sexta-feira, 5 de setembro de 2008

CARROS

Começa o dia. É lusco-fusco.
Sai o primeiro carro, rodando pelas ruelas além, depois outro e mais outro, dezenas e centenas e o milésimo também.
Param nos semáforos, arrancam em disparada para todas as direções.
Ouve-se o grito da freada.
Na travessia malfadada, um pedestre tombou.
O retorno é demorado, o sinal está fechado.
O trânsito, engarrafado.
Carros frenéticos sobem viadutos, somem em linha reta, centenas vão pela direita, ou dobram pela esquerda.
Correm a cem. Correm centenas e centenas e o milésimo também.
Enchem todas as avenidas, as estreitas ruas e os largos bulevares.
As pessoas não se vêem, como se no carro não houvesse ninguém.
O sinal é amarelo, logo passa ao vermelho e eles rodam na insensatez da fúria.
Os condutores têm que chegar a qualquer lugar. Estacionar. Sentar na cadeira de trabalho, pensando já em voltar.
O carro descansa mais horas do que correu. Voltará pelo mesmo caminho que aprendeu.
Bebe água, óleo, álcool e gasolina, infla-se de ar e corre.
O carro foi multado.
A câmara atenta, no alto do poste, copiou-lhe a placa. Foi preso, guinchado, recolhido ao reformatório dos bons costumes.
O senhor Gol derrapou e se chocou contra a mureta do viaduto.
Alguém está de luto no cemitério.
O carro, levado para a emergência da oficina, recebe os primeiros socorros e os curativos.
Os vivos do acidente, depois do enterro plangente, voltam ao carro novo.
Mas o morto ao carro que o fascinou não volta mais.

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