sexta-feira, 29 de agosto de 2008

ALEGRIAS ESTATÍSTICAS

Alegrias nascem de várias fontes, alcançam a alma vindas de diferentes direções. A sorte grande da loteria, a moça que encontra o namorado, o aumento de salário ou promoção do Zé Roberto, a medalha de ouro de Marren, prêmios literários são geradores de euforia.
Há especialistas que publicam suas alegrias provocadas por índices. Originam-se de bons números que podem ser comparados entre si. São alegrias adverbiais com o auxílio de antes, já, ainda, até, apenas. Uma dessas alegrias, que vi publicada numa importante revista, se refere à diminuição do número de pobres, por força do aumento de sua renda, em índices maiores do que os obtidos pelos ricos nas grandes cidades do Brasil. É uma vitória contra a desigualdade. Mas a guerra contra ela se estenderá por cem anos, pois os assessores do Presidente da República ganham 43 vezes mais do que um trabalhador com salário mínimo. Uma baita desigualdade.
Mas a boa notícia dada pelos números é que a desigualdade entre os cidadãos está diminuindo. Não se percebe o fenômeno a olho nu. É uma afirmação sobre algo pouco visível captado por índices. Os especialistas nos pedem ou insinuam que devemos ter fé nos percentuais. O preço do arroz não baixa, mas o índice mostra claramente, para eles, que a inflação perdeu força na subida.
Não sei por que, os estatísticos gostam de alguns números redondos. Por exemplo, 10% mais ricos e 10% mais pobres. Nossa diarista Marileide não sabe, e morrerá sem saber, quanto é 10% de alguma coisa. Na aula semanal de economia, tento transformar esses 10% em números. Ela e eu conhecemos alguns dos mais pobres. Não conhecemos pessoalmente nenhum dos 10% mais ricos. Porém, nossas fontes fidedignas nos contam que vários dos mais ricos ganham um milhão de reais por mês, necessário para pagar a conta do avião particular e outros pequenos gastos de guarda-roupa. Os mais pobres mal chegam a um salário mensal de 207 reais.
A alegria estatística que revela a diminuição da desigualdade entre os brasileiros se manifesta no índice de aumento de 57% da renda dos 10% mais pobres. (Marileide não consegue atinar quanto é esse percentual em dinheiro vivo), enquanto os mais ricos tiveram um aumento de renda de apenas 6%.
Trocado em miúdos, graças ao estupendo crescimento econômico, os mais pobres ganharam 117 reais a mais, num total de 324 reais. A renda dos mais ricos aumentou só 6%, isto é, 60 mil. Os que antes ganhavam um milhão, agora embolsam 1 milhão e 60 mil reais. Marileide não acreditou nas minhas contas quando lhe disse que ela gastaria 8 anos de trabalho para ganhar o que o milionário percebe num mês.
Tentei convencer Maiileide que ela já não está no grupo dos 10% mais pobres. Foi-se o tempo em que você ainda vivia abaixo da linha da pobreza, com pouco mais de 1 real por dia. Você, agora, entrou no grupo dos remediados, com renda familiar de até 1.064 reais.
Marileide pôs as mãos nos quadris, separou os pés, levantou a cabeça e me jogou uma olhada desafiadora.
− Eu não sou remediada coisa nenhuma. Eu sou é pobre. E vou lhe dizer por quê. Moro num barraco, na Ceilândia, longe do transporte que é caro, não tenho leitura e só desenho meu nome. Não posso ir a cinema, nem teatro. Uso roupa de cinco real. Não posso pôr meu filho na universidade e ele só com o secundário não vai passar do salário mínimo. Se fico doente hoje, me marcam a consulta para daqui a três meses.
− Marileide, disse eu com tolerância na voz, a senhora não percebe, mas sua renda melhorou 57%, enquanto a dos ricos apenas 6%.

28/08/2008

Nenhum comentário: