quarta-feira, 27 de abril de 2011

PENSAR É DIFERENTE



PENSAR É DIFERENTE

Uma das funções que pudessem talvez distinguir o ser humano de outros seres vivos seria a de pensar. “Estava, aqui, pensando” é uma expressão que mistura impulsos, desejos, cálculos ou simplesmente palavras para sondar possibilidades. Pensar é diferente.
Pensar é esquadrinhar as causas de qualquer fato ou acontecimento interior ou exterior ao pensante. Especialmente, é buscar o núcleo essencial do ser, do que é, do que pode ser e do vir a ser. Há uma cadeia longa, cuja sequência pode se desenrolar com ou sem o controle de quem projeta uma ideia, uma opinião, uma ação. Os seres vivos ou inanimados de qualquer natureza estão integrados num único sistema de inter-relações e interdependências. Quando um deles se move, seja uma pessoa, uma aranha ou uma pedra, tudo a seu redor se movimenta. Por não se estar atento a este majestoso  sistema integrado, perde-se frequentemente o controle dos fatos.
Os fatos consumados passam a comandar outros anéis da corrente e, na sociedade humana, empreende-se a carreira para contorná-los, retorná-los, modificá-los, eliminá-los. Nessa humilhante tarefa, gastam-se anos, séculos, milênios. Pensar o essencial, no exercício da existência, evita transformar o importante em urgente. Nosso mecanismo de administração da coisa pública inverte o processo de pensar. Inicia-se com o urgente, confundido-o com o importante, caracterizando-o como essencial.
Toma-se, hoje, a urgente proibição de venda de armas ao cidadão comum como medida essencial para evitar a repetição do Realengo, sem fazer alusão aos meninos da Candelária ou à esquecida chacina do Carandiru cometida pelo braço armado do Estado. Tornou-se, atualmente, essencial o urgente controle das inundações de nossas cidades plantadas sobre nascentes, antigas florestas e margens de rios. Esqueceu-se ou não se pensou que a água é essencial e que precisa de espaço para correr na direção do mar. Decidiu-se, sem pensar, que o importante, guindado à categoria de sonho, era a casa própria, não se importando com os obstáculos postos ao curso das águas. O desprezo pelo essencial gerou urgências no campo econômico, político, social e cultural. O país, sob inúmeros aspectos, soçobra manipulado por medidas urgentes.
Alguns exemplos. Presidente da República não pensa, manda. Administrador não pensa, decide sobre o mais vantajoso. Funcionário público não pensa, despacha papéis. Engenheiro não pensa, calcula. Jornalista não pensa, relata. Empregada não pensa, varre. Eleitor não pensa, vota. Professor não pensa, ensina. Sacerdotes, pastores, bispos não pensam, creem. Soldado não pensa, atira. Político não pensa, articula. Economista não pensa, compara números estatísticos. Só a criança pensa diante do universo imenso, quando pergunta e provoca risos aos adultos. A criança pergunta porque a faculdade de pensar nasce com ela. A escola, a TV, o Ipod, o Iphone, o celular desviam gradativamente a curiosidade do essencial para a manipulação autômata. As maquininhas importantes tornam-se urgentes e o essencial aparece como última opção para evitar a catástrofe.
Quem sabe, a principal função da escola primária, estendida até a universidade, seja a de propor um novo alfabeto para aprender a pensar sobre o essencial.

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