quinta-feira, 7 de agosto de 2008

SILÊNCIO E NATUREZA

BERÇO DE BRASÍLIA


“Temos preservado, para o presente, monumentos do passado. Agora, ao contrário, pensamos em preservar para o futuro um monumento do presente." − Josué Montello − 1986


O fascínio do nascimento de Brasília surge, primeiramente, do vasto silêncio que lhe serviu de berço na amplidão de um planalto.
O encantamento da cidade, que brotava do chão, se configurava na harmonia entre os edifícios que se elevavam e a paisagem acolhedora e sensual de regatos mansos, caliandras e pequizeiros, aroeiras e jacarandás, barus e chapéus-de-couro, povoados de pássaros e bichos do mato.
Cercada de silêncio espesso, ornada de uma vegetação selvagem e ainda desconhecida, a infanta Brasília fez brilhar seus olhos nas primeiras noites de vigília, surpreendida com o alvoroço de candangos que a tomavam nos braços para acalentá-la.
O silêncio imenso destas colinas e a natureza em festa se iluminaram com um suave facho de luz. Quem viesse de Alexânia, olhando para noroeste, perceberia pontos luminosos piscando na risca do horizonte. Quem chegasse de Paracatu e Cristalina veria, sessenta quilômetros adiante na direção do poente, luzes amarelas bruxuleantes.
O silêncio e a natureza constituem as virtudes originais de Brasília. Palácios, igrejas, escolas, blocos de apartamentos, casas ao rés-do-chão justificariam as clareiras abertas, guardado o silêncio e preservada a natureza.
As caliandras e os pequizeiros, os angicos e os jatobás decorariam e coabitariam com os edifícios cercados de silêncio.
Os destinos da pátria e a esperança dos cidadãos se fortaleceriam, embalados pelo exercício do poder, fecundados pelo germe produtivo do silêncio e pelo aceno da natureza resistente à parcimônia do clima e à avareza das chuvas.
Silêncio e natureza, conúbio singelo que os fundadores da cidade imprimiram à capital do Brasil. Tudo o que viesse agrupar-se a Brasília teria que preservar essas virtudes.
Silêncio e natureza geraram a cidade-parque, ambiente ideal para o desfrute da vida. Nasceu novo habitante no bioma Cerrado, cercado de inspiradora quietude, plantas, flores, pássaros e águas transparentes.
Em que momento se ofendeu Brasília? Em que momento se rompeu a união entre silêncio e natureza? Em que momento o sonho virou pesadelo? Em que momento se tratou Brasília como uma cidade ordinária?
Quando o prefeito da cidade exigiu o título de governador e a criação do ocioso anexo legislativo?
Quando os legisladores decretaram eleições diretas e importaram eleitores desempregados em troca de 40 metros quadrados de chão?
Quando o Cerrado silencioso foi invadido por mercadores de terra e surgiram cidades satélites dentro de um distrito municipal?
Quando as nascentes de água foram soterradas por condomínios invasores, avenidas, pontes e viadutos?
Quando milhares de incautos, atraídos por promessas eleitoreiras, ocuparam o lugar das caliandras e das canelas-de-ema, dos jatobás e jacarandás, dos angicos e jatobás?
Quando o cinismo imobiliário, os pseudo-arquitetos, os armadores de concreto preferiram edifícios em lugar de parques, centros comerciais em vez de bosques, estacionamentos ao invés de jardins?
Quando as áreas públicas se tornaram privadas com a conivência oficial e espaços destinados a terminais rodoviários foram cedidos a hipermercados e igrejas faraônicas forradas de mármore ou granito?
Quando os espaços públicos da orla do Lago se incorporaram às residências particulares como patrimônio hereditário?
Quando a emasculação moral desvirtuou as instituições legislativas e apequenou a administração pública?
Quando administradores, legisladores e governantes caíram na tentação política de produzir eleitores de barriga cheia e cabeça vazia?
Nesses momentos, rompeu-se o silêncio e destruiu-se a natureza.
Nesses momentos, desfigurou-se Brasília.
O que é, hoje, Patrimônio Histórico, Cultural, Natural e Urbano de Brasília?


Eugênio Giovenardi
31/07/2008

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