quinta-feira, 21 de agosto de 2008

DIÁLOGO DAS PLANTAS

Costumo caminhar pelos campos de meu Sítio.
Para compreender a vida, olho, toco, ouço as plantas e as flores pequeninas.
O bem-te-vi sentou num murundu e me desafiou. A corruíra rastejou entre samambaias secas e a lagartixa correu ligeira. O sol dominava sozinho e iluminava cajuís, muricis, mangabeiras e brilhava nas folhas hirsutas do chapéu-de-couro. Apoiei-me no bastão e parei junto a um faveiro.
Envolto no silêncio espesso do cerrado, percebi, a poucos passos, uma flor vermelha, redonda, ereta, com majestade simples de rainha. Ouvi cochichos a sotto voce, como fazem os namorados no teatro, escutando Liszt ou Villa Lobos. Era Caliandra que segredava a Florzinha-azul-do-cerrado histórias de outros tempos. Agucei o ouvido e fingi olhar para longe, no horizonte, na direção do Gama.
− Quem me trouxe para cá foi o vento, dizia Caliandra. Onde minha bisavó morava, houve uma guerra. Um grande fogo devorou árvores grandes e pequenas. Máquinas barulhentas, caminhões e muitos soldados entraram em nossas casas e enterraram vivas milhões de plantas.
− Eles não gostavam de plantas, flores, nascentes de água, perguntou Canela-de-ema, roxa de pavor.
− Parece que não, disse Caliandra, baixando a voz. Na frente das casas e nas janelas, puseram miosótis, azáleas, buganvílias e cambarás. Dizem que a natureza está globalizada e que nós somos menos competitivas.
Ouvi claramente ruídos de protesto de lobeiras, quaresmeiras e do lírio-do-cerrado, prestes a chorar de tristeza.
− Essa gente que nos expulsou de nosso chão prefere os senhores eucaliptos aos pequizeiros e aroeiras, disse Caliandra com gesto de desprezo.
− O pior é o fogo, disse Baru. Todo o ano é a mesma tortura. Cada pessoa que passa me faz tremer de medo. Quando as labaredas arrancam gritos das mangabeiras, dos bacuparis, das taquaras, me desespero sem poder correr daqui.
− Eles prendem fogo em nossa casa com todos nós lá dentro, completou Corticeira, mostrando as cicatrizes do incêndio anterior.
Ao perceber minha presença, as plantas calaram. Andei devagar. Acariciei as folhas do catolé. Abracei a copaíba. Havia sorrisos por toda a parte. O bem-te-vi me desafiou de novo. Afastei-me de seu território.
O Sítio não é meu. É deles.

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