Cícero, esquecendo os inconvenientes da velhice, confessa: “Afigura-se-me (a velhice) repentinamente doce e harmoniosa”. A velhice é o preâmbulo do silêncio maior que se aproxima entre os dias e as noites. O acúmulo de horas, de fatos, de sentimentos, de palavras, a sequência de ilusões e decepções, as glórias da juventude expandidas na mocidade tiveram, em todas as ocasiões, sombras sobre sombras.
Nesta idade cheia de anos, escuta-se o eco de tudo o que foi. Compartilhar o que passou seja mais enfadonho, talvez, do que ter arriscado a dividir os possíveis sonhos que nos seduziam nos anos da inexperiência.
A velhice é inconsútil. É um manto inteiriço, indivisível. É uma história que avança sobre o futuro. São fatos inamovíveis, imutáveis. É dessa história que vive a velhice. O rumo dos acontecimentos futuros perturba a pessoa que já passou por tantos, os viveu e tenha sido quiçá, responsável por eles. Os que virão depois, mesmo ligados aos anteriores, estarão fora de seu controle. É diante desses novos acontecimentos que a velhice busca seu próprio assento virtual. Tudo vai acontecer sem ele e apesar dele. É diante desses imponderáveis que a sabedoria dos anciãos põe em ação a arte de envelhecer.
Não será uma filosofia de vida, mas uma filosofia da ordem natural das coisas. Da infância à velhice é uma sucessão contínua de aparecimentos e desaparecimentos. Na ordem da natureza, estamos sempre na linha de sucessão e desaparecimento. Fica, depois de cada árvore, de cada espécie de flor ou animal, a herança da existência. A centenária árvore atacada pelo caruncho, um dia, será abatida pelo próprio peso ao embalo de um vento desabrido. Cai. Caímos todos. O gorgulho oculto cumpre seu papel na sucessão dos seres e dos dias.
A velhice tem a seu favor a virtude de ser lúcida e paciente. Lucidez e paciência, duas virtudes cardeais da velhice.
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