segunda-feira, 25 de agosto de 2008

RISCO BRASÍLIA

Brasília, um dos mais notáveis sítios urbanos, é o único bem contemporâneo inscrito na lista do patrimônio mundial. Até quando?
O Plano Piloto foi declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, em 1987. Patrimônio cultural é um produto coletivo, pertence a toda a coletividade. O tombamento de Brasília – conjunto urbanístico do Plano Piloto − foi estabelecido pelo Decreto no 10.829/87.
O tombamento de Brasília, como conjunto urbanístico, alcança edifícios, edificações, centro urbano. O DePHA − Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do DF − é responsável pela proteção e promoção da importância do patrimônio cultural do Distrito Federal.
De há alguns anos, reiteradamente se anunciam e denunciam modificações inconvenientes que perturbam a forma original da cidade tombada. Alega-se que o desconhecimento do conceito urbanístico de Brasília e de seu significado de sítio urbano notável pelos cidadãos brasilienses é um dos fatores determinantes a prejudicar a preservação do patrimônio que pertence a toda a humanidade.
Alguns monumentos, como: Catedral Metropolitana, Igrejinha, Ermida Dom Bosco, Catetinho, Centro de Ensino Metropolitana, entre outros, foram individualmente tombados.
O crescimento, a evolução, a modificação da cidade dentro das características que originaram o tombamento e a aceitação como Patrimônio da Humanidade. Brasília é sítio notável, não ordinário. Uma cidade muda com as sucessivas gerações de seus habitantes. A necessidade das mudanças, entretanto, no caso especial de Brasília, deve obedecer à característica de sítio urbanístico notável. É imprescindível determinar de onde se origina essa necessidade, O que justifica as mudanças? Benefícios à coletividade ou interesses de grupos?
Partes do Patrimônio Cultural de Brasília estão sendo duramente danificadas. Monumentos, traçado urbano e ambiente natural são perigosamente afetados.
A incúria dos órgãos públicos, encarregados da gestão do patrimônio, talvez seja uma das causas mais graves da lenta corrosão da cidade. Ela é sustentada por declarações irreverentes e irresponsáveis que consideram a cidade-parque um modelo ultrapassado de urbanização humana. Fatos consumados, decisões administrativas por pessoas que não têm compromisso com Brasília, autênticos burocratas de turno, legisladores corrompidos pela máfia imobiliária, o sórdido processo de fabricação de eleitores com base em promessas ilícitas, equivocadas e enganadoras conjugam-se para tornar Brasília uma cidade comum e provinciana.
O superpovoamento do Distrito Federal, somado ao cinturão populacional e habitacional das áreas limítrofes, pressiona e torce os critérios de planejamento urbano característico de Brasília. A migração induzida criou, além de justificativas populistas, a presunção de direito individual e coletivo para ocupação de áreas de proteção ambiental. Qualquer tentativa de análise objetiva e sensata arisca de esbarrar na falácia da discriminação contra os pobres. A discriminação não foi criada por analistas de bom senso. Ela foi utilizada por políticos interesseiros para quem a pobreza constitui apenas uma força eleitoral. Os pobres dos quartos de despejo de Brasília continuam aqui as mesmas privações de escola, saúde, transporte, lazer que os cercavam em seu lugar de origem.
O Patrimônio material de Brasília inclui um elemento poucas vezes mencionado e permanentemente pisoteado: a natureza especial e característica do Cerrado. Dói ver os vidros coloridos da Catedral descompondo-se ao longo dos anos, como dói ver a destruição das áreas de proteção ambiental operada pela especulação imobiliária, associada à política. Dói assistir, todos os anos, a incêndios criminosos da ignorância dos cidadãos.
A superlotação de carros força ampliações de ruas, construção de viadutos, atalhos, retornos com sacrifício de áreas verdes, nascentes e fluxos de água.
O Plano Piloto, com menos de 400 mil habitantes, é invadido diariamente por 600 mil pessoas que não têm conhecimento nem informação sobre o que representa a cidade. Aqui chegamos todos de cidades pequenas ou grandes com hábitos, costumes, conhecimentos e atitudes que pouco ou nada tem a ver com Brasília. Trabalhamos aqui como o faríamos em nossa cidade de origem. Cuspimos no chão aqui como lá. Equívoco foi acenar com oportunidades ilusórias ao invés de criar oportunidades concretas em pólos de desenvolvimento local. Evitar-se-iam as migrações desnecessárias e inconvenientes para a economia nacional. Criar-se-iam condições de melhor desfrute das riquezas ambientais, com menores aglomerações urbanas e com disseminação das culturas regionais.
O ambiente natural é exaustivamente explorado com a densidade de construções em novos conglomerados habitacionais. Intensifica-se o consumo de água e restringem-se as áreas verdes.
A deformação, pela ignorância e pelo imediatismo das ambições individuais, parece, infelizmente, abrir caminho seguro e progressivo. Gabaritos desrespeitados por legislação caudatária de interesses pequenos, puxadinhos, quiosques, pontos de lavagem de carros nas entrequadras, lixões ao longo das vias, modificações viárias para as exigências descabidas do carro individual demonstram a distância entre o cidadão e a cidade-arte.
Fala-se mais da corrupção moral e política dos que sentam no Senado e na Câmara, nos palácios da República e nos ministérios do que na degradação cívica da população que superlota o Planalto. É o momento adequado, quiçá, para retornarmos todos à escola primária da cidadania, reaprender o alfabeto e as boas maneiras para conviver com a cidade que por sua relevância se tornou patrimônio da humanidade.

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