quarta-feira, 13 de agosto de 2008

VOCÊ É BIÓLOGO

Um amigo mencionou meu nome e currículo a um diretor de importante diário da Capital Federal com o qual tem boa relação. Sugeriu-me que o contatasse para marcar um possível encontro.
Dias depois, saí do escritório do diretor do jornal bastante otimista com nossa conversa. Deixei-lhe meu último livro. Em troca, apresentou-me uma jornalista. Ela se encarregaria de preparar uma entrevista e marcar uma visita ao cenário que dá base ao livro. E, o que mais me comoveu, me consultariam, quando conviesse, sobre aspectos de preservação do Cerrado e fortalecimento de nascentes de água.
− Sou jornalista, estou preparando matéria sobre a urbanização do Jardim Botânico, área de preservação ambiental, me disse o interlocutor ao telefone, alguns dias mais tarde. Informaram-me, no jornal, que o senhor tem vivência nesse assunto.
− Especificamente, sobre o que seria?
− O senhor é biólogo?
− Não, sou sociólogo.
− E por que se interessa pelo meio ambiente?
− Em primeiro lugar, porque preciso dele. Mas também porque tenho um sítio de 100 hectares e, há mais de trinta anos, o transformei em área de preservação,.
− Interessante, disse o jornalista. Então, eu volto a falar com o senhor.
O jornalista nunca mais se fez ouvir. O Jardim Botânico virou condomínio legalizado mesmo contra a opinião corrente de preservar o Cerrado.
Pus-me a matutar. Se eu fosse biólogo compreenderia o que é meio ambiente, plantas, bichos, água. Só biólogo tem opinião sobre isso. O jornalista queria o parecer do biólogo. Sociólogo só entende de grupos humanos, conflitos sociais, violência urbana, diferenças raciais, preconceitos culturais, enclaves de exclusão política, zonas periféricas, cinturão de pobreza, marginalidade.
Há três décadas, voltei-me para a natureza a fim de compreender melhor o bicho homem. Comecei a estudar o comportamento de grupos de árvores. Árvores grandes e pequenas em harmonia aparente. As grandes sufocando as pequenas. Parasitos agarrados a grossos troncos. Flores vaidosas ao lado de arbustos espinhentos. Conflitos entre pequizeiros e aroeiras por causa do pouco espaço. E, de repente, o fogo contra todos. Ninguém se salva dessa guerra impiedosa que nada tem a ver com árvores, flores e pássaros.
Em setembro, a chuva cai sobre as cinzas e tudo reverdece. Grupos de quaresmeiras, de jatobás, de angicos esquecem as torturas do fogo e ressuscitam na esperança de uma longa primavera.
Mas nada de conflitos raciais entre a copaíba e o jacarandá, nenhum preconceito entre caliandras e cagaitas. Marginalidade alguma entre o marmeleiro-do-cerrado e o araticum. Nenhuma exclusão ambiental entre a catuaba e o buriti. As formigas que desfolharam um jacarandá o fizeram com sabedoria e prudência para não matá-lo. Precisam dele no próximo verão.
Como sociólogo ambiental, pesquisei, analisei e concluí que quanto menos árvores se cortarem, quanto mais grupos de árvores de todas as espécies se formarem, quanto menos fogo se atear nos campos, mais abunda a água e com ela os verdes de nossas florestas. Mais se multiplicam pássaros e com eles as alvoradas sonoras de sabiás, seriemas e inambus.
Mesmo não sendo biólogo, detenho-me a observar o comportamento de árvores, lagartixas ou sapos que coaxam às margens do ribeirão.
Paro no meio do campo e ouço o tagarelar de ciganas com as orquídeas toalha-de-nossa-senhora.
Vou até a nascente de água que banha as raízes da quaresmeira e bebo a natureza inteira.

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