial e do consumo obsessivo, a natureza penetra o íntimo do ser e produz um estado de satisfação metafísico.
As árvores, pacientes, não reclamam outro lugar. Não têm interesses. São tolerantes com a diversidade ao seu redor. Diversidade no tamanho, mas essencialmente iguais na origem.  Olham para cima onde encontram o Sol e as estrelas da noite. Voltam-se para os lados entrelaçando-se carinhosamente e abraçando-se fraternalmente com as vizinhas.
Trabalham intensamente, em silêncio, transformando carbono em oxigênio. Laboratórios de fotossíntese. Olho para elas, grandes e pequenas. Nenhum temor, nenhum medo. As que nasceram depois de mim e já morreram, cumpriram seu destino. As que nasceram antes de mim, com certeza sobreviverão ao meu curto destino. Levarei comigo a lembrança delas. E elas consolidarão a serenidade da floresta, a quietude das horas, o silêncio da noite, a continuidade da vida.


ORGANIZAÇÃO E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO



(Foto: Os fenômenos naturais precisam de espaço para se manifestarem)


A organização que se constata nos comportamento humanos, no meio rural ou urbano, imita a organização genética que se observa na ocupação do espaço pelas plantas. É notório que todas as espécies vivas tendem a se organizar para sobreviver e reproduzir. Por que neste lugar e não em outro? Que relação tem o clima com a organização das plantas sobre uma determinada área? Que contribuição oferecem os pássaros na disseminação das sementes? E o vento? E as águas da chuva?
Estudo, há algum tempo, as mangabeiras.
As mangabeiras, no Sítio das Neves, situam-se em grande parte num raio de 200 a 300 metros. Dão-se bem no alto. Elas se localizam a sudoeste do Sitio em maior quantidade, a 1.049 metros de altitude (GPS). Os frutos maduros deixam sementes pelo chão. As águas da chuva as arrastam para os declives, mas a pouca distância dos pés. Há pássaros que colhem as mangabas e as depõem a nordeste em pequena quantidade. Os catadores de mangabas cospem as sementes em suas andanças entre as árvores em zigue-zague.
A sudoeste, elas formam uma comunidade organizada convivendo com outras espécies. Por que não descem o morro? Os pássaros que vivem nos altos não frequentam os baixos do Sítio? Saguis e macacos também se alimentam da mangaba. Nos bosques onde vivem não foram encontrados pés de mangaba. Parece que os mais aficionados são os morcegos vegetarianos. Colhem as mangabas e vão comê-las em outras plantas ao redor.
As térmitas têm atacado as raízes das mangabeiras. Os sinais exteriores do ataque são visíveis. As folhas e as pontas dos galhos murcham e secam. No pé da mangabeira se instala o cupim. A mangabeira alimenta a térmita que alimenta o tamanduá e a lagartixa. As frutas da mangabeira alimentam pássaros, morcegos, pessoas. Estas se organizam em grupos de catadores para colhê-las no mês de novembro. A interdependência dos seres vivos contribui para a organização, sobrevivência e reprodução de todos.
Na urbe, a organização humana se estende não só à reprodução da espécie como à reprodução da cultura, dos conhecimentos, da descoberta da consciência, da defesa da individualidade e da coletividade dos grupos.
As necessidades comuns para a sobrevivência e a reprodução geram tipos diversos de organização. Vão das formas de coletar e produzir alimentos à distribuição dos bens excedentes. Os bens materiais e os imateriais convivem e geram formas de relacionamento e interdependência maior ou menor segundo o tamanho da população e a extensão da cidade que a abriga.
Mas a organização da espécie humana está intimamente relacionada com as leis da natureza e as leis físicas. Sobreviver e se reproduzir num determinado lugar ou ambiente depende do clima, do bioma, da água, da vegetação, do solo, dos alimentos nativos ou da possibilidade de produzi-los.
O convívio entre a natureza e a espécie humana, o respeito mútuo ou a agressão ao ambiente não só influenciam a sobrevivência e reprodução física dos seres vivos como também a sobrevivência social, as decisões econômicas e políticas, a ordem, os direitos individuais e sua expressão na coletividade. São esses os fundamentos filosóficos do convívio urbano e do uso das riquezas naturais. Interdependência dos seres vivos.

O ANÚNCIO

O poeta João Carlos Taveira mandou-me este anúncio. Parece talhado para o Sítio das Neves, área liberada da ganância industrial e da obsessão do consumo insaciável.

— O dono de um pequeno comércio, amigo do grande poeta Olavo Bilac, abordou-o na rua: Sr. Bilac, estou precisando vender o meu sítio, que o senhor tão bem conhece.

Será que o senhor poderia redigir o anúncio para o jornal? Olavo Bilac apanhou o papel e escreveu.

"Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no extenso arvoredo, cortada por cristalinas e marejantes águas de um ribeirão.
A casa banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda." 

Meses depois, topa o poeta com o homem e pergunta-lhe se havia vendido o sítio. Nem penso mais nisso, — disse o homem — quando li o anúncio é que percebi a maravilha que tinha!"

segunda-feira, 17 de junho de 2013

SE VOCÊ


 


(Foto: Recordando George Orwell, 1984)

Se você pensa que foi incógnito ao bar ou ao supermercado e que o olhar bisbilhoteiro do vizinho não descobriu com quem você falou ou o que você traz na sacola;
Se você acha que a conversa reservada com a ex-esposa, ex-amante ou a atual, ou a bronca dada à filha adolescente pelo celular, ficaram em sigilo;
Se você tenta trocar de operadora porque a atual não satisfaz a suas exigências e acha que todas as demais não sabem de sua decisão de emigrar para outra igualmente enervante;
Se você acha, aliviado, ao estacionar o carro num lugar público e que não há, nessa hora, nenhum flanelinha a vista para cobrar o pedágio e o estágio;
Se você acredita que funcionários de bancos não têm acesso a suas contas bancárias e a seus cartões de crédito;
Se você pensa que aquela aplicação em previdência em seu banco de confiança não foi comunicada “on line” a outros bancos pela rede central de bisbilhotices e às empresas de telemarketing e telepesquisas de satisfação do cliente;
Se você comprou um carro e acha que, incontinenti, todas as operadoras de seguro não sabem com qual você o contratou;
Se você pensa que seu telefone, seu endereço eletrônico são privativos e que só você tem a prerrogativa de oferecê-los a seus amigos ou a pessoas de suas múltiplas relações;
Se você tem certeza de que aquela importantíssima confidência revelada entre quatro paredes e que o segredo “morre aqui”,
Você foi redonda e quadradamente enganado(a) sobre aquele conhecido direito à privacidade. Todos sabem tudo sobre o que gostaríamos que não soubessem. Somos um livro aberto a câmeras de vigilância, a helicópteros e modernas naves espiãs, a binóculos de policiais que registram nossos passos, a microfones que nos escutam, ao olho da vizinhança.
Não se iluda com o aparente isolamento e silêncio ao seu redor. A representante do telemarketing entrará em contato com você ou alguma operadora lhe enviará um MSM anunciando que seu telefone foi sorteado e você ganhou uma casa de cem mil reais, ou uma viagem a Disney com direito a acompanhante, com tudo pago exceto a passagem. Além de vigiá-lo, o sistema considera você um idiota.

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Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).

BRASÍLIA PRIMEIRA




 (Foto: Rodoviária para a Esplanda dos Ministérios)

Visitei Brasília pela primeira vez, em 1966. Vinha do Rio de Janeiro, num ônibus semileito, em companhia de Ana Terra do Nascimento.
Era madrugada. Na altura de Cristalina, pela janela do ônibus, via-se ao longe o piscar de muitas luzes soltas, pendidas no ar. Era Brasília, uma miragem suspensa no horizonte.
As luzes, a cem quilômetros, emitiam mensagens sedutoras. As sereias luminosas me tocaram a alma. Fizeram-me tremer os nervos. Alertaram-me sobre as profundezas desse mar político desconhecido na imensidão do Planalto Central.
Comecei ali, no meio do cerrado cristalino, a amar esta cidade, de longe, encantado pelo piscar de olhos no oeste distante.
Horas depois, o ônibus estacionou na rodoviária deserta. A brisa fria de maio batizou-me. Tudo em volta era grandioso, espaçoso, mergulhado num silêncio denso.
Olhei para a Esplanada dos Ministérios. Os prédios enfileirados esperavam, mudos, imóveis, o despertar de servidores ainda aturdidos pelo vazio urbano.
Emudeci no meio de tanto silêncio. Despedi-me de Ana Terra e caminhei em direção à Asa Sul.
Pelas avenidas amplas, poucos ônibus e poucos carros. Eu ocupava todo o espaço. Por onde andariam os cidadãos desta cidade? Todo o espaço era meu. Uma fina ilusão de liberdade ampla e irrestrita me fez sonhar.
A cidade sem moradores entrava em mim. Senti nos músculos da alma uma pontada suave. Dizia-me que estava amando, à primeira vista, uma cidade oca feita de prédios monumentais, envoltos em solitude e sem gente. Eu era um fantasma caminhando pelas avenidas em busca de uma calçada humana.
Brasília se revelou a meus olhos pelo silêncio monumental. A cidade era do tamanho do horizonte. Iluminada. Generosa. Hospitaleira. Que mais me podia oferecer? Que mais podia eu receber?
Eu não imaginei nem ela me advertiu que, passados quarenta anos, me entristeceria diante de sua beleza desfigurada pela mão do descaso e da ignorância.
Que o silêncio das árvores retorcidas e o canto triste da seriema se trocariam pelo ronco cavernoso de um milhão de automóveis.
Que ao ver milhões de vidas vegetais e milhares de olhos d’água serem sepultados sob o casco dominador de edifícios arrogantes, sentiria náuseas da indiferença humana.
Que ao ver e ouvir novos profetas e sacerdotes da maquiagem urbana, eles me despertariam nojo metafísico por sua insanidade.
Que ao sentir o peso dessa outra Brasília, opressora e dominadora, se levantaria na alma antiga uma revolução vingadora contra a impostura.
Uma aliança verde ligou aquela Brasília primeira a uma área de cerrado que liberei da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo. Naquela zona liberada do despotismo ganancioso, reencontro o silêncio monumental que me abraçou ao mirar a planura da Esplanada.
Aquela Brasília primeira, avistada do alto de Cristalina, de luzes suspensas no horizonte de onde me acenava a esperança, não morre nunca.
Volto diariamente a ela. Àquela Brasília primeira do silêncio monumental que me seduziu, que entrou em mim e que nela entrei.
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Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).


sexta-feira, 14 de junho de 2013

DIREITOS DA NATUREZA E DIREITOS DO HOMEM




(Foto: viver a natureza é pisar na terra da qual estamos feitos. Falar terra a terra.)

A expressão “direitos da natureza” foi rejeitada como “absurda” pelo filósofo, historiador e ambientalista australiano John Passmore (1914-2004). A menção acima foi cunhada por outros ecologistas em contraposição à Declaração Universal dos Direitos Humanos (Resolução 217, 10.12.1948) para combater as injustiças, os preconceitos e as desigualdades.
Difundiu-se, em quase todas as culturas, a teoria, aplicada à pratica, baseada em lendas criacionistas, de que a natureza e tudo o que a compõe, vidas e belezas, são para a felicidade exclusiva da espécie humana, atitude dita antropocentrismo. O homem, ao lado da matéria inanimada, da matéria viva, é a única matéria consciente capaz de expressar com a palavra as associações da mente. Matéria consciente porque é feita dos mesmos átomos – hidrogênio e carbono – que se encontram em todos os seres vivos.
Como esses mesmos elementos desembocaram na evolução cerebral para tornar a matéria humana consciente é o segredo da vida e o mistério do universo. É tão fantástico que, ao longo da história humana, se buscaram explicações não naturais. Que efeito extraordinário não deve ter sido, há milhões de anos, quando nosso antepassado disse “existo” ou deu nome a um objeto útil ou a um fruto comestível! Hoje, dizemos as maiores idiotices sem perceber-lhes o significado e as consequências. Esse diferencial em relação a toda outra matéria produziu tamanha autoconfiança e supremacia que logo, alguns milênios depois, o homem se autodenominou rei da criação com direitos monárquicos.
A humanidade é uma briga de reis. É tamanha a convicção de sua nobreza real individual que, milhões de anos depois, a cúpula da monarquia humana propôs uma lista de direitos do homem-rei. A quem o rei da criação vai reclamar seus direitos a não ser a si mesmo? O direito é o reconhecimento de uma prerrogativa, um privilégio, um favor. Como todos os reis têm as mesmas prerrogativas, atendê-las vai depender de juízes, árbitros, advogados de acusação e defesa, de sentenças e execuções.
O rei humano costuma impor suas prerrogativas e concluir que elas são superiores e mais valiosas que a de outras vidas. As guerras antigas e as atuais se originam da organização hierárquica dessas prerrogativas, da força e da astúcia de sua defesa. Reis fortes contra reis fracos. No dia em que nosso ancestral disse “eu existo” e ouviu outro vizinho repetir a mesma descoberta, foi declarada a guerra universal e a comida começou a escassear.
As prerrogativas da monarquia que se expandiam sobre vastas regiões da terra, primeiramente baseadas na alimentação, resultaram na escassez de frutas, da caça e da pesca. Os monarcas avançaram sobre as florestas, os rios e os mares. A domesticação de animais e de sementes deu aos monarcas ou reforçou neles a ideia e a convicção de que têm direito sobre qualquer vida que se manifesta ao seu redor.
Em contraposição aos direitos da monarquia humana surgiu dela mesma uma reação crítica às consequências da imposição dessas supostas prerrogativas sobre as outras formas de vida. A vida é a prerrogativa essencial comum a todos os seres vivos. As vidas se intercomunicam e interdependem. A vida é um traço que une todas as matérias vivas, independentemente de sua característica essencial. Uma vida depende de outra. Relação intervivos que o ambientalista norueguês Arne Naess denominou ecologia profunda. Todas as vidas são formadas pelos mesmos elementos que se associam, são processados, elaborados e novamente transformados em vidas.
A quem as árvores vão reclamar suas prerrogativas para continuarem sua função de laboratório produtor de oxigênio? Não esperam elas que os humanos saibam usar as próprias prerrogativas para que a vida do planeta continue?
As prerrogativas do monarca humano se originam da prerrogativa da vida de todos os seres vivos que forma a cadeia sintrópica da interdependência concebida por McHargh. Os direitos do homem nada têm a ver com o tribunal da natureza. É uma questão a ser resolvida nos tribunais do homem, isto é, entre monarcas. Nem a natureza pode sofrer com a guerra entre monarcas que não conseguem se entender em seus próprios tribunais.

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Há que buscar outra saída para o diálogo entre o ser consciente e os bilhões de outros seres vivos. A vida não é um direito. Ela é fundamentalmente um fato natural. É a consequência da combinação dos elementos que se copiam e reproduzem no processo evolutivo permanente e resistente. Há fracassos nessas combinações especialmente porque uns precisam dos outros para que resultados positivos se alcancem. Os mais resistentes, segundo as leis evolucionistas, sobrevivem. Há um poder molecular intrínseco, imanente na organização genética dos seres vivos (E. O. Wilson). As imensas florestas de pinheiros-araucária indicam uma tribo vegetal poderosa, mas limitada por outras espécies organizadas. A organização social e política da espécie humana repete essa mesma forma de expressão, de ocupação de espaços, de limitação e de conflitos entre as múltiplas tribos.
Diante do fato da vida, nasce a prerrogativa de sua proteção, conservação e reprodução. A ocupação do espaço físico para reprodução da vida é determinada pela existência de alimentos ou sua facilidade de produzi-los. As diferenças dessa determinação entre o ser consciente e os demais seres vivos estão na forma de adaptação ao clima e suas variações e não na essência, uma vez que todos os organismos vivos se compõem dos mesmos elementos moleculares.
A devastação ambiental, a redução ou extinção de organismos vivos para dar lugar à presença da espécie humana representam limitações à preservação de vidas. O conflito entre tribos ou nações que origina a reclamação dos direitos do homem brota da forma irracional de sua relação com outros seres vivos e da desconsideração da interdependência entre eles.
O pacto de convivência pacifica e racional precisa ser estabelecido entre todas as espécies vivas e esse acordo só pode partir da espécie humana. É o que entendo por ecologia: o permanente estudo da casa comum na qual vivem todos os seres vivos. A preservação e reprodução de vidas, antes de ser emocional, social, política ou mística, são fruto da racionalidade da espécie humana e da sintropia dos seres vivos.
A espécie humana não sobreviverá num planeta estéril e desértico. Perderá seu tempo a reclamar os direitos humanos nos tribunais da ONU. 

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Os direitos humanos elencados pela sábia e prudente Assembleia Geral das Nações Unidas representam uma preocupação antropocêntrica e parcial da convivência dos seres vivos do planeta. Dos trinta artigos aprovados, apenas um parágrafo menciona a comunidade como se ela não tivesse relação alguma com os demais seres que vivem ao seu redor. Mais plausível seria se em vez de “comunidade” fosse dito “biocomunidade”, cenário para um real desenvolvimento humano. Artigo XXIV. 1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. É impensável o pleno desenvolvimento da personalidade humana sem a participação de todas as vidas do planeta.
A vida como fato natural, que independe dos direitos humanos, requer a compreensão dos elos biológicos e genéticos comuns a todos os seres vivos. A sobrevivência da espécie humana está nas mãos dos agricultores, dos planejadores de cidades cada dia mais fazedores de desertos, dos investidores e empresários de indústrias poluidoras, de consumidores vorazes e obsessivos, de governos erráticos promotores de grandes índices de crescimento econômico para manterem poder político. Não menos importante é o controle inadiável da expansão demográfica universal.
O argumento de que a tecnologia poderá solucionar indefinidamente a questão alimentar ou que a injusta distribuição da renda é a causa da miséria, da fome e da exploração do homem pelo homem, muitas vezes, têm mero valor matemático e estatístico para justificar o comércio e o consumo de bens nem sempre necessários e, muitas vezes supérfluos. Os artifícios tecnológicos para adaptação da espécie humana às variações climáticas são importantes e necessários, mas são estruturalmente limitados pela gradativa diminuição da biodiversidade.

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O impacto do superpovoamento local, nacional e mundial apresenta, pelo menos, dois aspectos importantes. O primeiro é a pressão sobre a biosfera, a biodiversidade, os cursos de água, a busca de alimentos colhidos na natureza ou produzidos e a complexa organização do assentamento humano em extensas urbanizações. Modifica-se o ambiente. Adapta-se a área às condições de sobrevivência, reprodução e conforto da população. Uma espécie viva toma o lugar de milhares de outras espécies vivas que são deslocadas ou simplesmente eliminadas. Eliminam-se dez e repõe-se uma, se tanto.
O segundo aspecto se reflete na histórica incapacidade de administrar com justiça e equidade grandes populações e toda a população. Em consequência, é grande a desigualdade na oferta de oportunidades em temas essenciais como alimentação, água, qualidade do conhecimento universal, da saúde física e mental que favoreçam a criatividade individual em benefício da comunidade mundial da espécie humana.
É o confronto universal dos seres vivos no único cenário possível: a natureza. Todos os seres vivos estão confrontados em defesa de suas prerrogativas básicas de sobrevivência, reprodução e sucessão das espécies. Esse confronto é regulado pela lei natural da vida ou, como já definia Lucrécio antes de nossa era, pela natureza das coisas (rerum natura).
A Natureza põe, indistintamente, à mesa de todos os seres vivos os mesmos elementos que asseguram a vida. Os elementos são comuns e determinados pelo processo iniludível da interdependência vital e seminal de todas as espécies vivas. A sobrevivência de uns depende da sobrevivência de outros. A água, o hidrogênio, o carbono, o oxigênio presentes em todos os seres vivos põem a todos no mesmo pé de igualdade vital.
As características de cada espécie, seja roseira ou bananeira, girafa ou leão, são prerrogativas a serem consideradas no conjunto dos seres vivos que habitam a mesma casa – ecocomunidade – cada qual em seu ambiente especifico.
Como administrar a interdependência dos seres vivos? É uma questão cuja resposta é de exclusiva responsabilidade da espécie humana, pois é a única a ter consciência de sua origem e de seu fim. As demais espécies vivas são reguladas pelas variações climáticas e se adaptam segundo suas capacidades genéticas e biológicas. Dependem, como a espécie humana, de fenômenos naturais, normais ou violentos – terremotos, erupções vulcânicas, incêndios e outros cataclismos. Mas pesa sobre os seres vivos a mão do homem, sua capacidade de organizar e destruir vidas, inclusive a própria vida.
Compreender e administrar a interdependência dos seres vivos constituem para a espécie humana a base de sua resposta e é, ao mesmo tempo, o fundamento da ecologia. Seu comportamento resultante da compreensão desse laço iniludível da solidariedade genética e biológica deveria conduzi-lo a decisões racionais, éticas e morais.
Preservar as prerrogativas vitais de todos os seres, ou seja, obedecer ao funcionamento das leis naturais será a garantia da própria sobrevivência. Que tipo de respostas dão as políticas do crescimento econômico, industrial, financeiro e comercial à interdependência dos seres vivos de cujo universo o ser consciente faz parte? Na prática, chocam-se os conceitos de crescimento econômico e de desenvolvimento dito sustentável.
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Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).

terça-feira, 11 de junho de 2013

EXTREMOS SE TOCAM


 
As relações ser humano/natureza tendem a definir-se por extremos. Um deles é fundamentado somente nos interesses humanos. Antropocentrismo. Tudo o que a natureza tem de bom é para a realização de todos os seus desejos, expectativas, felicidade material e artística. Nesta posição privilegiada, os conflitos se dão entre os humanos no exercício da satisfação de seus interesses individuais, sociais, grupais e intergrupais.
A natureza é o campo de batalha onde se encontra o butim finito ou renovável. A luta humana durará enquanto houver butim. A tecnologia será usada para produzir butim suplementar para os que sobreviverem social e politicamente dessa guerra.
O outro extremo é tratar a natureza como ente intocável, divino, cenário para a contemplação mística. A natureza não tem interesses a satisfazer. Os seres vivos que fazem parte da natureza, entre eles a espécie humana, necessitam elementos nutritivos para manter-se vivos. Pode-se perceber e examinar a contraposição da necessidade e do interesse. As plantas necessitam de terra, solo, água, sol, ar, dióxido de carbono para alimentar a vida, reproduzir-se e garantir a sucessão da espécie.
O homem, além da necessidade de alimentos, expressa interesses conscientes que ultrapassam a simples sobrevivência e sucessão da espécie. Todos os seres estão no ventre da natureza e se alimentam de sua placenta. Há inter-relação orgânica entre todos e interdependência molecular de origem genética e indissolúvel.
A origem da vida une umbilicalmente todos os seres vivos. A ecologia profunda está baseada nessa raiz comum. Na satisfação da necessidade natural e do interesse consciente é preciso investigar com que e como cada espécie viva participa dessa interdependência. O que e como cada uma dá, repõe, substitui segundo a necessidade e o interesse satisfeitos.
O poder do ser consciente pode criar situações de deslealdade com a natureza ao tratá-la apenas como serva de seus interesses. Pode devastar um território para construir uma cidade e selecionar algumas espécies decorativas, enfeitá-la com arboretos ou parques estéreis proibidos de se reproduzirem. Pouca atenção se dá ao conflito entre os interesses da espécie humana e as necessidades próprias da diversidade vegetal e animal na busca de alimentos para sua sobrevivência e reprodução. 

Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).


quinta-feira, 6 de junho de 2013

A FALA DAS ÁRVORES




(Foto: Gesticulação dramática de árvore em autodefesa)

Ao entrar no meu refúgio vegetal, Sítio das Neves, percebo a quietude do ar e não resisto a gritar: estas árvores falam! Não é a fala da árvore no sentido ontológico e antropomórfico, mas o que ela inspira ao observador que a olha como ser vivo independente e interdependente.
Sem o respeito à vida das árvores elas continuam sendo mudas e morrem mudas diante do machado ou do fogo. A linguagem das árvores se manifesta na forma como se alimentam e se reproduzem. Elas precisam da liberdade espacial para preparar a reprodução e configurar o ambiente no qual convivem com outras plantas.
A sucessão evolutiva acompanha as variações de clima e as modificações que outras espécies lhe impõem. A arborização natural é polifônica. A limitação de vozes e de sucessão se opera na arborização urbana criando-lhes um ambiente artificial. São árvores sem sucessão, sem cumprir a tarefa natural de promoverem sua reprodução. São árvores aprisionadas, numa espécie de zoo para nossa utilidade e desfrute. São árvores em cativeiro. Escravas da espécie humana, esterilizadas sem os prazeres naturais da reprodução e sucessão evolutiva.

Assumem tamanhos que não são de sua genética e seu crescimento é dirigido por mutilações de podas irracionais.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

NATUREZA, O QUE É




Todos os dias são dias de melhorar o ambiente em que se vive.
Ter definição clara e universal de natureza é essencial para compreendê-la, dialogar com ela sem transformá-la num objeto de adoração. Natureza não é outro nome para Deus. Esta atitude mental se origina da superstição. Superstição quer dizer algo que está em cima e amedronta. A natureza não premia nem castiga.
Confundir fenômenos naturais, chuvas, raios, tornados, tempestades com possíveis efeitos desastrosos sobre os serres vivos é escorregar para a superstição. É imaginar que a natureza conscientemente decidiu castigar a espécie humana por suas imprudências e erros de cálculo.
Diante de eventos desastrosos para a vida humana e outros seres animados há que se medir resultados e reações referentes às ações empreendidas. Não há vinganças da natureza. Há efeitos da ação e do comportamento mútuo realizado entre todos os seres vivos da natureza. Nenhuma ação dos seres vivos é isolada. Tudo se move ao mesmo tempo. É um sistema complexo de entradas e saídas. Uma árvore cortada produz efeitos sistêmicos: menos oxigênio, mais dióxido, menos água, menos umidade. Todos esses “menos” atuam sobre todos os seres vivos de um local ou de um bioma. São reações às ações.
Não só o machado pode abater uma árvore ou uma floresta. Um tornado, um raio, uma tempestade, um terremoto pode causar desequilíbrios entre os seres vivos e suas relações. É uma vantagem e, ao mesmo tempo, uma desvantagem pertencermos ao mesmo sistema de interdependência e de sermos partes integradas de um conjunto. É a natureza das coisas (Lucrécio).
A natureza, em sua definição mais ampla, inclui todos os seres inanimados (compreendidos os fenômenos físicos), os seres animados e os seres conscientes. A espécie humana foi a única, até o momento, que evoluiu para a consciência de si mesma e compreensão de todos os demais seres. Seu comportamento no conjunto integrado e interdependente dos seres deve refletir a consciência e a compreensão.
Como matéria e ser consciente, sua grandeza está em compreender qual é seu papel na interdependência permanente dos seres para a reprodução da vida. Todos os seres vivos estão em linha de sucessão, de transmissão de seu DNA. Esse é o ponto crucial da compreensão e da demonstração da consciência do ser humano.
Trata-se de integrar ações produtivas e criativas no conjunto da natureza, menos que dominar os seres animados e inanimados. É um processo contínuo de alimentação e realimentação (feedback) do conjunto denominado natureza. Precisa lembrar que o poder consciente da espécie humana é tão impotente diante de um tsunami ou manifestação de leis físicas quanto um coqueiro da praia. Pode até prever a manifestação de fenômenos físicos, mas não pode impedi-los. São as leis da natureza. É a natureza das coisas.


5.6.2013

ÁGUAS DE MAIO

O mês de maio, 2013, se manteve sem chuvas até o dia 25 quando uma leve neblina acumulou 2.0mm. Em 2012, ocorreram chuvas nesses mesmos dias. A repetição do evento pode significar mudança climática. No dia 29, ocorreu importante precipitação de 21.7mm, contribuindo para reforço das nascentes. O volume total de chuvas do mês de maio foi de 25.3mm, com média diária de 0.81mm. O volume total foi de 17,7 milhões de litros no mês (17,7 mil m3), com média diária de 567 mil litros (567 m3).

Comparação dos volumes de precipitação dos meses de novembro, dezembro (2012), janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 2013.*

NOVEMBRO
DEZEMBRO
JANEIRO
FEVEREIRO
MARÇO
ABRIL
MAIO
TOTAL
228,3mm
235,1mm
457,8mm
132,7mm
401,9mm
554,5mm
25,3
2030.6
7,61mm
7,83mm
15,2mm
4,7mm
12,9mm
18.48mm
0.81
9.64
* Código da Estação Hidrométrica do Sítio das Neves no site da ANA: 01648020.

Na segunda linha, leem-se as médias diárias de cada mês e a média diária dos seis meses. A média mensal dos sete meses foi de 290.0mm.
O início do período seco está atrasado e o risco de incêndios se apresentará ao final de junho. Os aceiros estão sendo realizados e mensagens enviadas aos vizinhos.
Área do Sítio das Neves: 700.000 m2, base dos cálculos apresentados acima.


MAIO
DIA
MILÍMETROS

25
2,0

29
21,7

31
1,6
TOTAL

25,3

DO DIA 1 AO DIA 24 NÃO HOUVE CHUVA NA REGIÃO